14h37
15 de fevereiro
Gotham City
JENNI REED
— Você pretende se mudar para cá, é isso? — Pergunto para Dick assim que ele fecha a porta do meu apartamento.
Ele coloca sobre o encosto do sofá em que estou sentada uma bolsa de tamanho médio, que serviria facilmente como uma mala.
— Algo assim — ele me estende uma embalagem que exala o melhor cheiro de comida do mundo. — Pelo menos eu trago o almoço.
— Mas você saiu para isso, literalmente.
Percebo que ele havia trocado o terno da noite passada por roupas casuais. A tão familiar expressão leve em seu rosto, de alguns meses atrás quando o conheci, estava de volta, também substituindo suas recentes feições preocupadas.
— Também passei na mansão para pegar algumas coisas. — Ele responde, apontando para a bolsa.
— Você ainda tem coisas suas na casa do Bruce?
Dick assente.
— Tentei algumas vezes ficar tempo integral em Blüdhaven, mas não adianta. Gotham sempre vai me puxar de volta, vez ou outra.
— E então você decidiu trazer essas coisas para a minha casa? — Ergo as sobrancelhas, só para irritá-lo.
— Você meio que me deve — ele dá de ombros. — Lembra que te hospedei de graça no meu apartamento?
— Devo te lembrar que foi você quem se ofereceu — aponto para ele. — E eu estava na mira de assassinos.
A curva no canto de seus lábios cresce e ele se inclina na minha direção.
— Devo te lembrar, também, que foi você quem disse primeiro que parecia igualmente errado estarmos juntos ou não. — Ele coloca a mão ao lado da minha na embalagem. — E eu concordo. Não quero mais perder nosso tempo, então ficarei aqui até você ir embora.
Ai, meu coração.
Ele sempre foi capaz de me fazer perder todo o foco.
Dick tenta puxar a embalagem para si, mas fui mais rápida e a tomei de volta para mim.
— Isso aqui não é meu? — Estreito o olhar. — E você não tem uma cidade para cuidar?
— É nosso. E para reforçar mais ainda o incômodo na sua testa franzida — ele aponta para o meu rosto — Blüdhaven é aqui do lado. Não pense que vai se livrar de mim tão fácil assim.
E nem quero.
Volto a atenção para o pacote em minhas mãos e, quando o abro, vejo que é o meu carbonara favorito desde que cheguei aqui. Dick comprou esse macarrão para mim a primeira vez no Dia de Ação de Graças que passei isolada em seu apartamento, 3 meses atrás. Era de um restaurante bem pequeno, mas que havia uma unidade em Gotham também, além de Blüdhaven.
— Você é mesmo muito manipulador — digo ao passar por ele e ir em direção a cozinha para pegar os pratos.
Dick me segue, colocando o braço sobre meus ombros. Parecia até que estávamos prestes a passar um dia qualquer juntos, como se isso fosse a nossa rotina, como se já estivéssemos mais que acostumados com isso.
— Você viu se os arquivos da Lex Corp terminaram de carregar? — Ele pergunta enquanto retira um pouco do macarrão e coloca em seu prato.
— Ainda não. Acho que vai levar mais alguns minutos.
Havíamos transferido os dados que Barbara conseguiu armazenar ontem à noite, mas eram muitos arquivos. Então, coloquei a inteligência artificial do computador principal da Sala Operacional para fazer uma busca detalhada em tudo o que tinha relacionado sobre a minha família, sobre Charles Rutherford ou qualquer outra coisa que envolva o plano de ambos os lados.
— Temos muito o que fazer também. — Dick me passa os talheres. — Mais um motivo para você me ter como hóspede.
— Se você não se comportar, talvez eu cobre as diárias.
— Eu posso pagar como você quiser. — Ele leva uma garfada de macarrão à boca e pisca para mim do outro lado da bancada.
Apenas balanço a cabeça, tentando conter o enorme sorriso em meu rosto.
É impressionante como isso poderia ser facilmente o nosso cotidiano. E eu seria genuinamente feliz.
Quando eu era mais nova, pensava que estaria com a vida resolvida quando estivesse nos meus vinte e poucos anos.
Não poderia estar mais enganada.
A gente tem esse costume de achar que a vida adulta se resolve sozinha a partir do momento em que começamos a responder pelos nossos próprios atos, a fazer nossas próprias escolhas, sem pedir permissão para os nossos pais ou responsáveis. Mas não é bem assim. O começo da vida adulta é um verdadeiro pesadelo, e a pior parte, é que você nunca mais vai sair dele.
Eu tinha essa ilusão 10 anos atrás, quando ainda estava no colégio. Achava que hoje estaria no auge da minha carreira profissional, em ascensão. Achava que estaria em um relacionamento estável, saudável, feliz e com inúmeros planos futuros, talvez até pensando em ter uma família.
Mas cá estou, vivendo em uma realidade que nem sequer é a minha, totalmente perdida, quem dirá ter uma vida estável ou promissora. E, muito menos, em um relacionamento amoroso com um futuro.
