56. Estrela Solitária
05h02
20 de março
Washington D.C. – NASA
Terra-00 – Universe-000
JENNI REED
Desperto devagar, como em um sono pesado após noites sem dormir direito. Mas não estou despertando de um sonho. Estou despertando de um pesadelo.
Meu corpo volta à vida antes dos meus olhos, que ainda estão fechados. Estou deitada em uma cama confortável. Tento abrir os olhos para confirmar onde estou e uma claridade fraca e turva toma conta da minha visão.
Ao contrário de quando cheguei em Gotham, que não lembrei de imediato do porquê estava lá, aqui as memórias parecem como borrões na minha mente. Logo, não sinto um pânico instantâneo, apenas uma confusão mental. Talvez viajar entre universos com uma certa frequência faz com que o corpo se acostume.
O ambiente está silencioso, a não ser por alguns bipes uniformes que soam ao meu lado.
Levo as mãos aos olhos, pressionando-os para tentar clarear a minha visão. Pisco algumas vezes até que consigo distinguir melhor o ambiente em que estou. Parece um quarto hospitalar, mas o logo estampado em uma das paredes e nos lençóis brancos que me cobrem, revelam que estou na NASA.
Cheguei em casa.
Voltei para o meu mundo.
A porta do quarto se abre e uma mulher jovem de cabelos curtos e pretos entra no cômodo. Ela está usando um jaleco branco da NASA por cima das roupas e possui um óculos de armação verde que é incrivelmente do mesmo tom de seus olhos.
— Bom dia. Como está se sentindo? — Ela se aproxima de onde estou e intercala o olhar entre os aparelhos do meu lado esquerdo e em mim.
Há alguns fios conectados no meu tórax e um acesso no meu braço esquerdo ligado à um soro.
— Com náusea e dor de cabeça — respondo, ajustando a altura do encosto da maca grande e confortável em que estou para me sentar.
Parece que a minha alma foi sugada no trajeto espaço-temporal, pois me sinto fraca não apenas fisicamente, mas mentalmente e emocionalmente.
Reparo na médica mais uma vez e ela me parece familiar. Me pergunto se não a vi em algum momento antes de ir à Gotham, mas não me lembro bem. No bolso direito de seu jaleco, seu sobrenome está estampado na borda superior: Dra. Rodríguez.
— Vou te fazer algumas perguntas de protocolo, tudo bem? — Ela abre um sorriso simpático.
Respiro fundo e apenas assinto, tentando organizar o turbilhão de pensamentos que começavam a ocupar o meu cérebro.
— Qual é o seu nome? — Ela questiona, retirando uma prancheta e uma caneta que estavam no bolso lateral de seu jaleco.
— Jennifer Reed. — Respondo, enquanto as minhas últimas horas com consciência ganham forma como flashes na minha cabeça.
Ela faz um check com a caneta sobre a folha.
— Quantos anos você tem?
— 26 anos. — Lembro do plano. O subsolo da Troffle.
A Dra. Rodríguez rabisca a prancheta mais uma vez.
— Você sabe por que está aqui? — Ela me olha com calma.
— Sim, eu estava em uma missão. — Lembro de Timothy voltando. Uma primeira ruga brota na minha testa.
— E onde você estava?
Em seguida, Charles me vem à mente. O mundo destruído. Ele dizendo que meu irmão está morto. Meu desespero ao ouvir aquelas palavras. Depois a fuga, a volta à minha Gotham, o choro incontrolável, as despedidas.
Fecho os olhos e o rosto de Dick em lágrimas me vem à mente. O nosso adeus. A pior dor que já senti em toda a minha vida.
A Dra. Rodríguez se aproxima, colocando suavemente uma mão sobre a minha testa. Quando abro os olhos, vejo que a calmaria em seu rosto foi substituída por uma testa franzida. Os bipes que medem meus batimentos cardíacos se intensificam, ganhando uma velocidade maior.
— Está tudo bem — ela diz, sua voz é branda. — Você voltou, está em casa.
Olho seu rosto mais uma vez e então me lembro.
