Ojos de encanto | 21
Eu só posso ter você em pequenas doses, pequenas doses
Amar você é explosivo, você sabe disso
Eu só posso ter você em pequenas doses, pequenas doses
Amar você é explosivo, você sabe disso
Eu só posso ter você em pequenas doses
─ Bebe Rexha, Small Doses
C a p í t u l o v i n t e e u m
"Ojos de encanto"
Caótico.
Efêmero.
E imprevisível.
Essas palavras definiam bem Kim Taehyung.
Eleanor se considerava apaixonada pela infinidade, afinal refletia isso todas as noites pela vista do céu.
Todavia, até as estrelas possuíam um prazo e Kim Taehyung conseguia ser a definição de efêmero, um sopro de curto prazo com o máximo de intensidade possível.
Doses altíssimas do perigo desconhecido, proporcionando uma euforia instantânea, um nadar em rios profundos, onde os pés quase não alcançam a segurança e as pequenas ondas se moviam sobre o corpo.
Olhá-lo por tempo demais assemelhava-se ao fim da temporada de inverno, os raios solares começando a surgir em seguimento com a neve derretendo.
Taehyung era obscuro como uma noite deserta.
Todavia, podia por raros segundos enxergar a cálida emoção.
Era complexo.
E definitivamente ela não almejava mais complicações em sua rotina.
A jovem garota se entregava a cada resquício de emoção, apegando-se em coisas passageiras e entregando-se ao ápice das sensações em sua mente. Mas nenhuma reação se comparava ao fato de ter os olhos tempestuosos do garoto misterioso nela.
Em segundos, ela viu a face da sombria melancolia crescente prevalecer sobre as expressão facial do rapaz.
Em algum instante, os fios negros deslocaram-se com a brisa serena, e as íris enigmáticos pousaram na garota.
A respiração de Eleanor se condensou, ela inspirou o ar com dificuldade e brevemente sentiu todo seu corpo incandescente, era como se tudo fosse verão quando sentia as pupilas dele sobre ela e a ainda era a imensidão da noite que os escondia por debaixo da lua.
Mesmo que fosse passageiro, era uma memorável loucura inebriante.
Kim não deveria mantê-la nas profundezas.
Ele não deveria provocar tantas mudanças em tão pouco tempo.
Contudo, Eleanor falhava ao tentar afastar a curiosidade sobre o rapaz de esferas opacas.
Até onde ele poderia levá-la?
Ao pico do arrebatamento pragmático ou no desfecho de uma temporada glacial?
As curtas noites, atordoada, desejou explorar os limites, desvendar o fascínio que possuía por Kim.
Os lábios pressionados um contra o outro, a visão impiedosa parecia tensa.
Observou atentamente a imagem do homem, franzindo as sobrancelhas com a forma que seu olhar se suavizou por instantes ao vê-la.
Não tinha a certeza se Taehyung havia a reconhecido.
A dúvida martelava em sua mente, queria que ele se aproximasse?
As dúvidas simplesmente surgiam quanto o assunto envolvia Kim Taehyung.
Trajando o mesmo uniforme que os demais funcionários, deixando uma bandeja sobre o balcão, sua atenção em segundos permaneceu em Eleanor, apenas um vislumbro conhecido.
Porém parecia haver algo mais interessante para o garoto, rapidamente desviou seu rosto para o relógio ponteiro, como se de alguma forma o objeto fosse sua salvação.
Um passo foi dado.
E seguidos que fizeram a imagem do rapaz desaparecer de sua frente.
Deixando uma desordem em seus batimentos, nervosismo inconsistente em suas entranhas e a exaltação de apreciá-lo mais e mais.
Como um vício.
Como uma nova cor para sua tela branca.
E de repente a realidade parecia arrebatadora.
─ Você está bem? ─ Lorenzo perguntou em tom preocupado.
Eleanor piscou como se estivesse em transe, voltando sua atenção ao loiro, tentando esquecer as sensações abundantes que queimavam sobre sua nuca.
Ela tinha que esquecê-lo.
O mais rápido possível.
─ Sim, estou bem. ─ respondeu simplória, forçando a saliva descer por sua cordas vocais.
Lorenzo estreitou seus olhos em sua direção.
─ Tem certeza? Parece que viu um fantasma.
O garoto tocou delicadamente em seu rosto, passando os dedos sobre sua testa.
Lorenzo inclinou-se para frente, os lábios franzidos e olhar preocupado mexeram com a consciência da jovem.
