Capítulo 11 - Almoço em família
O relógio marcava seis horas da manhã naquele domingo, e Anne simplesmente gemeu inconformada. O único dia em que podia acordar mais tarde, e o sono resolvera sumir de repente, deixando-a de olhos completamente abertos, fitando o teto do próprio quarto, sem conseguir voltar a dormir.
Maldito Gilbert Blythe que estava em seu pensamento desde o dia anterior. Ela se arrependia amargamente de ter concordado com seu pai e o convidado para o almoço em sua casa. Agora teria que bancar a noiva abnegada, ajudar o pai a preparar a refeição daquele dia, e nem poderia ser a famosa macarronada dominical do Shirley, porque seu noivo acostumado com filé mignon, deveria ser tratado como um rei, e por isso Walter decidira que fariam um de seus pratos mais complicados, o que lhes renderia boas horas na cozinha até que tudo estivesse perfeito e ao gosto de seu pai.
Por ela, serviria uma pizza mesmo, e se Gilbert não gostasse, que fosse fazer sua refeição em outro lugar que lhe agradasse mais. No entanto, seu pai tinha que ser o anfitrião perfeito, e oferecer o melhor de sua especialidade para um homem que simplesmente ameaçara mandá-lo para a prisão, se não desse a mão dela a ele em casamento.
Se não bastasse a inconveniência da presença de Gilbert em sua casa, arruinando seu domingo, ainda teria que aturar os suspiros de Ruby cada vez que os olhos da irmã caíssem sobre seu noivo, e a fúria silenciosa de Josie, por Anne ter-lhe roubado a oportunidade de sair daquela vida que levava e se tornar uma milionária do petróleo.
Se Josie soubesse que Anne lhe cederia de bom grado sua posição de noiva de Gilbert Blythe, talvez a irmã a tratasse com menos acidez e recalque. Ela não desejava aquele casamento, não queria aquele homem e muito menos a vida glamourosa que viria de brinde com aquela união descabida. Tudo o que Josie considerava importante, para Anne não valia nada, pois não nascera para vestir roupas de seda ou sapatinhos de cristal. Estava bem satisfeita com seu velho jeans e tênis all star. Não precisava de um conversível para ir para a faculdade, pois a Van que pegava todos todos os dias fazia esse trabalho eficientemente, e também não precisava de empregados fazendo todas as tarefas por ela, pois tinha duas mãos saudáveis que realizariam qualquer atividade a qual se propusesse com energia e satisfação. O que podia constatar era que o deuses maldosamente acabaram com sua alegria, colocando todo aquele peso em suas costas, o qual teria que suportar bravamente por cinco anos e não via nenhuma brecha em toda aquela situação, que a ajudasse a escapar do que a aguardava dali a dois meses.
Com tantos pensamentos tirando o seu sossego, Anne atirou as cobertas de lado, vestiu suas pantufas rosas de coelhinho e foi até a cozinha preparar o café da manhã. Quem normalmente fazia isso aos domingos era Diana, mas naquela manhã Anne decidira poupar a irmã do esforço, e organizar ela mesma a primeira refeição do dia de toda a família.
Quando Diana apareceu na cozinha uma hora depois, se surpreendeu ao ver que Anne tinha arrumado tudo, e perguntou:
-Que bicho te mordeu? Nunca acorda antes das oito aos domingos.
-Um bicho chamado Gilbert Blythe. Está bom para você?- Anne respondeu sarcasticamente enquanto Diana a observava com curiosidade.
-O que ele fez dessa vez?
-Na verdade não fez grande coisa, mas ele me estressa profundamente. - Anne disse, tirando a última panqueca do forno.
-Ele te irrita mesmo ou é outra coisa?- a morena perguntou, fazendo Anbe responder de forma aborrecida.
-Ele me irrita mesmo.
-Eu ainda não entendo porque você sente tanta antipatia por alguém que até agora tem feito de tudo para agradar. Não foi você mesma que me disse ontem que ele te comprou um enxoval completo? - Diana perguntou, cruzando os braços em frente ao próprio corpo.
-Você sabe porque ele fez isso. - Anne afirmou, acrescentando mais açúcar ao bolo que estava preparando.
