15°Treinamentos e convites
Nos últimos dias, Enrico estava se esforçando ao máximo para evitar Milena. Ele saía de casa antes do sol nascer e retornava tarde da noite, garantindo que suas interações com ela fossem praticamente inexistentes. Não era apenas por orgulho ou teimosia, mas por autopreservação. Ele não podia se permitir sentir algo por ela. Não depois do que carregava consigo. Não depois daquele beijo na festa da boa vizinhança.
Aquele momento ainda o assombrava. A lembrança do toque dos lábios dela, o jeito como seu coração disparou... ele queria esquecer, precisava esquecer, mas isso parecia impossível. Sempre que fechava os olhos, a imagem dela voltava.
Na manhã daquela terça-feira, Enrico acordou cedo, como sempre. Vestiu sua jaqueta de couro, pegou suas chaves e saiu em direção à base de treinamento da polícia, onde encontraria Diego, seu velho amigo. Diego não era apenas um dos melhores delegados da região; ele também era apaixonado por animais e dedicava boa parte de seu tempo livre ao resgate e reabilitação de cães abandonados.
Naquele dia, Diego havia pedido ajuda para um treinamento especial com cães operacionais e, mais tarde, para uma palestra na feira de adoção animal que aconteceria no centro comunitário.
Ao chegar ao local combinado, Enrico encontrou Diego já aguardando, cercado por alguns cães de treinamento.
— Achei que ia desistir da minha proposta e se esconder como anda fazendo ultimamente — brincou Diego, enquanto afagava a cabeça de um pastor alemão de olhar atento.
Enrico bufou, tirando os óculos de sol e os pendurando na gola da jaqueta.
— Não estou me escondendo. Só tenho me ocupado.
— Ocupado, claro. — Diego ergueu uma sobrancelha, um sorriso de canto. — Isso tem nome? Ou é algo que você quer evitar falar?
Enrico lançou um olhar impaciente para o amigo, mas não respondeu.
— Tá bom, tá bom, não vou pressionar... ainda. Vamos ao que interessa. — Diego se levantou, batendo as mãos. — Hoje é dia de trabalho duro.
Enquanto os dois seguiam para o campo de treinamento, Diego começou a detalhar o que precisava de Enrico.
— Esses cães aqui são promissores, mas ainda estão um pouco inexperientes em situações de alta pressão. Achei que seria uma boa ideia trazer alguém com a sua experiência pra ajudar no treinamento de simulação.
Enrico deu um leve aceno, já observando os animais com atenção. Ele sempre teve um respeito especial pelos cães de trabalho, criaturas leais que muitas vezes arriscavam suas vidas ao lado dos humanos.
— E a feira de adoção? — perguntou Enrico enquanto ajustava uma das coleiras de treinamento.
— Ah, isso é mais para promover a adoção responsável. Vou dar uma palestra sobre como cães resgatados podem se tornar excelentes companheiros e até mesmo parceiros de trabalho. Você devia aparecer.
— Palestras não são muito a minha praia — respondeu Enrico, distraído enquanto testava o comportamento de um labrador jovem, que parecia ansioso para agradar.
Diego riu, cruzando os braços.
— Não, você prefere se esconder e fingir que não tem uma vida além do trabalho.
Enrico parou o que estava fazendo e lançou um olhar sério para Diego.
— Isso é coisa sua ou você andou conversando com alguém?
Diego ergueu as mãos em defesa, mas o sorriso travesso permaneceu em seu rosto.
— Só digo o que vejo. E pelo jeito que você ficou irritado, acho que acertei um ponto sensível.
Enrico bufou, voltando sua atenção para o labrador.
— Vamos terminar logo isso.
Diego o observou em silêncio por um momento, antes de falar de forma mais séria:
— Enrico, não sei o que está acontecendo com você, mas o que quer que seja... você não precisa enfrentar isso sozinho, sabe?
Enrico apertou a coleira do cachorro, sua mandíbula tensa. Ele sabia que Diego estava certo, mas admitir isso em voz alta ainda era algo que ele não conseguia fazer.
— Estou bem, Diego. Só... me deixa fazer meu trabalho.
Diego suspirou, mas não insistiu. Ele sabia que com Enrico era assim , você só conseguia respostas quando ele estava pronto para dá-las.
O campo de treinamento estava cheio de energia. Os cães estavam atentos, de olhos fixos em seus treinadores, enquanto os comandos ecoavam no ar. Enrico caminhava entre os grupos, observando cada movimento com precisão militar. Seu olhar afiado avaliava tanto os animais quanto os manejadores, corrigindo posturas e orientando técnicas.
— Não se esqueça, o tom da voz é tudo! — disse ele, parando ao lado de uma cadete que parecia insegura ao comandar um pastor belga malinois. — Autoridade não é gritar, é soar confiante. Eles sentem isso.
