54. Isso Parece O Fim
20h04
13 de março
Gotham City – Apartamento de Jenni Reed
DICK GRAYSON
— Abra a palma das mãos e feche os olhos. — Peço, colocando as mãos de Jenni sobre as minhas.
— Eu ainda acho que seria melhor treinarmos aquele movimento de defesa que você me mostrou na segunda. — Ela retruca, ainda sem fechar os olhos.
— Você só vai conseguir fazê-lo se estiver totalmente concentrada.
Jenni revira os olhos e, por fim, os fecha. Suas mãos também seguem o que pedi.
Nos últimos dias, treinamos diversos exercícios de concentração e, também, de algumas técnicas de luta. Pensamos em realizá-los para que Jenni evitasse passar por outra surpresa indesejada, como a da semana passada. Agora, estamos em um dos espaços para treinamentos físicos no apartamento dela.
Estamos sentados de frente para o outro com as pernas cruzadas, a tradicional acomodação para meditação.
Quando ela me contou que havia recebido diversos treinamentos para estar aqui, depois que descobri toda a verdade, ela me mostrou alguns métodos que a ensinaram, mas desde que chegou em Gotham, os usou poucas vezes.
Antes de conhecê-la, antes de sequer imaginar que entregaria todo o meu coração à essa mulher, nos encontramos algumas vezes quando ela estava buscando, disfarçada, pistas de sua missão. Lembro que ela parecia ter os conhecimentos certos, mas não tinha a prática e, se tivesse, os executaria muito bem.
Então, temos gastado um certo tempo para um preparo. Ainda não sabemos para o quê, exatamente, ou para quando, mas temos plena consciência de que, aquela guerra que soava iminente meses atrás, está cada vez mais próxima de acontecer.
Todo aquele caos generalizado causado pelos Harpias que, no fim, descobrimos ser uma distração para o plano maior de Charles Rutherford, pode, também, surtir um efeito-bomba a qualquer momento, além de todo o resto.
Além do fato de que, muito em breve, precisaremos nos despedir. Tenho tentado evitar esse pensamento, mas a verdade é que ele anda me consumindo mais do que eu gostaria. Tenho pensado também em coisas impossíveis, em medidas desesperadas para que o nosso fim não seja esse, mas ainda preciso de tempo para avaliar as possibilidades. Um tempo o qual tenho certeza de que não tenho.
— Como você quer que eu me concentre com todo esse barulho?
Uma pequena ruga se forma entre as sobrancelhas dela.
— Esse é o intuito — começo a explicar. — Você precisa se concentrar em apenas um som específico, que é a gota d'água. Você conseguirá ouvi-la com facilidade assim que o seu cérebro estiver atento o suficiente.
Ela respira fundo, mas é de impaciência.
Coloquei um áudio com diversos ruídos desordenados para tocar nas caixas de som que havia pelo cômodo em que estamos. O ideal seria fazer esse exercício ao ar livre, mas pelo tempo que temos e, também, por estarmos evitando uma certa exposição de Jenni pela cidade, isso nos serviria.
— Respire fundo — peço mais uma vez. — Mas, agora, de verdade. E com calma.
Vejo Jenni fazer o que lhe pedi e também fecho os olhos.
Quando Bruce me ensinou essa técnica, lembro de ele ter usado as palavras "controle metal disciplinado", uma maneira mais bat-mania de chamar-se meditação, eu diria. Mas é uma técnica infalível, se for realizada da maneira correta.
A técnica ajuda a bloquear distrações, controlar as emoções e manter a calma em situações de alto estresse. Além disso, nos ajuda a antecipar os movimentos dos oponentes e conseguirmos tomar decisões precisas.
— Não pode abrir os olhos. — Digo.
— Não é possível — ela desdenha. — Como você sabe que eu estou com os olhos abertos, se os seus estão fechados?
— Porque eu estou concentrado o suficiente. — Abro os olhos para encará-la. — Vamos tentar de novo.
Jenni respira fundo mais uma vez e voltamos a ficar em silêncio.