-E por que ele fez isso?- Diana a questionou.
-Porque ele tem vergonha de como me visto, e minhas roupas sem grife não são boas o bastante para a futura senhora Blythe usar.
-Você está mesmo armada até os dentes para odiar esse rapaz pelos cinco anos em que ficarem casados. Não pensa que pode estar sendo injusta? Tanto rancor pode estar te impedindo de ver as qualidades que Gilbert possui. - Diana a alertou.
-E que qualidades você enxerga nele? Pode me dizer?- Anne perguntou com as mãos na cintura.
-Ele é simpático, amável e faz questão de deixar todo mundo à vontade.
-Não passa pela sua cabeça que ele pode estar fingindo?- Diana a olhou surpresa e perguntou:
-Por que ele faria isso?
-Por que para um manipulador como ele é fácil enganar todo mundo. - Anne respondeu, começando a arrumar a mesa do café da manhã.
-Anne, qual é o real problema? Por que faz de tudo para não gostar do Gilbert?
-Eu não gosto do Gilbert, Diana. É simples assim. Ele me estressa, irrita ao extremo, definitivamente não faz bem nenhum para mim.- ela estava aborrecida por Diana querer pintar uma imagem de Gilbert que não existia. Ele até tinha sido bacana com ela no dia anterior, e a cena do quase beijo a perturbava toda vez que se insinuava em sua mente, mas estava colocando a si mesma em primeiro lugar, e não era tola para achar que se ele a tivesse beijado, significaria algo mais do que simples libido masculino. Anne sabia o que o rapaz estava tentando fazer com seu coração, e não ia deixar que ele o conseguisse tão facilmente.
-Você poderia pelo menos ver a situação por outro ângulo. Sei que não sou eu que está sendo obrigada a casar com um quase desconhecido, e conhecendo você como conheço sei que você está sofrendo pela decisão que foi obrigada a tomar. Tudo o que estou tentando fazer é enxergar opções nesse casamento que te faça mais feliz, e se puder encontrar fatores positivos no seu futuro marido isso tornará sua convivência mais fácil.
-Não sei se isso será possível, Diana. Eu não confio no Gilbert.
Anne….- Diana disse, e a ruivinha a interrompeu, pois sabia que quando a irmã mais velha resolvia advogar em favor de alguém, seus argumentos durariam por horas, se não lhe fosse imposto um limite.
.-Diana, podemos falar de outra coisa? Gilbert Blythe definitivamente não é meu assunto preferido.- Diana cedeu, pois como sabia que Anne não parecia disposta a ouvir seus conselhos, não adiantaria insistir em uma causa perdida.
Deste modo, a conversa se direcionou para outros assuntos, e a lembrança de Gilbert foi relegada ao segundo plano até ser lembrada novamente quando Walter começou o almoço e percebeu que faltavam alguns ingredientes,incumbindo Anne de ir buscá-los no mercado mais próximo, o que ela fez resmungando a cada dois segundos, pois estava realmente arrependida daquele almoço sem sentido. Não ia se casar pelos meios comuns, então por que tinha que tratar Gilbert como se fosse da família?
Quando estava saindo de casa, encontrou Lindy, que percebendo sua cara amarrada, perguntou:
-Qual é o problema agora, Anne? Parece que engoliu limão puro, só pela cara azeda que está fazendo. - Lindy era uma das poucas pessoas que dizia o que pensava para Anne e não recebia uma resposta atravessada. Por se conhecerem desde criança, tinham essa liberdade, e nunca sequer brigaram por qualquer opinião adversa que tivessem uma da outra. Elas se amavam e se respeitavam, e isso era o bastante para entenderem que em sua amizade jamais deveria ter reticências. Nada era deixado de ser dito para poupar o sentimento da outra, pois tudo o que conversavam visava contribuir para uma melhor visão da situação pela qual estivessem passando.
-Gilbert vem almoçar na minha casa hoje. Isso não é um bom motivo?- ela perguntou fazendo careta para a amiga que riu e comentou:
-Já estão nesse grau de intimidade?