Ela engoliu em seco e assentiu com a cabeça.
O peso no coração de Eleanor doeu, a culpa implícita ecoava ao seu redor. Seu noivo não havia notado sua desatenção, principalmente a demasiada comoção que Kim em poucos segundos havia trazido.
─ Pensei que tinha visto um antigo colega de escola, mas foi engano. ─ balbuciou, encarando-o com semblante desorientado.
O loiro pareceu avaliar seu comportamento por segundos até concordar em um sorriso.
Eleanor fechou os olhos, sua face quase transparecia o conjunto de emoções que escondia dentro de si.
Por que havia mentido?
Esse questionamento a fazia ficar confusa. A razão hipócrita pela qual havia discutido com Lorenzo por ele não dizer nada a ela sobre seu casamento.
“Mas Kim Taehyung não envolvia nada sobre seu casório.”
Seu subconsciente alertou, relaxou sobre a cadeira, o fato a fez voltar a realidade.
O rapaz não estava envolvido ou sequer podia atrapalhar seus planos, e embora sentisse uma pequena atração por Kim, era somente passageiro e momentâneo.
Não duraria para sempre ─, repetiu a si mesma diversas vezes, até que pudesse acreditar.
─ Meu pai irá fazer uma festa em comemoração ao nosso noivado, lá em casa ─ Eleanor mencionou após um longo silêncio com Lorenzo a observando com uma das sobrancelhas arqueadas
─ E eu irei organizar.
─ É sério que depois de todo esse tempo fazendo festas, eles ainda querem impressionar mais?
─ Sabe como nossos pais são, precisam mostrar o luxo para atrair os inimigos.─ divagou bebendo um gole de seu chá.
Lorenzo inspirou tão profundamente que um ruído saiu de seus lábios.
─ Que se dane aqueles idiotas! ─ o loiro resmungou, olhando para rua ─ Não passamos de bonecos para eles, uma forma lucrativa de ganhar mais dinheiro, tenho certeza se meu pai tivesse que escolher entre lucro ou a mim, não teríamos nem o mesmo sobrenome.
Lorenzo baixou os ombros e desfez a face irritada. Ele estava cheio de deveres, a empresa pegava todo seu tempo, acordava de manhã cedo e só voltava para casa perto da madrugada, os dias eram exaustivos e as noites estressantes por aguentar os caprichos do progenitor.
Estava perto da total posse da herança da família, e sabia que isso só aconteceria se o matrimônio fosse realizado, era cruel pensar que mesmo adulto ainda era controlado pelo próprio pai.
Eleanor suspirou, não conseguia inventar algo para manter Lorenzo longe das preocupações, sua mente estava cheia de pensamentos acerca da situação de sua família.
E inesperadamente, uma singela parte curiosa e determinada pensava no belo rapaz que havia sido uma das suas inspirações para a criação de um quadro.
“Por que havia pintado Kim Taehyung?”
“E justamente com tanta precisão como se estivesse cada vez mais hipnotizada?”
Eram tantos questionamentos que sua mente trabalhava incansavelmente em lógicas rápidas e simples. Todavia, todas as recorrências faziam se sentir pressionada entre o dever e o desejo.
Eleanor não era um anjo, ou o exemplo exemplar da perfeição, possuía tantas falhas que isso a assustava. Era irônico que nunca conseguia se desprender das expectativas que colocaram sobre sua imagem.
Esperavam sempre mais da garota embora nem ela mesmo cumprisse o mínimo.
Detestava seus momentos de vulnerabilidade, lágrimas as vezes pareciam mais uma fraqueza do que alívio.
Eleanor Davis era demasiada confusa.
E o fato de Kim ter surgido em sua tela, consumia seu questionamento por mais e mais.
• • •
Faltava alguns minutos para meio dia, e Eleanor ainda não compreendia o fato de Kim parecer tão ansioso ao encarar o relógio.
Era a segunda vez que ela o enxergava.
Mas parecia que ele estava inerte demais para vê-la.
Já havia terminado sua refeição, contudo, seu corpo resistia em ir embora.
─ Preciso atender essa ligação. ─ o loiro disse repentinamente, procurando com os olhos um lugar para realizar a chamada.
O semblante sério do amigo e a ansiedade em seu movimento corporal, a fez sair um pouco da imaginação precoce.
─ Negócios?
Questionou o encarando atenta, procurando em sua face algo que indicasse a razão para o descontentamento do homem.
─ Meu pai, deve ser coisas da empresa.