Era ela que estava nas fotos com Bruno. As fotos que Charles estava usando para me chantagear. Essa é a mulher que está grávida do meu irmão.
Meus lábios se entreabrem, parece que a minha voz vai sumir a qualquer momento.
— M-meu irmão... Você. Eu te conheço. — As palavras se atropelam na minha boca. Pisco algumas vezes e engulo em seco.
— Você me conhece? — Ela se inclina um pouco na minha direção, confusa.
— Sim, meu irmão... — Sinto o desespero tomar conta de mim. — Meu irmão está morto?
Meus olhos se apertam com as lágrimas se aproximando.
A Dra. Rodríguez franze a testa mais uma vez e coloca uma mão sobre a minha.
— Não. Ele estava aqui 20 minutos atrás e já deve estar voltando. Vi que você acordou e liguei para ele antes de entrar no quarto. — Ela aponta para uma câmera no teto, acima de nós. — Por que ele estaria morto?
Sinto todo o meu corpo tremer. Passo as mãos pelos olhos. E mesmo com as palavras dela sendo o contrário do horror que eu esperava ouvir, o nervosismo ainda está aqui.
— Ele disse que tinha matado o meu irmão. E você está grávida dele, não está? — As palavras me atropelam mais uma vez.
E se tudo o que Charles me disse e me mostrou era apenas uma grande mentira? Não sei o que pensar.
— Sim, como você sabe disso? — Ela questiona, tão confusa quanto eu. — E ele quem?
Mas toda a angústia se esvai quando a porta do quarto se abre e meu irmão a atravessa com um enorme sorriso no rosto. Ele abre os braços ao se aproximar e me envolve em um abraço apertado.
— Meu Deus! — Ele exclama próximo ao meu ouvido. — Que saudade eu estava.
Bruno nos afasta e segura meu rosto com as mãos.
— Você realmente está aqui? — Ele brinca, um sorriso mesclado com a emoção em seus olhos. — Quando você chegou, demorei alguns minutos para acreditar que realmente você tinha voltado.
Ele estava com a barba por fazer, os olhos cansados de sempre, mas havia um brilho diferente neles.
— Você não está morto... — Deixo as palavras escaparem da minha boca em um tom baixo, mas ele escuta.
— E por que eu estaria morto? — A expressão dele se assemelha a da médica ao nosso lado.
— Charles, ele... Ele estava observando vocês, por todos os lugares.
Bruno ergue o olhar até a Dra. Rodríguez, que ainda estava confusa.
— Agora faz sentido. — Ele diz, dando a volta pela cama e se sentando na poltrona que está ao meu lado direito.
Balanço a cabeça, ainda sentindo o peso de suas ameaças, mesmo sabendo que ele provavelmente já está morto a anos-luz de distância de nós.
— Realmente havia pessoas nos observando. — Ele pega em minhas mãos. — Percebemos há algumas semanas. Ontem, finalmente, a polícia conseguiu pegá-los. E agora há pouco, recebi um telefonema da nossa advogada avisando que eles se entregaram. Nada fazia muito sentido. Até agora.
Respiro fundo. Eles realmente correram risco de vida, e por muito pouco, talvez não estivéssemos nos falando agora. Sinto um nó na minha garganta se formar. Ainda tem uma tonelada de preocupação sobre mim
— Quando você chegou, havia um dispositivo com instruções específicas — Bruno continua, me encarando nos olhos. — Eram observações alertando que você visitou um mundo possivelmente destruído por uma guerra. Para onde mais você foi além daquele universo inicial?
— Aliás, o resultado dos seus exames acabou de sair — a Dra. Rodríguez interrompe, antes que eu responda. — Você está limpa, sem nenhuma contaminação.
Meu irmão respira aliviado ao meu lado. E eu levo alguns segundos até as palavras ganharem forças e saírem da minha boca para falar como fui parar naquele lugar.
Explico devagar, tentando abafar as lágrimas que queriam sair de mim. Não tinha por quê. Eu estava em casa, consegui voltar, meu irmão está vivo, mas meu coração parece se afundar dentro de mim.
