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38. Houdini - Parte 1

16h48
22 de janeiro
Gotham City

JENNI REED

Eu tentei.
Tentei mesmo ser prudente ao menos uma vez nesse último mês, mas não consegui. Talvez eu esteja com raiva e remorso demais para pensar de uma forma mais racional. Mas a verdade mesmo é que, no fundo, não sei se as consequências importam a essa altura.

Estou ficando sem tempo e, cada dia que passa, isso fica mais claro. Então, quando decido seguir o endereço que Talia deixou grudado na minha porta, faço um certo esforço para não me autoflagelar com as minhas próprias escolhas irresponsáveis.

De uma coisa tenho certeza e, posso estar agindo como uma inconsequente, mas ao menos uma verdade vai prevalecer hoje. E por isso, digito uma mensagem para Dick antes de sair de casa para fazer algo que, provavelmente, me arrependerei. Mas como disse, acho que não me importo.

JENNI:
Preciso resolver uma coisa com a Olívia e volto daqui 1 ou 2 horas, no máximo.
Pode vir para cá quando quiser, deixei avisado na portaria
.

Dick tem a minha chave de segurança para entrar no apartamento e, pela primeira vez, pretendo não esconder nada do que tem aqui.

Ele me responde quase que no mesmo instante.

DICK:
Também já estou com saudade.
Brincadeiras a parte (mas nem tanto), estou terminando algumas coisas na fundação, aí vou.

Que droga. Eu gosto tanto dele.
Tudo isso seria muito mais fácil se eu não fosse uma vagabunda carente, que não conseguiu se controlar perto de um homem bonito, gentil, cheiroso, engraçado e muitas outras coisas boas que eu poderia, facilmente, passar o dia inteiro apenas listando-as. Droga, droga, droga.

E é óbvio que ele não ficou parado e foi arrumar o que fazer. E é óbvio que não era ler um livro, ver um filme, e sim, ajudar pessoas. Ele é bom demais para mim e espero que hoje ele consiga entender o porquê.

A próxima na lista de verdades do dia é Olívia, mas para ela, eu inicio uma ligação porque preciso da sua ajuda com uma certa urgência.

— Jenni, tudo bem? — Ela atende nos primeiros toques, enquanto eu ainda estava conectando o comunicador em meu ouvido.

— Tudo sim — respondo ajeitando o acessório e me certificando de que está conectado apropriadamente. — Mike está no hospital e garantiu nos atualizar de qualquer coisa.

— Tá bem, você teve alguma notícia enquanto estava por lá?

— Não, tudo na mesma. — Fecho a porta do meu apartamento e chamo o elevador. — Te liguei porque preciso de um favor.

— Claro, diz aí.

Respiro fundo, porque ela deve estar imaginando que seja algo simples. E não um plano sem pé e nem cabeça.

— Você consegue rastrear o meu celular, mesmo com aquele bloqueio de segurança, certo?

— Sim — ela leva 2 ou 3 segundos para perguntar. — Por quê?

O elevador chega, mas ainda não entro.

— Preciso que você me rastreie e, preciso também que você vá nesse endereço que estou te enviando agora.

A ouço suspirar alto do outro lado da linha, então aguardo uma repreensão.

— O que você vai fazer, Jenni? De quem é esse endereço?

— Prometo te explicar tudo depois, só preciso de uma certa... assistência para uma possível fuga. E também, porque o meu celular está com a bateria fraca.

— Fuga? O que? Nã...

— Por favor. — A interrompo com uma voz firme, mas por dentro estou suplicando para que ela aceite.

— Mas o que diabos você está fazendo? — Pelo tom de voz, ela já estava ficando furiosa. — Consegue me dizer pelo menos isso?

— Estou com um comunicador, vou deixar o canal aberto e você poderá ouvir tudo. — Respiro fundo mais uma vez para tentar manter a calma. — Te contarei mais tarde. Só preciso mesmo que você me rastreie para me buscar, caso me levem para longe desse endereço.

