30. Exigência Implícita De Provas
09h34
21 de dezembro
Departamento policial de São Francisco
DICK GRAYSON
Quando chegamos na delegacia, reconhecemos algumas pessoas da festa da noite anterior. Alguns foram prestar queixa, outros depoimentos e outros apenas para bisbilhotar.
Estava aguardando a comissária voltar para me conduzir até a sala onde Martin e seu advogado estavam, enquanto Jenni conversava com os pais da garota que ela ajudou a escapar das mãos daqueles homens idiotas.
O casal é chamado por um dos oficiais e a garota fica ao lado de Jenni observando os pais seguirem para uma sala fechada.
— Posso te fazer uma pergunta? — A garota questiona para Jenni, mas me lança um olhar hesitante, como se eu não estivesse autorizado a escutar.
Jenni percebe e segura um riso alternando o olhar entre a garota e eu.
— Tudo bem, Leah. Dick é um amigo e nos ajudou ontem a nos livrarmos de toda aquela confusão. — Ela se inclina em direção a garota e baixa o tom de voz. — A não ser que você não queira que ele escute. Ele é meio fofoqueiro mesmo.
Meus lábios se curvam levemente, mas não me intrometo na conversa delas.
Vejo Leah se aproximar mais de Jenni, ainda em dúvida se deve ou não confiar na minha presença ali.
— Você é alguma super-heroína? — A garota pergunta em um sussurro, mas os meus ouvidos foram treinados para escutar uma pena caindo no chão. — Prometo que não conto pra ninguém, porque eu queria muito ser uma.
Jenni me lança um olhar de canto, ela quer muito rir, mas se contém.
— Não sou. — Ela responde Leah em outro sussurro. — Mas você pode ser uma, sim. Na verdade, acho que você já é.
Leah sorri e Jenni também.
— Que pena — sua voz agora estava em um tom mais alto — você deveria ser uma. Obrigada mais uma vez por me salvar.
Para mim e, acredito que para Leah também, Jenni é sim uma heroína, por mais que ela não queira admitir.
— Detetive Grayson — ouço a voz da comissária e minha atenção se desprende delas. — Pode me acompanhar por aqui.
Olho rapidamente para Jenni que assente com a cabeça e volta a sua atenção para conversar com Leah. Por mais que quiséssemos interrogá-lo juntos, não poderíamos, pois temos regras policiais para seguir. Por isso que ser o Asa Noturna é muito mais legal do que ser um detetive.
Quando entramos na sala, o advogado de Martin se apresenta e se antecipa em dizer que irá responder por ele, mas o homem de barba aparente sentado à minha frente o interrompe com um aceno de mão.
— Já estava na hora de termos essa conversa, não é mesmo, detetive? — Martin diz, cinicamente.
Me sento na cadeira à sua frente e a comissária me acompanha sentando-se ao meu lado.
— Então, o que você quer saber? — Ele dobra as mangas da camisa preta que está vestindo como se estivesse se preparando para uma conversa casual. Otário.
Conheço muitos outros criminosos de colarinho como Martin, todos com a mesma energia boçal de que possuem a tudo e a todos pelo dinheiro. Infelizmente, essa ainda é uma das armas mais poderosas em uma guerra.
— É melhor começarmos por tudo. — Digo apoiando os braços sobre a mesa.
Martin me lança um olhar cínico e se ajeita na cadeira.
— Ambicioso, mas creio que temos apenas 15 minutos. — Ele olha para o advogado que já estava cronometrando o tempo. — Ops, agora são 14.
A comissária e eu reviramos os olhos ao mesmo tempo.
— É o suficiente, por enquanto. — Digo com o mesmo desdém que ele. — Vamos começar por ontem à noite. O Sr. Klein está depondo nesse exato momento, espero que a sua versão seja, no mínimo, parecida com a dele para entendermos a ligação entre vocês e porque você estava fazendo a filha dele de refém.