-Não existe intimidade nenhuma. Só uma ideia sem noção do meu pai de querer reunir minha família com esse cara, que eu aceitei para ter um pouco de paz.
-Que pelo jeito não funcionou, se está irritada desse jeito. Por que não gosta dele, Anne?
-É a segunda vez que escuto essa pergunta hoje. Vou ter mesmo que responder? Você sabe de toda a história por trás desse casamento. - Anne começou a andar, e Lindy lhe fez companhia.
-O cara é um gato, Anne. Não dá para reconsiderar?- Anne olhou para a amiga com seriedade e respondeu:
-Pare de pensar em Gilbert com outra parte de seu corpo, e se lembre na enrascada que meu pai me meteu por conta da irresponsabilidade dele.
-Você aceitou as condições de Gilbert, então acho que não tem muito o que se fazer, não é?- Lindy deu um tom tão desesperança às suas palavras que fez Anne parar de andar e dizer:
-Se fosse o seu pai, o que você faria?
-Talvez o mesmo que você, mas tentaria tirar proveito daquele homem lindo.- Lindy respondeu com um gracejo que fez Anne ficar irritada:
-Você não está pensando com sua cabeça de novo. Você é impossível, Lindy.
-Estou apenas tentando te fazer rir. Vamos, Anne, um almoço não pode ser tão ruim.- a amiga disse, colocando um dos braços ao redor do ombro dela como forma de apoio.
-Não quero que isso se torne um hábito. Meu pai parece não ter uma opinião muito clara sobre esse casamento. E parece ter esquecido que Gilbert não é o marido que escolhi para mim, e tentar trazê-lo para dentro de nossa família é uma ideia bastante ridícula.
-Talvez ele esteja apenas tentando tornar as coisas mais fáceis para você - Lindy opinou, mas Anne discordou dizendo:
-E no que facilita para mim tornar Gilbert parte da minha família?
-Não sei, talvez criar uma certa proximidade entre vocês possa construir um tipo de amizade que tornará seu casamento suportável por cinco anos.
-Eu não quero que Gilbert seja meu amigo, Lindy. Na verdade, eu não desejo nenhum tipo de aproximação com ele - Anne respondeu, voltando a caminhar em direção ao mercado.
-Por que? Eu sei que não o ama, mas seria tão mal assim tê-lo como um aliado, ao invés de lutar contra ele o tempo todo?- a pergunta de Lindy a fez refletir se deveria confessar o que a estava deixando tão inquieta.
-Ele confunde minha cabeça, e isso não é bom. - ela disse por fim.
-Confunde sua cabeça como?- Lindy perguntou, entrando com Anne no mercado e olhando uma cestinha de compras, e seguindo a ruivinha pelos corredores.
-Ontem marcamos a data do casamento por exigência do pai dele. Depois, Gilbert resolveu me agradar, me levando para fazer compras, o que foi desnecessário, pois você sabe o quanto eu detesto isso, mas aceitei por pura falta de opção em recusar, já que ele não permitiria. Mas houve um momento que ele quase me beijou, e isso sim me deixou confusa. Se o detesto tanto, por que a ideia de Gilbert me beijar não parece tão ruim assim? Ele já fez isso antes, e confesso que me senti confusa também.
-Não gostar de alguém não invalida a atração que você pode sentir por essa pessoa. Gilbert é lindo, e tremendamente sexy, isso você não pode negar.- Anne concordou mesmo a contragosto.- Então acho normal que você se sinta assim.
-Mas não quero me sentir assim, Lindy. Eu o detesto e quero continuar detestando até esse casamento acabar. - Anne afirmou, pensando nos longos cinco anos que teria que dividir o mesmo teto com Gilbert Blythe.
-É fácil. Se mantenha longe dele, e as coisas podem funcionar dessa maneira para você.- Anne ia responder, mas uma voz bem atrás dela a fez parar.
-Anne, que coincidência. - Sean, o amigo de Gilbert disse, surpreso por encontrá-la por ali.
-Sean. É mesmo coincidência. O que você faz por aqui? - Anne perguntou, aceitando o beijo que ele deixou em sua bochecha.
-Eu tenho uma tia que mora nessa região. E vim visitá-la, e você?