Não sei se ela entendeu o que eu quis dizer, ou se está pensando na possibilidade, ou se está apenas lembrando do pior palavrão para me xingar, porque ela fica em silêncio por mais segundos do que eu gostaria.

— Por favor, Liv. — Peço novamente. — Me desculpa mesmo, mas precisamos fazer isso.

— Jenni — ela finalmente diz algo, mas para por aí mesmo.

A porta do elevador começa a fechar e coloco uma mão no censor para interromper.

— Vou desligar, preciso ir.

Espero mais um segundo para ver se ela responde, mas o silêncio ocupa o outro lado da linha. Então, finalizo a chamada, me restando apenas a esperança de que ela me ajude.

Poderia fazer isso sozinha? Poderia. Mas não faço ideia se Charles estará sozinho naquele endereço. Ele está trabalhando com a Liga das Sombras – ou talvez, parte dela – então, precisei me antecipar para possíveis calamidades. Por exemplo: se eu me ferir e não conseguir dirigir, ou se me deixarem inconsciente e me sequestrarem para algum lugar remoto. Estava trabalhando com esse tipo de cenário na cabeça. Por isso, alguém precisava saber para onde estou indo, e me tomaria tempo demais para explicar. Além de que, se eu explicasse, ela recusaria, viria atrás de mim e não poderia tomar as medidas desesperadas que estou tomando agora.

Meu táxi chega assim que saio da portaria e seguimos rumo à minha maluquice. Há duas chamadas perdidas de Olívia, então decido desligar o celular para economizar a bateria e o guardo dentro de um bolso interno do casaco. Ela ainda conseguiria me rastrear e ouvir o ambiente em que estou, se optar por me ajudar. E eu esperava que sim, muito, muito mesmo.

Me preparei para isso, ou pelo menos acho que me preparei. Coloquei aquela roupa de kevlar por debaixo das minhas roupas casuais; uma calça cargo preta e um suéter com uma jaqueta de couro grande. Também peguei uma touca, está bem frio e nevando, então todo o conjunto de umas 75 camadas de roupa está servindo para me aquecer. E a coloquei pelo motivo dos cenários catastróficos que estão na minha cabeça, e que realmente podem acontecer. Não faço ideia do que vou encontrar, mas não estou esperando coisas boas.

Ao chegar no endereço, me deparo com um prédio de moradia tradicional, com colunas antigas e blocos de tijolos marrons. Toda a rua é assim, é um bairro residencial. Subo as escadas para atravessar a porta de entrada e, não há nenhuma recepção e muito menos algum segurança. É uma região mais afastada do centro de Gotham e conhecida por ser uma das regiões mais tranquilas para morar.

Não deveria, mas me sinto uma impostora quando entro no elevador e aperto o 11º andar. Preciso fazer um certo esforço mental para lembrar de que estou indo atrás de um psicopata, então tudo bem invadir a casa dele sem permissão. Certo?

Acho que passei minutos demais olhando o número 110A estampado na porta. Que porra estou fazendo? Ok, calma. Vim até aqui, vou fazer isso.

A chave inteligente funciona perfeitamente e sem nenhum empecilho. A porta se abre em questão de segundos. Um apartamento comum, com paredes brancas e móveis sem nenhuma personalidade aparece no meu campo de vista. Ao fundo da sala, há uma janela grande com uma varanda pequena. O espaço como um todo não é amplo como o meu apartamento, mas também não é tão pequeno. É tudo mediano. Poderia ser um hotel de tão genérico.

Fecho a porta silenciosamente atrás de mim e... acho que estou sozinha. O apartamento está em silêncio e as cortinas das janelas estão semicerradas. Deixo meus ombros cederem com um alívio de que, talvez, eu não morra hoje.

Mas agora, preciso ser objetiva. O que exatamente vim fazer aqui? Buscar provas para incriminá-lo? Brigar com Charles? Matá-lo? (Me sinto mal por isso se passar na minha cabeça, mas talvez Talia tenha razão).