O som em um momento de concentração é uma das partes principais, poderia dizer até que é a parte mais sensível de todas. É quase como silenciar a nossa própria mente, onde cada ruído externo se dissolve e o som mais audível de todos se torna a nossa própria respiração, se o foco for nos concentrarmos em nós mesmos.
Alguns minutos se passam e tudo o que ouço é a gota d'água e a respiração leve de Jenni, quase inaudível, pois forcei meus ouvidos, desde o início desse treinamento, a focar nela, e que para mim, é a coisa mais fácil e mais prazerosa do mundo.
— Estou ouvindo — ela anuncia, em um tom de voz baixo, quase um sussurro. — A gota. Ela cai no mesmo intervalo de tempo, de dois em dois segundos.
— Isso mesmo. — Afirmo, ainda com os olhos fechados, e sei que ela também ainda está assim. — Agora, tente encontrar o som de uma chama sendo acesa.
Mais alguns minutos se passam.
— Estou ouvindo — ela diz, novamente. — Soa distante, mas parece até que posso sentir.
— Isso. — Digo, concordando com sua descrição. — Você está indo bem.
A pequena curva que começa a surgir em meus lábios é interrompida quando os nossos olhos se abrem no mesmo instante porque, muito provavelmente, a nossa atenção estava sincronizada, e se eu escutei um ruído novo que não está no áudio, Jenni também ouviu.
— Ouviu isso? — Ela pergunta primeiro, franzindo as sobrancelhas.
Assinto, enquanto suas mãos saem das minhas e começamos a nos levantar.
Assim que cruzamos a porta daquela sala de computadores, encontramos a resposta do ruído que ouvimos um minuto atrás.
— Você melhorou seu sistema de segurança. — Talia al Ghul diz, atravessando a sala de entrada do apartamento de Jenni.
Ela veste os típicos trajes escuros da Liga das Sombras, propícios para passarem despercebidos como o próprio nome da organização diz; uma sombra.
Também poderia jurar que vi um rápido indício de surpresa em seu rosto ao me ver, mas logo de esvai na mesma velocidade em que apareceu.
— Tá de brincadeira, né? — Jenni cruza os braços e começa a andar em direção à Talia. — Você não sabe fazer uma ligação, mandar uma mensagem ou tocar a campainha como uma pessoa normal?
Talia arqueia as sobrancelhas, claramente fingindo estar impressionada.
— Richard — ela desconsidera a abordagem de Jenni e me encara, diretamente. — Gostaria de dizer que estou surpresa em te ver aqui, mas sempre que nos encontramos você está acompanhando de uma mulher perigosa. Parece que você tem um tipo.
— O que você quer, Talia? — Ignoro seu comentário, mas posso sentir Jenni me encarando com o mesmo olhar desconfiado dessa mulher que, sempre que a encontro, é um grande desprazer.
— Vim entregar informações importantes e oferecer a minha ajuda — ela volta a sua atenção para Jenni. — Mas, aparentemente, todos a família já está por dentro do assunto.
— Que tipo de informação? — Jenni se aproxima dela e eu também dou um passo à frente.
Talia dá um suspiro e intercala o olhar entre Jenni e eu.
— Encontrei o meu pai — ela inicia, nos encarando e endireitando a postura. — Na primeira vez em que nos falamos, eu estava em busca dele e você me disse o nome do responsável, foi de grande ajuda para entender melhor o que estava acontecendo e conseguir levá-lo de volta para casa. Então, acredito que te devia isso.
A expressão de Jenni se fecha ainda mais, assim como a minha.
— E onde ele estava? — Ela questiona, seriamente.
— Charles Rutherford tem uma base em um ponto remoto no deserto de Nevada. Ele tomou vários de nossos aliados, junto com o meu pai. E como eu suspeitava, todos eles estavam sob o mesmo efeito de controle mental.
Talia pega algo em um bolso lateral da sua cintura e estende para Jenni. É um pequeno frasco cilíndrico e transparente, o conteúdo dentro possui uma cor cristalina levemente esverdeada.
