Capítulo 13- Novas descobertas
O sol estava começando a se pôr, quando Gilbert e seus amigos decidiram deixar a praia. A maré que soprava estava mais fria, mas para quem passava a tarde inteira debaixo do sol até que era um frescor bem-vindo.
Ele guardou suas coisas no porta malas do carro, e observou Lindy e Ruby se aproximarem, esperando ver Anne chegar logo atrás, mas curiosamente ela não estava. Assim, Gilbert olhou ao redor, mas não viu nenhum sinal dela, e intrigado ele perguntou às duas garotas:
-Onde está a Anne?- Lindy olhou para trás, pensando que a amiga estava chegando, e também estranhou o fato ao dizer:
-Ela estava atrás de nós agora mesmo.
-Então, acho melhor voltarmos para a praia.- Gilbert sugeriu, preocupado com o sumiço de sua noiva.
Não tiveram que andar muito, pois logo a encontraram sentada na areia, com a cabeça entre as pernas e não parecia nada bem. Gilbert apressou o passo, e chegou até Anne antes das duas garotas. Ele se ajoelhou ao lado dela na areia e perguntou, segurando de leve no ombro dela:
-Anne, o que aconteceu?
-Nada demais. Senti uma tontura, mas já está passando. - Anne respondeu, sentindo a presença de Gilbert deixá-la inquieta. Eles tinham ficado próximos demais naquele dia . A ruivinha se lembrava de todas as vezes em que ele abraçara sua cintura naquele dia, segurara em sua mão, ou acariciara seu ombro. Se ela não estivesse se sentindo fragilizada, talvez não tivesse permitido tanta intimidade da parte dele para com ela, mas não podia dizer que tinha sido desagradável sentir toda a proteção que Gilbert lhe oferecera naquele dia, pois era muito bom ter alguém para cuidar dela de vez em quando, mesmo que esse alguém não tivesse sua total confiança.
-Vou te levar para o hospital - Gilbert decidiu em um segundo, o que fez Anne protestar dizendo:
-Não precisa, Gilbert.
-Você me disse a mesma coisa, hoje mais cedo, e olha aí o resultado - antes que Anne tivesse tempo de pensar, ele a pegou no colo, e com indignação, Anne falou:
-Me coloca no chão,, Blythe. Eu não preciso que me carregue como uma criancinha.
-Precisa sim.- ele respondeu, mantendo-a em seus braços, como se não tivesse a fim de lhe fazer a vontade. Ele sempre a contrariava, será que seria sempre assim até depois que estivessem casados?
-Ainda está se sentindo mal, Anne?- Ruby lhe perguntou, com seu nervosismo típico, vindo logo atrás dos dois.
-Eu estou bem. Não precisam fazer uma tempestade no copo d'água por causa de uma tontura.- Anne disse, tentando acalmar Ruby que parecia estar entrando em pânico. Ela desenvolvera esse problema quando criança, logo quando descobrira como a mãe delas tinha morrido, e assim, toda vez que alguém da família parecia ter alguma doença mesmo que fosse comum, a garota entrava em um processo de ansiedade profunda. Por isso, todos da família, inclusive amigos mais próximos, tentavam evitar situações que a deixassem em um nível de estresse alto a ponto de desencadear uma crise.
-Você é tão teimosa, noivinha. Por que não me disse que estava se sentindo mal quando te perguntei hoje à tarde?- Gilbert disse, colocando-a no banco com cuidado.
-Porque eu não estava. Foi só minutos atrás que me senti um pouco tonta. Vocês estão tornando isso mais sério do que deveria.- Anne respondeu, incomodada com tanta atenção a um fato sem importância.
-Você quase não comeu nada depois do que aconteceu, Anne. Talvez seja mesmo uma boa ideia, Gilbert te levar ao hospital. - Lindy disse, encarando a amiga pelo espelho do carro.
-Nós só queremos cuidar de você, Anne. Por que é tão ruim assim aceitar isso?- Gilbert perguntou, o que quase fez Anne chorar. Ela cuidara de si mesma a vida toda, pois vivendo em uma casa cheia de mulheres, onde a diferença de idade era pouca, cuja genitora havia partido cedo, cada uma delas tivera que aprender a lidar com seus próprios problemas sozinhas. Diana, por ser a mais velha, tentara fazer o papel da mãe, mas com tantos afazeres da casa, o trabalho na mercearia do pai, ela acabara por definir prioridades que às vezes deixavam de fora as necessidades emocionais de suas irmãs.