Vasculho os primeiros cômodos; a cozinha vazia, sem uma louça na pia ou na bancada. A sala com um sofá de cor bege, como se ninguém nunca tivesse se sentado ali. Sigo pelo corredor e há 3 portas, uma é de um banheiro, a outra de um quarto com uma cama vazia e, tal qual o sofá, parece que nunca ninguém encostou nesses lençóis, e a última está entreaberta, o vislumbre me parece um escritó...

— Não lembro de estar esperando visitas hoje.

Não sei como aconteceu, de onde ele surgiu ou se, de repente, quando viajou de uma dimensão à outra, ganhou algum tipo de superpoder. Porque a mão de Charles envolve o meu braço esquerdo com força atrás de mim, enquanto a outra, estava com uma faca afiada – que provavelmente era para estar no meu pescoço, mas por alguma razão, a minha mão direita impediu que encostasse ali. Talvez os meus reflexos dos treinamentos na NASA tenham valido a pena, porque o meu corpo respondeu muito mais rápido do que a minha mente. Só que quando vi, ou melhor, senti, a faca pressionava a palma da minha mão e o sangue já escorria pelo meu pulso.

Engoli em seco, sentindo o ar entrar com dificuldade em meus pulmões. Estou assustada. Para um caralho.

— Como você entrou aqui? — Sua voz amarga está na minha nuca. Sinto uma náusea, talvez eu vomite nos meus pés. — Quer saber? Não importa. Tenho uma pergunta melhor: quem te passou esse endereço?

— Você não vai querer saber. — Não sei como, mas consegui responder.

— Ah, eu quero, sim.

A pressão da faca na minha palma aumenta e deixo um grunhido escapar pela garganta.

— Não vim aqui para te dar informações. — Retruco, tentando manter a voz firme.

Uma risada cínica reverbera atrás de mim e minha náusea aumenta.

— Eu já sei disso, Jennifer — ele aperta mais a faca na minha mão, talvez já esteja perfurando-a. — Sei bem que você não me entregou informação alguma. Então, vou perguntar mais uma vez: quem te passou o endereço?

Sim, a faca está entrando vagarosamente na palma da minha mão. Sinto a perfuração começar a me agonizar.

— Que diferença faria? Já estou aqui mesmo. — Estou tentando a todo custo esconder a dor que estou sentindo, mas está ficando difícil.

Charles aperta o meu braço que está entre seus dedos e me empurra para dentro do cômodo que parecia um escritório. E era mesmo. Mas assim como todo o resto, não tem nada muito específico, a não ser dois notebooks, um monitor e uma pilha de papéis bagunçados sobre a escrivaninha.

— Sente-se. — Ele ordena, me jogando em um pequeno sofá ao lado da prateleira, também vazia.

Quando ele finalmente solta o meu braço, vejo o estrago na minha mão, está tomada de sangue.

— Eu poderia te matar agora — ele volta a falar com uma voz vazia e fria, andando de um lado para o outro com a expressão muito, muito irritada. — Mas perderia toda a graça, já que pretendo fazer você sofrer.

— Então você é um covarde. — Não sei de onde veio isso, mas quando menos percebi, já tinha saído.

Charles para de andar e se inclina na minha direção, agora apontando a faca bem abaixo do meu queixo. Percebo que é uma faca toda trabalhada, o prateado reluz com a iluminação genérica do quarto. Poderia facilmente ser uma faca de aço valiriano de tantos detalhes que havia nela. Me pergunto se ele viajou para alguma realidade em que Game Of Thrones também existia, e roubou um artefato de alguém. Provavelmente, não é o pensamento que deveria estar pairando sobre a minha cabeça agora, mas vou culpar o fato de estar sangrando e de que, talvez, eu realmente morra aqui.

— Imagino que o seu amigo deva ter vazado propositalmente informações antes de quase morrer. — Ele diz, sem cerimônia alguma.

E meu cérebro gela.
Ele não pode... Não, não, não.
Ele está falando de Timothy?

— Foi você que fez aquilo com ele? — A pergunta sai com muito mais raiva do que imaginei. A dor em minha mão só está aumentando.