— Esse é o composto que estão aplicando nas pessoas que estão subordinadas a esse homem. — Ela volta a explicar.
Franzo o cenho, ainda encarando o pequeno objeto na mão de Jenni.
— Isso não faz sentido — a interrompo. — Como o seu pai, o próprio Ra's al Ghul, caiu em uma armadilha dessa? Me soa improvável demais.
Ela cruza os braços em um longo suspiro e me olha nos olhos.
— Eu não sei, ainda não consegui perguntar muitas coisas... — Talia faz uma breve pausa. — Ele está... se recuperando do Poço.
— Você matou o seu próprio pai de propósito? — Jenni pergunta antes de mim.
— Não, usamos o Poço de Lázaro muitas vezes para curar também. — Ela aponta para o cilindro. — Ainda estamos analisando o que é esse químico, mas os resultados que conseguimos até agora não condiz com nada que há neste mundo. Logo, pode ser que seja algo do seu mundo.
Pego o frasco das mãos de Jenni e vejo que não há nenhuma informação gravada nele. Me passa pela cabeça de que deve ser o mesmo composto químico que injetaram nela dias atrás, mas nem eu, e nem Jenni falamos nada a respeito para Talia.
— Você sabe quem mais está envolvido nisso? — Questiono, fechando a palma da minha mão com o cilintro.
— Sei sobre Lex Luthor. — Talia responde.
O olhar de Jenni se encontra com o meu rapidamente, quase que imperceptível, mas nós dois estamos pensando a mesma coisa.
— Ah, é mesmo? — Jenni volta a cruzar os braços. — Você o encontrou?
— Estava disfarçada por vários dias para tentar tirar meu pai da base do deserto, mas sim, ele apareceu em algumas ocasiões.
Vejo Jenni analisar a expressão de Talia por alguns segundos, tentando soar indiferente, mas sei que ela está furiosa.
— Você disse que veio oferecer ajuda — Jenni volta a falar. — Para quê, exatamente?
— Para a guerra.
— Guerra?
— Tem uma catástrofe se aproximando, e ela será aqui em Gotham.
Jenni e eu nos entreolhamos, confusos.
— Mas que tipo de guerra e catástrofe estamos falando, Talia? — Pergunto, encarando-a.
Ela abre a boca para responder, mas é interrompida por uma luz piscante no relógio em seu pulso.
— Preciso ir — ela se apressa em dizer. — Nos falamos em breve. Mande lembranças ao Damian por mim.
Jenni me encara por um segundo e, quando voltamos a atenção à nossa frente, a mulher já havia desaparecido, como um passe de mágica.
É ótimo fazer essa técnica para fugir dos outros, mas completamente irritante e assustador quando fazem com você.
— Essa mulher é um fantasma, tenho certeza disso. — Jenni passa uma das mãos pela testa franzida.
Ela vai até o sofá e se senta.
A acompanho, me acomodando ao seu lado.
— Acredito que essa substância deve ser a mesma que colocaram em você naquela noite. — Estendo o cilindro na palma da mão, para que ela o pegue novamente. — Foi o que os membros da Liga das Sombras também deviam estar sob efeito quando os encontrei, até que pareceram voltar à consciência, como se tivessem despertado.
— E os resultados da amostra do meu sangue também mostrou compostos irreconhecíveis — ela complementa meu raciocínio. — Bate com a descrição que ela fez.
Assinto, com o olhar distante e as palavras de Talia ecoando na minha mente. Tem uma guerra se aproximando.
Aquela sensação de ter algo maior e muito pior prestes a implodir nesta cidade era realmente legítima.
— Acho que está na hora de você retornar aqueles telefonemas do Lex Luthor. — Volto a dizer. — Estava na cara que aquele imbecil parecia estar agindo pelos dois lados.
Jenni respira fundo, ainda encarando o objeto com o composto em suas mãos. Ela o ergue para ficar na altura de seus olhos e o analisa, como se pudesse ver algo, mas não há nada além do líquido cristalino.
