36. Homem De Guerra
21h36
20 de janeiro
Blüdhaven
DICK GRAYSON
Lembro de uma noite em que Gotham estava em blecaute, uma escuridão total por toda a cidade. O medo e o terror tomavam conta das ruas. Foram noites intensas para a polícia, e também, para Batman e Robin.
Eu tinha 15 anos, já estava há 5 lutando ao lado de Bruce para fazer daquela cidade um lugar melhor. Ele me ajudou a encontrar justiça pelo que fizeram com os meus pais e, acima de tudo, me ensinou a ajudar outras pessoas, para que o medo e terror não fossem uma regra.
Só que, desde então, eu nunca mais consegui ignorar alguém que está com problemas. Não importa a circunstância ou o tipo de perigo, quando vejo pessoas indefesas sendo atacadas, eu me intrometo. Dependendo do ponto de vista, pode ser um instinto corajoso ou incrivelmente burro. Mas de qualquer forma, uma coisa é certa: é um instinto que vem acompanhado de dor.
Naquela noite, eu estava sozinho em patrulha, Bruce estava em outro ponto perigoso da cidade e, claro, eu não deveria estar sozinho, mas eu simplesmente não poderia ficar sem fazer nada, enquanto Gotham sucumbia na escuridão. Presenciei homens mal-intencionados tentando tirar o pouco que outras pessoas tinham para sobreviver. Então, eu me intrometi.
Eram muitos, estavam armados e preparados. Naquela noite, eu quase morri. Foi a primeira vez que senti aquela sensação física de impotência, de que nada poderia ser feito, de que tudo tinha acabado. Mas por minha sorte, eu não era o único que se intrometia quando alguém estava em perigo. Eu tinha ajuda. Alfred apareceu no jato do Batman e me salvou.
Lembro que Bruce ficou furioso comigo naquela noite, e com razão. Mas quando ele foi conversar comigo sobre o que tinha acontecido, havia uma preocupação em seus olhos, e aquilo era novo para mim. Como se, lá no fundo, ele estivesse desesperado em me perder. Eu pedi desculpas, porque não deveria ter agido por impulso e as palavras que ele disse em seguida, eu jamais vou esquecer:
— Não precisa pedir desculpas — ele havia se sentado na beirada da minha cama. Eu estava com um dos braços enfaixados, diversos curativos pelo rosto e por todo o corpo. Mal conseguia abrir um dos olhos. Bruce se aproximou e pegou em minha mão livre com o olhar apreensivo. — Você fez o que achou que tinha que ser feito. Mas precisa ter em mente que não dá para proteger todo mundo.
— Posso tentar. — Foi tudo o que respondi a ele naquela noite.
E foi o que fiz desde então. Continuei tentando e eu sempre vou tentar.
Quando mais precisei, Bruce e Alfred me acolheram, me protegeram, me fizeram sentir seguro, porque era isso que eles podiam fazer. Com o tempo, aprendi que não posso socorrer todos, mas encontrei uma maneira de fazer mais.
É o que sempre quis para Haven, que fosse um refúgio, um lugar de esperança. Um lugar que acolhe a quem mais precisa, aos jovens e crianças que tenham perdido algo em suas vidas, fugido de alguma coisa ou sido expulsas de algum lugar. Haven é um lugar livre de julgamentos, onde todos poderiam se sentir aceitos.
Mas, agora, estava em chamas.
Eu tentei. Tentei mesmo. E falhei.
Isso é um pesadelo.
Assumi um compromisso com essa cidade porque ela me ajudou a encontrar quem Dick Grayson realmente era, qual era o meu propósito no meio disso tudo. Blüdhaven sempre teve os seus monstros, mas jamais deixei de acreditar que vale a pena lutar por esse lugar.
Fomos pegos em uma armadilha, e quando menos percebemos, a destruição já estava feita diante de nossos olhos.