Charles baixa a faca e volta a andar pelo pequeno cômodo.

— Eu, pessoalmente, não fiz nada. Mas sim, mandei matá-lo. E não, não foi para te chantagear. Neste caso, ele mereceu. — Ele para em frente a escrivaninha e abre um dos notebooks. — Timothy Fletcher é um traidor.

O quê?

— Foi isso mesmo que você ouviu. — Ele responde. Perguntei aquilo em voz alta? Posso ter certeza de que meu cérebro está parando de funcionar. — Ele estava trabalhando para mim, mas aparentemente, não conseguiu superar a paixão adolescente. — Ele me encara com um olhar obscuro. — Fez escolhas burras em tentar me enganar para te ajudar. Mas não se preocupe, a hora dele vai chegar, assim como a sua.

Tento respirar fundo, mas não consigo. Parece que estou em uma montanha com uma altura muito, mas muito mais alta acima do nível do mar, o ar rarefeito, a náusea, os olhos secos e ardentes.

Charles deve ter percebido que estou em choque, pois puxa a cadeira debaixo da escrivaninha e senta-se nela, como se fossemos fazer alguma reunião casual, discutir finanças ou algo assim. Ele pluga o monitor no computador e começa a digitar a senha.

— Não estou blefando, Jennifer — ele diz assim que tela desbloqueia. — Ao contrário de você, eu levo muito a sério a minha palavra.

Vejo uma gota de sangue pingar da minha mão até o carpete, e não me importo. Eu queria que esse lugar explodisse agora mesmo. Não sei exatamente o que estou sentindo, mas é um misto de muitas coisas ruins.

— Estou em contato com Timothy há mais de um ano — Charles vira a cadeira em minha direção. — Ele tem me ajudado a encontrar os códigos da Ata Houdini, os mesmos que você está buscando. Ele até me repassou alguns, mas aí, da noite para o dia, não me repassou mais. As informações começaram a chegar de forma inconsistente. Então, precisei tomar uma atitude.

Abaixo a cabeça, encarando minhas botas pretas. Ele só pode estar mentindo, tentando me desestabilizar. Timothy jamais faria isso. Eu o conheço bem.

— Aqui algumas provas, caso você esteja na dúvida. — Ele vira um pouco o monitor para a minha direção e vejo um vídeo de uma câmera de segurança.

Na tela, estão Charles e Timothy conversando em, ao que parece ser, o estacionamento de alguma cafeteria. Timothy entrega um envelope marrom a Charles e ambos conversam com uma expressão fechada.

A pontada que estou sentindo na minha mão deve ter ido parar em meu coração, porque só isso explica a dor que está no meu peito.

— Eu não minto, Jennifer. — Charles pausa o vídeo e volta a me encarar.

Minha boca abre para falar algo, mas não consigo. Minha voz some. Tenho que me esforçar para que lágrimas não surjam em meus olhos. Não posso me mostrar fraca.

— Já que estamos aqui, que tal sermos francos um com o outro? — Ele cruza as pernas e ajeita o sobretudo preto que está usando. — Acho que está na hora de termos essa conversa.

— Não temos nada para conversar. — Minha voz finalmente volta à vida. — Se quiser, sinta-se à vontade para cortar o meu pescoço com aquela faca, mas eu nunca, jamais te darei informação alguma.

Ouço um clicar quase que silencioso no comunicador. Provavelmente, Olívia está tentando falar comigo, mas para ativar a função para ouvi-la, eu precisaria pressionar o acessório em meu ouvido e, por razões óbvias, não farei isso. Então, vou apenas deixar que ela continue escutando, já que esse era o propósito.

— Eu deveria fazer isso mesmo, mas não agora. Como disse, você precisa sofrer antes. — Ele volta a virar para o notebook e começa a vasculhar algumas pastas. — Você deve ter esquecido quando te disse que, se as informações sobre as coordenadas que te pedi estivessem incorretas, haveria consequências. Então, Jennifer, vamos às consequências.

