25° voltando para casa
Os dias passaram como um borrão para Milena, cada amanhecer trazendo consigo um peso crescente em seu peito. Por mais que ela soubesse que aquele momento chegaria, o dia da despedida parecia ter vindo rápido demais. Estava ali, à sua porta, sem que ela estivesse pronta para encará-lo.
Naquela manhã, a luz do sol atravessava as cortinas finas do quarto, iluminando os poucos pertences que ela havia trazido. A mala já estava feita, encostada perto da porta, como um lembrete cruel de que era hora de partir. Milena estava sentada na beirada da cama, os dedos entrelaçados nervosamente no colo. Por mais que tentasse, não conseguia afastar o nó que apertava sua garganta. Seus pensamentos estavam divididos entre o que deixaria para trás e o que a esperava em Gênova.
Mais do que isso, estava acostumada a ele. A sensação de segurança que encontrava nos braços de Enrico, o calor dos beijos que ele lhe dava, as carícias que pareciam ter o poder de curar as feridas que ela sequer sabia que tinha. Mas a realidade era clara como o sol que brilhava do lado de fora: Enrico não era um homem de promessas. Em menos de um mês, ele estaria de volta ao Afeganistão, à sua vida no Exército, onde a guerra e o perigo faziam parte de sua rotina. O que eles tinham era um intervalo, uma pausa fugaz que agora estava chegando ao fim.
Enrico apareceu à porta do quarto, apoiado no batente. Ele estava vestido de forma simples, uma camiseta preta ajustada que destacava os músculos do torso e jeans gastos. Era impossível ignorar a postura que ele sempre carregava — firme, como se estivesse sempre preparado para a batalha, mas com um olhar que, naquele momento, parecia mais suave.
— Está pronta? — ele perguntou, com a voz baixa, quase hesitante.
Milena levantou o olhar para ele, engolindo em seco. Queria dizer que não, que não estava pronta, mas isso não mudaria o fato de que ela tinha que ir.
— Sim — ela respondeu, a voz falhando um pouco, enquanto se levantava.—
Enrico se aproximou, pegando a mala ao lado da porta sem dizer nada. Ele era sempre prático, sempre eficiente, mas Milena notou que seus movimentos estavam mais lentos do que o habitual, como se ele também estivesse tentando prolongar aqueles momentos finais.
O trajeto até o aeroporto foi silencioso, o ronco do motor do carro preenchendo o vazio entre eles. Milena olhava pela janela, as paisagens familiares passando rapidamente, enquanto sua mente vagava. Por vezes, ela sentia o olhar de Enrico desviar para ela, mas ele não dizia nada. Ele era assim — reservado, fechado. Mas Milena conhecia o suficiente dele para saber que, por trás da fachada de soldado durão, existia algo mais. Algo que ele talvez nunca admitisse, mas que ela podia sentir em cada gesto, em cada olhar que ele lhe dava quando achava que ela não estava prestando atenção.
Ao chegarem ao aeroporto, Enrico estacionou o carro e saiu rapidamente para ajudá-la com a mala. Eles caminharam juntos até o saguão, o som de vozes e anúncios ecoando ao redor deles. O lugar estava cheio de pessoas apressadas, despedidas rápidas e reencontros calorosos. Para Milena, tudo parecia distante, como se ela estivesse em uma bolha, apenas ciente da presença dele ao seu lado.
Eles pararam perto do balcão de check-in. Milena virou-se para ele, sentindo o peso do momento. Enrico a olhava com aquela expressão séria de sempre, mas seus olhos pareciam mais escuros, carregados de algo que ele não dizia em voz alta.
— Acho que é isso. — Ela tentou sorrir, mas sua voz quebrou no final.—
Enrico deu um passo à frente, parando tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo. Ele levantou a mão e tocou o rosto dela com delicadeza, seus dedos ásperos contrastando com a suavidade do gesto.
— Milena... — Ele começou, mas parou, como se as palavras fossem difíceis de sair. — Eu não sou bom nisso. Não sou bom em me despedir, ou em... promessas que não posso cumprir. — Ele baixou a mão, mas seus olhos permaneceram nos dela, intensos. — Mas eu quero que você saiba que esses dias com você... significaram muito para mim.
Milena sentiu as lágrimas subirem aos olhos, mas piscou rapidamente, tentando segurá-las.
— Também significaram muito para mim — ela sussurrou.—
Enrico inclinou-se e, antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, ele a beijou. Não era como os outros beijos que haviam compartilhado. Este era lento, cheio de algo que ele talvez não conseguisse expressar em palavras, mas que Milena podia sentir em cada segundo. Quando ele se afastou, o rosto dela estava banhado em lágrimas que ela não conseguira segurar.