Ela sempre fora uma boa amiga para Anne, conselheira para Josie, e uma mão protetora para Ruby, mas nunca pudera realmente ajudá-las com determinados assuntos que envolviam emoções e sentimentos mais profundos. Assim, para não sobrecarregar a irmã, Anne desabafava com Lindy, mas havia certas coisas que preferia não partilhar, e deste modo ela crescera sendo autossuficiente, resolvendo ela mesma seus conflitos internos. Por isso, era-lhe tão difícil deixar que alguém como Gilbert visse que ela nem sempre era forte, que se magoava com facilidade, e que se escondia atrás de sua personalidade difícil para que ninguém percebesse o quanto sentia falta de carinho e um ombro para aninhar seus medos sempre que precisasse.
Anne olhou para fora , e deixou seu olhar perdido lá para que ninguém visse que lágrimas estavam a ponto de rolar. Não sabia bem porque se sentia fragilizada naquele momento. Talvez seu quase afogamento tivesse liberado de dentro dela todos seus assuntos mal resolvidos e inacabados, e necessitava recobrar todo o controle de suas emoções, ou faria uma cena e tanto dentro do carro de seu noivo.
-Anne, você está bem?- Lindy perguntou, ao perceber que a ruivinha estava calada, o que acontecia apenas quando ela tinha alguma questão a ser resolvida em sua mente.
-Sim. - ela respondeu automaticamente e tornou a se calar, fazendo Lindy estranhar seu comportamento, mas decidiu respeitar o silêncio de Anne e não tornou a perguntar mais nada até que chegaram ao hospital.
Quando Gilbert soltou seu cinto de segurança, e fez menção de pegá-la no colo de novo, ela disse:
-Não precisa. Eu consigo caminhar. - o rapaz lhe lançou um olhar cheio de dúvida, mas não insistiu, apenas colocou seu braço ao redor da cintura dela, e a fez caminhar a seu lado ignorando a forma aborrecida com a qual Anne o encarou. Ele estava preocupado com ela, e só se sentiria aliviado daquela sensação quando o médico a tivesse examinado detalhadamente.
O hospital era um dos mais conhecidos de Nova Iorque, e Anne sequer se espantou quando a recepcionista se dirigiu a ele pelo sobrenome, pois não era segredo para ninguém que os Blythes eram as pessoas mais importantes daquela cidade.
-Sr. Blythe. No que posso ajudá-lo?
-Minha noiva não está passando bem, e gostaria que um médico a examinasse. - o rapaz explicou, apertando a cintura de Anne suavemente. Ela teria protestado, se não estivesse se sentindo exausta e louca para ir para casa. Não ia adiantar discutir com Gilbert, dizendo que ele estava exagerando, pois o rapaz depois que a salvara estava agindo como seu guardião zeloso, e por isso não admitiria ser contrariado.
-Pode levá-la até a segunda porta à direita. O médico vai examiná-la imediatamente. - a recepcionista disse com simpatia, enquanto Anne olhava de um para outro quase com indignação.
Deveria ter pelo menos cinco pessoas na sala de espera que tinham chegado ali antes deles, e simplesmente fora colocada em primeiro lugar na lista de atendimento. Ela não tinha dúvidas de que isso acontecera por Gilbert ser quem era, mas não achava justo que isso acontecesse, pois os direitos iguais não estavam sendo respeitados, e nunca conseguiria concordar com algo assim.
Gilbert levou Anne até a sala indicada pela recepcionista, e enquanto esperavam pelo médico, o rapaz percebeu o tamanho da sua carranca e perguntou:
-O que houve?
-Não é possível que não tenha percebido que a recepcionista me passou na frente daquelas pessoas que devem estar esperando aqui a um bom tempo. - ela disse torcendo o nariz.
-Pelo menos você vai ser atendida logo, e poderá ir para casa. - Gilbert respondeu, indiferente ao que ela acabara de dizer:
-Não é possível que não veja o quanto isso é errado. Ela fez isso porque sabe quem você é. - Anne disse indignada.
-Anne, do que está reclamando exatamente?- ele disse sem paciência para as crises de consciência dela. Aquela garota enxergava problemas em tudo, até mesmo em um hospital.
-Gilbert, será que não entende que ela me deu essa vantagem por conta do seu nome importante, e isso é errado, porque os direitos de outras pessoas não podem ser violados por conta disso.
-E o que quer que eu faça, Anne? Quer que eu mude meu sobrenome? Isso te deixaria feliz?- ele disse zangado por ela querer fazê-lo se sentir culpado por ser um Blythe, já carregava esse peso a vida toda. Não precisava que Anne o fizesse se lembrar disso.