-Eu moro aqui, e deixe-me te apresentar. Essa é minha amiga Lindy.
-Muito prazer. - ambos disseram ao mesmo tempo.
-Então, você mora nesse bairro.- Sean disse, e Anne confirmou:
-Sim, desde que nasci.
-Que interessante. Minha tia sempre morou neste bairro também, e a visito desde criança, mas nunca te vi por aqui. - o rapaz disse,sem tirar os olhos de Anne.
-Acho que nos desencontramos.- Anne disse sorrindo.
-E como vai o seu noivado com o Blythe?- Sean perguntou de repente, deixando Anne desconfortável.
-Vai bem. Marcamos o casamento para daqui dois meses.
-Então, vão mesmo se casar?- Sean perguntou, parecendo desapontado.
-Vamos sim. Espero que compareça ao nosso casamento. - Anne disse com simpatia.
-Estarei lá. Se me dão licença, minha tia me espera. Foi bom te ver, Anne - o rapaz disse ao se despedir.
-Foi bom te ver também, Sean. Até mais.
Lindy esperou o rapaz se distanciar para comentar:
-O Gilbert sabe que o amigo dele é interessado em você?
-O que?- Anne perguntou, olhando confusa para a amiga.
-Você não reparou no jeito que esse rapaz te olha?- Lindy questionou, impressionada com a ingenuidade da amiga.
-Não acho que Sean me olha de forma especial. Você está exagerando, Lindy.- Anne disse, entrando no corredor de enlatados a procura do cogumelos que seu pai lhe pedira para comprar.
-Você só pode estar cega por não ver que o rapaz estava quase te engolindo com os olhos. E a cara de decepção que ele fez quando você disse que tinha marcado a data do casamento.
-Sean é um cara legal, mas não me interessa além do pouco da amizade que temos. Ele sabe que sou noiva de Gilbert, então isso que acabou de me dizer não tem nenhum cabimento. - Anne disse com certo desinteresse, pois se era verdade que amigo de Gilbert tinha algum interesse nela, não lhe importava nem um pouco. Estava cheia de problemas para dar conta de mais um.
-Ele não parece se importar nem um pouco com esse detalhe, a julgar pelo que vi agora pouco.- Lindy insistiu, e Anne respondeu:
-Lindy, deixe esse assunto para lá. Vamos para o caixa, pois preciso levar esses ingredientes para o meu pai antes que ele mande um batalhão atrás de mim. Você sabe o quanto ele é perfeccionista com a comida dele.
-É, eu sei. - a amiga respondeu rindo, seguindo Anne até o caixa onde ela pagou por sua compra e foi direto para casa.
Do outro lado da cidade, Gilbert tinha acabado de acordar. Ele fira dormir tarde no dia anterior, pois decidiu maratonar uma de suas séries favoritas, e raramente fazia isso nos últimos tempos, pois sempre estava cansado nos finais de semana e preferia dormir do que fazer qualquer outra coisa. No passado viraria a noite na rua, mas com a fiscalização de seu pai, o rapaz preferia não arriscar.
Ele olhou no relógio e viu quanto tempo ainda teria antes de ir para o almoço na casa de Anne. Ela não lhe dissera se deveria levar alguma coisa, mas ele resolveu que passaria em algum lugar no centro da cidade, e compraria uma sobremesa, pois achava deselegante aparecer para comer na casa se alguém com as mãos vazias. Isso ele aprendera com sua avó materna que foi a maior responsável por sua educação depois que sua mãe faleceu.
O rapaz tomou um grande gole do seu capucchino e pensou em sua noiva. Tivera uma tarde agradável com ela no dia anterior, e descobriu surpreso que apesar de seus constantes desentendimentos, Anne era uma excelente companhia. Ela era inteligente, e não desperdiçava palavras com conversas inúteis, sabia do que falava e nunca deixava o assunto morrer porque sua curiosidade e necessidade de aprender eram imensas. A ruivinha era como uma criança que absorvia tudo com sua mente rápida e intuitiva, além de ter aquela boca que ele queria beijar todo o tempo.