— Jenni, você fez o que tinha que fazer. — Bruno se aproxima ainda mais, passando os dedos pelo curativo na minha bochecha. — Ele teria te matado sem nem pensar duas vezes. Era você ou ele. E se não fosse você, nenhum de nós teria chance de sobrevivência. Se não fosse você, o código não estaria funcionando e não estaríamos finalmente a salvos, blindados da rota de colisão em que estávamos. Não há mais nada, estamos livres.
— Então... deu tudo certo? O código-fonte realmente funcionou? — Pela primeira vez, desde que acordei, uma pequena chama de felicidade se acende em mim.
Bruno e a Dra. Rodríguez assentem ao mesmo tempo, ambos com um sorriso no rosto.
Fecho os olhos e deixo minha cabeça recostar no travesseiro atrás de mim. Talvez demore para que o peso da missão saia dos meus ombros, mas só de ter dado certo, já era o suficiente, por enquanto.
— Você salvou a gente. — Bruno pega minhas mãos e as leva até seus lábios, deixando um beijo demorado em meus dedos. — Jamais serei grato o suficiente. Estou orgulhoso demais e você sabe que nossos pais também estariam.
Sinto as lágrimas finalmente chegarem.
— Tenho tanta coisa para te contar. — Um sorriso fraco surge em meu rosto.
— Eu imagino e quero saber cada detalhe. — Bruno ergue o olhar até à mulher ao meu lado esquerdo. — Também tenho novidades, por mais que você já saiba, por que aquele infeliz estragou o meu momento de te contar isso, mas Adria e eu teremos uma filha.
Meu sorriso fraco se fortalece e ganha vida. Mais uma pequena chama de felicidade se acende dentro de mim.
— Como isso aconteceu? — Pergunto, intercalando o olhar entre os dois. — Quer dizer, não quero saber como aconteceu. Digo, como vocês se conheceram? Vocês entenderam.
Ambos sorriem. E eu também.
Eles se olham antes de responder e eu reconheço esse olhar. Eles se comunicam em silêncio, felizes, em um idioma único que pertence somente a eles. Eu sei como é se sentir assim.
— Foi um mês depois de você ir para Gotham. — Bruno tira os olhos de Adria lentamente até encontrarem os meus. — Adria foi transferida para ser a médica clínica geral do nosso departamento de missões. Fui em uma consulta com ela, saí diagnosticado por paixão à primeira vista e o resto é história.
Faço uma cara séria para ele e Adria dá uma risada de boba apaixonada que eu também sei como é.
— Esse é o tipo de coisa que você vai ter que aguentar. — Digo, olhando para ela e apontando para o meu irmão. — Tem certeza? Ainda dá tempo de fugir.
— Isso aí é moleza. — Seus olhos sorriem. — Tenho a medicação correta para esse diagnóstico.
Faço uma careta para os dois.
Será que Dick e eu éramos assim? Cruzes.
Adria recebe uma notificação no celular e em seguida guarda a prancheta no bolso lateral do jaleco.
— Preciso atender outro paciente. — Ela diz, voltando a atenção para mim. — Volto depois para checar se está tudo certo com você. Estou muito feliz por finalmente te conhecer, Jenni.
— Também estou feliz em te conhecer. — Aponto para o aparelho que mede meus batimentos cardíacos. — Posso tirar isso? Confesso que esses bipes estão me dando dor de cabeça.
Ela ri e desconecta o monitor cardíaco de mim. Agradeço com um sorriso e ela sai da sala, deixando Bruno e eu a sós.
— Ela é uma gata. — Digo, ainda encarando a porta fechada.
— Então você me entende.
Volto a encará-lo, revirando os olhos.
Meu irmão sempre foi um mulherengo, mas nunca o vi com essa cara de tonto, como se tivesse achado a joia mais rara e preciosa do mundo.
— O que quer que aconteça entre vocês, estarei do lado dela. — Anuncio, seriamente. — Ela será a mãe da minha sobrinha. Já é motivo suficiente para eu amá-la. Então, vê se não pisa na bola.