Lorenzo justificou-se, levantando em seguida.
─ Já volto, somente preciso resolver isso.
O rapaz estava atemorizado o suficiente para não deixar mágoa entre eles, garantir que ela esquecesse dos acontecimentos passados. Eram companheiros, acima de tudo, eram noivos, necessitavam possuir a sinceridade de uma forma que os segredos ocultos não machucassem nenhum deles.
─ Qualquer coisa estarei lá fora, não hesite em ir até mim. ─ o homem murmurou honesto, apertando levemente o nariz da garota com a ponta do dedo.
─ Vá logo, sei me cuidar.
Eleanor brincou enquanto o empurrava, na tentativa de afastá-lo.
Lorenzo riu, virando seu corpo longe do alcance da mulher. A movimentação na cafeteria havia diminuído gradativamente, mas ainda estava lotada de pessoas que pareciam inertes em seu próprio mundo.
A atmosfera do local parecia sintética, os raios cálidos começaram a clarear o céu, como feixes de luzes surgindo entre nuvens espessas. Segurou a xícara de chá enquanto observava tudo ao redor, estava perdida e nebulosa demais para lidar com emoções que não pareciam suas, em meio do clima ensolarado, acolhedor e confortável.
Como uma telespectadoras de sua vida, era difícil promover a razão em sua consciência, mordiscou os lábios cobertos por gloss labial.
Ela estava louca.
E todas as explicações sumiram quando se tratava de alguém como ele.
Alguém que era livre.
Kim Taehyung havia atraído sua curiosidade, sobretudo sua inveja pela adrenalina que ele passava.
─ Garçom! ─ a voz impaciente de um homem a assustou.
Eleanor procurou curiosa quem era o cliente irritado, seus olhos passavam pelas mesas, até se deparar com o rapaz, seus passos ecoavam pelo piso liso, o solado do sapato soava em contato como uma tempestade tenebrosa, a figura aparentemente implacável, as ações tão frias quanto seus olhos demonstravam.
Kim Taehyung escondia muitos bem suas emoções, ele parecia acostumada a guardá-las, a percepção da garota se concretizada a medida que os passos do rapaz eram velozes, os punhos serrados, todavia, o rosto inexpressivo, sequer esboçava raiva ou frustração pelo tratamento rude do cliente.
─ Em que posso ajudá-lo, senhor? ─ questionou com tom paciente, colocando os braços atrás do corpo.
O homem que aparentava ter entre quarenta anos carregava uma face enfurecida, o vinco entre as sobrancelhas do mais velho lhe davam um aspecto mais envelhecido.
─ Lembro claramente de ter pedido um café descafeinado, mas me deram café comum, acham que sou burro? ─ o mais velho brandou indignado.
De repente, havia silêncio por todos os cantos, as vozes abaixavam a medida que as pessoas prestavam sua atenção na discussão.
Era uma atração, como se todos os holofotes estivessem sobre os dois homens, esperando ansiosamente por algum elemento surpresa, intriga ou curiosidade sobre a situação.
─ Lamento pelo erro, irei corrigir seu pedido.
O timbre calmo, emanava uma paz mentirosa.
Eleanor era boa em conhecer mentirosos, talvez por repetir tantas inverdades em sua vida, considerava intrigante a complexidade na postura do rapaz que quase passava imperceptível, como se ninguém olhasse além do que podia ser visto nele.
─ Impressionante, que nem seu trabalho consegue fazer direito. ─ o homem murmurou desacreditado, deixando evidente seu desprezo pela incompetência do garoto.
Kim Taehyung assentiu, abaixando a cabeça para recolher o pedido. Seus lábios serrados mostravam seu estresse pela situação.
O moreno inspirou o ar com força, os músculos tensos, passou a língua entre os lábios, assegurando-se que seu autocontrole estivesse presente.
Taehyung não entendia o motivo pela desatenção do dono da cafeteira ao lidar com os negócios, era incompreensível sua falta de conhecimentos sobre o trabalho. Sabia o antigo proprietário era pai de seu chefe, contudo, não imaginava a falta de atenção aos funcionários.
Muitas demissões por atrasos ou simples motivos porque o dono não queria pagar mais pessoas, era comum em dias cheios haver superlotação e poucos funcionários para atender, em consequência, grande parte estava exausta antes mesmo de seu turno acabar.
Kim sabia que o café descafeinado possui aroma, textura e sabor similares ao comum, só diferenciando na quantidade de cafeína, entretanto, pelo excesso de esforço, sua atenção estava comprometida.