-Não disse isso. Só acho que….- ela foi interrompida pelo médico que acabava de entrar, mas não deixou de perceber a expressão aborrecida do rapaz. Talvez tivesse pegado pesado demais com ele naquele dia. Não podia se esquecer que Gilbert a salvara e estavam ali porque ele queria se certificar que ela estava bem. Sua maneira de agradecê-lo por isso deixava muito a desejar. Tentaria consertar aquele deslize de sua parte mais tarde.
-Gilbert! Que surpresa boa. Quanto tempo faz que não nos vemos.- o médico disse com uma expressão de prazer genuína no rosto.
-Olá, Dr. Stanford. Não sabia que estava trabalhando nesse hospital. A última vez que falei com seu filho, ele me disse que o senhor estava querendo se aposentar. - Gilbert comentou, apertando a mão do médico com satisfação.
-Eu realmente tinha essa pretensão, mas não consegui me afastar do trabalho. Acho que a aposentadoria não é mesmo para mim. - ele riu e logo em seguida perguntou:- E como vai seu pai? Pelo que me lembro ele é tão viciado em trabalho quanto eu.
-Ele continua no comando das empresas Blythe. - Gilbert disse com certa reserva. Falar de seu pai nunca era algo que gostava de fazer. Na maior parte do tempo ele se esforçava para se esquecer que ele e John tinham o mesmo sangue.
-Ele ainda joga Golf? Preciso convidá-lo para uma partida , em um dia desses.
-Joga sim, mas não sei com que frequência. - Gilbert explicou, pois não fazia muita questão de saber da agenda de seu pai.
-Vou ligar para ele assim que tiver um dia livre. Agora me diga o que o trouxe aqui? - o médico perguntou ao rapaz que respondeu:
-Minha noiva quase se afogou no mar hoje, e está sentindo tonturas.
-Além de tonturas, está sentindo alguma dor?- o médico perguntou diretamente a Anne, enquanto lhe examinava as pupilas.
-,Não. - ela respondeu.
-Náuseas ou dor em alguma parte do corpo?- Anne balançou a cabeça negando, enquanto sentia os olhos de Gilbert sobre ela. Depois de alguns minutos de exame minucioso, o médico disse:
-Creio que foi apenas o estresse do acidente. Precisa descansar para que seu metabolismo volte ao normal, por isso, eu a aconselho que tome um banho morno, e se deite logo em seguida.
-Está bem. - Anne respondeu, vendo o alívio suavizar a expressão de Gilbert.
-Então, vocês vão se casar? -Dr. Stanford perguntou com curiosidade.
-Sim, daqui a dois meses. -Gilbert respondeu, segurando na mão de Anne que mais uma vez não o rejeitou.
-Você precisa saber de uma coisa sobre esse rapaz, minha querida. Eu conheço Gilbert desde criança, e ele é muito responsável, e cuidadoso com as coisas e pessoas que ama, mas isso você já deve ter percebido.- Anne balançou a cabeça concordando, mas no fundo não fazia ideia daquela característica da personalidade de seu noivo, e para falar a verdade a si mesma, nunca quisera saber nada mais do que a ideia que tinha a respeito dele. Porém, o que já tinha notado era que todo mundo que conhecia Gilbert tinha uma ótima opinião a respeito dele, menos ela.- E você, Gilbert? Posso te fazer uma pergunta?- o médico disse, olhando para o rapaz de um jeito maroto.
-Claro. - Gilbert respondeu sorrindo.
-Você perdeu seu medo de agulha? Me lembro da última vez em que trouxe seu pai para fazer exame de sangue, e desmaiou assim que viu a enfermeira com a seringa de injeção nas mãos.- Anne começou a rir ao imaginar a cena, enquanto Gilbert ficava vermelho de vergonha.
-Dr. Stanford!- Gilbert disse protestando e logo imaginou que Anne iria rir da cara dele um tempão por ter descoberto aquela sua fraqueza.
-É apenas uma brincadeira, Gilbert. Prometo que isso vai ficar entre nós três. - O médico disse cheio de humor. - Se quiser levar sua noiva para casa, ela está liberada.
-Muito obrigado, Dr. Stanford.- o rapaz disse, enquanto ajudava Anne a se levantar.
-Por nada. Se precisarem de mais alguma coisa, estou à disposição. - O médico respondeu, enquanto os observava caminhar para fora do consultório.
-Então, o todo poderoso Gilbert Blythe tem medo de agulha?- Anne disse, debochando do rapaz que resmungou para que ninguém mais ouvisse:
-Esquece isso, Anne. Por favor.- a ruivinha ia perturbá-lo mais um pouco, mas desistiu ao se aproximar de Ruby e Lindy que lhe perguntou:
-Então, o que o médico disse?