— Caramba, você voltou do mundo dos super-heróis achando que tem superpoder também, Capitã-Sermão? — Um sorriso surge em seu rosto. — E não, não pisarei na bola. Não queria soltar o clichê do "agora é diferente", mas não sei se tem outras palavras para descrever isso. É realmente diferente, Jenni. Nunca senti isso antes. É uma conexão tão forte e intensa que parece que estou sendo eletrocutado. Não sei se foi um bom exemplo, mas o que quero dizer é que parece até que ganhei vida, sabe?
— Eu sei. — Não era para ter saído, era só um pensamento, mas essas duas palavras escaparam antes que eu pudesse contê-las.
Meu irmão estreita o olhar, como se tivesse se lembrado de algo ou tentando entender por que eu concordei com o que ele disse.
— Aliás, mudando de assunto, ou talvez nem tanto. O que raios o imbecil do Timothy Fletcher estava fazendo em Gotham?
Meus olhos se abrem no mesmo instante.
— Ele está aqui?
Meu irmão assente.
— Chegou algumas horas antes de você pelo portal principal. — Ele explica, fechando a expressão. — O código do universo de partida que apareceu no painel era o mesmo em que você estava. Levamos um baita susto porque você deveria voltar pela cápsula. E pelo que analisamos, esses portais são inconsistentes, poderia ser qualquer coisa ou algo tinha dado muito errado. E, quando vejo, era aquele idiota caído no chão.
Recosto novamente a minha cabeça no travesseiro, aliviada.
Aparentemente, deu tudo certo mesmo.
— É uma longa história, mas ele teve seus motivos. E por que você ainda odeia ele?
— Porque quando vocês terminaram, achei que você ia morrer desidratada de tanto chorar. E, sim, na época, eu me imaginei socando a cara dele diversas vezes.
— Bruno, isso foi anos atrás.
— Não importa. Nunca é tarde para aprender uma lição. — Ele faz uma pausa, a expressão em seu rosto muda de bravo para preocupado. — Vocês... Vocês estão juntos?
Uma risada totalmente fora de hora me escapa.
Nego com a cabeça.
— Como eu disse, temos muito o que conversar. Mas não pegue pesado com ele, tá bem? Ele passou por umas poucas e boas... Teve um dia que achei que ele fosse morrer.
Agora, a expressão no rosto do meu irmão é de surpresa. Diria que até um pouco de culpa.
— Ele ainda está inconsciente, mas acreditamos que seja pelo portal. — Ele explica. — A cápsula dá uma amenizada no trajeto, e como ele estava sem, talvez demore mais algumas horas.
Assinto e ficamos em silêncio por um instante. Ainda estamos assimilando o momento. Meu irmão ainda me olhando incrédulo de que estou aqui. E eu, por ter voltado dos meses mais intensos de toda a minha vida. E sei que jamais viverei algo igual. Corri risco de vida diversas vezes, virei uma herdeira bilionária, uma empresária, conheci super-heróis, super vilões, conheci pessoas incríveis, e conheci o amor da minha vida.
Bruno desliza o polegar pela minha bochecha, e só então percebo que estou chorando. Tudo ainda pulsa dentro de mim, forte e intenso demais. É a mesma sensação de quando retornamos de uma viagem longa de férias, e as memórias permanecem tão vivas que parecem nos prender entre o passado e o presente, até que, lentamente, a realidade começa a nos puxar de volta.
— O que é isso? — Ele pergunta, levando a mão até o colar em meu pescoço. — Parece uma estrela.
Passo as costas das mãos pelos olhos, dissipando os resquícios das lágrimas. Não queria falar sobre isso agora. Ainda estou digerindo tudo o que aconteceu.
— E é uma estrela. — Pego o pingente que estava sob seu polegar e o viro para que ele veja a parte a parte inferior. — Tem as coordenadas gravadas aqui embaixo. Quase nem dá para ver, mas tenho um cartão com as informações também.
Bruno semicerra o olhar tentando ler os micros números que estavam gravados na parte de trás do pingente.
— Caramba. Eu sei que constelação é essa. — Ele passa o dedo pelo pingente mais uma vez. — Você comprou isso em Gotham?
