06. Soul
Estava decidido, diria não, naquela noite Kyungsoo não faria as vontades de Jongin e deixaria claro que as suas vontades deveriam ser respeitadas em primeiro lugar. E por mais que estivesse praticamente em pânico, não iria dar para trás em sua decisão.
Um ômega forte pensava com sua própria cabeça, e além disso, seu lado teimoso queria provar para seu melhor amigo que seu marido frio e sem expressões era sim capaz de carregar dentro de si algum tipo de sentimento e consideração.
— Por favor, Jongin, não me decepcione. — O ômega estava no jardim, e falava com as flores, aquele havia se tornado seu hábito mais comum desde que perdera a companhia constante de Baekhyun — Eu só quero que você demonstre que me respeita, será que isso é pedir muito?
Ele tinha certeza de que estava sozinho, e era essa certeza que o fazia se sentir livre para expressar seus pensamentos em voz alta.
— Eu não acho que seja pedir muito.
Kyungsoo estava segurando uma flor, se assustou com a voz em suas costas e acabou quebrando o caule. Existiam algumas coisas que o ômega não conseguia lidar, e uma delas era o fato de seu marido ser tão sutil e quase invisível quando queria ser. Isso era péssimo quando estava em casa, pois muitas vezes sentia como se ele estivesse o vigiando bem de perto.
Isso fazia com que pensasse um monte de besteiras, como por exemplo, que ele não confiava em ninguém, inclusive seu próprio ômega.
— Jongin. — Ainda era estranho o chamar pelo primeiro nome, era quase como falar a respeito de outra pessoa, uma pessoa que não estava na cena, ou que sequer conhecia — Quando você chegou? Não o percebi aí, e ainda é muito cedo, você sempre chega em casa mais tarde.
Estava nervoso, nervoso demais para alguém que só estava em casa cuidando do jardim. Ainda faltava muito para anoitecer, ele sequer havia começado a lidar com o jantar. Isso poderia servir como mais um de seus testes, esperaria até ver como ele reagiria a não ter seu jantar feito no momento em que chegasse em casa.
— Eu acabei de chegar.
— Mas por que tão cedo? — Perguntou sem perceber e isso o deixou em pânico, estava praticamente expulsando seu marido da própria casa, e ao seu ver, estava passando dos limites — Ah, eu não estou reclamando disso, de maneira alguma, fico feliz que já tenha chegado.
Quando Jongin chegou mais perto, Kyungsoo sentiu medo. E por mais que soubesse que sentir medo era dar razão para o que Baekhyun havia dito, ele não conseguiu evitar. Em partes, seu amigo estava certo, e ele não conhecia muito bem o Kim, e sendo assim, não conseguia confiar tanto assim naquele alfa.
Jongin ainda era um estranho, a pessoa que conhecia, e apenas de longe, era o General Kim, e nada mais do que isso.
Todavia, estava enganado. Jongin o abraçou e aquele abraço parecia tão carinhoso que o derreteu por completo. Por que ficava tão vulnerável perto dele? Tinha alguma coisa errada ali, entretanto, Kyungsoo passou a acreditar que o único errado ali era ele.
Errado por não acreditar que Kim Jongin poderia gostar de alguém, gostar dele.
— Por que não entramos? — O alfa sugeriu — Quero cozinhar para você esta noite, será que posso fazer isso?
O ômega sentiu vontade de recuar porque não havia entendido. Na verdade, ele estava muito surpreso, não estava esperando por nenhuma demonstração de gentileza espontânea. Pelo menos, acreditava que era espontânea, a última coisa que iria pensar era que seu marido pedia ajuda a alguém e ficava perguntando a terceiros o que deveria fazer em casa.
Mas não era, Jongin queria alguma coisa dele, uma pena que Kyungsoo fosse ingênuo e romântico demais para pensar assim, e até o presente momento só estivesse completamente encantado pela atitude carinhosa. Qualquer coisa que o aproximasse mais de seu marido era sempre bem-vinda e agarrada com todas as forças.
Era como escalar uma montanha de gelo, dava muito trabalho e sempre parecia perigoso.