Foi um plano meticuloso, arquitetado durante dias, semanas, e tudo às escondidas, com ajuda de pessoas que pensávamos que poderíamos confiar. A polícia de Blüdhaven está nas mãos dos Harpias, a guarda costeira recebeu propina para facilitar a instalação de bombas nos portos da cidade. A prefeita foi feita de refém o dia inteiro pelo maior monstro desta cidade: Roland Desmond – conhecido também como Arrasa-Quarteirão.
Não é a primeira vez que ele tenta derrubar essa cidade e se apossar de tudo, mas todas as outras vezes, fui capaz de evitar que isso acontecesse. Só que dessa vez, ele não estava agindo só. Ele tinha um exército.
Descobri que Desmond foi solto pelos Harpias há alguns dias, que pagaram para policiais extremamente corruptos facilitarem a sua soltura sem que ninguém soubesse. O ataque que acabou de acontecer em toda a cidade e em Haven, foi sob seu comando.
Os Titãs conseguiram conter o que dava das explosões na costa da cidade, evacuando funcionários e moradores próximos. Outros ataques menores pelo centro também foram registrados e conseguimos ajudar para que não se tornasse algo pior. Estávamos cada um em um canto, tentando controlar o que fosse possível. Mas a situação já estava ficando fora de controle. Bruce e meus irmãos também apareceram para ajudar. Só que não conseguimos evitar a tragédia, o fogo, a destruição que emanava nos quatro cantos de Blüdhaven. Era muita coisa, estávamos dando o máximo.
Quando cheguei em Haven, cerca de uma hora atrás, tudo já estava em chamas. Os próprios moradores, voluntários, vizinhos e outros civis estavam tentando conter o incêndio. Não cheguei a tempo, não fui rápido o suficiente quando o vi desacordado no chão.
Yuki Miyoi, um garoto de 11 anos com uma mente brilhante. Um gênio do time de robótica. Ele iria mudar mundo. Mas Yuki faleceu em meus braços. Ele estava preso entre as prateleiras destruídas da biblioteca, passou tempo demais em um ambiente de calor extremo e repleto de fumaça. Quando os paramédicos chegaram, constataram que Yuki havia morrido por intoxicação respiratória.
Depois disso, tudo em minha cabeça ficou um grande borrão. Pedi através do comunicador, para que algum dos meus amigos viessem até a fundação e me ajudasse a evacuar o local. Ainda tinha muita gente presa e não queria que a cena de Yuki se repetisse. Eu não deixaria, de jeito algum.
Tudo aconteceu muito rápido, foi pouco tempo, mas o suficiente para que o plano de Roland Desmond funcionasse e nos distraísse para ele destruir um dos poucos lugares dessa cidade que foi feito para ajudar.
— Estou a caminho — pude ouvir a voz de Wally em meu ouvido esquerdo.
Ele tinha ficado responsável por tentar desativar outras bombas que descobrimos estar espalhadas por alguns pontos turísticos de Blüdhaven. Aparentemente, ele deve ter conseguido, ainda bem.
Fui para a parte de trás da fundação para tentar entrar pelos fundos, onde as chamas ainda não tinham atingido, quando avistei Desmond de longe, observando quieto, estático, com uma expressão maligna em uma esquina. Ele estava sozinho ou pelo menos aparentava estar.
Um homem daquele tamanho não é sinônimo de discreto, e mesmo assim, ele fez questão que eu o visse. Parecia que ele estava assistindo aquele espetáculo de horrores como se fosse a maior atração do mundo. Suas mãos estavam para trás, mas assim que ele percebe que começo a me movimentar em sua direção, seus braços gigantescos revelam uma pessoa presa em suas mãos. Era Nina, a nossa recepcionista e responsável por muitas outras partes administrativas de Haven. Eu a considero como a guardiã desse local, muito se deve a todo amor e carinho que ela dedica para as pessoas que dependem daqui.
E agora, o Arrasa-Quarteirão está a mantendo em suas mãos. Ele segurava a cabeça de Nina como se fosse uma coisa qualquer, mas em um gesto ameaçador de que a qualquer momento, poderia machucá-la com apenas um aperto. Ela parecia pequena demais perto daquele brutamonte.