— Se cuida, sua maluca. — Sua voz era rouca, quase um sussurro.—
Ela assentiu, sem confiar em sua voz. Pegando a mala, deu um passo para trás, depois outro, até virar-se em direção ao portão de embarque. Seus passos eram pesados, e cada parte dela queria olhar para trás, mas sabia que se o fizesse, talvez não tivesse força para continuar.
Enquanto caminhava, sentiu o peso da saudade já se instalando. Mas também sabia que, por mais que doesse, aquele momento seria para sempre uma parte dela. E Enrico, mesmo com todas as suas incertezas, seria o pedaço que ela nunca esqueceria.
"Merda! Acho que me apaixonei por ele!"
Milena parou no meio do corredor, o som dos passageiros ao redor se tornando apenas um ruído de fundo enquanto aquela realização batia como uma onda inesperada. Seu coração acelerou, e ela sentiu o calor subir em seu rosto. Como aquilo tinha acontecido? Como ela, que sempre foi tão cuidadosa em proteger seus sentimentos, tinha deixado Enrico entrar de uma forma tão devastadora?
Ela apertou a alça da bolsa com força, tentando se recompor. "Apaixonada?" A palavra parecia grande demais, perigosa demais. Mas ela sabia, no fundo, que era verdade. Cada olhar, cada toque, cada momento silencioso entre os dois tinha sido como uma peça de um quebra-cabeça que, agora, formava uma imagem clara: ela havia se apaixonado por Enrico, um homem que estava prestes a desaparecer de sua vida.
Uma lágrima quente escorreu por seu rosto, mas ela limpou rapidamente, endireitando os ombros.
"Não adianta, Milena." ela pensou.
Ele era um soldado. Um homem acostumado a viver no limite, sem espaço para algo como isso. Ela sabia que esperar algo dele era o mesmo que esperar que a guerra lhe devolvesse paz. E, ainda assim, a dor era quase insuportável.
Do lado de fora, Enrico ainda estava parado próximo ao estacionamento, observando o saguão com a mesma expressão séria de sempre. Ele deveria ter ido embora, mas algo o mantinha ali. Talvez fosse o peso da despedida, ou talvez fosse o fato de que, mesmo que não admitisse, algo nele também estava se partindo.
Ele passou a mão pelo cabelo curto, um gesto de frustração. Milena já deveria ter passado pelo portão de embarque, mas ele não conseguia sair. Suas botas pesavam no chão como se houvessem raízes segurando-o ali. Uma voz dentro dele gritava para que ele entrasse naquele maldito aeroporto e dissesse algo , qualquer coisa que pudesse fazê-la ficar. Mas Enrico sabia que não podia oferecer a ela o que ela merecia... Ele voltaria em poucos dias para o Afeganistão, e não sabia quando voltaria novamente.
Enquanto lutava com seus pensamentos, viu Milena surgir novamente na entrada do saguão. Seus olhos se encontraram a uma distância que parecia tanto curta quanto infinita. Ela caminhou rapidamente até ele, a expressão no rosto dela uma mistura de raiva, tristeza e algo que ele não conseguia decifrar.
— O que foi? — ele perguntou, confuso, quando ela parou na sua frente.—
Milena não respondeu de imediato. Ela ficou ali, encarando-o, as palavras presas na garganta. Cada fibra de seu ser dizia para ir embora, para não se expor assim, mas ela já tinha perdido a batalha.
— Merda, Enrico! — ela exclamou, a voz embargada. — Eu acho que me apaixonei por você!
O impacto das palavras foi como um soco no estômago. Ele piscou, tentando processar o que ela acabara de dizer, enquanto ela continuava, agora incapaz de conter tudo o que vinha segurando.
— Eu sei que isso é uma loucura, e eu sei que você vai embora, e que provavelmente nem quer ouvir isso, mas eu precisava dizer. Eu precisava que você soubesse, mesmo que isso não signifique nada para você...
Ela deu um passo para trás, cruzando os braços, como se quisesse se proteger da possível resposta dele. Enrico ficou em silêncio, os olhos fixos nela. Ele abriu a boca para dizer algo, mas fechou novamente. As palavras certas pareciam escapar dele.
— Milena... — Ele finalmente conseguiu falar, a voz baixa. — Eu não sei o que dizer.
Ela riu sem humor, balançando a cabeça.
— Claro que não sabe. Você nunca sabe, não é? Você é sempre tão... tão fechado, tão incapaz de admitir o que sente!
— Porque eu não posso! — ele interrompeu, a voz agora mais alta, quase desesperada. — Você acha que é fácil para mim? Eu passo metade da minha vida em um lugar onde eu posso não voltar vivo! Como é que eu posso prometer algo para você, sabendo disso?