— Não precisa se incomodar com essas coisas, Jongin, é meu dever cuidar do seu jantar.
O alfa passou os dedos por sua bochecha direita, e isso estava fazendo seu coração martelar. O que ele estava fazendo? Seu marido frio e distante não combinava com aquelas atitudes.
— E é o meu dever cuidar de você, Kyungsoo.
Golpe baixo.
Seu coração estava tão desesperado por aquele mínimo de atenção e doçura, que já estava a ponto de arrebentar apenas com aquelas poucas palavras. Já eram bem mais palavras do que ele costumava dizer em um dia inteiro. Era um grande avanço, precisava levar isso em consideração e se deixar aproveitar de cada segundo em que durasse.
— Se deseja cozinhar, eu ficaria muito feliz.
Entraram em casa e Kyungsoo ficou sentado na cozinha apenas apreciando enquanto seu marido cortava verduras tão rápido que quase chegava a ser assustador. Mas ao mesmo tempo era bastante interessante de se ficar olhando, era como ter tempo para o estudar e o entender um pouco melhor.
Jongin era tão bonito, ele quase não tinha expressões faciais, mas agora conseguia ver um pouquinho delas, eram quase invisíveis, entretanto, estavam ali e era bom saber que estavam, que existiam.
Kyungsoo passou a olhar para baixo, pensando em algumas coisas, e ao mesmo tempo se perguntando se todos aqueles pensamentos faziam bem ou mal para sua saúde. Pensar demais nunca foi uma coisa boa para alguém em sua situação, e qualquer outro ômega no Palácio o aconselharia a nunca pensar em nada, e apenas deixar os dias passarem. Jongin tinha o direito de ser quem ele quisesse, e como seu ômega, era seu dever o acompanhar em todos os seus caminhos, até mesmo se fossem perigosos.
Até mesmo se fossem os caminhos que não queria seguir.
Não conversaram enquanto Jongin fazia o jantar, entretanto, de todas as formas não era como se conversassem em outros momentos. Quase todas as coisas que Kyungsoo sabia a respeito de seu marido advinham de boatos comuns entre o povo que os criados do Palácio comentavam no dia a dia.
Sentia falta do dia a dia no Palácio, mas guardaria aquele pensamento apenas para si, seu marido não precisava ficar ouvindo as ladainhas de um ômega solitário e infantil ao ponto de chorar querendo voltar para casa, isso certamente não o deixaria feliz, não deixaria alfa nenhum feliz.
Jongin serviu o jantar depois que ficou pronto, estava sentado em sua frente e comia como a pessoa mais calma do mundo. Sentia inveja de sua paciência, de sua paz interna até mesmo quando parecia que o mundo estava desabando. Uma vez ouvira a história de uma batalha intensa e praticamente perdida, onde todos já se davam por mortos, mas o General Kim estava entre eles, o único com a cabeça fria para pensar no que deveriam fazer.
Voltaram vivos.
— O que se passa na sua cabeça? — Kyungsoo demorou a se dar conta de que havia ouvido mesmo uma pergunta, e ainda olhava para ele bastante confuso e sem ter ideia do que responder. Jongin estava mesmo tentando conversar e aquilo chegava a ser assustador — Não está comendo, você não gostou?
Olhou para baixo e viu sua vasilha de porcelana e detalhes tão delicados ainda intocada, havia se afundado tanto em seus pensamentos e nas belas feições de seu marido que perdera totalmente a noção de tudo ao seu redor, e isso o fez se sentir patético.
— Me desculpe, deixei meus pensamentos voarem.
Soltou uma risada curta e nervosa, tudo o que queria ser era alguém que reagia bem, mas o pouco havia se tornado muita coisa.
— Não precisa se desculpar por qualquer ato seu, Kyungsoo, não quero que me veja como uma espécie de algoz em sua vida, capaz de castigá-lo por qualquer bobagem que venha a considerar um erro. — Se contasse, saberia se tratar de apenas 34 palavras, mas para ele soou como um discurso longo, o mais longo desde que se casaram, tinha quase certeza, e era quase uma declaração de amor diante de seus ouvidos desesperados por acalento — Em batalha, consideramos a guarda baixa como algo ruim, mas não estamos em batalha, estamos em casa, eu sou seu marido, pode deixar a guarda baixa comigo.