Uma foto preenche a tela do monitor e... é o Roland Desmond?
Ele está ao lado de outros 3 homens que usam óculos escuros e ternos pretos. Um deles entrega uma maleta prateada ao Arrasa-Quarteirão, enquanto outro estende a mão para cumprimentá-lo. Parecia uma foto que um paparazzi tiraria, mas duvido muito que esse tenha sido o caso. A tela muda para uma imagem que parece ser um comprovante, uma transação bancária milionária. Para Roland Desmond.

— Veja bem — Charles volta a dizer, me encarando sobre o ombro — pode parecer culpa minha, afinal, o dinheiro era meu. Mas a responsável pela tragédia que aconteceu em Blüdhaven e na fundação do seu namorado super-herói, foi inteiramente você. Essas são as suas consequências, Jennifer.

Fecho os olhos. Isso não pode estar acontecendo.

— Não. — A minha voz sai falha demais.

— Você deve estar se perguntando "Ah, mas não foram os Harpias?" — Charles continua falando, como se eu não tivesse chance de responder. — Eles são apenas uma marionete no meio disso tudo. O único objetivo desses insetos inúteis é causar uma distração em forma de caos para manter a polícia e os vigilantes dessas cidades ocupados. Gotham está sendo moldada para algo muito maior.

Preciso encontrar forças, preciso confrontar esse homem.
Concentre-se, Jenni.

— Martin... Ele... — É isso mesmo que você quer saber? Pelo amor de Deus, se concentre!

— Sim, Martin Goldman também trabalha para mim — ele volta a se virar totalmente para a minha direção. — Tivemos algumas desavenças recentemente. Ele ficou obcecado em te perseguir e te matar a qualquer custo, mas infelizmente, ainda preciso de você viva.

— Seu monstro de merda! — Não consegui me concentrar. Estou com raiva, com dor, e também estou triste para um caralho. Tudo bem perder a cabeça, né? — Seja lá qual for o seu plano, você não vai conseguir. Não adianta, pode tentar manipular qualquer informação ou acontecimento. Isso não é culpa minha. É sua! Totalmente sua! Você quer destruir o nosso mundo.

Um riso nervoso saí pelo seu nariz e ele se inclina para que nossos olhares estejam na mesma altura.

— Imagine como Dick Grayson ficará chateado ao descobrir que a amada cidade que ele tanto protege foi atacada por você...

— Não! — Eu praticamente grito, mas ainda não no volume que gostaria. Preciso de forças. — Você fez isso, você é o culpado!

Charles ri novamente, cinicamente, secamente.

— Eu não sou culpado de nada. Trato é trato. Eu te avisei.

Ele se recosta na cadeira e volta para o notebook.

Começo a sentir uma certa tontura. Não posso desmaiar aqui. Me pergunto se a faca que cortou a minha mão estava envenenada, mas não posso pensar nisso agora. Preciso me manter consciente.

— E sobre destruir o nosso mundo. Isso é besteira. O universo poderia ser uma magia de tão magnífico que é. Mas ele é científico, o que significa, que muito do que está por aí, nós temos o controle. Isso não é incrível? — Ele se vira brevemente para mim, como se estivesse contando um conto de fadas.

Mas tudo o que minha cabeça está pensando no momento é em como eu conseguiria agir tão rápido, a ponto de ele não perceber que eu pegue a faca que está sobre a escrivaninha ao seu lado e...

— Está vendo essa ilustração, Jennifer? — A voz ríspida de Charles interrompe o meu devaneio na faca.

Olho para a tela e vejo uma imagem familiar.
É uma ilustração do plano que meus pais fizeram. Bruno me mostrou essas imagens nos primeiros dias, após me contar sobre os códigos que eles esconderam neste universo. E é claro que Charles tem esses documentos, porque participou da ideia inicial, antes de surtar e querer dizimar toda uma civilização.

— Você sabe por que eles usaram o nome Houdini? — Ele pergunta, passando algumas imagens na tela, todas eu já tinha visto antes.