Isso estava se tornando um problema que não sabia como resolver. Anne o atraía, e não tinha como negar, mas não podia deixar que isso evoluísse demais, ou estragaria todos os seus planos. O máximo que Anne podia ser em sua vida era uma amiga, mas nem isso ela parecia desejar ser. Não permitia que ele a conhecesse, que se aproximasse demais, fugia de qualquer situação íntima se pudesse evitar e estava sempre na defensiva como se não confiasse em nada que Gilbert lhe dissesse.
O rapaz sabia que tinha culpa nisso, principalmente porque a obrigara aquele casamento, usando métodos nada louváveis, mas ele estava em uma situação crítica, e jogara com as armas que tinha para conseguir o que desejava para vencer seu primo no mesmo jogo dele.
Seu telefone tocou e Gilbert levou as mãos à cabeça ao se perguntar o que, em nome de Deus, seu pai desejava naquela hora? Ele estava cansado e não estava nem um pouco animado para falar com John Blythe, que simplesmente pegara a mania de ligar nos fins de semana bem na hora do seu café da manhã. Duas ligações em dois dias era demais para Gilbert aguentar, e se perguntava se voltaria a ter paz algum dia.
Sem alternativa, ele atendeu, tentando imaginar o que John poderia desejar em uma manhã de domingo. Será que ele não tinha sua própria vida? Seus jogos de Golf que ele adorava? Ou as reuniões com seus amigos importantes onde os almoços de confraternização eram regados a vinho e conversas sobre negócios?
Quando era criança, Gilbert conhecia a rotina de seu pai de cor nos fins de semana, pois ao invés de ficar com o filho que se sentia mais solitário do que nunca, John preferia passá-los em seus compromissos sociais. Com o tempo, Gilbert deixara de se importar com as ausências do pai, tornando seu relacionamento com ele ainda mais distante. E isso se estendeu ao longo dos anos conforme ele crescia, e assim nunca mais ele e John fizeram algo juntos, a não ser que as obrigações sociais exigissem.
Contudo, ele atendeu o telefonema mesmo se sentindo tentado a não fazê-lo, porque ignorar uma ligação de John só lhe causaria problemas depois.
-O que deseja, papai?- Gilbert perguntou sem se preocupar em dar a John bom dia.
-Oi, filho. Eu te acordei?
-Não. - o rapaz respondeu de forma mecânica .
-Eu queria saber se gostaria de vir almoçar comigo? Posso pedir à cozinheira para fazer aquele strogonoff que você adora.
-Sinto muito, papai. Já tenho planos. Vou almoçar com a família da Anne. - Gilbert respondeu, aliviado por não ter que inventar uma desculpa para declinar aquele convite indesejado.
-Que ótimo, filho. Fico feliz que vocês estejam se dando tão bem. Vamos deixar esse convite para uma próxima vez, assim você pode trazê-la para almoçar aqui. Já marcaram a data do casamento?- estava demorando,Gilbert pensou bufando. Seu pai não conseguia esconder mesmo suas reais intenções por trás daquele telefonema. Queria ter o controle sobre a vida dele e o fazia através daquela união forçada.
-Já sim, para daqui dois meses. - Gilbert disse sem demonstrar sua raiva.
-Precisamos então conversar sobre os preparativos. - John disse cheio de uma irritação tão incubada que o fez terminar aquele telefonema dizendo:
-Outra hora a gente fala sobre isso. Preciso desligar, ou vou chegar atrasado no almoço com os Shirley.
-Está bem. Tenha um bom almoço.- John respondeu, se sentindo mais uma vez frustrado por Gilbert não mostrar interesse em voltarem a ter uma relação de pai e filho.
-Obrigado. - Gilbert disse e desligou.
O rapaz terminou seu café e foi se arrumar para o almoço na casa de Anne, se vestindo de maneira mais informal possível, pois estava cansado dos termos de grife que usava para trabalhar todos os dias. Assim que saiu do apartamento, ele passou em uma sorveteria no centro e comprou um pote de sorvete do sabor que Anne gostava, e dirigiu direto para a casa dos Shirleys.