Respiro fundo.
Você não precisa falar sobre ele agora, Jenni.
— Não. — Respondo, levando minha mão até o colar. — Foi um presente... Um amigo me deu.
Bruno ergue as duas sobrancelhas.
— Um amigo?
Abro a boca para tentar mudar de assunto, mas sou interrompida pela porta do quarto que se abre mais uma vez. Por ela, entram Peter, Madison e Brad. Os queridos cientistas que me ensinaram tudo sobre o mundo dos super-heróis. Que saudade que eu estava deles.
— Ai, meu Deus. A nossa super-heroína realmente voltou!
Peter vem em minha direção com um buquê de girassóis na mão.
— Adria me disse que podíamos passar aqui. — Ele complementa, erguendo uma das mãos e encarando Bruno, tentando fugir de uma possível bronca. Virando-se para mim mais uma vez, ele volta a falar: — Sei que você disse uma vez que não gosta de flores, mas o significado científico de girassol é "flor do sol", que também significa felicidade. Sim, é super brega, mas na minha cabeça fez sentido porque estou feliz, então... Bem-vinda de volta, Jenni. Sentimos muito a sua falta.
Todos balançam a cabeça negativamente, mas eu dou risada. Ele sempre me fez rir.
Peter me estende o buquê e eu o abraço. Em seguida, Madison e Brad fazem o mesmo. Eles estão iguais, não mudaram nada. Tudo bem que só se passaram quase 6 meses, mas na minha cabeça pareciam anos.
— Obrigada — agradeço, encarando as flores amarelas em meu colo. — Por incrível que pareça, girassol é a única flor que gosto.
— Que bom saber disso — ele diz, de modo convencido e olhando na direção dos outros dois cientistas, que reviravam os olhos. — E melhor ainda saber que você voltou sã e salva.
— Com sanidade eu ainda não sei — dou de ombros, forçando um sorriso. — Mas, sim, estou bem.
Ele puxa uma poltrona para se sentar ao meu lado esquerdo.
— Prometo que não vou te importunar — ele faz uma pausa. — Ainda. Mas quero saber de tudo. Como é a cidade, quais heróis e vilões você conheceu, como as pessoas são... Tudo.
— E vou contar. É tudo tão real e normal como aqui. Depois mostro as fotos.
— Ah, não — Madison leva uma mão ao rosto. — Você disse a palavra proibida.
Bruno e eu encaramos os cientistas com o mesmo olhar confuso. Madison e Brad pareciam impacientes, já Peter, estava com os olhos arregalados e um sorriso enorme no rosto.
— Esperávamos que você não mencionasse a palavra foto. — Ela explica, mas ainda estou confusa.
— Jenni — Peter ignora o comentário dela e volta a falar, mas faz uma pausa, endireitando a postura. — Você se lembra da última coisa que te pedi antes de você ir?
Com as sobrancelhas franzidas, nego com a cabeça.
Peter revira os olhos, mas logo se recompõe.
— Te pedi uma foto da bunda do Dick Grayson. Por favor, me diz que você se lembrou.
Não só eu, mas todos caem na risada.
Levo uma mão a boca, tentando me conter e respiro fundo.
Minutos atrás eu estava melancólica por lembrar dele. Agora, eu estava querendo rir. Agradeço mentalmente por Peter inverter algo na minha cabeça sem ao menos saber.
— Você deve ter visto ele alguma vez, né? — Ele pergunta, esperançoso. — Todo mundo aqui só quer saber como é o Batman, mas eu estou mais interessado no primeiro Robin.
Ah, se ele soubesse...
Coço a testa, ainda pensando no que falar. Claro que depois contarei sobre Dick, mas tudo ainda estava a flor da pele. Então, por hora, limito minhas palavras.
— Sim, eu o vi, e também o conheci. E não, eu não tirei essa foto. — Recuo os ombros, na defensiva. — Eu esqueci, me desculpa.
— Não acredito. — Ele diz, cruzando os braços, indignado. — Você tinha apenas duas coisas para fazer em Gotham, trazer o código e tirar essa foto para mim.