Não o respondo. Sei que apenas usaram como uma alusão à Harry Houdini por ser o maior ilusionista e escapista da história. E a ideia do plano, era fazer o nosso universo "desparecer" diante dos olhos de outros que nos cercavam, a fim de nos protegermos de ameaças extradimensionais. O termo no plano assinado pelos meus pais é apenas uma metáfora para que nos tornaríamos: invisíveis e inalcançáveis por outros universos.

Basicamente, toda a população do meu mundo nem sabe que isso é uma possibilidade, mas o multiverso existe e ele pode destruir as nossas vidas. Então, cabe a mim não deixar que isso aconteça.

— Aonde você quer chegar, Charles? — Questiono, sem paciência alguma.

— Na resposta do seu problema. — Na tela, agora era visível alguns desenhos com cálculos em volta. Parecia a foto de um papel, com diversas anotações.

Charles aproxima a imagem para que os números, equações e letras fiquem legíveis.

— Os seus pais foram tão covardes, mas tão covardes que nunca disseram a verdade para você e seu irmão.

Ouvir aquelas palavras saindo da boca dele só fez a minha fúria aumentar. Não deveria ter me movimentado, mas a minha raiva já estava transbordando e se tornando algo tangível. Assim que dou um passo a frente, Charles pega a faca novamente com a mesma rapidez e a encosta levemente na minha bochecha.

— Sente-se — sua voz é autoritária e áspera. — Seria uma pena arruinar o seu lindo rosto. Você lembra muito a sua mãe. Sabia que era para ela ter se apaixonado por mim? Mas o seu pai foi um infeliz em se intrometer e arruinar tudo, porque era só isso o que ele fazia. Maia e eu seríamos uma dupla e tanto.

Meus punhos se contraem e sinto uma pontada na minha mão ferida, certamente não deveria ter pressionado os meus dedos, e sim, a cara desse imbecil.

— Ela jamais se envolveria com um demônio que nem você. — Me sento de volta no sofá a contragosto, e sinto uma ardência em minha bochecha quando a faca desaproxima.

— Ah, Jennifer — novamente, ele repousa a faca sobre a escrivaninha e ignora a repulsa em meu olhar. — Ela fez coisa pior. É só olhar a tela.

Sinceramente, eu não fazia ideia do que tinha ali. Havia duas circunferências desenhadas com diversas ondas ao redor de cada uma. E os cálculos então? Meu cérebro está danificado a essa altura, jamais seria capaz de processar uma conta matemática.

— Acho que já deu por hoje. O que você quer?

— Como assim? — Charles ri friamente. — Você que invadiu o meu apartamento. Se estava em buscas de respostas, aqui estão.

Ele muda para outra imagem na tela, desta vez, com os mesmos desenhos das circunferências, mas com anotações explicativas. A imagem também é uma foto de um papel escrito à mão por alguém.

Por alguém que eu talvez... conheça. Porque a letra se parece muito com a do meu pai. E eu sei bem como é a letra do meu próprio pai. A letra que deixou diversos bilhetes na porta do meu quarto quando eu era mais nova. A letra que se comunicava comigo e fazia me sentir mais perto dele.

— Parece que você reconheceu a letra do papai — Charles me olha de relance, com uma expressão convencida.

Meus olhos percorrem rapidamente as palavras, tentando entender as anotações. Algumas delas saltavam na minha cabeça: energia, força magnética, blindagem, potência suficiente, força gravitacional. Abaixo das duas circunferências, havia nomenclaturas. Uma delas era o código do meu o universo e a outra era W-GDC01, a nomenclatura deste universo em que estou.

— Conseguiu entender ou quer que eu desenhe? — A voz de Charles soa longe, por mais que ele esteja apenas um metro de distância de mim.

Balanço a cabeça, com o cenho franzido. Eu tinha uma especulação do que poderia ser, mas soava impossível.

— Isso não faz sentido — digo quase em um sussurro para mim mesma.