O ômega balançou a cabeça afirmando que havia entendido e abriu um pequeno sorriso, um sorriso de verdade.
— A comida está muito boa. — Comentou logo após experimentar, e diante das muitas palavras daquela noite, se sentiu com coragem o suficiente para se dar o direito de uma pergunta — Sua mãe o ensinou a cozinhar? Ou você teve um pai ômega? Um pai beta, talvez, ouvi dizer que muitos soldados preferem se casar com betas, já que betas sofrem menos com a... com a distância.
Parecia que só agora havia se dado conta de que um dia Jongin passaria por aquela porta e partiria para uma guerra longa, onde ficaria distante dele por muitas luas, o deixando sozinho naquela casa, dançando com seus fantasmas.
— Meu pai alfa me ensinou.
— Ah, isso é bom, vocês sempre foram muito próximos, os criados do Palácio sempre comentavam a respeito do seu pai.
"Próximos" talvez não fosse a palavra certa. Seu pai estava sempre por perto, isso era um fato, mas estava longe de ser por carinho ou amor. Ele o criou para ser um guerreiro e era sempre nisso que pensava, em nenhum momento se perguntou a respeito de sua índole ou sobre como o filho se sentia.
Jongin não reclamava disso, aquela criação, sendo difícil ou não, o tornou o que era agora, e estava satisfeito com isso. Quem não estaria? Fora posto acima do herdeiro do trono, honrado e idolatrado, e agora estava casado com um ômega mais belo que a lua.
Talvez isso fosse a tal felicidade que todos falavam a respeito.
— Não precisará ficar sozinho se esse for o seu medo. — Ele disse — Seu amigo pode ficar aqui com você.
— Um dia o Baekhyun vai se casar e terá as próprias preocupações para lidar. — Acabou suspirando, ficava feliz com a ideia de que Baekhyun teria alguém que se importaria de todo coração e cuidaria dele, ele merecia isso mais do que qualquer um — A não ser que ele se case com um soldado, assim poderemos partilhar nossas saudades juntos.
Saudade.
Iria sentir saudade quando Jongin não estivesse mais ali e parecia assustador pensar assim. Significava que gostava da companhia dele, por mais silenciosa que fosse.
— Não sabia que seu amigo podia se casar. — Alguma coisa estranha passou por sua mente, algo muito parecido com culpa — Afinal, ele é um criado do Palácio.
— Como o meu ômega de companhia, a condição para ele era que se casasse apenas depois de mim. — Contou. Se lembrava de quando descobriram isso, frequentavam as aulas de etiqueta juntos, e tudo foi explicado em palavras sutis que uma criança era capaz de entender. Enquanto o Príncipe fosse solteiro, era seu dever estar sempre com ele, mas depois que se casasse, era livre para seguir seu caminho — Baekhyun não tem uma família propriamente dito, mas nasceu livre, ele não é um escravo que pertence àquele lugar.
A testa de Jongin se franziu levemente, e não seria nada se isso fosse com qualquer outra pessoa. Kyungsoo achou aquilo muito estranho, e por um segundo teve quase certeza de que alguma coisa errada estava acontecendo.
— E ele é puro?
Virgem.
Ômegas só tinham o direito de contraírem matrimonio se fossem virgens, e se não fossem, apenas o alfa ou beta que tirou sua honra poderia restitui-la. Se casar com um ômega que já havia sido tocado por outro era considerado uma desonra para sua família, e todos os casamentos assim estavam fadados ao fracasso.
— Como uma flor, meu amigo jamais foi tocado por qualquer pessoa. — Kyungsoo estava preocupado, seu marido não tinha motivo nenhum para se interessar por aquele assunto, e ele seria a última pessoa do mundo a fazer perguntas apenas por fazer — Mas por que a pureza de meu antigo ômega de companhia seria importante?
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