A jovem assentiu, respirou fundo e repetiu o comando com mais firmeza. O cão respondeu imediatamente, sentando-se de forma impecável. Enrico deu um leve sorriso.
— Melhor. Agora mantenha isso.
Diego, ao lado, observava a interação com um sorriso satisfeito.
— Não sabia que você tinha jeito para ensinar, Enrico.
— Não é ensinar — respondeu ele, enquanto acariciava a cabeça de um labrador. — É entender o que eles precisam. Os cães sempre escutam... o problema geralmente é quem está segurando a coleira.
Diego riu, enquanto chamava um dos outros treinadores para ajustar uma prova de obstáculos. A manhã passou rapidamente, entre exercícios de obediência, simulações de resgate e algumas brincadeiras para aliviar a tensão dos cães e dos treinadores.
Quando o treinamento terminou, Enrico afagou um pastor alemão que se destacara nas provas.
— Bom garoto. — Ele sorriu, sentindo-se mais leve, como se o tempo com os cães tivesse apagado por um momento os fantasmas que o assombravam.
***
Depois do treinamento, Enrico e Diego decidiram parar em uma lanchonete próxima para almoçar antes de seguirem para a feira de adoção. O lugar era simples, com mesas de madeira e um aroma reconfortante de café fresco e hambúrgueres grelhados no ar.
— Então, o que vai ser? — perguntou Diego, já examinando o cardápio.—
— Algo rápido e direto. Não quero ficar pesado para a tarde.
— Você está sempre no modo "pronto para a ação". Relaxa um pouco, cara. — Diego riu, chamando o garçom. — Dois hambúrgueres duplos com tudo e batatas fritas.
— Isso é o seu conceito de leve? — Enrico arqueou uma sobrancelha.
— Absolutamente.
Enquanto esperavam pela comida, Enrico olhava distraído pela janela. Foi então que ele a viu.
Milena estava do outro lado da rua, conversando com um homem alto, de cabelos castanhos bem penteados e um terno impecável. Ela sorria, e o homem parecia completamente cativado por ela, inclinando-se ligeiramente para mais perto enquanto gesticulava animadamente.
O peito de Enrico apertou de forma quase instantânea. Ele não podia negar o incômodo que sentia ao vê-la com outro homem, especialmente alguém que parecia tão à vontade em monopolizar sua atenção.
— Terra para Enrico? — Diego estalou os dedos na frente do rosto dele. — Tá viajando por quê?
— Nada. — Ele desviou o olhar rapidamente, mas Diego já havia seguido seu olhar e agora observava Milena e o homem.
— Ah... entendi. — Diego sorriu, divertido. — E quem é o cara?
— Não faço ideia — respondeu Enrico, tentando soar indiferente, mas falhando miseravelmente.—
— Bom, a julgar pelo jeito que ele está olhando para ela, diria que ele está interessado. — Diego deu um gole na água, observando a reação do amigo. — E você não parece muito feliz com isso.
Enrico bufou, cruzando os braços.
— Não me importa com quem ela anda.
— Claro que não. É por isso que você está praticamente furando a mesa com o olhar.
Antes que Enrico pudesse responder, Milena e o homem entraram na mesma lanchonete. Ela ainda estava rindo de algo que o homem havia dito, e seu sorriso iluminava o ambiente. Quando seus olhos encontraram os de Enrico, a expressão dela mudou brevemente para surpresa, mas logo se transformou em algo mais contido.
— Enrico, que coincidência! — disse ela, caminhando em sua direção com o homem ao lado.— Eu não esperava te encontrar aqui.
— Nem eu! — falou de forma seria e olhando para o homem a sua frente com uma cara de poucos amigos.— Se lembra do meu amigo Diego. — falou o loiro tentando parecer casual e apontando para o amigo sentado a mesa.—
— Claro, nos vimos na festa da boa vizinhança, mas não fomos apresentados. — disse com um amplo sorriso e estendendo a mão para Diego que aceitou prontamente.— E um prazer...
— Igualmente.— disse Diego com um amplo sorriso.— Por que não se junta á nós Milena.— falou Diego subitamente.— O seu amigo, também pode se juntar á nós... Como é mesmo o seu nome?
—Este é Viktor, o engenheiro com quem estou trabalhando no projeto do centro comunitário. Viktor, este é Diego, e Enrico.
— É um prazer conhecê-los! — disse Viktor de forma calma e tranquila estendendo á mão para os homens a sua frente.
— Bom, não queremos atrapalhar. Só viemos pegar algo rápido, e vocês devem estar ocupados...
O celular de Viktor tocou, e ele se afastou pedindo licença.
— Claro. — Enrico tentou soar casual, mas a rigidez em sua postura era evidente.—
— Peça algo para o garçom Milena, e se junte á nós... será um prazer ter a sua companhia. — Diego falou calorosamente.—
— Claro, eu só preciso ir ao banheiro antes. — falou colocando a bolsa na cadeira vazia no exato momento que Viktor retornou.—
— Eu preciso partir, a gente se fala depois para resolver as ultimas mudanças do projeto, pode ser?