— Faz, sim. E é o que vai acontecer caso você conclua a sua missão. — Charles se vira completamente para mim mais uma vez. — Vou ser direto, não tem muitas conclusões a serem tiradas daqui porque eu fui um dos cientistas que participou deste plano e, fui amplamente contra. — Ele volta a inclinar a cabeça para me encarar — Muitas décadas atrás, o seu avô descobriu uma ameaça no nosso universo, que o colocou em uma rota de colisão para ser aniquilado junto a outro universo inabitado, praticamente morto. Não fui o responsável por isso, por mais que sua família tenha dito o contrário. Eu nem era um físico formado ainda quando essa descoberta foi feita. Comecei a trabalhar com Kennedy Reed desde muito jovem, estudei com seus pais na faculdade, trabalhamos juntos, conheço bem a sua família, Jennifer. Eles eram como uma família para mim também, até se mostrarem totalmente irresponsáveis.

Charles passa a mão pelo queixo fortemente, como se lembrar do passado lhe incomodasse a ponto de causar uma dor física.

— Estávamos em uma corrida contra o tempo para tentar impedir essa rota de colisão que, como você já sabe, é facilitado pelo portal que está aberto no nosso universo, através de um buraco de minhoca. Acontece que esse portal tem uma força absurdamente alta, então estamos falando de uma colisão que pode ocorrer em menos de um ano. Seu avô sabia dessa previsão. Seus pais sabiam dessa previsão. Então o que eles fizeram? Um plano que poderia ser realizado a curto prazo e que resolveria apenas o problema do nosso universo.

Balanço a cabeça mais uma vez. Estou confusa.
Não faz o menor sentido.

— Parece promissor, simples e não toma o tempo que o plano original tomaria, que no caso, seriam anos, décadas talvez, mas até lá, todos já estariam mortos. Então, eles criaram um código fonte que conecta dois universos: o nosso e este aqui em que estamos. O propósito do código Houdini é tão simples quanto os truques do mágico que detém esse nome. Desaparecer. Mas a que custo? Usando toda a energia de outro universo para que isso seja possível.

Olho para o monitor mais uma vez, releio cada palavra.
A letra do meu pai.

— Ou seja, quando você voltar para casa, toda feliz, achando que concluiu a sua missão sem causar dano algum, mantendo todos aqueles que você ama a salvo, terão bilhões e bilhões de vidas nas suas mãos. Sangue. Morte. Destruição. Para o seu universo viver, Jennifer, este aqui precisa morrer.

Não, não pode ser real. Não faz sentido.
Por que eles fariam isso? Qual o propósito em matar para salvar? Isso não existe, não deveria existir.

— É uma guerra. — Diz Charles, como se estivesse escutando os meus pensamentos. — E como toda guerra, existem dois lados. Eu estou do lado deste universo. Não deixarei você concluir a sua missão. O nosso universo é fraco demais comparado a este. Não temos vida alienígena, não temos meta-humanos, não temos o nosso próprio multiverso, como existe neste em que estamos. Então, qual o interesse naquele lugar fraco, falho e que seres humanos pequenos e ímpios travam uma batalha entre si por nenhum bem maior? Apenas a ganância e o dinheiro prevalecem naquele mundo. Se junte a mim, Jennifer. Este universo será moldado para melhor, você vai ver.

Estou travada. Meus olhos nem se mexem, ainda fixos nas letras do meu pai.
Me recuso a acreditar que ele escreveu aquelas palavras, aquele plano. Não pode ser.

— A destruição do nosso universo não será de todo um desastre. Olhando pelo lado positivo, isso nos geraria energias cósmicas suficientes para aprimorar este em que estamos em inúmeras maneiras benéficas. Um império, único, singular. Uma soberania.

— Já chega — é tudo o que consigo dizer. Não tenho forças. Fui derrotada.

Charles parece franzir o cenho, mas logo se esvai e volta para a habitual vazia e fria expressão. Ele se recosta na cadeira e volta a mexer no notebook.