Quando apertou a campainha, uma cena encantadora se desenhou diante de seus olhos que o fez sorrir sem perceber. Anne veio recebê-lo, e ela tinha arrumado os cabelos ruivos em duas tranças finas, como aquelas em que as garotinhas do colégio costumavam usar. Ao invés da calça jeans, ela colocara uma saia azul rodada que lhe chegava até os joelhos, meia soquete e sapatilhas brancas. A blusa era preta e destacava-lhe bem a cor dos cabelos, e fazia brilhar ainda mais os olhos muito azuis que o encaravam com sua inteligência explícita e afiada. Ela não lhe sorriu, mas Gilbert não se importou, pois só de olhá-la e ver aquele rosto lindo, sem um pingo de maquiagem em sua expressão mais honesta possível, fazia seu coração se alegrar, pois ali estava alguém que sempre seria sincero com ele e consigo mesma.
-Chegou na hora, Blythe.- ela disse, quebrando o silêncio confortável entre eles.
-Sou conhecido por ser pontual em meus compromissos. Pelo menos disso você nunca terá que reclamar de mim.- Gilbert respondeu com um meio sorriso que fez Anne sorrir também, e dizer:
-Eu nunca reclamo de você, Blythe. Só te acho inconveniente às vezes.- Gilbert arqueou uma sobrancelha e respondeu:
-Você tem certeza dessa afirmação? Porque desde que nos conhecemos, eu tenho ouvido uma lista imensa de reclamações da sua parte acerca de minha pessoa, e sinto que nunca te agrado em nada.- o rapaz sorriu tão abertamente após dizer aquilo que Anne sentiu o coração falhar uma batida. Por mais que não tentasse prestar atenção em como ele estava bonito naquele dia, aquele sorriso maravilhoso que ele tinha acabava com toda aquela sua determinação.
Ele estava jogando seu charme em cima dela de novo, e tinha que achar uma maneira de escapar. Não ia deixar que ele confundisse sua cabeça, enganasse seu coração e a fizesse sentir coisas que não queria e não podia sentir. Como para salvá-la naquele momento, seus olhos pousaram no embrulho que ele trazia nas mãos e perguntou apontando para a sacola:
-O que é isso?
-É uma contribuição para o almoço.
-Mas eu não te pedi que trouxesse nada.- Anne afirmou, franzindo seu nariz bem feito.
-É apenas uma sobremesa, Anne. Não se deve aparecer na casa de alguém que te convida para fazer uma refeição de mãos vazias.
-E onde você aprendeu isso? Fazendo pesquisa no Google?- ela disse, fazendo graça.
-Não, eu aprendi com minha avó Cora.- ele respondeu, admirando os olhos dela mais uma vez. Naquele dia, eles estavam mais claros, talvez porque o humor dela parecesse mais tranquilo também. Ela não se mostrara chateada por ele estar ali, pelo contrário, Anne até fizera uma piada, talvez a primeira desde que eles estavam juntos, e Gilbert até duvidara que ela tivesse algum senso de humor.
-Você tem um avó que se chama Cora?- ela perguntou espantada. Era difícil imaginar Gilbert em uma família comum, como a dela.
-Sim, ela tem setenta anos. Cuida da própria casa sozinha, tem mãos de fada para cozinha, dirige seu próprio carro, tem um gato como companhia, além de três papagaios e uma horta onde cultiva suas próprias hortaliças. Vovó Cora vai adorar conhecê-la, pois ela é muito parecida com você. -Gilbert disse, observando Anne brincar com a ponta de suas tranças.
-Parecida como?- a ruivinha perguntou com curiosidade, cada vez mais interessada em saber sobre aquele rapaz que em breve seria seu marido.
-Ela é muito boa para discutir, vive me colocando no meu lugar, e odeia que eu lhe diga o que fazer. Eu posso te levar para visitá-la se quiser um dia desses. Agora, acho melhor você levar essa sobremesa para dentro ou vai derreter. - ele avisou, lhe entregando o pacote, que Anne segurou nas mãos e disse ao ver o que havia dentro:
-Sorvete de flocos.
-Sim. É o seu favorito, não é?- Gilbert perguntou, sentindo-se feliz por ver o rosto de Anne se iluminar como se fosse uma criança crescida.