A raiva que já estava instaurada em mim, deu lugar a um ódio amargo, quase que incontrolável. Talvez fosse, porque eu não o deixaria escapar.
— Asa Noturna — a voz de Wally soa em meu ouvido novamente, mas em um tom mais ofegante dessa vez. — Tive que desviar para a ponte que conecta com Gotham. Ciborgue identificou uma bomba no local, estou correndo para desarmá-la.
— Tudo bem — respondo com cautela enquanto dou mais um passo em direção a Roland e Nina. — Eu me viro aqui.
— Tem certeza? — Agora era a voz de Kory através do comunicador. — Donna está quase terminando de conter as coisas no portão 5 do porto da cidade e pode ir para a fundação assim que possível.
— Não, temos muita coisa acontecendo ao mesmo tempo — mais um passo que dou e sinto meus punhos cerrarem. — Preciso que vocês contenham o resto da cidade. Tem algo que preciso fazer... algo que já adiei por tempo demais.
— Tenha cuidado, Dick — Kory fala mais uma vez. — Desmond está circulando pela cidade.
— Eu sei — respondo mais alto dessa vez. — Ele está aqui na minha frente.
Não ouço mais o que meus amigos dizem, pois a raiva que eu estava sentindo era mais alta. Pego os meus bastões quando vejo que o homem estava quase esmagando a cabeça de Nina.
— Ora, ora, Asa Noturna. Sempre bom te rever — Roland diz entre os dentes em um sorriso cinicamente brutal.
— Solte ela. Agora. — Digo imediatamente, não temos tempo para cumprimentos desnecessários.
Roland fecha a expressão na mesma medida em que a sua mão pressiona Nina mais uma vez. Dou mais um passo em sua direção, até que ele ergue a mão livre e aponta para os meus bastões.
— Largue-os e eu solto a garota.
Instintivamente, os aperto com mais força em meus dedos, mas a fúria mortal no olhar de Roland me faz hesitar.
— Agora. Ou eu esmago a cabeça dela em um segundo.
Ele não está blefando. Ele faria isso sem nem pensar duas vezes.
Faço o que ele diz e solto os dois bastões que estavam em minhas mãos. O tintilar metálico reverbera ao nosso lado assim que eles encontram o chão. Roland abre outro sorriso maléfico.
— Ótimo. — Sua voz era seca e amarga. Nina ainda estava em sua mão. — Agora ajoelhe-se.
Engoli em seco o ódio que subiu pelo meu pescoço, mesmo assim, o obedeci. Não iria colocar a vida de ninguém mais em risco.
— Se quiser viver, corra, garota. — Vejo os dedos dele soltarem a cabeça de Nina. Seus olhos marejados e assustados, a respiração acelerada. Ela me encara por alguns segundos hesitando se deve fazer ou não o que o homem gigante lhe ordenou.
— Vá logo! — Roland grita dessa vez. — Tenho assuntos pendentes para resolver com esse aqui.
Apenas assinto para Nina para que ela saia logo. A vejo apertar o passo para a entrada da fundação, onde as chamas ainda estão descontroladas. Quando ela finalmente chega na entrada, sinto um chute em meu peito. Um chute que mais pareceu um míssil. Minhas costas encontram o chão em um baque dolorido e vejo o rosto de Desmond se aproximar.
— Você acha que esqueci o que você fez comigo? — Ele pergunta me puxando pelo braço. Sua mão conseguia envolvê-lo completamente.
— Realmente espero que não. — Respondo com a mesma raiva.
Roland Desmond aterrorizou a cidade de Blüdhaven por anos. Seu único propósito era encher seus bolsos de dinheiro através do crime e desvios ilegais pelos incontáveis cassinos que possuía nessa cidade. Nenhum deles era para entretenimento, funcionavam apenas como uma engrenagem para toda a desordem que ele e muitos outros arquitetavam contra todos.