— Infelizmente. — Ela diz, por fim, voltando a baixar o olhar junto com o frasco em suas mãos e o repousando ao seu lado no sofá. — Então quer dizer que você sempre anda com mulheres perigosas...
Suas sobrancelhas se erguem, junto a uma pequena curva que surge no canto de sua boca, e eu não contenho o meu ligeiro sorriso também.
— É mais forte do que eu — dou de ombros, cinicamente e de propósito. — Sou apenas uma vítima. E acho que a mais perigosa de todas está me fazendo de refém.
Ela balança a cabeça em negativa, e no próximo segundo, recebo um empurrão no braço.
— Não sei onde eu estava com a cabeça quando comecei a dar bola para as bobagens que você fala. Provavelmente, tive algum lapso mental.
— Agradeço todos os dias ao universo por você ter tido esse lapso. — Digo, passando um braço em volta de seus ombros e a puxando para mais perto.
Jenni me encara com aqueles lindos olhos castanhos que sempre foram capazes de me hipnotizar, desde a primeira vez em que coloquei os meus olhos nos seus.
— Pensei que você me achava misteriosa, e não perigosa. — Ela morde o lábio inferior, tentando conter um sorriso.
— E o que seria do mistério sem o perigo?
— Hum... Acho que estou entendendo — Jenni se aproxima mais, repousando uma perna sobre a minha. — Então você gosta de viver perigosamente...
— Talvez eu goste da adrenalina.
A puxo para o meu colo, deixando suas pernas envolverem o meu quadril.
— E por quê?
Jenni nos aproxima ainda mais. Seus dedos passam pelos meus cabelos, até chegarem na minha nuca, puxando meu rosto para perto do seu.
— Porque me lembra você.
Levo meus lábios aos seus em um beijo lento. Todos os beijos dela me viciam de uma maneira diferente, mas que me enlouquecem da mesma forma.
O modo em como nossos corpos se encaixam, como se fossemos feitos sob medida um para o outro, o jeito como ela diz meu nome em um sussurro rouco quando minhas mãos deslizam por suas costas, por debaixo de sua camiseta, e a puxando para mim, nos colando totalmente um no outro.
Eu largaria tudo para tê-la comigo para sempre.
— Droga, Jenni. — Sussurro em seus lábios e abrimos os olhos no mesmo instante. — Eu vou sentir tanto a sua falta.
Jenni respira fundo e segura meu rosto.
Meu coração vacila. Estamos sofrendo o mesmo problema e na mesma intensidade, só estamos evitando verbalizá-lo.
— Eu também — sua voz sai em um tom baixo. — Mas temos o agora, lembra?
Assinto, mesmo querendo dizer que o agora me parece pouco. Eu quero um futuro. O nosso futuro.
Meus olhos vão ao encontro do colar prateado que lhe dei de presente, com o pingente da estrela que registrei em seu nome.
Meus dedos passam por ele, suavemente e atraindo o olhar de Jenni para o acessório.
— Faz algumas semanas que você não tira ele do pescoço. — Digo, segurando o pingente no meu polegar.
— E provavelmente, nunca tirarei.
Ergo o olhar e vejo que seus olhos sorriem, assim como todo o seu rosto.
Estou fodido.
Essa é a verdade.
Não sei o que será de mim quando ela se for.
Mas sei o que somos agora, quando ela cola nossos lábios mais uma vez e fazendo nossos corpos se fundirem em uma chama que sabemos que nunca apagará.
Ao menos agora, nós somos um só.
✩✧✦
18h00
17 de março
Gotham City – Troffle
— Não acredito que você fez ele concordar com essa maluquice. — Jenni me encara com um certo ar de empolgação.
— Sempre serei o Robin favorito do Superman.
Abro um sorriso assim que saímos do elevador e seguimos em direção a sua sala na Troffle.
Jenni teve uma ideia brilhante. É uma ideia maluca, para variar, mas que pode funcionar perfeitamente.
Ela retornou as ligações de Lex Luthor e marcou uma reunião, fingindo estar interessada em fechar negócios com ele que, por sua vez, tem interesse em comprar a Troffle.