-Está tudo bem. Ele disse que a causa da tontura foi estresse do quase afogamento. Preciso apenas tomar um banho relaxante e dormir.
-Graças a Deus.- Ruby disse, visivelmente aliviada.
-É melhor não comentar nada em casa, Ruby. Não quero que se preocupem com esse incidente infeliz. Acha que pode guardar segredo sobre isso?- Anne pediu. Diana já tinha muita coisa para pensar. Seu pai vivia com a cabeça enterrada no trabalho, e Josie,a ruivinha duvidava que ela se importaria com o que lhe acontecera, mas ainda assim não queria que aquele assunto chegasse ao conhecimento de sua família. Ela estava bem, nada de mais grave acontecera e queria esquecer completamente toda aquela situação, mas teria que fazer algo antes que parecesse totalmente injusta.
Gilbert as levou para casa, e o que Anne percebera foi sua expressão séria, que ele também não a estava tentando observar pelo espelho do carro. De certa forma, ela se sentiu desconfortável com a sensação de que estava sendo ignorada por ele, mas entendeu que isso acontecera porque o fizera enxergar de forma bruta o poder que seu nome tinha sobre as pessoas.
Quando o rapaz parou o carro a alguns metros da casa de Anne, Ruby e Lindy se despediram rapidamente do rapaz e deixaram Anne sozinha com ele, que não perdeu tempo em dizer:
-Eu te devo um pedido de desculpas. Não devia ter surtado daquele jeito no hospital. Você me salvou de um afogamento, e eu acabei não te dando crédito nenhum por isso.- Gilbert não esperava ouvir tais palavras de Anne. Normalmente, ela dizia o que pensava dele sem levar em conta os efeitos que suas palavras causavam nele. No entanto, apesar de as outras vezes não ter se importado, dessa vez doeu de verdade, pois mexia com questões que lhe importavam e que o feriam. Ninguém sabia o quanto ser filho de um dos homens mais ricos do país o deixava em uma posição vulnerável no que dizia respeito à seus próprios sentimentos em relação a John.
-Eu aceito suas desculpas, mas quero deixar claro que não pedi para nascer nessa família, e ser um Blythe não me dá privilégio nenhum dentro dela. Quem as pessoas respeitam é meu pai e não a mim. Elas apenas me adulam, porque esperam ter vantagens futuras. Então, acho que invalida qualquer ideia sua de que vivo em um mundo dourado onde tenho tudo de mão beijada, e da forma mais fácil possível. - Gilbert disse, deixando toda sua mágoa transparecer na voz, pois estava cansado de ser visto por Anne com alguém que não levava nada a sério, e usava seu sobrenome para atingir seus objetivos.
-Desculpe, de verdade. Eu estava errada, e admito isso. De qualquer forma, eu gostei muito de nossa tarde na praia, apesar do incidente desagradável que quase estragou tudo. Fazia tempo que eu não me dava a chance de relaxar assim.- ela disse,colocando sua mão sobre a de Gilbert que se apoiava sobre o volante.
-Se deseja mesmo que eu te desculpe, quero que faça algo por mim.- ele disse, voltando a sorrir para Anne daquele jeito que lhe provocava um arrepio em sua nuca.
-Eu sabia, Blythe. Vai querer tirar vantagem disso, não é?- Anne respondeu, rindo. - Vamos lá, me diga o que quer:
-Quero que vá visitar minha avó Cora comigo amanhã.
-Sua avó Cora? Aquela que disse que é muito parecida comigo?- Anne perguntou, espantada.
-Sim, acho que vai gostar muito dela. Vocês são praticamente almas gêmeas. - Gilbert disse de forma divertida que fez Anne balançar a cabeça e responder:
-Não acredito que exista alguém que seja tão rabugenta e difícil como eu. Às vezes sou um completo pesadelo para outras pessoas. - Gilbert sorriu com aquela descrição que Anne fez de si mesma. Ela era difícil sim, e às vezes seu gênio forte o deixava de cabelo em pé, mas ele não mudaria uma sarda naquele rosto incrível ou naquela personalidade única.
-Você tem muitas qualidades, Anne. Não sei porque se vê de forma depreciativa. - ele a elogiou, e a ruivinha corou, logo se sentindo uma idiota por isso.
-Talvez porque eu tenha nascido em uma casa onde meu jeito destoa completamente do das minhas irmãs. - ela confessou, e logo se arrependeu. Não queria se abrir assim com Gilbert, e não queria se sentir à vontade demais ao lado dele. Não era certo, e nem prudente.