As noites eram longas quando se tratava de apresentar no Purple’bar ou em seus dias de folga passar madrugadas andando pela cidade, na procura insaciável por mais adrenalina e caos em sua existência fatídica.
Kim vivia num vazio assustador.
Eleanor não conseguiu manter a postura para encará-lo, de alguma forma o desprezo contido no homem a deixava incomodada, uma precipitação beirava a frustração.
O barulho de talheres caindo foi escutado por todos na cafeteria. Os ruídos que antes dispersaram a atenção, atraíram novamente o público para o desentendimento.
A xícara caiu sobre o chão, partindo-se em partes, estilhaços finos e afiados jogados pelo piso, o líquido escuro molhou parte da toalha deixava na mesa.
Os olhos curiosos da garota encontram-se novamente com a mesa pouco distante da sua.
─ Da próxima vez preste atenção! – o mais velho brandou irritado, sua pele estava vermelha pela nervosismo.
O garçom que até agora estava de cabeça baixa, ergueu seu pescoço dando a visão completa para a jovem.
─ Desculpe, senhor. ─ a voz era tranquila, mas indiferente.
─ Olhe por onde anda na próxima vez.─ disse agitado.
Kim Taehyung abaixou-se, recolhendo cada uma das peças, dando atenção especial aos cacos partidos espalhados pelo chão. Seus dedos discretamente tocavam o vidro sem cuidado, parecendo não se importar com as feridas que aquilo lhe causaria.
Pontas cortantes que tanto se assemelhavam a espinhos perfurantes, machucavam as mãos do moreno, o branco da porcelana tomado aos poucos pelo vermelho dos ferimentos.
A garota continuou desacreditada pela neutralidade de Kim, o jeito depreciado ao recolher as coisas.
Foram segundos em que somente o ruído da movimentação do moreno foram ouvidos, ninguém se atrevia a fingir que nada havia acontecido, principalmente pelo semblante indignado do cliente.
Inesperadamente um sentimento amargo doeu em seu coração pela visão que acabara de ter, a situação parecia de algum jeito atormentadora.
Eleanor sentiu um pouco de desconforto quando percebeu Kim segurar os cacos com força, discretamente apertando sua palma sobre o pedaço, pequenas gotículas de sangue circulavam em seus dedos.
Encarou aquilo desacreditada, como se a imagem fosse uma miragem ou alguma interpretação equivocada sua.
A ardência de olhar a ferida aberta, à prova de um encontro do acaso, errado, sangrento e amargo.
“Por que ele está fazendo isso?”
Balançou a cabeça, desviando rapidamente o olhar para aquela cena humilhante, não deveria se preocupar ou sequer ultrapassar o limite da atração com a curiosidade.
Por alguma razão era inevitável desejar fugir, seus olhos acendiam um modo incomum na mera menção a Kim. Uma força que a impedia de desviar dele, como se o sentimento fosse tão impossível de ser ignorado, óbvio que não necessitava de alguma explicação mediana, na suposição de estar ali, consumindo de forma gradual seu interesse.
Uma fricção de caos e calamidade temerosa que fluía entre os toques incandescente, as conversas profundas que exageradamente provocavam batimentos frenéticos, apagando em partes as dolorosas lembranças. Focando os devaneios de um garoto misterioso em seu interesse peculiar.
─ Garoto estúpido! ─ o cliente resmungou quando Kim saiu do local.
Quando ele se foi, parte de sua respiração que não sabia que estava segurando, soltou-se.
• • •
─ Acho melhor irmos. ─ anunciou Lorenzo.
Seu rosto que antes estava empolgado, carregava uma expressão cansada, apagando o brilho antes da ligação.
A garota optou por não dizer nada ou questioná-lo, conhecia seu prometido muito bem e sabia que desviaria do assunto com alguma pergunta fora de contexto.
Eleanor levantou-se, ajeitando a fita branca que segurava seus fios rebeldes. Inevitavelmente enquanto se dirigia a saída, bastou um passo em falso, uma imersão de percepção para que a nebulosidade tomasse sua consciência.
“Como será que ele está?”
Sua caminhada travou, os ombros tensos denunciavam o que ela tanto lutava para esconder. Culpou a si mesma por sua atitude, atenta demais em fatos que não eram do seu cotidiano.
Não fazia ideia como deveria se comportar.
─ Preciso fazer algo, já volto.
A frase saiu antes mesmo que ela desse conta de seus pensamentos, um lapso automático.