Parecia e poderia ser um encontro qualquer. Uma reunião de negócios casual. Mas vamos usar a carta da chantagem, que nem sempre acho válida, mas que neste caso, será essencial para nos entregar as respostas que precisamos.
Quando chegamos próximos à sala, Clark já se encontra no local, recostado no batente da porta.
Ele está com uma camisa social branca e calças escuras, acompanhado de seus típicos óculos e conhecido crachá de repórter do Planeta Diário, abotoado no bolso frontal da camisa.
— Sr. Kent. — Jenni estende a mão para cumprimentá-lo com um sorriso de orelha a orelha que me causa uma certa diversão. — Muito obrigada por ter vindo, imagino como você deve ser ocupado. Quero dizer, ter que conciliar tudo, o trabalho e o seu outro trabalho, sabe... Hum... Bom, obrigada.
Clark e eu trocamos um olhar tentando conter uma pequena risada.
Jenni estava mesmo empolgada em vê-lo e a entendo perfeitamente. Mas a maneira como ela se atropelou nas palavras, posso até dizer que achei fofo, porque ela sempre sabe o que dizer.
— Pode me chamar apenas de Clark, Jenni. — Ele a cumprimenta. — E eu que agradeço, foi uma ótima ideia. Pode contar comigo e com toda a Liga para que o seu plano final dê certo.
Ela assente de forma carismática e entramos na sala.
Repassamos rapidamente a forma como abordaremos Lex para conseguirmos estrategicamente o que precisamos.
Alguns instantes depois, Sally, a secretária de Jenni, nos avisa que ele já chegou.
Jenni sai para encontrá-lo na entrada do andar e não demora muito para que ambos atravessem a porta da sala em que estamos.
E menos ainda, para percebermos o olhar surpreso de Lex se transformar em fúria quando Jenni fecha a porta.
A tensão no ar é quase palpável, mas hoje, Lex Luthor não tem chances contra nós. Resta a ele apenas a cooperar.
— Você acha que eu sou um otário, Jennifer? — Ele questiona, intercalando o olhar entre nós três. — Que tipo de armadilha é essa?
— Não tem armadilha nenhuma, Lex, porque nós trabalhamos apenas com a verdade. — Jenni aponta para uma cadeira em frente à sua mesa. — Sente-se.
A expressão no rosto dele é uma mescla de impaciência e indignação.
Jenni aponta para a cadeira mais uma vez ao perceber que ele não fez o que ela pediu. Clark e eu cruzamos os braços ao mesmo tempo do lado oposto da sala, encarando-o com o mesmo olhar de indiferença.
— Então pode me explicar o que eles estão fazendo aqui? — Lex questiona, nos lançando um olhar cínico e, finalmente, sentando-se a contragosto na cadeira.
Jenni senta-se à sua frente e abre uma gaveta ao lado esquerdo, pegando um pen drive e colocando-o sobre a mesa. Em seguida, o empurra em direção a Lex.
— Dick está aqui porque eu quero que ele esteja aqui. E, também, porque ele é meu detetive. — Ela diz, firmemente e encarando o homem careca à sua frente. — E chamei o seu repórter favorito do Planeta Diário porque temos um ótimo furo sobre a Lex Corp, e tenho certeza de que é do seu interesse.
Lex range os dentes, tentando manter a postura, mas sabemos que ele está prestes a explodir.
— Neste pen drive — Jenni leva uma mão sobre o objeto — está todo o histórico de transações da Lex Corp filtrados por pagamentos não legalizados, digamos assim. Propinas para partidos políticos, para departamentos policiais, pagamentos para acobertar pequenos e médios crimes. Os dados estavam vendados, com informações falsas para despistar uma possível auditoria, mas como você mesmo me disse um dia, eu tenho um excelente detetive.
— Vocês hackearam o meu sistema? E querem mesmo se passarem de espertos invadindo a privacidade de uma empresa privada?