Martin cruza os braços, agora com uma expressão fria.
— Negócios são negócios, detetive Grayson. O Sr. Klein me deve muitas coisas. Tentei avisá-lo amigavelmente diversas vezes, mas o prazo dele se venceu. Não era para ter acontecido todo aquele show, mas confiei em capangas de quinta e tudo saiu fora do planejado. Além de você ter atrapalhado tudo também.
— E o que ele te deve, exatamente?
— Recursos. — Martin se recosta na cadeira e divide o olhar entre a comissária Brown e eu. — Me pergunto se estivéssemos em Gotham agora você estaria na sala com o bom e velho Gordon me fazendo essas perguntas, até o melhor amigo da GCPD aparecer vestido de morcego e me amedrontar.
Ele vai começar a desviar o assunto para perdermos tempo. Ele pode achar que sou novo demais, mas faço isso há exatos 15 anos. Fui treinado pelo melhor detetive do mundo. Ele pode tentar, mas não vai escapar.
— Em qual empresa vocês trabalharam juntos? — Questiono ignorando os comentários anteriores dele.
— Você é esperto — Martin solta um riso nasalado. — A sua fama é mesmo válida. Quando fiquei sabendo que você estava me investigando, fiquei na dúvida. Afinal, você é o filho adotivo do Bruce Wayne. Achava que seria mais... imprudente. Não me leve a mal, mas o seu pai é um péssimo homem de negócios, mas infelizmente ele carrega o sobrenome mais influente do país.
Ele realmente vai testar a minha paciência.
— Você sabe que se não me der informações claras, teremos apenas um lado da história e não vai ser bom para você — desvio o olhar agora para o seu advogado — independente de quem te represente judicialmente. Lei é lei.
Martin respira fundo e massageia a têmpora. Se ele estava de saco cheio, quem dirá eu.
— Trabalhamos juntos na Troffle muitos anos atrás. — Ele revela, por fim. Finalmente uma conexão surgindo. — E, bem, você sabe que não tenho mais nenhum poder sobre aquela empresa, mas muito do que foi desenvolvido ali, passou por mim. O Sr. Klein trabalhou ao meu lado por anos e, quando saiu da Troffle, levou consigo alguns protótipos tecnológicos preciosos, os vendeu para a Amazon e ficou bilionário às custas de um trabalho em conjunto comigo. Eu não me importei por um tempo, só que recentemente, fui obrigado a pedir os meus direitos, pois estou sem esses tais... recursos.
— Especifique.
— Entre várias coisas, o mais importante são detectores sonoros de ondas espaciais. Hoje essa tecnologia ajuda a Amazon e outras empresas em comunicações e dados via satélite, mas ela tem o poder de fazer muito mais.
Nem preciso perguntar o que ele gostaria de fazer com isso para saber que coisa boa não seria. Faço uma nota mental sobre e aproveito para mudar para um assunto relacionado.
— E por falar na Troffle, vou te dar a oportunidade de falar ao menos uma verdade do porquê ter encomendado a morte de Jennifer Reed.
Martin ri abertamente dessa vez, mas ainda completamente sarcástico.
— Ela está lá fora, não está?
Não respondo. Sinto o olhar fuzilador da comissária ao meu lado para Martin. A entendo, pois eu também queria socar a cara deste homem.
— Sabe, detetive Grayson, essa é uma pergunta muito mais complexa do que o meu envolvimento com o Sr. Klein. — Martin apoia os braços na mesa e cruza os dedos das mãos à sua frente. — O meu problema com a família Reed não é de hoje, é de décadas.
— Temos minutos suficientes sobrando para que você desenvolva as razões para mim.
Ele respira fundo, passa a mão pela barba, olha para seu advogado que está com uma expressão indecifrável. Me pergunto se ele está se autoquestionando sobre o cliente estúpido que arranjou.