O loiro virou-se para seu lado, encarando-a com o cenho sereno.
─ Espero lá fora. ─ declarou sem desconfiar da mentira da mulher.
A morena assentiu rapidamente com um sorriso superficial no rosto. Procurou algum caminho que indicasse seu objetivo, andou até um corredor largo, atrás dos balcões.
Antes de ir a sua procura, a morena pediu uma garrafa de água.
Eleanor não queria fazer aquilo novamente.
Porém, era impossível dispersar seus devaneios.
Estava seguindo mais uma vez Kim Taehyung.
Passava por diversos funcionários, mas nenhum era ele.
Acompanhava alguns metros de distância, percebendo que não recebia a atenção de ninguém, continuo sua jornada a procura do moreno.
A jovem vislumbrou uma sinulheita conhecida passar rapidamente pela porta do fundo. Em linhas confusas deu continuidade a investigação da localização do garoto.
Incerta tocou a maçaneta trêmula, temendo por sua escolha arriscada.
“Coragem ou arrependimento?”
Reunindo o resquício de sanidade, abriu a porta.
Diferentemente da atmosfera acolhedora que o interior do local mostrava, o lado de fora estava frio e melancólico, o beco escuro quase não recebia calor, latas de lixo encostadas na parede e o odor de terra úmida, fumaça dos carros adentrou em suas narinas.
Cruzou os braços, abraçando seu corpo em gesto de proteção, estava zonza e perturbada demais para encontrar Kim Taehyung no meio de tanta nebulosidade.
Os carros corriam apressados e todos os ruídos do acostamento faziam eco no lugar, a neblina perceptível aos olhos a assustou.
Utilizando seu raciocínio, a jovem estava pronta para fazer a rota de volta para a claridade, o conforto e sua casa.
Em contrapartida, o suficiente de seus sentidos enxergou sobre a neblina fina, uma cabeça e aos poucos, foi capaz de identificar a fragrância corrosiva da nicotina emaranhada a cada parte da presença dele.
─ O que faz aqui, Eleanor?
A voz suave era áspera ao tom, uma espreita desconfiada.
Eleanor inspirou fundo, sentindo a irracionalidade dominar seu sistema.
Andou até ele com a frequência cardíaca aumentando toda vez que sentia a proximidade dos dois. Poucos centímetros de distância, ele sentado no chão enquanto ela estava em sua frente.
─ Devo me preocupar com o fato de você sempre me seguir quando tem oportunidade?
Eleanor sentiu o rubor em suas bochechas aumentar com seu silêncio.
Kim riu.
─ Não... eu só precisava fazer algo. ─ esclareceu evitando olhá-lo, pois sabia da intensidade que o garoto passava apenas com poucas sílabas.
─ Nos fundos de uma cafeteria? ─ o sarcasmo beirava em sua fala.
A jovem quase escolheu-se ao encontrar a figura masculina encarando-a como se ela fosse alguma espécie de entretenimento.
Taehyung tragou o cigarro antes de soprar a fumaça pelo nariz uma última vez e jogar a ponta no chão.
O rapaz encostou sua cabeça na parede com falta de acabamentos, não se encontrava mais com o uniforme da cafeteria, apenas uma blusa preta de mangas curtas e uma calça jeans desbotada.
A mulher ficou imóvel, sentindo um nervosismo desconcertante, uma alteração no peito.
─ Você está bem? ─ a voz dela saiu em um fio, um cochicho quase passageiro.
─ Se preocupa comigo, senhorita?
Ele esboçou um sorriso, os olhos bem fixos nela.
Eleanor segurou a vontade de discutir com o rapaz e se perguntou como ainda estava ali, próxima a um garoto que parecia amar irrita-la.
Concentrou-se em sua tarefa pessoal, abaixou-se para perto do garoto, firmando os joelhos sobre o piso rígido.
Olhou as mãos do garoto, o sangue seco marcava a pele, suspirou alto enquanto segurava a fita presa em cabelo, tirando-a para cobrir os ferimentos de Kim.
Eleanor usava um vestido boho preto com estampas de flores brancas, um modelo de alças curtas e uma fenda na lateral, sabia que o tecido estaria sujo assim que levanta-se, entretanto, não podia impedir sua realização antes.
Eleanor se aproximou com cautela, tocando sutilmente a mão do rapaz, ignorou os arrepios com tal ação, focando na situação.
Ergueu até que o braço dele estivesse apoiado em sua perna.
Taehyung observava aquela cena sem reação.