Até eu aparecer. Até o Asa Noturna surgir.
É a segunda vez que Desmond tenta derrubar o que construí aqui. Na primeira vez, me certifiquei de que não aconteceria novamente. Mas eu estava errado, muito errado. Só que hoje, tem apenas uma coisa da qual eu estou certo: é o fim. Hoje será o fim dele.
Sinto sua mão apertar o meu braço com força, preciso pensar em como me desvencilhar desse imbecil e acabar com isso, de uma vez por todas.
— Mas tem algo que você esqueceu, passarinho azul inconveniente — ele me puxa para mais perto. — Essa cidade é minha e sempre será.
E então, seu punho encontra o meu rosto e ele me joga no chão com o impacto do soco. Mais uma vez, sinto o baque em minhas costas e um grunhido sobe pela minha garganta. Preciso reagir.
Mas o seu pé encontra o meu abdômen mais rápido e me chuta para longe. Dessa vez, sinto a batida na minha cabeça em uma escada próxima.
— Você nunca conseguirá salvar esse lugar, essa cidade. — Desmond me puxa do chão pelo braço mais uma vez. — Essa guerra é muito maior do que você possa imaginar.
Ele dá um soco em meu estômago. Preciso reagir.
— Veja o desastre que você deixou acontecer — sua mão livre vira o meu rosto com força em direção às chamas. — Você é o culpado disso, Asa Noturna.
Mais um golpe em meu rosto e, dessa vez, pude sentir o gosto do sangue na minha boca.
— Você deixou aquele garoto morrer. Você. — Ele me joga no chão mais uma vez. Fecho os olhos involuntariamente quando todo o meu corpo encontra o solo. Outro baque, outro chute, outra punhalada. — E você deixará muitas outras morrerem.
Suas palavras me atingiram com uma violência maior que todos os golpes. Foi minha culpa. Eu falhei.
— Essa cidade será minha novamente antes que ela suma do mapa. — Seus passos fortes vêm em minha direção mais uma vez
Tento respirar fundo para me levantar, preciso reagir. Foi minha culpa, mas preciso reagir.
"Você precisa ter em mente que não dá para proteger todo mundo." A voz de Bruce invadiu meus pensamentos e martelava todos os cantos do meu cérebro.
Sim, ele tem razão, não consigo proteger todo mundo. Mas morrerei tentando.
— Você acredita mesmo que eu cairei fácil assim? — Consigo dizer assim que escapo de um novo golpe. Meus olhos percorrem rapidamente o chão em busca de meus bastões que larguei minutos atrás.
Preciso e vou reagir.
— Apenas não acredito — Desmond vem atrás de mim, mas me agacho mais rápido para escapar de seus braços brutais — como você já caiu.
Alcanço um dos bastões e ativo o eletrocutor.
Hoje é o fim para Roland Desmond. Isso acaba hoje.
— Estou farto, Desmond. — Digo em um ímpeto de fúria enquanto corro em sua direção. — Blüdhaven está farta de você.
Ele tenta mais um soco em minha cara, mas desvio rápido para baixo. Meu bastão atinge um de seus pés e uma carga de energia é liberada. O suficiente para distraí-lo e empurrá-lo em uma tentativa de desequilibrá-lo. Consigo pegar o segundo bastão enquanto Desmond se apoia ao chão.
— O que aconteceu hoje — continuo a dizer enquanto corro rápido o suficiente e o atinjo com os bastões para mantê-lo no chão — é culpa sua. É culpa de todos os que são desleais à essa cidade.
Mais uma carga elétrica, mas dessa vez, mais forte. É possível ouvir as vibrações sonoras intensas do eletrocutor na ponta dos bastões. E então, atinjo o seu rosto uma, duas, três vezes. Uso o seu peso contra ele mesmo e repito os golpes em suas costas. Desmond arfa, tenta se desvencilhar, mas sou mais rápido. Uso o poste de luz próximo para ganhar impulso. O escalo com um gancho e, no próximo segundo, meus pés encontram o peitoral gigante do Arrasa-Quarteirão. Com um dos bastões carregados na mais alta potência elétrica, lanço o golpe mais forte que consigo em sua cara. E ele finalmente cai.