— Claro! Eu vou te mandar as alterações por e-mail, pode ser?
— Perfeito! — falando isso Viktor se despediu, e se afastou enquanto Milena caminhava até o banheiro deixando Enrico e Diego sozinhos a mesa.—
— Cara, você tá ferrado.
Enrico lançou um olhar de advertência para o amigo.
— Cuidado com o que você diz brother.
— Só estou dizendo o óbvio. — Diego riu. — Tá na cara que você não gostou nem um pouco de ver ela com o tal Viktor... E está na cara que você está afim dela, e ela também parece estar interessada em você.
Enrico não respondeu. Em vez disso, pegou o copo de água e deu um longo gole, tentando ignorar o tumulto que estava sentindo por dentro.
Diego olhou para ele com um sorriso astuto. Ele sabia que Enrico estava tentando se controlar, mas também percebia a luta interna do amigo. Finalmente, Diego colocou a mão sobre a mesa e falou, com um tom leve, mas direto.
— Olha, Enrico... eu sei que você é bom em esconder seus sentimentos, mas não adianta tentar enganar a si mesmo. A tensão está no ar, cara. E está mais do que claro que você não sabe como lidar com tudo isso.
Enrico, um tanto desconcertado, soltou um suspiro pesado e se recostou na cadeira, olhando para o copo de água como se ele fosse a resposta para todos os seus problemas. Ele evitou o olhar de Diego, mas não pôde ignorar o que ele disse.
— Não estou tentando me enganar. Eu só... — ele fez uma pausa, procurando as palavras certas. — Eu não sei como lidar com tudo isso. Com a Milena, com o que aconteceu entre nós... Nós, nos beijamos... E eu não posso criar laços... Vou embora em menos de um mês...
Diego deu uma risadinha e, sem perder a chance de brincar com o amigo, disse:
— Ah, eu sei exatamente o que você está tentando fazer... está tentando se convencer de que não se importa. Mas, cara, isso é um jogo que você não vai ganhar. Você está com ciúmes, não adianta esconder.
Enrico virou o olhar para Diego, mas não retrucou. Ele sabia que seu amigo estava certo, mas ainda não sabia como lidar com isso.
— Eu não estou com ciúmes, Diego. Só estou... tentando não complicar as coisas. Eu já vi o que acontece quando você se envolve demais com alguém. Não quero repetir os mesmos erros.
Diego deu um sorriso mais sério e, com um olhar compreensivo, respondeu:
— Eu entendo, mas o que você está fazendo agora não vai resolver nada. Evitar a Milena e fugir da situação só vai piorar. Você está se afastando e, no fim, vai sentir ainda mais a pressão. Eu sei que você tem medo de se abrir, mas, às vezes, você tem que dar um passo à frente. Deixar as coisas acontecerem de forma mais natural cara.
Enrico franziu a testa, mas não negou o conselho. A ideia de se aproximar mais de Milena ainda o deixava desconfortável, mas algo em seu peito dizia que Diego estava certo. Ele não podia continuar evitando.
— E o que você sugere que eu faça, então? — perguntou Enrico, com um tom mais cansado.
Diego pensou por um momento antes de sorrir, sua expressão mais animada.
— Por que não convida ela para ir com a gente na feira de adoção. Assim, vocês têm a chance de conversar mais, sem pressão. Vai ser mais natural.
Enrico olhou para Diego, surpreso com a ideia.
— E você acha que ela vai aceitar?
— Claro!
Enrico respirou fundo, ainda incerto, mas sentindo que talvez fosse a melhor solução. Ele não podia continuar fugindo da situação, e essa era uma oportunidade de ver as coisas de uma forma mais clara. Nesse momento, Milena entrou no local, com um sorriso radiante. Ela caminhou até a mesa, e se sentou na cadeira vazia, enquanto olhava para Enrico e Diego.
— Desculpem pela demora, eu realmente não esperava me demorar tanto no banheiro. — falou olhando o cardápio.— O que vocês estavam conversando?
Enrico estava prestes a falar algo, mas Diego não deu tempo para o amigo. Ele, com um sorriso largo, imediatamente aproveitou a oportunidade para fazer o convite.
— Milena, estávamos justamente falando sobre a feira de adoção de animais que vai rolar mais tarde. Vai ser uma ótima oportunidade para dar uma olhada nos cães e gatos disponíveis para adoção. Enrico e eu vamos estar lá. Que tal você se juntar a nós? Vai ser divertido.
Milena olhou de Diego para Enrico, surpresa com o convite. Ela sorriu, pensando por um momento antes de responder com entusiasmo.
— Adoraria! Eu sou louca por animais. E, parece ser uma ótima oportunidade para fazer algo legal.
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