-Você não precisa se sentir diferente de suas irmãs, Anne. Gosto de você assim. Marrenta, estressadinha e especial. - o rapaz disse, segurando no queixo de Anne que quis sorrir, mas o jeito com que aqueles olhos se perdiam em sua boca, e a vontade que ela estava sentindo de ter a maciez dos dele nos seus a fez ficar séria demais e responder:
-Está bem. Vou com você visitar sua avó. Não precisa tentar me convencer com suas palavras doces.- ela torceu o nariz, tentando fazer daquilo tudo uma piada, mas seu coração estava na garganta, e quase pulou para fora, quando Gilbert se inclinou e deixou um beijinho na ponta do nariz.
-Obrigado. Passo por aqui amanhã cedo. Vamos almoçar com minha avó. A comida dela é divina.- o rapaz respondeu, ajudando Anne a se soltar do cinto de segurança, enquanto a ruivinha tentava se recuperar da situação que acabara de acontecer.
-Até amanhã. - Anne disse, saindo logo do carro, antes que algo mais sério acontecesse entre ela e Gilbert, pois sabia que passaria dias se recriminando se não resistisse aquela atração tão sem propósito. Como poderia querê-lo perto se o odiava pelo que ele fizera a seu pai?
-Até amanhã, noivinha.- Gilbert respondeu apenas com o intuito de deixá-la brava. Ele nunca resistia aquela necessidade de acender uma fagulha naqueles olhos azuis. Era seu estímulo e mais recente prazer.
Anne entrou em casa onde um silêncio reconfortante reinava. Ruby com certeza estava em seu quarto com o rosto afundado nos seus livros de romance. Diana devia ter saído com Jerry, seu pai tinha o hábito de ir à igreja na sexta-feira à noite, por isso não era surpresa nenhuma que ele não estivesse por ali, e Josie parecia não estar em casa também.
Suspirando aliviada, ela se encaminhou para seu quarto, mas parou no meio do caminho ao ouvir o barulho da porta se abrindo, congelando momentaneamente ao ver Josie entrar em casa acompanhada de Billy.
A raiva começou a ferver dentro de Anne ao pensar que Josie fazia de tudo para irritá-la. Que ela quisesse continuar a sair com Billy, ignorando os avisos de Anne, isso era apenas problema dela, mas daí a trazer o rapaz para dentro de casa, sabendo que ele era bem pouco bem-vindo ali, era testar sua paciência além do limite.
-O que ele faz aqui, Josie?- Anne perguntou secamente.
-O que acha que ele está fazendo aqui? Ele é meu namorado, e tem todo o direito de estar aqui.- a loira respondeu, enquanto Anne via um sorriso de sarcasmo surgir no rosto do rapaz.
-Parece que minha presença irritou sua irmãzinha. - ele disse, passando o braço ao redor da cintura de Josie.
-Pois ela que engula a irritação, porque se ela pode trazer o noivo dela aqui, eu também posso trazer meu namorado. - Josie disse, olhando para Anne de forma desafiadora.
-Você sabe que as portas dessa casa não estão abertas para ele.- Anne disse, ficando entre a porta e o corredor para impedir que Josie passasse por ela com Billy.
-Quem disse isso?- Josie perguntou, com seus olhos fuzilando Anne, cheios de raiva.
-Eu estou dizendo. E se insistir nisso vou pedir para o papai proibir a entrada dele nessa casa.- Anne disse em tom de ameaça.
-E você acha que o papai vai te ouvir?-
Josie disse rindo, fazendo Anne se aproximar do ouvido da irmã e dizer baixinho.
-Você sabe que ele vai me ouvir, pois sou eu quem está salvando a pele dele, se esqueceu?
-Vamos para outro lugar, Billy. O ar daqui está todo poluído.- Josie disse resmungando, enquanto Billy lançava um olhar malicioso para o corpo de Anne, que sentiu o nojo revirar seu estômago. Foi só quando se viu sozinha que conseguiu ir para seu quarto, apreciando a calma de sua própria casa.
Na manhã seguinte, Anne se levantou cedo. Como Diana não estava em casa , ela seria responsável pelo café da manhã. Quando estava tudo pronto, seu pai apareceu na cozinha e disse:
-Vai sair, filha?
-Vou conhecer a avó de Gilbert. Vamos almoçar com ela, por isso não se preocupe.. - Anne respondeu, servindo o pai com sua xícara de café preto.
-Onde estão Josie e Ruby ? - Walter perguntou, ao sentir falta das duas garotas no café da manhã.
-Acho que ainda estão dormindo. - Anne respondeu, comendo suas rosquinhas favoritas de chocolate.
-Vai ficar fora o dia todo?- o homem mais velho perguntou, passando manteiga em sua torrada.