Dick é além do eu imaginei de uma pessoa para se compartilhar a vida por anos. Eu compartilharia toda a minha vida e por toda a eternidade com ele. Sempre suspeitei que essa confirmação chegaria mais cedo ou mais tarde. E foi hoje pela manhã, quando acordei e o vi dormindo como um anjo ao meu lado, que percebi o quão fácil é imaginar como seria a nossa vida juntos. O quão fácil e, ao mesmo tempo, o quão intenso é amá-lo.
A certeza disso veio naturalmente, como se fizesse parte do meu organismo. E quando percebi, não fiquei assustada e nem triste porque o que temos é temporário. Eu fiquei feliz. Senti um conforto e uma segurança como nunca senti antes. É estranho dizer isso, levando em conta a nossa realidade, mas acho que tenho sorte.
Sempre ouvi dizer que não é fácil encontrar algo assim, e realmente não é. Bom, estou literalmente em outro universo, mas talvez tudo devesse ser da maneira como é. Por isso, me sinto afortunada por, ao menos, ter tido a chance de vivenciar esse sentimento, mesmo que ele tenha uma duração curta demais.
Então, para a Jenni de 10 anos atrás: você estava errada, mas também estava certa, só não fazia ideia do que iria acontecer com a sua vida. Tudo está uma bagunça, mas você teve a chance de saber o que é amar de verdade.
— Jenni?
Dick me olha com as sobrancelhas franzidas, mas também tinha um pequeno sorriso contido em sua boca.
Pisco algumas vezes para voltar ao presente.
— O que foi?
— Você estava me encarando, mas não me respondia. — Ele ri. — Onde você estava?
Pego o garfo ao lado do prato e enrolo a massa sobre ele.
— Lugar nenhum.
Devo falar? Quero falar. Estou emocionada demais? Com certeza.
— Não parecia ser "lugar nenhum". — Ele ergue os dedos em aspas.
— Eu, hum... — Mas também ainda sou frouxa demais. — Estava pensando sobre 10 anos atrás.
— E por quê?
Dou de ombros, prestes a guardar bem no fundo do meu coração as 3 palavras que queriam sair da minha boca. Fiquem bem quietinhas aí.
— Sabe quando fazem aquela pergunta de como você se vê daqui 10 anos? Estava pensando sobre isso. 10 anos atrás eu tinha uma visão totalmente diferente de como sou hoje. E que até podemos planejar como será a nossa vida, mas não temos controle algum sobre ela.
— Isso é basicamente um resumo de como é ser um adulto — ele leva o garfo com o macarrão até a boca outra vez. — Não temos o controle de absolutamente nada.
— Você nunca se perguntou sobre isso?
Ele assente no mesmo instante.
— Me pergunto até hoje. Sem contar as inúmeras vezes que achei que já estaria morto.
Dou uma risada por sua frase mórbida que foi dita como se fosse uma piada.
— Você quebrou todo o clima filosófico que estava na minha cabeça.
— Foi mal, não era a intenção. — Dick sorri. — Então, voltando à sua filosofia e sabendo que não temos controle de nada: como você se vê daqui 10 anos?
De repente, essa pergunta me soou triste demais. Queria ainda ter a ingenuidade da ilusão adolescente de achar que sei alguma coisa sobre a vida. Mas a verdade é que não sei nada. Ainda mais agora. Não sei nem se conseguirei suceder com a minha missão, quem dirá pensar para além dela.
— Estar viva, pelo menos.
— Ei, essa piada já tem dono — ele coloca a mão sobre a minha. — E você vai estar, porque o nosso plano vai dar certo.
Abro um sorriso fechado porque também quero acreditar nisso. Chega a ser um misto de emoções porque preciso que tudo dê certo para que eu volte para casa, mas ao mesmo tempo sinto um aperto em deixar tudo o que vivi aqui para trás e, principalmente, deixá-lo para trás.
— Espero que sim. — Digo em um tom mais baixo.
— Claro que vai — Dick aperta a minha mão levemente. — Então, como seria a vida de Jennifer Reed daqui 10 anos?
Percebo que deixo um longo suspiro sair enquanto encaro nossas mãos unidas sobre a bancada.
Demoro mais que o necessário para respondê-lo porque a verdade é que eu não faço ideia de como estará a minha vida daqui uma década. Talvez, o que eu mais anseie seja estar em paz comigo mesma e que todas as pessoas com quem me importo estejam bem. Mas não consigo evitar de pensar em como eu também gostaria muito, muito mesmo, de que ele estivesse presente no meu futuro.
— Acho que... longe de qualquer maluquice que envolva salvar mundos, espero.
— Eu diria que você leva jeito para essa coisa toda de super-heroína.
Dick alarga o sorriso em seu rosto.
— Não existe essa possibilidade no meu mundo.
