09h30
08 de novembro
Gotham City
DICK GRAYSON
— Noite difícil? — Jenni pergunta apontando para o canto de seus lábios e olhando para os meus.
Ah, sim. Eu estava com um pequeno corte quase que no canto esquerdo da boca em ambos os lábios, formava uma pequena linha. Eu enfureci uns caras ontem. Acontece.
— Eu precisava de respostas. — Dou de ombros. — Eles não estavam cooperando muito bem.
Jenni analisa o meu rosto por breves segundos.
Ela parecia cansada, e quando a chamei por telefone para virmos naquela cafeteria mediana que ela tanto gosta, também soava com o pensamento distante.
— Eles quem? — Ela pergunta.
— Eram alguns caras que estavam trabalhando com o Laroy, precisava saber onde ele estava. — Respiro fundo e continuo. — Ele está vivo.
— Caramba. Então... aquela explosão foi só um disfarce? — Jenni pergunta com o cenho franzido. Na verdade, ela estava com essa expressão desde que chegou.
Assinto e continuo a explicação.
— Sim e não. Aqueles homens que apareceram depois, realmente foi para atacá-lo, mas de alguma forma, ele fugiu. Aparentemente, Laroy não está de acordo com os planos da pessoa que está financiando os Harpias. O ouvi mencionar um "eles não vão tirar Gotham de mim, essa cidade é minha e blábláblá".
A atendente entrega nossas bebidas e agradecemos.
Milagrosamente, Jenni pediu um café duplo. Todo preto. Nenhuma gororoba de açúcar com leite. Ela realmente deve estar exausta.
— Então, você deu uma surra nos caras e achou ele?
— Eles me atacaram primeiro. — Me defendo. — E sim, a polícia chegou logo depois. Mas aí eu já tinha arrumado confusão com meia dúzia de homens. No fim, deu certo. Consegui algumas respostas, mas também, outras perguntas. Mais tarde vou interrogá-lo.
— E você acha que Laroy vai dedurar os antigos parceiros fácil assim?
— Pouco provável. Vou perguntar mais o que ele estava planejando, dar uma moral para seja lá qual plano estúpido que ele tinha. É assim que a gente descobre as coisas nas entrelinhas.
Jenni boceja e massageia os olhos.
— Desculpa. — Ela se apressa em dizer. — Não é por nada do que você disse. Estou apenas... cansada.
Analiso seus olhos e eles realmente parecem querer algumas horas de sono.
— Noite difícil? — Repito a pergunta que ela me fez minutos atrás.
Jenni respira fundo e se recosta na cadeira. Os olhos pairam sobre qualquer coisa que está na mesa.
— É que... foi uma semana intensa de burocracias. Comprar uma empresa é um saco. Nunca faça isso.
Isso soava como uma meia verdade. Aos poucos, estou aprendendo a lê-la melhor. Me endireito na cadeira e apoio os braços na mesa.
— Sabe — a encaro nos olhos — estamos no meio de toda essa chatice de mafiosos ligados a corrupção de uma empresa que agora é sua, e que, corremos um certo risco... Mas você pode confiar em mim para... sei lá, qualquer coisa. Nem que seja só para desabafar sobre um dia merda que você teve.
Queria deixar claro para Jenni de que podia confiar em mim, até porque essa era a ideia inicial. Ainda acho que ela não me contou tudo sobre a sua relação com a Troffle e os reais motivos de investigar a própria família. E que isso pode ter conexão com o que está acontecendo hoje.
Mas, também, tinha uma outra verdade. Eu estava gostando de conhecê-la.
Jenni toma um gole de seu café e depois abre a boca para falar, mas a fecha. Ela desvia o olhar para a janela.
— E sem pressão nenhuma, tá bom? — Volto a falar — Sei que estou aqui como um detetive e, também... hum, você sabe. Mas, além disso, você pode me considerar um amigo.
Eu estava sendo sincero.
— E um herói particular também? — Ela volta a me olhar com um sorriso fraco — Porque eu acho que preciso.
Um riso me escapa pelo nariz.
— Se você quiser, sim. — Respondo com um sorriso de canto.
Sua expressão finalmente se abre um pouco e ela relaxa os ombros.
A gente flertava na brincadeira, o que acabava não deixando uma torta de climão estranha no ar, tudo parecia leve. Mas no fundo, acho que, mesmo se fosse sério, seria da mesma forma. Só que umas 10 mil vezes melhor. Mas tenho certeza de que não é isso que ela quer, então eu não ultrapassava nenhum limite.
— Você tem cara de ser um destruidor de corações nato.
— Como é que é? — Pergunto, pois fui pego de surpresa na mudança abrupta de assunto.
O que também era típico de Jenni, ela parecia sempre fugir do que realmente era para dizer.
— Isso mesmo que você ouviu. — Ela cruza os braços e faz uma cara de convencida.
— Por que você acha isso?
— Porque você se deixa levar fácil pelo flerte. Não, na verdade, você cria o flerte. E quando a pessoa menos espera, boom — ela gesticula com as mãos em uma explosão — ela se vê perdida na conversa, e aí, você dá o bote.
Solto uma gargalhada que até viro a cabeça para trás.