-Você se lembrou. Obrigada. - ela se inclinou e deixou um beijo no rosto de Gilbert, que segurou em seu pulso com suavidade e lhe confidenciou:
-Você é inesquecível, ruivinha. - os olhos de ambos se encontraram, e em seguida se perderam um nos lábios do outro. Anne sentiu sua respiração presa na garganta, e Gilbert enfrentava uma batalha dentro de si, querendo beijá-la, mas ao mesmo tempo, sabendo que não devia.
Foi Anne que se afastou, sentindo o perigo rondar sua mente, ao mesmo tempo em que dizia:
-Vamos entrar. Estão todos esperando por você.
Gilbert respirou fundo, a seguiu para dentro da casa, e logo se viu na sala de jantar da família, onde as irmãs de Anne estavam sentadas, junto com um rapaz que ele ainda não conhecia, além de Walter que parecia ser o responsável pela cozinha naquele momento.
-Muito prazer, eu sou Jerry. Noivo da Diana. Eu já ouvi falar muito de você. - o rapaz disse, apertando a mão de Gilbert vigorosamente.
-Muito prazer, Jerry.- Gilbert retribuiu o cumprimento, enquanto Anne lhe mostrava onde ele deveria se sentar, e em seguida se acomodou ao lado dele.
-Então, o príncipe Gilbert saiu de seu palácio para se juntar aos pobres mortais?- Josie disse com sarcasmo, enquanto Anne a fuzilava com o olhar. Tinha duas diferenças com Gilbert, mas ele era uma visita e não deveria ser hostilizado daquela maneira.
-Não sou um príncipe, Josie, e sou tão mortal quanto você. Se me cortar eu sangro, sabia?- Gilbert respondeu fazendo piada, o que atiçou ainda mais o mau humor da loira.
-Eu apenas quis dizer que nunca pensei que viria almoçar em nossa casa, já que está acostumado a comer nos melhores restaurantes da cidade.
-Você não me conhece, Josie. Eu nem sempre como em restaurantes e adoro comida caseira.- o rapaz disse, aceitando a cerveja que Jerry lhe ofereceu.
-A comida do papai é excelente, Josie. - Ruby disse, olhando feio para a irmã mais velha.
-Sim, Gilbert. Nosso pai é um excelente cozinheiro. Você vai adorar o tempero dele. - Diana afirmou, ignorando completamente a carranca de Josie.
-E qual é a especialidade do dia?- Ele perguntou, sentindo o aroma delicioso que enchia o ambiente enquanto Anne ajudava o pai a colocar a mesa.
-Frango a parmegiana ao molho de cogumelo.- Walter respondeu.
-Pelo aroma deve estar uma delicia.- Gilbert disse, olhando para o prato que Anne estava lhe servindo cheio de gula.
Em seguida, todos se serviram e começaram a comer a refeição que Walter preparara, e como Gilbert suspeitara estava excelente. O rapaz repetiu o prato duas vezes, surpreendendo Anne que não esperava que ele gostasse tanto assim da comida de Walter. E a maneira como ele se entrosara com Jerry, e se envolvera em uma conversa sobre futebol americano fizera cair por terra sua teoria de que Gilbert Blythe era um esnobe arrogante. Quando chegaram à sobremesa que ele trouxera, Gilbert já tinha combinado com Jerry de irem ao próximo jogo juntos, e também se desafiaram em uma partida de basquete. Assim como Gilbert parecia ser, Jerry era apaixonado por esportes e sempre que tinha uma oportunidade e não estava trabalhando, ele vinha até a casa dos Shirleys para assistir aos campeonatos da temporada com Walter. Assim, ver Gilbert se comportando tão naturalmente em meio à sua família, melhorou um pouquinho sua opinião sobre o caráter do noivo, mas não o suficiente para fazê-la confiar nele.
Logo após o almoço, com a cozinha organizada e a louça lavada e guardada em seu respectivo lugar, Anne foi para a sala de visitas onde sua família estava reunida conversando com Gilbert. Quando o rapaz a viu chegar, ele se aproximou dela e perguntou:
-Podemos conversar em outro lugar?