— Mas quem disse que precisa ser igual? — Ele envolve a minha mão com a sua e entrelaça nossos dedos. — Fazer a diferença não significa colocar uma máscara, um traje disfarçado e sair parando assaltos por aí. Vai muito além disso. Você deu a cara a tapa diversas vezes desde que chegou aqui, até quase morreu por fazer o que acreditava ser o certo. Está prestes a arriscar todo o plano da sua família para salvar não apenas o seu mundo, mas também o nosso porquê acredita que isso é o certo a se fazer. Tudo isso tem a ver com coragem, Jenni. E isso você tem de sobra.
Ah, cara.
Como não dizer para um homem desse que eu o amo?
— Sabe o que eu realmente queria ter durante os próximos 10 anos da minha vida? — Acaricio o seu polegar com o meu. — Você.
Nosso olhar se encontra e permanece fixo um no outro por vários segundos. Sabemos exatamente o dilema que nos permeia e a nossa real vontade para o futuro. E dizemos tudo isso em um silêncio cheio de palavras que somente os nossos olhos conseguem entender.
— Essa seria a minha resposta, se você me devolvesse a pergunta. — Dick responde, ainda me encarando profundamente.
— Estamos muito ferrados, não estamos?
Ele assente, comprimindo um pequeno sorriso em seus lábios.
— Podemos não ter uma década pela frente, mas temos o agora. — Dick baixa o olhar para nossos dedos entrelaçados. — E acho que ele vale muito mais do que qualquer segundo de um futuro incerto que, como você mesma disse, não temos o controle.
— Você tem razão. — Também encaro nossas mãos mais uma vez. — Eu gosto do agora.
— Eu gosto muito do agora, Jenni.
★
Passamos as próximas horas vasculhando todos os arquivos da Lex Corp que continham informações sobre multiverso. Não encontramos nada relacionado ao plano de Charles. Mas haviam diversas ocorrências sobre a minha família, para variar.
Aparentemente, meus pais utilizaram algumas ferramentas fornecidas pela companhia de Lex Luthor e até chegaram a contribuir como pesquisadores temporários.
— Não consigo entender muito a lógica deles, nunca consegui, na verdade. — Digo após passar por algumas pastas de documentos assinados por Maia e Jonathan Reed. — Em todos os registros que eles deixaram, não há histórico de alguma passagem deles pela Lex Corp.
— Mas isso ao menos explica o porquê de você ter conseguido acesso dentro do prédio ontem. — Dick contesta.
— Mesmo assim — aponto para a tela à nossa frente. — Eles poderiam ter utilizado os Laboratórios S.T.A.R. ou, sei lá, qualquer outro recurso que não fosse de um bilionário psicopata.
— Eu diria que seus pais foram bem espertos para a finalidade deles. É perceptível que testaram de tudo para ter certeza de que o plano daria certo.
— É, realmente de tudo mesmo.
— E olha isso aqui — Dick aponta para a tela de seu computador. — É uma proposta de expansão da Lex Corp, mas não para outras cidades ou outros países, e sim, para outros universos.
— Mas, teoricamente, a companhia dele já existe em outros universos e ele deve saber disso.
— Talvez seja nos que ainda não existam.
Vemos a tela ser preenchida com uma lista de centenas de códigos de vários universos distintos, até que me dou conta de uma coisa.
Busco em meu computador o código do meu universo e peço para Dick buscar por ele na lista. Assim que o faz, rapidamente o vemos destacado na tela.
— Então é isso — digo encarando a planilha à nossa frente. — Está explicado por que ele tem interesse em salvar o meu mundo também.
Dick volta a pesquisar os arquivos e encontramos um projeto proposto por alguns cientistas sobre o que Lex disse ontem à noite. Não havia nada muito elaborado e era apenas algumas dezenas de páginas com cálculos e testes.
— Lembro de Wally ter comentado sobre essa possibilidade — Dick clica em alguns arquivos da proposta. — Mas as chances de não darem certo eram muito grandes. Por isso, a nossa sugestão é usar do poder gravitacional das fendas interdimensionais de todos os outros universos, mesmo que isso signifique em fechá-las para sempre.
— Mas não é isso que ele quer. Ele precisa dessas passagens abertas para a tal expansão da empresa de merda dele.
— Exato, mas assim ele pode colocar em risco a existência de algum outro universo e pode até ser mais que um ou dois. Podem ser vários.
Balanço a cabeça e passo as mãos nos olhos.
— Acho que você vai ter que enrolá-lo um pouco mais até irmos a fundo nessas informações. — Dick sugere. — De qualquer modo, Lex também precisa ser parado. Nada do que ele diz é o que parece. Ele pode muito bem estar tramando uma armadilha nessa aproximação repentina.
— Até porque ele sabe quem você é e que somos "próximos", como ele mesmo disse naquele dia.
— Exatamente.
Respiro fundo, já sabendo que terei que adicionar mais um item à minha lista de afazeres de fim do mundo. Não sei se terá uma ordem de acontecimentos, mas é o que precisamos fazer. Mesmo que essa obrigação seja fazer a falsa para cima de uma das pessoas mais insuportáveis que já tive o desprazer de conhecer na vida.
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