— Eu chamo isso de investigação — Jenni se apressa em dizer. — Você está interessado em comprar a minha empresa. Apenas utilizei dos meus recursos para averiguar se você seria um bom parceiro de negócios ou não.
Os punhos de Lex se cerram sobre o encosto da cadeira, e os meus também ao perceber sua postura de fúria encarando Jenni, que estava com o sorriso mais falso em seu rosto, mas com uma postura firme, segura de si e intimidadora, eu diria.
— Além disso — ela volta a dizer — você tem informações que eu preciso. Você queria negociar, certo? Então vamos negociar, porque sei que você tem agido dos dois lados, mas com certeza tenho mais a lhe oferecer do que Charles. Já que as informações que tenho, pode derrubar o que você tem hoje. Agora ele, está te prometendo algo incerto, que você se nem sabe se será possível. Então, Lex, nos diga tudo o que você sabe. Não esconda nada, senão... Clark, o gravador, por favor?
Ela acena para Clark como se fosse seu assistente, causando uma intimidação em todos nós. Posso ver pelas nossas posturas.
Porra. Eu amo tanto essa mulher.
— O que você quer? — Lex questiona, entredentes, antes mesmo de Clark chegar à mesa de Jenni.
Ele dá um passo para trás, voltando a ficar ao meu lado.
— Foi o que eu pensei. — Jenni dá um sorriso convencido para ele. — Como disse, quero saber tudo. Nomes dos envolvidos, qual é o próximo passo, onde ele está... Tudo.
Lex respira fundo e parece hesitar por um instante, mas abre a boca para falar.
— São muitos nomes, dezenas deles. — Ele cruza as mãos sobre as pernas, também cruzadas. — Ra's al Ghul, Vendal Savage, alguns que nem são deste planeta como Darkside. Todos eles receberam propostas diferentes, a promessa de uma parte desse novo universo que ele pretende criar.
Tanto a postura de Clark como a minha é inteiramente tensa. São os piores nomes que poderíamos ouvir.
— Um império — Lex continua. — É assim que ele está chamando. Um mundo novo baseado nos princípios da ambição, de pessoas como Ícarus que não tem medo de voar alto, mesmo que o sol seja capaz de derreter suas asas.
O mito de Ícarus que encontramos perdido em alguns documentos meses atrás. Agora, tudo faz muito mais sentido. Desde sempre, Charles foi o responsável por tudo.
Jenni endireita a postura na cadeira e fecha a expressão.
— E o que ele, vocês e todos os envolvidos planejam fazer agora? — Ela questiona.
— Nós, nada, por enquanto. — Lex aponta para si mesmo. — Pedimos uma demonstração, digamos assim.
Jenni apenas ergue as sobrancelhas, impacientemente, pedindo para que ele desenvolva sua explicação.
— Charles possui um composto químico capaz de controlar mentes, mas o efeito é passageiro. Ele aprimorou essa fórmula para que seja duradoura através de um controle feito por ondas magnéticas. O objetivo é espalhar essa substância através do saneamento básico das cidades para que a população seja contaminada sem que perceba, e o controle mental seja realizado com esses provedores magnéticos, que já estão instalados em algumas cidades.
Nós três nos entreolhamos rapidamente, tentando esconder o receio que quer transparecer em nossos rostos. É de uma crueldade muito calculada. Não podemos deixar que isso aconteça.
— A prova acontecerá aqui em Gotham, na noite do dia 19 de março. Daqui a dois dias.
Dois dias.
Temos 48 horas para impedir a maior ameaça que essa cidade já sofreu.
— Se tudo der certo — Lex volta a falar — no dia seguinte, será implementado em outras cidades do país, e assim por diante.
— E onde ele está agora? — Jenni pergunta, impaciente.
Lex deixa um riso debochado lhe escapar pelo nariz.
— Eu realmente não sei. — Ele endireita a postura. — Charles tem uma grande facilidade em viajar entre universos. Então, muitas vezes ele apenas desaparece e não conseguimos contato porque, possivelmente, ele deve estar em outra dimensão.