-Claro. Venha comigo. - Anne respondeu, levando-o para o lado de fora da casa, caminhando até o seu jardim.
-Que lugar bonito. - Gilbert disse, admirando a quantidade de flores que havia por ali.
-Aqui é meu lugar favorito. Sempre que preciso pensar, eu passo um tempo aqui, cultivando minhas flores.
-Foi você que criou tudo isso?- Gilbert perguntou, apontando para todos os canteiros que haviam por ali.
-Sim. Eu gosto muito de jardinagem. - Anne disse com um sorriso, se sentindo de repente tímida pelo olhar de admiração que via no rosto do rapaz.
-Então, minha noiva é talentosa. - Gilbert afirmou, se aproximando um pouco e fazendo Anne responder:
-Por favor, não fale comigo dessa maneira.
-Dessa maneira como?- Gilbert perguntou, espantado com as palavras dela.
-Como se eu fosse especial para você.
-E se for?- ele perguntou mais uma vez, fazendo Anne o olhar assustada e dizer:
-Você sabe que isso não é verdade. O que temos é um contrato, Gilbert. Não há lugar para sentimentos entre nós. - Anne não queria nenhum tipo de ilusão naquele relacionamento. Ele tinha que ser visto pelo que era, e nada do que Gilbert dissesse poderia impressioná-la a ponto de fazê-la esquecer aquele detalhe.
-Vamos ficar casados por cinco anos, Anne. Não podemos pelo menos tentar ser amigos?- ele perguntou, desapontado com as palavras dela.
-Ser sua amiga implica outras coisas que não desejo.
-O que quer dizer?
-Que nada do que me disser vai me convencer a confiar em você a ponto de te dar um filho.- Gilbert passou as mãos pelos cabelos, enquanto encarava sua noiva com certa estranheza. Então, era isso que ela pensava, que a estava seduzindo para convencê-la a engravidar e realizar um desejo do pai dele?
-Nós já conversamos sobre isso, e eu te disse que isso não será necessário. Se você não quer ser mãe, não vou obrigá-la.
-Eu não disse que não quero ser mãe. O que estou tentando te fazer entender é que não quero ter um filho com você. - a sinceridade crua dela o atingiu de um jeito que Gilbert não esperava. Jamais fora rejeitado daquela maneira e mesmo que fosse uma situação que ele criara, não deixava de doer menos por isso. Sem pensar no que estava fazendo, ele deu um passo em direção a ela , e a tomou nos braços, esmagando os lábios sensíveis com os dele.
Anne se debateu, tentando se livrar dos braços do rapaz que seguravam firmes em sua cintura, mas não conseguiu. Aquela boca era possessiva, quente e exigente, não permitindo que ela escapasse ou se afastasse dele. Depois de alguns segundos, ela desistiu de lutar e entreabriu os lábios, permitindo que Gilbert tomasse todo o seu fôlego, a deixasse tonta, trêmula e sem vontade de ir a lugar nenhum, a não ser ficar naqueles braços fortes que eram o lugar mais confortável do mundo.
O oxigênio acabou, e Gilbert abandonou os lábios dela , encostando suas testas enquanto de olhos fechados, Anne lhe perguntava:
-Por que fez isso?
-Porque eu queria descobrir se o meu toque era tão desagradável para você não desejar ter um filho comigo.- ao ouvir aquelas palavras, Anne o olhou com raiva e perguntou:
-Então foi isso que significou ? A droga de um teste?
-Anne, eu….
-Não fala nada, Blythe. Eu entendi perfeitamente o que quis dizer. É só isso que todas essas coisas significam para você, um passaporte para a presidência da empresa de John e a sua fortuna. - a mágoa não voz dela era nítida e Gilbert tentou explicar , mas quando abriu a boca para falar algo em sua defesa, Anne disse cheia de raiva:
-Não quero mais falar disso. Vamos voltar para dentro .
E assim, ela começou a caminhar em direção a casa, enquanto Gilbert a seguia e pensava com seus botões que tinha estragado tudo entre eles mais uma vez
Olá, pessoal. Mais um capítulo. Espero que gostem e se animem a comentar. Obrigada por lerem. Beijos
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