Vejo Madison suspirar ao lado de Peter. Ao julgar pela sua expressão, ela queria matá-lo.
— Ela acabou de voltar de uma missão interdimensional — seus olhos se enfurecem. — E essa é a primeira coisa que você quer saber?
Peter dá de ombros, despreocupado.
— Sempre disse que meu herói favorito era o Asa Noturna por razões bem específicas — ele volta a me encarar. — Então, sim, quero saber como ele é.
Todos ficam em silêncio por um instante. Não sei se estão xingando Peter mentalmente ou esperando uma resposta minha.
— Ele é... — Começo a falar, mas não sei se é uma boa ideia.
Ele é a pessoa mais incrível que já conheci. É o que penso comigo mesma, mas não verbalizo, porque eu não conseguiria completar a frase.
É um misto de emoções. Estou feliz por ter voltado e saber que meu irmão está vivo. Estou feliz pela missão ter sucedido. Estou feliz porque serei tia. Estou feliz em rever todos eles. Mas também me sinto estranha, com uma saudade recente demais, forte demais. Me sinto bem ao mesmo tempo que me sinto mal. É como se estivesse dividida entre o alívio e a inquietação. Há uma batalha dentro de mim, prestes a começar, mas já sei que será devastadora.
Deixo meus olhos vagarem em nenhum ponto específico entre as flores e minhas mãos. Meu pensamento está longe, querendo me teletransportar de volta para Gotham, sendo que eu acabei de chegar.
Involuntariamente, minha mão foi parar no pingente do colar mais uma vez, como se essa fosse a única prova física que me restava dele.
Percebo que os 3 se entreolham, confusos, ainda aguardando eu terminar a frase. Bruno me encara com uma expressão séria, mas não consigo decifrar o porquê.
— Acho que viajei — aceno com um sorriso, tentando disfarçar. — Estávamos falando sobre o quê mesmo?
— Sobre Dick Grayson. — Peter responde, no mesmo segundo. — Eu só queria saber se você tirou uma foto dele, mas você congelou.
— Acho que estou com jet-lag.
Eles riem da minha piada sem graça.
— Não tenho aquela foto em específico — volto a dizer, encarando-o. — Mas tenho outras. Acho que você vai gostar.
Ele abre a boca em uma surpresa.
— E por que você tem fotos dele?
Suspiro, e pesado até demais.
— É uma longa história. E, mais uma vez, tenho muito o que contar para vocês.
Peter abre um sorriso e puxa a poltrona para mais perto de mim.
— Me sinto pronto. — Ele diz, empolgado. — Tenho o dia inteiro.
— Não tem, não. — Bruno, Madison e Brad respondem em uníssono.
— Aliás, precisamos voltar para o laboratório — Madison diz primeiro. — Ainda estamos finalizando as análises de aplicação do código.
Em seguida, meu irmão se levanta da poltrona.
— Estou curioso para saber o que você fez para que o código funcionasse.
— Então vocês sabiam do real plano dos nossos pais? — Pergunto, encarando-o.
— Descobrimos 3 meses depois da sua partida — Bruno explica. — Eles deixaram essa informação escondida em outro documento, um que eles deram exclusivamente a mim. Eles sabiam que se soubéssemos do real resultado, não concordaríamos.
— Tentamos entrar em contato — Peter complementa. — Mas as mensagens não eram entregues. Então, o que nos restou foi aguardar a sua volta. Só não sabíamos que você tinha dado um jeito de salvar não só a nós mesmos, mas a eles também.
Um sorriso fraco, porém pesado surge em meus lábios.
— Eu tive muita ajuda, não fiz nada sozinha.
— E, aparentemente, deu certo — meu irmão pega minha mão mais uma vez com um pequeno sorriso surgindo em seu rosto. — Agora, vamos deixar você descansar.
Ele recua, como se tivesse se lembrado de algo.
— Ah, quase esqueci — Bruno busca algo no bolso de seu jaleco. — Seu celular. Tinha deixado carregando na minha sala.