Desmond finalmente está no chão, o rosto sangrando. O estrago visível que fiz abaixo de seu olho esquerdo. E eu não me importo.
Sua mão trêmula tenta fazer algo, talvez tocar o machucado, talvez se levantar, talvez revidar. Mas ele não consegue.
— Acabou, Desmond. — É tudo o que digo, pois preciso controlar o que está em mim.
A imagem diante dos meus olhos não me diz que acabou. As chamas ainda estão lá. Pessoas feridas, uma vida perdida. Uma vida que jurei proteger. E isso me dói mais do que qualquer golpe de um homem de mais de 2 metros e meio.
— Dick? — Finalmente volto a escutar o comunicador. — Dick, tá me ouvindo?
— Babs? — Questiono enquanto me afasto do corpo caído ao chão de Desmond.
— A própria. — Ela responde e a ouço teclar. — Vi o que está acontecendo aí e entrei no comunicador que você e os Titãs estão usando. Você poderia ter pedido por ajuda.
Sua voz era firme. Ela estava certa, mas já havia pegado o tempo de pessoas demais para me ajudar hoje.
— Bruce me disse que você estava ajudando a Liga da Justiça. — Respondo observando Desmond reduzir os movimentos para quase nulos.
— E eu estou. Mas puta merda, Dick Grayson. A sua cidade está explodindo, literalmente. — A ouço respirar fundo. — E eu sempre vou te ajudar.
Fico em silêncio e minha atenção volta para o fogo.
— Um carro forte da penitenciária de segurança máxima de Blüdhaven chega em menos de um minuto para pegar o Desmond, e levá-lo de volta para onde ele nunca deveria ter saído. — Babs diz no mesmo instante em que ia respondê-la. — Na verdade, já estão aí. Atrás de você.
Vejo os oficiais equipados para carregar o homem para carro adentro e outros se espalham ao redor da fundação para certificarem de que ele não estava acompanhado.
— Obrigado, Babs. De verdade. — Respiro fundo mais uma vez. Roland Desmond seria preso de novo, iria pagar pelo que fez de novo, mas ainda assim, o aperto em meu peito ainda estava aqui. A sensação de ter falhado.
— Preciso voltar para terminar de evacuar todo o espaço. — Digo subindo as escadas baixas da parte de trás para entrar no local.
— Não se preocupe, alguém já está fazendo isso. — Babs responde enquanto abro a porta dos fundos. — Você arrumou uma baita de uma ajuda.
A fumaça tomava conta do local, o foco das chamas estava mais ao lado esquerdo do imóvel. A visibilidade não era das melhores, mas achei que estaria pior. Ao fundo do corredor à minha frente, vejo uma pessoa erguer uma criança no colo e sair rapidamente pela porta da frente.
Eu conheço essa pessoa. E conheço bem.
É a Jenni. Minha Jenni.
— Vou continuar monitorando as câmeras de segurança e aviso vocês qualquer coisa nova que surgir.
— Obrigado de novo, Babs.
Ouço a comunicação encerrar e aperto o passo para ir em direção onde ela está. Meus olhos percorrem rapidamente as outras entradas dos corredores e não avistam nenhuma outra pessoa que possa estar precisando de ajuda por perto. Assim que saio pela porta, vejo Jenni em um canto mais afastado no parque de entrada tentando acalmar um grupo de crianças que estavam assustadas. Ela segurava na mão de quase todas elas ao mesmo tempo, como em um amontoado de mãozinhas juntas buscando algum tipo de apoio para se sentirem seguras.