Milena ficou em silêncio, as lágrimas finalmente caindo livremente.
— Eu não quero promessas, Enrico. Eu nunca quis. Só queria que você fosse honesto comigo. Eu sei que foi apenas duas semanas... Mas, para mim é como se fosse muito mais que isso tenente...
Ele passou as mãos pelo rosto, frustrado consigo mesmo, antes de finalmente encará-la novamente.
— Você acha que isso é fácil para mim? Eu tentei manter distância, Milena. Tentei porque sabia que, se eu me deixasse levar... Se eu me envolvesse, eu acabaria te magoando... — Ele fez uma pausa, respirando fundo. — Eu também me apaixonei por você... Desdo momento que te vi na cozinha da minha casa com aquele pijama de coelhinho, eu sabia que você seria um problema doa grandes. — As palavras dele pairaram no ar entre eles, como algo frágil e precioso. Milena o encarou, surpresa e vulnerável. Enrico deu um passo à frente, segurando o rosto dela entre as mãos, os olhos dele ardendo com uma intensidade que ela nunca havia visto antes. — Eu tenho medo de não voltar... Então não posso te oferecer o que você precisa ou deseja... Eu sei que posso estar sendo um fraco, ou covarde... Mas eu estou fazendo o que é melhor para você Milena... Você não imagina o quanto de homens que já perdi em guerra... Homens que tinham uma família, um lar... O mais recente, tinha apenas 22 anos, e estava noivo.
— E você acha que isso não dói mais? — ela respondeu, segurando as mãos dele contra seu rosto. — Você acha que ir embora sem tentar dói menos?
Enrico não respondeu. Ele simplesmente a puxou para perto, beijando-a com toda a urgência e paixão que vinha segurando. O mundo ao redor desapareceu, e por um momento, só existiam os dois.
Quando ele se afastou, os lábios ainda próximos dos dela, sussurrou:
— Eu não posso fazer isso Milena... Eu sou um militar... Meus homens precisam de mim... Minha equipe precisa de mim... Eu não posso te prometer nada nesse momento.
Ela o encarou, o coração acelerado, ás lágrimas caindo pelo rosto.
— Ok tenente, eu já entendi. — disse ela tentando engolir o choro.— Quando realmente descobrir o que é mais importante para você, então me ligue e me procure... Eu vou orar, para que você e sua equipe voltem são e salvos do Afeganistão.
Enrico sentiu o peso das palavras de Milena como um golpe no peito. Ela estava desistindo, não porque não o amava, mas porque sabia que merecia algo que ele, naquele momento, não podia oferecer. Ele abriu a boca para responder, mas nada saiu. As palavras morreram em sua garganta, sufocadas pelo conflito entre seu dever e o que sentia por ela.
Milena deu um passo para trás, afastando-se. Enrico sentiu a ausência dela como se o frio da manhã tivesse finalmente alcançado sua pele. Ele queria dizer algo — pedir para ela ficar, dizer que sentia o mesmo, que também estava dividido. Mas ele era um militar, e sabia que o peso de suas responsabilidades não podia ser ignorado.
— Adeus, Enrico, — disse ela, a voz firme, apesar das lágrimas que ainda escorriam por seu rosto.—
Ela virou-se antes que ele pudesse ver o quanto aquilo estava a destruindo. Cada passo em direção ao portão de embarque parecia mais difícil do que o último. Milena sentia como se estivesse deixando uma parte de si mesma ali, no estacionamento, com ele. Mas ela sabia que não podia ficar. Não se ele não pudesse fazer o mesmo por ela.
Enrico permaneceu parado, observando-a se afastar. Tudo nele gritava para correr atrás dela, para segurá-la e dizer que encontrariam uma maneira. Mas ele sabia que, no fundo, não podia fazer isso. Não enquanto estivesse prestes a voltar para o Afeganistão, para um lugar onde sua própria sobrevivência era incerta. Ele havia escolhido sua vida no exército, e agora precisava lidar com o que essa escolha significava.
Milena atravessou o portão de embarque sem olhar para trás. Porque sabia que, se olhasse, poderia desistir de tudo. Ela se sentou na sala de espera, os olhos marejados fixos na pista do aeroporto. O anúncio do embarque soou ao fundo, mas ela não se moveu de imediato. Respirou fundo, tentando encontrar forças onde já não parecia haver nenhuma.
Enquanto isso, Enrico passou a mão pelo rosto, como se isso pudesse apagar o que sentia. Mas não podia. E talvez nunca pudesse.
"Quando realmente descobrir o que é mais importante para você, então me ligue e me procure. Eu vou orar, para que você e sua equipe voltem são e salvos do Afeganistão."
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