Ele me entrega o aparelho e encaro a tela bloqueada.
É uma foto do horizonte entre as cidades de Blüdhaven e Gotham. Tirei na noite em que Dick me levou a um mirante onde era possível observar ambas as cidades de longe. Foi após a apresentação que fizemos na comemoração de um ano da abertura de Heaven.
Era uma vista linda. A ponte que interliga ambas as cidades toda iluminada. Os pontos de luz ao fundo mostrando uma noite viva e agitada.
Naquela noite, tive a plena confirmação de que estava me apaixonando por ele. E eu soube, desde aquele momento, que era um caminho totalmente sem volta.
Bruno reforça dizendo que preciso descansar. Peter e os outros o acompanham saindo da sala, me deixando a sós com meus pensamentos ensurdecedores de uma saudade iminente. Sei que será forte, embora ainda não consiga medir o quanto, mas que já me parece infinita.
★
17h45
Jardim da NASA
Washington D.C.
Sempre gostei de ver o pôr do sol daqui de cima, desde quando era mais nova e vinha para cá para tentar um resquício de atenção dos meus pais, em meio ao dia agitado deles.
O jardim é o único lugar que genuinamente sempre gostei de todo o edifício da NASA. É possível ver o horizonte da cidade daqui. O vasto terreno verde de árvores à frente até o amontoado de prédios da cidade ao fundo. Sempre me acalmou de uma maneira estranhamente única. Talvez, seja o fato de ter memórias apegadas a esse lugar enquanto crescia, e me soava um pouco como a uma casa.
Mas hoje, não é possível apreciar o pôr do sol porque está nublado. Tudo o que vejo é um céu acinzentado se escurecendo aos poucos. E não julgo o clima de Washington, pois me sinto da mesma forma.
É estranho.
Há quase 6 meses, estava sentada neste mesmo banco, observando este mesmo horizonte, prestes a embarcar em uma missão que poderia custar a minha vida. Mas voltei, e voltei com a missão cumprida. Ansiei tanto para que esse dia chegasse, para que eu retornasse para o meu mundo, mas ainda não consegui me sentir em casa.
Acredito que, com o tempo, eu possa sentir minha vida de volta. Quem sabe eu volte a trabalhar com música, afinal, isso sempre foi algo que me ajudou muito. Talvez, em algum momento, eu consiga resgatar partes da minha antiga vida, mesmo sabendo que aquela Jenni não existe mais.
Lembro que preciso entrar em contato com Pixie, minha amiga da faculdade.
Bruno me disse que ela tentou contato diversas vezes e ele teve que inventar outras diversas mentiras. Talvez ela nunca me perdoe, ou talvez ela me chame de louca, porque quero lhe contar a verdade, ela merece e também sinto sua falta.
— Deveria ter trazido um lencinho — ouço a voz de Timothy se aproximar e ele se senta ao meu lado.
Mas é claro que havia lágrimas rolando em meu rosto.
Tento dissipá-las, passando as mãos pelos olhos, mas sei que em breve elas retornarão.
Timothy acordou pela manhã e levou algumas horas para que sua consciência se situasse de onde estava. Meu irmão havia me deixado uma mensagem avisando, porque pensava que eu estava dormindo, mas não consegui descansar minha mente por um minuto sequer.
Horas depois, fui visitá-lo no quarto em que estava e choramos igual duas crianças que se perdem dos pais no supermercado, sem saber para onde ir.
Apesar de termos vivido diferentes jornadas naquele mundo, só nós sabemos como é ter passado por todos os perigos que enfrentamos e ainda conseguir voltar para casa. Era um alívio, mas também havia um certo pesar.
— Acabei de passar pelo seu irmão — ele volta a dizer, me encarando. — Se ele aparecer aqui, vai achar que o seu choro é culpa minha.
Uma leve risada me escapa.
— Não acredito que ele foi te encher o saco com isso.
— Nem precisou — Timothy contesta, sorrindo. — Eu sei que ele me odeia.
Balanço a cabeça em negativa.
— Acho que ele vai mudar de opinião quando você contar como quase morreu.
— E vai responder um: merecidamente.