— Jonathan e Maia Reed eram cientistas incríveis — Martin volta a me olhar — mas eles não eram o que aparentavam ser. Se eles ainda estivessem vivos, eu não estaria aqui tendo essa conversa com você, pois eles já teriam me matado.
Ele não diz mais nada, não elabora nenhuma explicação clara. Apenas me encara como se tivesse soltado uma informação válida.
— Martin, preciso que você seja objetivo. Porque, se não, na próxima vez, não seremos tão amigáveis.
Ele solta mais uma risada cínica.
— Não haverá uma próxima vez, detetive, porque eu não sou o vilão aqui. — Ele ergue as mãos em um gesto como se rendesse. — Quer me incriminar por fazer uma adolescente refém? Vá em frente. Por desvio de dinheiro ou comandar uma gangue? Fique à vontade. Para você, esses crimes são fáceis de resolver. Para mim, baratos de serem apagados com alguns milhões de dólares. Tudo o que preciso é de tempo para provar que agi por legítima defesa.
— Já chega. — O interrompo, impacientemente. — Responda a minha pergunta.
Ele revira os olhos e volta a se recostar na cadeira.
— Ok, se você insiste — Martin se vira para seu advogado. — Ainda temos quantos minutos?
— 6 minutos, Sr. Goldman. — O homem responde olhando para o relógio em seu pulso.
— 7. Temos 7 minutos ainda. — Corrige a comissária. — Quem controla o tempo aqui somos nós.
Talvez a comissária o soque antes mesmo que eu. Seria uma ótima cena.
— Tudo bem — Martin nos encara secamente. — Detetive, vou te dar um breve contexto e, depois decida por si só se suas próximas perguntas deveriam ser feitas a mim ou a sua nova amiga, Jennifer Reed.
Me contenho para não cerrar o punho com força.
— Vamos voltar 20 anos no tempo. Eu trabalhava para Kennedy Reed e estava encarregado, junto a outros cientistas, em uma missão de desenvolver um plano de proteção ao planeta. Conseguimos chegar em um resultado que nos impediria de acontecer uma dizimação como a que ocorreu com os dinossauros. Era uma teoria ambiciosa. Eu e outros antigos parceiros de trabalho havíamos alertado os riscos, mas o plano foi engavetado pelos Reed, nunca foi testado, ficou preso no papel. Ficamos com receio de que eles levassem adiante como estava e, então, os denunciamos. Meses depois, alguns colegas que participaram da denúncia, desapareceram. Um deles foi encontrado morto. Eu pedi minhas contas e fugi.
Martin faz uma pausa e gesticula para o advogado para que lhe passe um copo de água. E a esse ponto, a minha testa estava mais franzida do que nunca porque pela linguagem corporal dele, o tom de voz e como ele narrou a história, ele não parecia estar mentindo.
— Refiz minha carreira no ramo de investimentos da tecnologia e tentei me blindar de tudo o que me ameaçava. — Martin volta a falar. — O resto é história. Até que Kennedy Reed faleceu e eu tentei reentrar na Troffle para descobrir se o plano arquitetado por ele e pelo filho ainda estava ativo, mas a empresa mudou. E então, a neta dele aparece do nada, alguém que, teoricamente, nunca teve a mesma ligação que a família tinha no mundo da ciência. Por isso, detetive Grayson, eu me perguntaria duas vezes sobre quem exatamente é o culpado aqui. Ela pode até estar em busca de respostas sobre a família, afinal, eles não eram as pessoas mais normais do mundo. Mas de uma coisa eu tenho certeza, Jennifer Reed foi instruída para estar precisamente onde está neste exato momento.
— O tempo acabou. — Anuncia o advogado e, no mesmo instante, a comissária o repreende, mas um minuto a mais talvez não fizesse diferença.
— Ainda não terminamos. — Digo a Martin que me encara com uma expressão indiferente.