— É claro — Jenni diz, balançando a cabeça e em um tom baixo, mas nós a escutamos.
— E qual é o plano para o dia 19, exatamente? — Dessa vez, sou eu quem questiono.
Lex ergue uma sobrancelha com um olhar de desdém em minha direção.
— Não é você o detetive aqui, Richard? Acho que você descobrirá.
Me contenho para não voar em seu pescoço, porque Jenni chama a sua atenção. Agora, com o pen drive em mãos, ela o estende em direção ao rosto de Lex.
— Eu tenho a cópia de tudo o que está aqui — ela aponta para o pen drive. — Posso soltar essas informações a hora que eu quiser. Então, nos diga, Lex. Qual é o plano?
Ele cerra os punhos mais uma vez, lançando o olhar mais furioso possível para Jenni, mas ela não se incomoda, sua expressão é de indiferença.
— Harpias. — Ele diz, por fim. — Vão usar os Harpias para manter a polícia ocupada enquanto contaminam os sistemas de saneamento.
Jenni recua com o pen drive em mãos, recostando na cadeira. Nós três encaramos Lex no aguardo de mais informações.
— Isso é tudo o que o sei. — Ele intercala o olhar entre nós. — Estão satisfeitos?
— Ainda não. — Jenni responde no mesmo instante. — Charles disse algo sobre o código Houdini?
Lex a analisa por um instante. Ele está em uma situação vulnerável por estar sendo colocado contra a parede com a chantagem sobre a Lex Corp, então qualquer movimento que a sua linguagem corporal faça, se torna legível. Ele sabe a resposta para a pergunta de Jenni, só não disse antes por que não foi questionado.
Ele olha brevemente para mim e para Clark, que estamos igualmente sérios e volta a encarar Jenni.
— A última atualização sobre isso é que ele instalou um acelerador de partículas no seu mundo. Esse acelerador está apressando a rota de colisão em que o seu universo está. A previsão é de que a destruição seja nas próximas semanas.
Jenni franze a testa, abre a boca para dizer algo, mas nada sai. Ela está surpresa. A postura firme de instantes atrás começa a se desfazer.
— Seja lá qual for o seu plano — Lex volta a falar, encarando Clark e eu novamente — se não der certo, Charles terá a força que precisa para concluir o dele.
Lex estende a mão, pedindo o pen drive que Jenni segura. Ela fica imóvel por alguns segundos, até que ele volta a insistir.
— Trato é trato, lembra? — Ele pede mais uma vez. — Aliás, você disse que possui uma cópia.
Ela comprime os lábios, relutante, mas entrega o objeto a Lex, que por sua vez, o guarda em um bolso interno de seu paletó.
— Se essa reunião realmente fosse para falar de negócios, como havíamos combinado, eu iria te entregar essa última informação que acabei de dizer. — Ele busca algo pelo bolso interno, retirando outro pen drive e o entrega a Jenni. — Você cooperou, até me apunhalar pelas costas agora, mas seria o justo a se fazer, assim você poderia voltar para casa e rever a sua família uma última vez. Todas as informações sobre esse acelerador de partículas estão aqui.
Ela pega o objeto, mas não diz nada, parece ter levado um choque. Acho que está na hora dessa reunião acabar.
— Certo — Jenni diz, por fim, ainda encarando o novo pen drive em suas mãos. — Obrigada por vir, Lex. Pode se retirar, por favor.
— Eu te acompanho, Sr. Luthor. — Clark intervém, se aproximando do homem que o encara com um certo receio.
Eles começam a ir em direção a porta, Clark me lança um olhar que entendo perfeitamente. Temos muito o que falar. Precisamos agir, e agir rápido. Extremamente rápido.
Quando a porta é fechada e não escutamos mais a presença deles, vou até Jenni e puxo uma cadeira para me sentar ao seu lado. Ela ainda segurava o pen drive como se fosse uma joia rara.
Coloco minha mão sobre a dela.
— Ei, vai dar certo. Nós temos um plano, lembra?
Ela balança a cabeça em negativa.