No local, também havia pessoas se ajudando e algumas ambulâncias pela rua. O corpo de bombeiros já estava tentando conter o fogo. Isso certamente não estava nos meus planos para esse lugar. Aqui é um espaço para tudo, menos para o caos, para o terror, para a dor. Isso não é o que Haven tem que ser.
Vejo Jenni se virar um pouco para trás e ela me vê se aproximando.
— Viram só? Vai ficar tudo bem. — Sua voz era calma e suave. — O Asa Noturna está aqui.
O olhar das crianças encontra o meu e, uma delas corre em minha direção para um abraço. Me agacho no mesmo instante para recebê-la em meus braços. Era Elle, uma garotinha de 9 anos que perdeu os pais em uma tragédia criminosa ano passado. Não conseguimos localizar possíveis parentes e, desde então, ela mora em Haven com os nossos cuidadores.
— Ela tem razão, vai ficar tudo bem. — Digo enquanto passo uma das mãos nos cabelos de Elle. As palavras que saíram da minha boca deixaram um nó gigantesco em minha garganta.
Preciso reagir. Isso não pode ficar assim.
— Aí estão vocês — ouço a voz de uma das nossas cuidadoras se aproximar e segurar na mão de algumas das crianças. — Vamos para um lugar diferente hoje à noite, mas já já daremos um jeito aqui. Vamos, podem ir por ali.
A mulher indica o caminho e depois volta a atenção para nós.
Mal sabe ela que eu a conheço, que sou o Dick Grayson e que provavelmente, mais tarde, precisaria aparecer aqui sem máscara. Só ainda não sei com que forças.
— Obrigada. — Ela diz olhando para Jenni em um tom mais baixo. — Por ter ajudado e salvo todos eles.
— Eles mesmos se salvaram. — Jenni curva um sorriso, mas era um sorriso pesado, fechado.
A mulher sorri de volta para nós e segue rumo a saída com as crianças.
Meu peito aperta mais uma vez. Perdemos um deles hoje.
"Você deixou aquele garoto morrer. Você." As palavras de Desmond ainda estavam gritando na minha cabeça porque eu falhei. Não fui rápido o suficiente. E ainda não tenho noção do quão grande foi o estrago em toda a cidade. Esse pensamento já estava me consumindo.
Fecho os olhos e respiro fundo mais uma vez. Preciso manter a calma e preciso reagir por esse lugar, por essa cidade.
— Ei — ouço a voz suave de Jenni se aproximar e suas mãos tocam o meu braço. — Vai ficar tudo bem.
Abro os olhos e seu olhar encontra o meu. Havia uma preocupação, mas também, um conforto, um alento, um "estou aqui". E ela realmente estava aqui, ao meu lado, mesmo com todo o perigo, mesmo não tendo que estar.
— Por que você está aqui? — Pergunto também em um tom baixo de voz. Não havia pessoas ao nosso redor, mas saiu em um tom baixo porque não era uma pergunta em teor interrogatório, e sim, porque eu não imaginava vê-la aqui.
— Eu vim assim que vi as notícias, não ia simplesmente ficar lá... — Os olhos de Jenni percorriam o meu rosto, meus braços, meu tronco e ela para de falar. — O que aconteceu?
A minha dor física não é nada comparado com o todo o resto que estou sentindo. E olha que devo estar ferido à beça de verdade.
— Não importa. Acabou agora. — Minha voz saiu mais baixa que antes. O nó na minha garganta só aumentou.
— Dick, conseguimos conter todo o resto. — A voz de Wally ecoa repentinamente em meu ouvido. — Desativei as outras bombas, a situação nos portos já está controlada. A polícia está patrulhando pela cidade para apreender os responsáveis que Batman e os meninos encontraram.
— O fogo começou a cessar — agora era a voz de Kory no comunicador. — Ainda não temos o número total de vítimas, mas foram muitos feridos. Alguns serão transferidos para Gotham porque os hospitais estarão cheios. Encontramos a prefeita que estava sendo mantida como refém e a liberamos. O restante da situação toda agora está sob o nosso controle.