Nós dois rimos e ficamos em silêncio por um instante, apenas observando a cidade à nossa frente escurecer.
A sensação de estar de volta deveria ser reconfortante, mas tudo parecia diferente. A vida que deixamos para trás antes de embarcar para outro universo se dissolveu no espaço-tempo. Jamais seremos os mesmos.
— Se houvesse uma maneira de voltar, você voltaria? — Timothy se vira para mim.
Encaro seus olhos cor de mel que demonstram a mesma angústia que os meus; parece que não pertencemos mais a este mundo, mas também não somos daquele.
— Sim — respondo, sendo sincera. — Voltaria porque tenho um motivo em específico e você sabe o quê, ou melhor, quem. Mas também tenho o meu irmão aqui e ele é a única família que tenho. Então, seria uma decisão complicada, na verdade.
— Acho que não seria tão complicada assim — ele sugere.
Franzo as sobrancelhas.
— E por que você acha isso?
— Porque eu te conheço há mais de 15 anos. Já fui um dos seus melhores amigos, já fui seu namorado, já quase nos tornamos estranhos um ao outro — Timothy suspira, passando uma mão pelos cabelos. — E você nunca olhou para mim e nem para ninguém da maneira que olhava para ele.
Abro a boca para contestá-lo, mas ele fala mais rápido.
— Esse tipo de coisa não acontece com todo mundo, é raro. — Ele volta a encarar o horizonte à nossa frente. — E sei que você tem consciência disso, mas saiba que se houvesse a possibilidade, eu seria o primeiro a apoiar sua decisão. Acho que o seu irmão também concordaria, se você contar a ele, é claro.
Respiro fundo.
Sem sombra de dúvidas eu voltaria para reencontrar Dick, se fosse possível. Mas a verdade é que eu gostaria muito que nossos mundos fosse um só, sem que nenhum de nós tenha que abrir mão de todo o resto para termos uma chance.
— Contarei — respondo. — Eventualmente.
E, também, tenho plena consciência de que essa possibilidade nunca vai se concretizar. Então, o que me resta é aceitar a realidade a qual sempre pertenci, mesmo que ela não pareça mais minha.
— O que você vai fazer agora? — Timothy pergunta, ainda encarando a cidade. — Vai voltar a ser musicista? Vai dar uma segunda chance para a física? Ou vai virar uma super-heroína, combatendo o crime mascarada por aí?
Uma leve risada me escapa.
Volto a minha atenção para o horizonte de Washington.
— Não faço ideia.
As luzes da cidade começam a se acender, uma a uma, como se estivessem acenando para um novo começo. Um começo em uma nova realidade muito maior e mais estranha do que eu imaginava anos atrás.
Nem em mil anos-luz pensei que viveria tudo isso, e muito menos, que sobreviveria algo dessa magnitude.
Me sinto como uma estrela solitária em meio a um universo vazio e escuro. É como se o mundo estivesse me oferecendo uma tela em branco, sem um roteiro claro a seguir. É uma oportunidade de reconstruir, de redefinir quem sou.
E enquanto faço isso, vou descobrir que a nova Jennifer Reed é alguém que eu ainda preciso entender, mas que, acima de tudo, preciso aceitar.
AI, MEU CORAÇÃOZINHO ❤️🩹
Como o capítulo passado ficou gigante, deixei para fazer minhas notas sobre ele e os últimos neste aqui.
No próximo, tem avisos sobre minhas novas fanfics também hihihi.
Enfim...
Semana retrasada, terminei de ler Matéria Escura e maratonei a série que fizeram do livro (tem na Apple TV - ou no Streamio de graça) e fiquei obcecada com absolutamente TUDO dessa história.
E pela temática de multiverso, assim como essa minha fanfic doida, acabei me inspirando para algumas reflexões da Jenni nesses últimos capítulos, que o Blake Crouch, autor do livro e criador da série, colocou em ambas obras. Não sei se alguém viu ou leu, mas recomendo demais, vale muito a pena!
É isso, créditos dados.
O penúltimo capítulo também já está disponível. <3
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