A comparação de suas realidades era notável, os gestos da garota eram delicados enquanto o do homem eram rigorosos.
─ Isso vai arder um pouco. ─ alertou engolindo em seco.
De modo calmo e centrado, Eleanor pegou a garrafa de água e despejou o líquido no tecido úmido e macio, passando devagar sobre os cortes superficiais, percebendo a tonalidade clara sendo substituída pela cor da carne ferida, vermelha.
Por fim, amarrou o pano até que cobrisse a palma da mão do garoto.
─ Selvagem. ─ ele murmurou, tocando uma mecha do cabelo da jovem, brincando com os cachos soltos.
Eleanor ergueu seu rosto até que ficassem bem próximos, o suficiente para sentir o cheiro de hortelã vindo dele. As íris castanhas sombrias presas em seu rosto, os narizes perto o bastante para a essência do caos atormentar a ambos.
Havia alguma coisa em Taehyung e sua índole que a interessava. O risco que envolvia um contato extremo sempre atormentador, os julgamentos precipitados que queimavam seu interior. O perigo eminente, o enigma que ele trazia, de todo modo, prendia a atenção de quem quisesse. O modo charmoso da personalidade duvidosa atraía as mais trágicas concepções por ele.
─ É uma ferimento normal, talvez fique uma pequena cicatriz. ─ explicou apontando com a cabeça para o machucado ─ Quando chegar na sua casa limpe para não infeccionar.
─ Por que fez isso? ─ o tom sutil questionou transmitindo muito além das sensações ansiosas.
Foi um pergunta que a garota não tinha noção como responder.
Eleanor desviou do olhar acusatório do homem, mordicou os lábios na tentativa de voltar a realidade.
─ Não sei... ─ sussurrou baixo, quase inaudível.
De repente, um braço circulou sua cintura, apoiando seu corpo contra o dele. Os dedos de Kim enroscaram nas costas da garota, gelados e brutos, fazendo a pele sensível da jovem se arrepiar com o contato direto.
Delicado demais.
Fatal numa proporção maior.
Eleanor temia que ele escutasse seu coração acelerado. Percebesse a respiração entrecortada e a boca trêmula.
─ Não sabe? ─ o braço livre firmou um aperto morno.
Seu corpo todo tremulava como se estivesse exposta.
─ Eu realmente não sei...- riu sem humor, sua reposta era vaga, porém estava atordoada com os impulsos.
─ Por que fez isso? ─ perguntou e cautelosamente apontou para o machucado ─ Eu vi aquela cena, você se machucando de propósito com os cacos de vidro.
Taehyung piscou, levemente surpreso com o questionamento da jovem.
─ Eu só quis aliviar o estresse.─ declarou sem importância, assistindo a face da garota ser tomada pela incredulidade.
─ Machucando a si próprio? ─ retrucou, percebendo que suas testas estavam quase coladas.
─ Sabe o que dizem... ─ o canto de sua boca se ergueu, um sorriso que mal chegava aos olhos
─ A adrenalina vicia.
Taehyung encarou minimamente seus fios soltos, os cílios batendo um contra o outro, as pálpebras piscando atentamente, num tempo cronometrado.
Não resistindo a fervor das observações de Kim, desviou sua atenção para o lenço de cetim branco amarrado, amava aquele acessório e com ele combinava com tudo, agora o enfeite estava servindo de curativo.
A insensatez parecia ter dominado sua cabeça com ideias irracionais, seguindo seus instintos e ignorando o juízo completo.
Ele não merecia sua ajuda.
Sua mente continuava a repetir, na expectativa que aquilo fosse o choque para voltar ao seu mundo, um lugar tão frágil e sufocante, onde realmente pertencia.
A jovem nem sequer deveria continuar ali, porque os vestígios de problema eram nítidos e os demônios marcados em Kim eram reais, cruéis e letais.
Eleanor não entendia a calmaria ou tampouco a frieza que ele lidava com aquilo.
Fingindo que o ato de se ferir era a coisa mais normal, como se a dor não chegasse ao sentidos.
Por que tantos segredos?
Eleanor nem sequer se compreendia pela ação que tomou.
Mas ela achou que deveria ter feito isso. Caso contrário, sua inconsequente poderia ir mais longe.
Um movimento sutil do rapaz abaixo dela, permitiu que ela visse pela primeira vez, a tatuagem seu antebraço.
Era encantadora.