Encho os meus pulmões de ar e percebo que o movimento faz minhas costelas doerem. Passo os dedos pelo cabelo e fecho os olhos mais uma vez.
Acabou. Mas parece que fui levado junto com todo o resto.
— Obrigado, pessoal. Obrigado mesmo. — Levo uma mão até a superfície do nariz e percebo que há um corte quando meus dedos cobertos pela luva do traje encostam a pele. Minhas sobrancelhas franzem involuntariamente.
— Você nunca tem que nos agradecer, Dick. — Kory diz no mesmo instante.
— Exato — a voz de Wally interrompe. — A sua missão sempre será a nossa missão. Estamos indo para Haven.
A comunicação é cortada, mas ainda não abro os olhos, porque quando eu abrir, tudo vai desmoronar. Desmond queria que eu caísse e, talvez, eu esteja fazendo isso neste exato momento. Uma queda livre.
Mas então, sinto um par de braços envolver o meu corpo. Sinto o calor de outra pessoa aproximar. Sinto o calor de Jenni em mim.
— Olhe pra mim, Dick — Sua voz sai como um sussurro, como se fosse só para que eu ouvisse e ninguém mais. Uma de suas mãos segura a lateral do meu rosto. E eu obedeço ao que ela pede.
Engulo em seco, mas o aperto ainda está aqui.
— Não consegui, Jenni. — As palavras saíram pesadas demais. — Não consegui salvá-lo. Não consegui. Eu falhei com ele, falhei com essa cidade.
— Não. Não é culpa sua. — Sua mão vira gentilmente o meu rosto para que eu volte a encará-la.
Uma lágrima cai. Depois duas. Depois três.
— Nada disso é culpa sua, você está entendendo? — A mão dela segura firme o meu rosto. Mesmo com os olhos embargados, percebo o seu olhar bem no fundo do meu. — Você não pode salvar a todos. Você é humano, Dick. Todos sabem que você sempre vai tentar, e é isso que te torna o herói que é. É por esse motivo que todos te admiram. Olhe ao nosso redor — Jenni faz uma pausa e seu olhar paira na entrada do parque onde as pessoas estavam concentradas.
— Essas pessoas salvaram a si mesmas porque você as inspirou. — Seu olhar reencontra o meu e ela continua. — É esse o poder que você tem sobre as pessoas. Você não destrói. Você inspira. Você as ergue para que possam voar o mais alto que puderem.
Agora as duas mãos de Jenni estavam em meu rosto e seus polegares dissipavam as lágrimas que caíam sobre as minhas bochechas. O olhar ainda fixo no meu.
— Você me inspira.
E então, eu a abraço forte. Parece que ela sempre sabe o que se passa dentro de mim. Me entende apenas com um simples olhar.
Às vezes, me pego questionando se ela realmente existe. Se não é uma invenção da minha cabeça criando a pessoa mais perfeita que conheço. Perfeita para mim.
A dor ainda está aqui, e talvez, eu não precise carregá-la sozinho.
Posso até estar caindo, mas tenho alguém, bem aqui, que me segura.
E eu também irei segurá-la para o que precisar. Sempre.
CLUBINHO PRA ABRAÇAR O DICK 🥺
E CURIOSIDADES QUE NINGUÉM PEDIU:
- Me inspirei na edição 96 da fase atual das HQs do Asa Noturna para essa bomba toda que joguei ali em cima kkkkk. O Roland Desmond (Arrasa-Quarteirão), realmente tacou fogo na fundação do Dick, foi um pouco menos dramático, mas teve um outro drama. Quem quiser ler, tem no site The Old Shinobi ou HQ-Now.
- O começo do capítulo também é uma lembrança do Dick na edição 92, que antecede essa treta com o Desmond. Vale a pena ler, é uma série contínua que começa na edição 78 e ainda tá rolando, mas termina no segundo semestre desse ano.
Deixo aqui alguns dos painéis porque as artes do Bruno Redondo são lindas demais.
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