-Não. Gilbert me disse que passaríamos a manhã com a avó dele, mas não me falou nada do período da tarde.- Anne esclareceu.
-Espero que se divirta.
-Eu também. - Anne respondeu, se sentindo tão temerosa em conhecer a avó dele como temera conhecer John Blythe. Tudo naquela família a assustava e quando pensava que em breve seria um membro dela por cinco anos, seu corpo todo quase entrava em um estado convulsivo.
Dez minutos depois, uma buzina lá fora fez Anne pegar sua bolsa e sair. Não sabia nada sobre a avó de Gilbert além do que o rapaz tinha lhe contado, mas esperava que pudessem ter um bom relacionamento já que conviveriam pelos próximos cinco anos nas datas mais importantes da família
-Está animada para conhecer minha avó?- Gilbert perguntou, enquanto abria a porta do carro para ela.
-Confesso que sinto um pouco tensa. Você me disse que ela é parecida comigo, então, já deve ter imaginado o que pensei. - Anne respondeu, observando Gilbert se sentar ao volante e começar a dirigir.
-Está nervosa à toa noivinha. Minha avó é ótima e você vai gostar muito dela.- Gilbert disse, fazendo Anne desejar que aquilo fosse mesmo verdade.
Eles chegaram à casa da avó de Gilbert um tempo depois, e ao primeiro olhar Anne ficou apaixonada. A casa era simples, mas tão adorável que a lembrava daqueles lugares mágicos de conto de fadas. As paredes eram de cor neutra enquanto que as janelas eram pintadas de vermelho, destacando seu formato colonial. Na frente havia um pequeno lago que funcionava como um aquário, onde diversos tipos de peixe se divertiam, nadando dentro dele vigorosamente. Ao redor da casa, muito verde se espalhava entre árvores e vegetações que lhe davam a sensação de estar no meio do campo, ao invés de na cidade de Nova Iorque.
Na porta da casa, uma senhora muito simpática os esperava sorrindo, que lhes disse quando se aproximaram:
-Finalmente vocês chegaram. E você é a Anne.- a ruivinha sorriu diante daquela afirmação, imaginando que Gilbert havia falado sobre ela para a boa senhora que a encarava com tanta franqueza.
-Sou eu mesma., Anne respondeu, apertando a mão de Cora com delicadeza.
-Meu neto me falou sobre você, e devo confessar que você é mais bonita do que imaginei. Vamos entrar, pois temos muito que conversar.- Cora disse, ganhando um beijo de Gilbert, que colocou o braço em volta do ombro da boa senhora carinhosamente, enquanto entravam para dentro da casa.
Ela os conduziu a uma sala ampla e arejada, cuja janela dava para os fundos da casa. Dali, dava para se observar muitas árvores frutíferas, um balanço, um espaço muito amplo onde podia-se imaginar crianças correndo por todos os lados, e encontrando ali o lugar perfeito para suas férias de verão.
-Gilbert cresceu aqui. Eu ainda me lembro desse garotinho aos cinco anos de idade. Ele me deixava completamente louca.- Cora contou, rindo daquela lembrança como se fosse a melhor de sua vida.
-Eu posso imaginar.. - Anne disse cheia de humor, vendo Gilbert coçar a nuca como se estivesse sem graça. Era bom descobrir coisas sobre ele nas quais nunca pensara antes.
-Ele tinha acabado de perder a mãe, quando o pai dele o trouxe para ficar comigo por algum tempo.- Cora continuou sua narrativa, enquanto servia ao casal de noivos uma xícara de chá. - John disse que ele precisava de espaço para gastar sua energia infantil, e aqui era o local ideal para isso.
-Vovó, precisa mesmo falar disso? Não acho que Anne esteja interessada nesse assunto.. - Gilbert tentou interromper. Não gostava de ser o principal assunto daquela conversa.
-Ah, eu estou sim..- Anne respondeu.. - Ele morou com a senhora por muito tempo?
-Durante três anos, enquanto John tentava recompor sua vida. Kate, a mãe de Gilbert era minha filha, e por isso, senti que tinha responsabilidades com ele. Esse rapazinho precisava de amor, e decidi que seria eu a lhe dar exatamente o que eu necessitava. - a boa senhora disse, segurando na mão do rapaz, que beijou a dela com respeito.
-Deve ter sido difícil para a senhora.- Anne comentou, tomando um gole de chá.
-Não tanto quanto foi para Gilbert. Nos primeiros meses ele vivia agarrado à mim, como se temesse que eu desaparecesse assim como a mãe ele, mas depois de algum tempo, ele foi ganhando confiança, e encheu essa casa de alegria.- Cora concluiu, olhando para o rapaz com tanto amor, que tal cena emocionou Anne a ponto de fazê-la pensar na própria mãe de quem não tinha nenhuma lembrança física.