Traçou com curiosidade a tinta preta pincelada com o desenho de uma rosa machucada, perfurada por duas mãos a segurando, os espinhos ao redor, ferindo na sensação indolor.
─ Posso perguntar uma coisa? ─ ela começou, com o silêncio do rapaz, interpretou como um "sim"─ Qual significado da rosa machucada?
A hesitação era palpável, poderia sentir a rigidez dos músculos do moreno.
─ Como Vincent Van Gog dizia, a tristeza vai durar para sempre.
Taehyung deu de ombros mais uma vez, minimizando tudo aquilo, porém, bastava uma olhadela em sua face para ela saber que os motivos o perturbavam.
Ele correu os dedos pela nuca da garota, traçando a observação perspicaz das feições duvidosas com sua resposta vaga.
─ Você sempre vai fugir das minhas perguntas?
Eleanor resmungou, sentido suas testas coladas e seus olhares ainda mais conectados.
Estava sendo invasiva, tinha a plenitude disso, mas não conseguiu evitar as perguntas que martelavam sua mente, eram constantes e ambiciosas demais.
Taehyung correu as pontas dos dedos pelo cabelo da mais nova, afastando uma mecha para atrás do ombro. Seu hálito fresco agitou a temperatura corporal da mulher, alterava seu interior por uma avalanche de sínteses sobre a insanidade.
Um frio passou por sua epiderme, o fato de estar próxima a alguém proibido e tão problemático quanto Taehyung abalava seu sistema.
Sua vida sempre foi planejada, desde seus dez anos, a partir do momento que nasceu como uma herdeira dos Davis. A primogênita que deveria dar exemplo aos irmãos mais novos, a garota exemplar e a noiva perfeita, eram palavras que estavam presentes em toda sua trajetória.
Sem aviso prévio, alerta de perigo, ele surgiu, despertando a raiva e libertação. Uma densidade marcada por mistério.
Kim Taehyung abriu um sorriso de canto, havia sarcasmo e diversão em sua face quando disse:
─ E até quando você irá fugir de mim?
Eleanor cumpriu os lábios, na incerteza se realmente deveria ser sincera com ele.
A dúvida era evidente e não precisava de uma inspeção minuciosa para notar o significado, uma leitura secreta sobre o jogo de alvos mortal. Eleanor lentamente estava sendo conduzida numa dança arriscada, uma nociva extravagância que a levou até o desastre e empalhados de ruínas que Kim Taehyung trazia consigo.
─ Mierda detenlo.
O moreno estreitou os olhos para a garota, as íris selvagens estavam focados nele.
─ Isso foi uma loucura ─ a voz estava mais calma após um minuto absorvendo que aquilo era real
─ Eu não deveria estar aqui, nesse lugar, com você.
Estava mais que visível a incompreensão entre eles.
Ambos escondiam.
Ocultavam a insanidade que corroíam sua vida.
Ela o via como um erro, uma excentricidade que parecia gostar da escuridão.
Ele parecia apreciar o errado, um sádico em brincar com o próprio sofrimento.
Eleanor não entendia exasperação dele com o descontrole.
O moreno soltou o ar pela boca, desejando ter algo tóxico para enxergar as coisas facilmente, sem dificuldades como Eleanor via.
A vida perfeita dela parecia romper se ela soubesse todos os tipos de sujeira, dor e desespero que Taehyung já havia visto e presenciado.
A jovem ainda estava lá e ele ainda não entendia o porquê.
Ele gostava de provocá-la, sabia que suas brincadeiras eram interpretadas na tentativa de levá-la para cama. E talvez eram, contudo, o garoto ainda queria compreender o motivo pela qual ela estava perto, jogando-se em seus jogos sujos, fugindo como se nada tivesse acontecido e sempre voltando com um olhar diferente, ódio, tensão e especialmente naquele dia era lamentação.
Consideração pelo seu martírio.
Piedade com seu temperamento de merda.
─ Mas você, ángel dulce, ainda está aqui, comigo nesse lugar imundo ─ emitiu acusatório ─ Então por que não faz como as outras vezes e fuja, para bem longe onde garanto que não precisarei da sua pena.
A mulher bufou, impaciente.
─ Acha que estou com pena de você?
O encarou incrédula, sentindo um nó crescer em sua garganta.
─ É a única explicação plausível.
Kim enlaçou seu pulso, a puxando para perto de si.
O pescoço de Eleanor virou-se para o contato íntimo, suas mãos sentiram o calor em um instante, seu corpo formigava como se a eletricidade estática estivesse subindo, correndo por suas veias. Uma rajada de vento soprou em sua direção, a brisa pacífica havia a deixado em pânico, não conseguia pensar em nada, a conclusão que ela fez se tornou poeira rapidamente.