— E também não podemos mais esperar. — Ela respira fundo e vira a cabeça em minha direção. — Acabou o tempo, Dick.
Olho para as nossas mãos, sentindo o receio que tomou conta de nós instantaneamente.
— Vamos ativar o código no dia 19. — Jenni diz, no mesmo segundo.
Franzo a testa.
— O quê? Calma. — Me endireito na cadeira para encará-la totalmente. — Olívia disse que ainda faltam alguns testes. Além disso, você sabe que quando o código-fonte for ativado no portal do subsolo, teremos poucas horas até que todos os portais interdimensionais sejam fechados. Precisamos...
— Sim, mas é a oportunidade perfeita. — Ela me interrompe. — Charles com certeza estará aqui para saber se esse teste maligno dele deu certo. Não podemos mais perdê-lo de vista. É a chance de pegarmos ele de vez. E também... preciso voltar o quanto antes.
Ela tem razão. É pouquíssimo tempo, mas a sua sugestão não é ruim. Não concordo de imediato porque seria daqui dois dias. E mais do que o temor pelo que pode acontecer em Gotham, eu teria apenas mais 48 horas com ela. É pouco demais, praticamente nada.
— Precisamos tentar. — Jenni se vira, pegando em minhas mãos novamente.
Observo os nossos dedos se entrelaçarem à medida em que um desespero começa a surgir dentro de mim.
Dois dias.
Eu não teria tempo para...
Balanço a cabeça, me sentindo repentinamente sufocado pelos meus próprios pensamentos. Pela angústia iminente que estava prestes a nos rodear.
Talvez pelo choque do pouco tempo que nos resta e, também, porque em breve eu contaria a Jenni, por mais que ainda não tenha nada concreto, mas agora, mais no que nunca, preciso tentar.
— E se eu voltar com você? — Pergunto, fixando nosso olhar.
Jenni franze a testa e seus lábios se entreabrem, confusa.
— Pode ser que haja uma maneira — continuo a explicação. — Eu andei pesquisando, podemos encontrar os recursos certos e...
— Não. — Ela diz, seriamente e balançando a cabeça. — Não, Dick. Você não pode vir comigo.
— Sim, eu posso. Talvez eu precise de mais alguns dias, mas...
— Não. — Jenni tira as mãos das minhas e recua, passando-as pelo cabelo. — Você sabe que não pode, é arriscado demais.
— Mas há uma probabilidade de não ser.
— E que é pequena demais. — Jenni passa a mão no rosto e respira fundo.
Estava prestes a contestá-la, mas ela se arrasta até mim, voltando a segurar nossas mãos.
— Dick, você sabe que eu faria de tudo para que pudéssemos ter a chance de um futuro juntos, mas essa não é a nossa realidade. Eu não posso ficar, assim como você também não pode vir comigo. Poderia te causar sérias consequências, você poderia perder a memória e viver para sempre em uma agonia de não saber quem você é. E você também não saberia quem eu sou.
Meu olhar está baixo e fixo em nossas mãos.
Sim, estou desesperado. E sim, sei que ela tem razão.
— É só que... é difícil demais.
— Eu sei — uma de suas mãos vai até o meu rosto, o erguendo para encará-la. — Além disso, você tem a sua vida inteira aqui. A sua família, a sua cidade, a sua missão. Você não pode simplesmente jogar tudo isso fora por uma incerteza.
— Mas você é a minha certeza.
Vejo os olhos de Jenni se apertarem e ela me puxa em um abraço.
— Você também é a minha — ela responde em uma voz fraca. — E sempre vai ser. Mas isso aqui...
Ela recua, segurando o meu rosto.
— Isso aqui, agora, somos o que temos. Está longe de ser o suficiente, mas pelo menos tivemos a sorte de saber como é.
Respiro fundo e a envolvo com meus braços novamente. Eu precisava de uma medida desesperada. Eu faria medidas desesperadas para tê-la comigo. Mas é horrível quando a realidade e a racionalidade te puxam de volta.
Não quero que isso acabe, mas parece que já estamos no fim.
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