-Eu perdi minha mãe cedo também. Mas como era muito pequena, não me lembro de como ela era a não ser por meio de fotografias.- Anne revelou, fazendo Cora olhá-la com compaixão e murmurar.
-Sinto muito, querida.
-Tudo bem. Já faz muito tempo.- Anne respondeu, encontrando o olhar de Gilbert que estava cheio de uma dolorosa compreensão que fez sua garganta se apertar, mas logo tratou de afastar tal sensação.
-E você, meu amor. Já fez as pazes com seu pai?- Cora perguntou, pegando Gilbert de surpresa.
-Não vamos falar disso, Vovó. - Gilbert respondeu, se sentindo incomodado. Toda vez que ele aparecia para visitar sua avó, ela lhe fazia a mesma pergunta, e a sua resposta também era sempre a mesma, mas naquele dia em especial, ele não queria discutir aquele assunto na frente de Anne. Ela não precisava saber de seus conflitos familiares.
-Já faz anos, Gilbert. Não acha que está na hora de perdoar?- Cora perguntou, encarando o rapaz com sua expressão sincera.
-Como pode dizer isso depois do que ele fez com sua filha?- Gilbert perguntou, revoltado com o comportamento passivo de sua avó diante de algo que não poderia ser justificado de forma nenhuma.
-Você deveria conversar com seu pai sobre isso. Nem sempre as coisas são como parecem.- Cora disse, acrescentando certa filosofia às suas palavras.
-Podemos mudar de assunto, Vovó, por favor? Eu trouxe a Anne aqui para te conhecer, e não para discutir esse tipo de assunto.- Gilbert pediu, se sentindo contrariado pelo rumo que a conversa estava tomando.
-Está bem, meu querido. Mas, você sabe que vou voltar nesse assunto um outro dia.- Cora afirmou, e Anne observou Gilbert assentir, mas manter no rosto o ar aborrecido. Havia algo naquela história que o afetava diretamente, o que fez Anne se perguntar que coisa tão grave John tinha feito para deixar seu noivo alterado daquele jeito.
Nas horas seguintes, Cora mudou a conversa para algo mais divertido, fazendo Anne rir de suas aventuras ao volante dentro da cidade de Nova Iorque. A avó de Gilbert aproveitou para contar um pouco mais sobre a infância do neto, e Anne quase gargalhou ao saber que aquele rapaz atrevido quando criança, morria de medo de trovão e corria para a cama de Cora, pedindo abrigo para o seu pavor. Era difícil imaginar Gilbert em uma situação de completo desamparo, mas ao mesmo tempo era bom saber que ele também tinha alguns pontos frágeis, apesar de sua aparente segurança.
Apesar de ser o tópico da conversa, Gilbert se sentiu feliz ao ver que Anne e Cora estavam se dando bem. Sua avó tinha um jeito de tratar as pessoas que as fazia se sentir imediatamente em casa. Ela fora e ainda era seu alicerce de toda vida, pois desempenhara o papel de mãe que faltara na vida de Gilbert tão cedo, e ele só tinha a agradecer por ela ter acolhido com boa vontade e bom humor todos os seus traumas infantis, e o ajudado a se tornar o homem que era hoje.
O almoço foi servido, e Anne pôde comprovar que Gilbert não mentira. A comida de Cora era realmente deliciosa, e a ruivinha se viu repetindo uma segunda vez o prato de strogonoff que a boa senhora preparara para aquele dia em especial, coisa que não fazia nos almoços de sua própria casa. Logo após a sobremesa, Gilbert decidiu levar Anne para casa, já que ele sabia que sua avó tinha seus próprios compromissos sociais na parte da tarde.
Ao se despedir, Cora disse:
-Adorei te conhecer, minha querida. Espero que volte mais vezes para me visitar.
- Volto sim, e espero vê-la em nosso casamento.- Anne disse, beijando Cora no rosto.
-Estarei lá, e por favor, tome conta do meu menino. Apesar de ser um homem forte, eu sei que lá no fundo ele é apenas uma criança crescida.- Gilbert não disse nada, mas Anne percebeu que ele ficara sem graça pela franqueza da avó novamente. Agora ela entendia porque o rapaz dissera que ela e Anne eram tão parecidas.
O rapaz beijou a avó e a abraçou, e em seguida encaminhou Anne para o carro, O qual dirigiu até a casa da ruivinha sem trocar uma só palavra com ela, pois ele estava com seus pensamentos perdidos demais em um passado do qual não conseguia esquecer.