— Vou te pedir uma última vez o mesmo favor. — Ele continua digitando algo em uma tela criptografada. — Agora que você já sabe de tudo, preciso das coordenadas finais de aplicação do código fonte. Me entregue essas informações e lhe garanto que seu irmão não será o próximo na lista em que minha equipe fará uma visita.

Fotos de Bruno disparam na tela. São fotos dele em seu apartamento. Da janela da cozinha, mais precisamente. Ele está na pia lavando um copo.

— Ele parece feliz, não acha? — Sugere Charles, sem me olhar.

Não consigo responder.
Meu cérebro está travado. Meu peito dói. Meus olhos ardem e uma lágrima cai sobre a minha bochecha.

— Ele realmente parece muito feliz. — Ele muda a foto. Tem alguém com ele na cozinha, uma mulher. Ela é linda, mas não a conheço.

A foto muda mais uma vez. Agora a mulher o abraça por trás. Meu irmão está sorrindo, colocando o copo no secador de louças. Ela é um pouco mais baixa que ele, tem cabelos pretos e curtos, e um par de óculos com uma armação verde em seus olhos.

Novamente, a foto muda. As lágrimas em meus olhos já são incontáveis.
Eles estão encostados no balcão da pia, sorrindo um para o outro, como se estivessem contando uma piada ou algo muito bom que aconteceu no dia deles.

— Eles estão mesmo extremamente felizes, Jennifer. — Charles ainda está encarando a tela, sem virar o rosto para mim uma vez sequer. — É o poder do amor.

Mais uma foto. E, dessa vez, um soluço me escapa pela boca.
Não consigo aguentar.

— Essas fotos são de 2 dias atrás. — Ele explica, finalmente se virando para me olhar.

A mulher está segurando um teste de gravidez. Positivo. Tem uma segunda foto ampliada ao lado. Meu irmão está com lágrimas nos olhos. Feliz. Genuinamente feliz. Sim, é o poder do amor.

Mais uma foto. Eles se abraçam. Ela também chora. Eles se abraçam forte, de verdade, como se precisassem ter certeza de que aquilo estava acontecendo, como se quisessem ficar para sempre presos nesse momento de felicidade.

Ouço o meu soluço mais uma vez.
Tudo dói.
Estou desesperada.

— Parabéns, Jennifer. Você vai ser titia. — Charles se levanta e para bem na minha frente. — Mas seria uma pena você nem ter a chance de viver isso, não é mesmo? Então, me entregue o que lhe pedi e podemos negociar novamente.

Baixo a cabeça, as lágrimas caem em peso. Parece até que estou chorando lava, pois sinto minha pele queimar, corroer, se destroçar.

Meu irmão... meu irmão vai ser pai! Ele está tão feliz.
Quero abraçá-lo, comemorar com ele, pensar em nomes de bebês, irritá-lo dizendo que a criança gostaria mais de mim do que dele.
Mas estou aqui, me afogando na minha própria destruição.

Através da minha visão embaçada e falta de fôlego pelo choro incessável e incontrolável que tomou conta de mim, vejo Charles pegar os dois notebooks, a faca e ir em direção a porta.

— Nem se atreva. — Ele diz parando no batente e bloqueando a passagem. — Ainda temos muito o que conversar.

— Não temos nada mais para conversar, Charles. Acho que isso está claro! — Me senti uma criança chorona implicando com os pais ao dizer isso entre as lágrimas, o nariz molhado, a mão machucada e um corte na bochecha.

— Fique aqui, tenho um compromisso rápido e uma ligação importante para fazer. Volto daqui algumas horas.

Antes que eu pudesse me jogar em seu caminho, ele bate a porta na minha cara e a tranca. Vejo uma pequena luz atravessar a maçaneta e imediatamente pego a chave inteligente. Mas é claro, óbvio, e com certeza que ela não funciona. Tento uma, duas, três vezes e nada.

Sinto meu corpo deslizar pela madeira da porta enquanto todo o resto desaba.
Minha vida, a missão, a minha família, os meus planos, tudo isso em vão. Para nada. Não aguento mais.

Se isso é mesmo uma guerra, eu me rendo. 

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