Parecia que o tempo havia parado, somente para ela e Kim.
─ Ou a minha aproximação não incomoda tanto como você aparenta?
Vislumbrou o cinismo beirando aos belos lábios, piscou diversas vezes enquanto se perguntava se a personalidade duvidosa poderia ser real.
Soltou uma risada nervosa.
─ Você é louco, isso é impressionante.
Para sua infelicidade, não tinha nenhum traço em seu rosto que indicasse que estava brincando com ela.
─ É uma péssima mentirosa, Eleanor.
Seus polegares fizeram movimentos circulares em sua pele e por algum motivo, isso a deixou ainda mais nervosa.
─ Kim Taehyung, ─ falou e ele se aproximou, os lábios suaves crispando em suas bochechas ─ Eu preciso ir.
Soltou um suspiro alto ao ouvir a risada cínica do rapaz.
Fios de cabelo fugiam e grudavam em seu rosto conforme tentava prender o fôlego. Os minutos já haviam passado e seus joelhos estavam quase cedendo a dor.
O incômodo a fez voltar para a órbita original.
Preferia guardar as emoções e mantê-las fora de alcance para não relembrar do ferimento dele, do sangue e seu olhar apático.
Era bom em tentar esquecê-lo.
Contudo, era péssima escondendo a verdade.
─ Não sei porque parece surpresa. Já ouviu cantadas bem mais pesadas que essa ─ ele retrucou, casualmente. Não era fantasioso, as frases do bar vinheram em sua mente e logo sentiu as bochechas quentes ─ Pela sua reação suponho que lembrou.
Eleanor revirou os olhos.
─ Seu machucado não está doendo? ─ mudou de assunto, mantendo sua observação na face atraente.
Falar sobre seu desastre com Taehyung não parecia uma boa ideia.
Ela não queria dizer que seu interior queimava em antecipação toda vez que trocavam olhares ou que a voz melodiosa cantando ainda estava impregnada nela.
─ Vai passar logo.
Kim usou um timbre indiferente, como se tivesse receio de adentrar mais sobre os recentes acontecimentos.
Os ossos da jovem estremeceram.
─ Irá ficar bem? ─ em uma última tentativa, tentou tatear algo na imensidão vazia que o garoto significava.
Kim Taehyung ergueu as sobrancelhas.
─ Sempre fica.
Um tremor pesado passou por ela, percebendo que Taehyung continuava distante, disperso em qualquer ponto que não fosse seu rosto.
Parecia agitado por algo que ela desconhecia. Um nuance de sentimentos.
Mentiras.
E nenhuma verdade.
Assim podia definir sua relação peculiar com o jovem.
─ Preciso realmente sair daqui.
Declarou cansada do diálogo sem profundidade, plantando mais perguntas sobre ele que poderia imaginar.
─ Tão previsível. ─ despreciou seu comportamento.
Eleanor respirou fundo antes de levantar. Olhando para o jovem mais uma vez, uma pequena parte sua sentiu falta do calor de seus corpos juntos.
Um espaço em que não haviam jogadas perigosas.
─ Você está certo, Kim Taehyung, eu fujo da sua aproximação ─ ela sibilou sincera, limpando a poeira do vestido
─ Mas você parece fugir de algo bem maior que isso.
A sentença curta e precisa agarrou-se a melancolia, tomado por uma observação, honesta, cujo o propósito eram deixar o mesmo impacto que ele causou nela.
Eleanor movimentou sua peça no tabuleiro destrutivo da destruição entre ambos.
Deixando a confusão se apoderar.
O caos surgir.
E a tragédia dar seus primeiros sinais.
✒
Continua?
O que acharam do capítulo?
Estam gostando da história?
O que estam achando de LIYE e seus personagens?
5k de palavras para esse surto de capítulo.
Demorou e finalmente chegou !!!
Lembrando a personalidade do Taehyung em LIYE é complexa e os traumas da Eleanor são constantes, então não esperem um romance rápido, eu gosto de desenvolver meus personagens até que eles deem os primeiros passos.
Aos poucos a relação peculiar entre eles vai começar a desenvolver e finalmente vão render-se ao desejo.
Espero de coração que estejam gostando da história e o desenvolvimento do romance entre a Eleanor e o Taehyung.
Já tem um nome para o ship?
Até a próxima :)
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