Me levanto para ir em direção a porta e a comissária Brown instrui para que Martin permaneça na sala para conversarem especificamente sobre a noite anterior.
— Vamos ver quem encontra as provas primeiro, detetive Grayson. — Ele diz em um tom de deboche enquanto atravesso a porta, mas não viro para trás para olhá-lo.
Passo a mão pelos cabelos e tento organizar tudo o que acabei de ouvir. Nada ainda fazia muito sentido para mim. Preciso de maiores contextos, mais detalhes, preciso de nomes, mas uma das informações fez um clique no meu cérebro.
Meses atrás, quando começamos a investigá-lo, Bruce encontrou registros inconsistentes de Martin. A informação mais antiga é de 20 anos atrás, exatamente a data que ele acabou de contar. A suspeita de que ele tenha uma identidade falsa só se intensifica ainda mais.
— Como foi? — Jenni se levanta do banco onde estava e vem em minha direção.
— Uma merda. — Respondo enquanto caminhamos para a saída da delegacia. — Nada muito específico, mas eu já imaginava.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Deveríamos ter chamado um Uber ou um táxi para voltarmos para o hotel, mas seguimos andando pela rua.
— Você conseguiu perguntar alguma coisa sobre os Harpias e o que tentaram fazer comigo? — Ela finalmente interrompe nosso silêncio assim que viramos um quarteirão.
Assinto e paro de andar, encarando-a. Ela faz o mesmo.
— Ele falou sobre um plano que trabalhou com sua família, mas era algo perigoso a ponto de ter recebido ameaças e pessoas mortas envolvidas. Você sabe alguma coisa sobre isso?
Jenni franze as sobrancelhas, confusa.
— Que tipo de plano?
Dou de ombros, porque também não faço a mínima ideia.
Ela respira fundo e passa a mão nos olhos.
— Os seus pais deixaram algum tipo de instrução específica para você comprar a Troffle?
— Não. Deixaram o que já te mostrei e não faço ideia do porquê. Parecia que eles queriam que eu comprasse essa empresa, só não foram explícitos.
Sim, ela já tinha me dito isso. Sei que ela está em busca dessas respostas. Mas também sei que a história que Martin contou soava verdadeira. Acredite, precisa ser muito bom e excelente mentiroso para que um detetive não saiba que você está mentindo. E, por incrível que pareça, aquele foi o único momento no interrogatório que pareceu genuíno.
— Você está duvidando de mim. — Ela cruza os braços para conter o vento que nos atravessa. — O que mais ele te disse?
Coloco as mãos nos bolsos do casaco. Nunca gostei muito de São Francisco, aqui venta demais. E também nunca gostei de duvidar de pessoas que eu confio.
— Não estou — digo olhando-a nos olhos. — Mas vou precisar que você confie mais em mim para descobrirmos se isso tem a ver com o que está acontecendo em Gotham.
— Mas eu confio. — Jenni dá um passo em minha direção. — O que conversamos mais cedo... Não tem a ver com tudo isso. Quero e preciso descobrir o que eles esconderam, porque sim, tem algo escondido.
Sei também que o que ela me diz agora é verdade.
E eu prefiro acreditar na verdade de Jenni.
Passo um braço em volta de seus ombros e voltamos a caminhar. Ela se aninha mais ao meu lado tentando conter o vento frio.
— Então — seu olhar se ergue para encontrar o meu — vai me contar no detalhe a sua conversinha com aquele psicopata?
Uma das mil coisas que gosto muito em Jenni, ela tenta sempre tirar sarro da própria desgraça. É uma forma de escapatória do peso que vive, mas isso deixa a sua personalidade mais leve e conversar sobre assuntos mais sérios acaba sendo fácil de encontrarmos uma solução. Sem contar que ela é muito corajosa e não se deixa temer tão fácil.
Então, sim, Martin. Eu encontrarei as provas primeiro.
A tenho aqui do meu lado e é a mulher mais incrível que conheço.
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