Quando Gilbert parou o carro, Anne o encarou e perguntou:
-O que o está incomodando, Gilbert?
-Deixa esse assunto para lá, Anne.
-Eu sei que não somos noivos convencionais, mas é óbvio que tem algo aí dentro te consumindo. Então, porque não me diz o que tem de errado?- para dar a ele mais conforto, Anne segurou na mão dele, e ouviu o rapaz suspirar.
Ele carregava aquilo dentro de si por tempo demais, e somente Cora sabia do motivo dele se manter distante de John daquela maneira . O rapaz se virou para Anne e viu no rosto dela uma espera paciente que o fez ter vontade de falar. Talvez se desabafasse com ela aquele sentimento ruim fosse finalmente embora.
-Meu pai traiu minha mãe quando ela estava em seu leito de morte. Eu tinha apenas cinco anos, mas o vi com aquela mulher que se dizia sua amiga. É óbvio que não entendi o que estava acontecendo na época, mas quando cheguei na adolescência, eu os vi juntos novamente, e entendi o que tinha presenciado antes . Ele sequer esperou que minha mãe fosse enterrada para ter um caso, e foi a primeira vez que compreendi o pouco valor que ele dava a mulher que lhe dedicou a vida.- Havia tanto sofrimento ali, que Anne o sentiu em sua pele. Não conseguia sequer imaginar uma situação dessas acontecendo com ela, mas se tivesse ocorrido algo assim que a tivesse magoado tanto quanto Gilbert, com certeza agiria do mesmo jeito.
-Falou com seu pai sobre o assunto? - Anne perguntou chegando mais perto dele.
-Não consegui. É difícil demais falar com alguém sobre algo que aconteceu a tanto tempo, e sobre o qual não posso perdoá-lo.- a tristeza dele era tão evidente, que Anne sentiu uma vontade imensa de tirá-lo dela, por isso fez algo do qual não sabia se teria arrependimentos depois, mas não quis pensar nas consequências futuras.
-Olha para mim. - Anne disse, e ele obedeceu. Carinhosamente, ela passou a mão direita pelo rosto dele, encarou os olhos castanhos e colou seus lábios.
Surpreendido por aquele gesto dela, o rapaz nem teve tempo de pensar. Suas mãos se espalmaram nas costas dela, e a empurraram em direção ao corpo dele, que acolheu todo o calor daquela garota delicada que bagunçava com sua cabeça de um jeito que o deixava louco. Suas bocas se moveram na mesma sincronia, enquanto suas línguas se acariciavam lentamente. Gilbert não sabia o que levara Anne a beijá-lo daquela maneira, mas não importava, porque ele quisera beijá-la tantas vezes nos últimos dias, mas não o fizera porque tivera medo da reação dela. E agora seu desejo tinha se realizado, e ele não podia fazer mais nada a não ser curtir aquele momento intenso com ela.
Anne estava perdida em suas emoções confusas, e não sabia exatamente o que estava fazendo. Tudo no que conseguia pensar era como o beijo de Gilbert a fazia se sentir, e por mais que quisesse fingir que aquele beijo fora apenas um consolo para o rapaz, não podia negar que seu coração estava batendo desgovernado dentro de seu peito. O ar acabou, e assim o beijo foi interrompido. E enquanto Anne tentava controlar sua respiração, Gilbert segurou seu rosto com as duas mãos e disse:
- Você me beijou.
-Não se acostume com isso,, Blythe. E juro que se contar para alguém, vou negar tudo até a morte.- Anne disse em tom de ameaça que fez Gilbert rir e dizer:
-Está bem, noivinha. Será um segredo só nosso.
-Adorei a sua avó. Ela é uma mulher incrível. - Anne disse, se preparando para se despedir.
-Eu te disse que ela se parecia com você. - Anne sentiu um frio no estômago, ao pensar se a palavra incrível tinha a ver com a maneira com que Gilbert a via, por isso não entendera se aquele fora um elogio destinado diretamente à ela.
-Obrigada. Eu apreciei demais essa manhã. - ela comentou, abrindo a porta do carro.
-Eu também. - ele disse, acariciando o pulso dela, antes de Anne sair do carro de vez.
-Preciso entrar, até mais.- Anne disse se encaminhando para a porta da frente.
-Até mais, noivinha.- Gilbert respondeu, sentindo naquele instante que de alguma forma ele e Anne tinham estabelecido uma comunicação sincera, e talvez algo de bom pudesse resultar de tudo aquilo,ele só não sabia bem o que poderia ser
Olá, pessoal desculpem a demora. Me deixem seus comentários se assim o desejarem. Beijos
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