— E a pessoa se apaixona fácil por você — ela continua — mas aí, você consegue o que quer e depois chega com aquele papinho de "a minha vida é muito difícil, não é você – sou eu, posso te colocar em risco, e blábláblá". E então, você dá o fora e parte para outra.
Jenni semicerra os olhos e tenta a todo custo esconder uma risada.
E eu também.
— E você acha que eu quero fazer isso com você? — Arqueio as sobrancelhas.
— Não. — Ela me olha ainda com sua expressão de convencida. — Porque você não tem a menor chance. Eu sou vacinada contra caras assim.
— Você não acha que está convencida demais? — A provoco com um sorriso.
Jenni revira os olhos e toma outro gole de seu café.
— Não sou eu que fico te mandando cantadas do século passado.
— Ei, nada disso. — Protesto. — São ótimas. Você que não tem um pingo de romantismo nesse coração de gelo.
Nem sei exatamente como começou essa brincadeira toda, mas desde aquela noite na pizzaria, a gente vem se falando todos os dias. Provavelmente, ela engajou em alguma bobeira que falei e uma coisa levou à outra.
E eu não estava achando ruim, de jeito nenhum. Apesar das investigações, que ela tem colaborado muito mais do que imaginei, Jenni é uma pessoa divertida, inteligente e muito fácil de conversar sobre absolutamente qualquer coisa.
Era essa leveza da qual eu estava me referindo. E sinto que seria muito mais se não estivéssemos no meio de um caos. Embora ela ainda tenha aquelas mil camadas que ergueu para esconder seja lá o que for. E por que raios eu queria tirar uma por uma para vê-la como realmente era?
Nossos olhos estavam fixos em uma linha reta um no outro.
É difícil negar a atração quando o seu par de olhos castanhos lindos descem levemente até a minha boca e...
— Viu só? — Ela interrompe o nosso silêncio — É disso que eu estou falando.
Pisco uma vez e passo as mãos pelos cabelos. Calma aí.
Ela acabou de fazer o que disse que eu faço. Ela que quase me deu o bote aqui!
— Você está errada — Digo — Eu acho que é você quem faz isso.
Ela balança a cabeça e dá uma risada.
— É o que todo destruidor de corações diz. — Jenni apoia os braços na mesa.
— E por que estamos falando sobre isso mesmo?
Ela volta a se recostar na cadeira e dá de ombros.
— Porque é muito melhor do que falar sobre os problemas da minha vida.
— Não sou terapeuta, mas sei ouvir e, de novo, se quiser conversar sobre qualquer coisa, estou aqui. — Enfatizo o que disse antes.
Jenni assente e comprime os lábios. Parece hesitar, mas solta um suspiro e diz:
— É muita coisa, Dick. Não quero te aborrecer com isso. Sou só uma pessoa com traumas familiares e muitos, muitos problemas para resolver.
— Isso é uma coisa de bilionários?
— Por quê? — Ela franze a testa.
— Porque isso facilmente poderia ter sido dito pelo Bruce.
Jenni ri. Era aquele riso doce que está viciando os meus ouvidos.
— Arruinei todo o clima, né? — Ela pergunta ainda rindo.
— Você tem esse dom.
Jenni apoia a cabeça em uma das mãos e fixa o olhar em mim novamente. Merda. Não sei se faz isso de propósito, mas eu não consigo desviar. Se um dia ela quiser que esse flerte não seja uma brincadeira, eu não vou me opor.
— Bom — começo a dizer e, dessa vez, sou eu quem interrompo, pois preciso me livrar desse olhar hipnotizante que ela tem — por mais que eu gostaria de ficar olhando para você o dia inteiro, tenho muito trabalho a fazer e acho que você também.
Ela abre um sorriso grande, de verdade dessa vez. Parece baixar a guarda por um instante e, bom, para mim, isso pode ser um começo. Espero que um dia as camadas se desfaçam.
— Você já está enfeitiçado por mim, Dick Grayson? — Seu olhar agora era travesso.
Meu Deus. Por que ela tem que ser tão bonita assim? Me ajuda aí.
— E você ainda diz que eu sou o destruidor de corações. — Respondo enquanto pego alguns papéis que trouxe para me obrigar a voltar a falar de trabalho, já que foi para isso que a chamei aqui.
— Talvez eu seja um pouquinho também. — Ela morde o lábio inferior com um riso abafado.
Balanço a cabeça tentando dissipar qualquer pensamento que não deveria estar aqui. Coloco os papéis na mesa e levanto o olhar para Jenni. Ela parecia estar se divertindo da minha cara que, claramente, eu estava me esforçando para ficar sério – e falhando miseravelmente.
— Bom, vamos lá — começo a falar para, enfim, mudarmos de assunto — Tenho algumas coisas para te perguntar.
— Pra variar...
Começo a folhear alguns documentos que ela me entregou ontem. Pego o arquivo que me chamou a atenção e o empurro sobre a mesa para que ela veja de perto.
— O que mitologia grega tem a ver com os princípios da Troffle? — Questiono.
Nos papéis em questão, haviam anotações em cima de algumas páginas sobre o mito da Queda de Ícaro. A história conta que Dédalo, um habilidoso artesão e inventor, e seu filho Ícaro, ficaram presos no labirinto de Creta. Então, Dédalo constrói asas para que ambos possam fugir dali. Só que Ícaro fica tão fascinado pela sensação e voa perto demais do Sol, apesar de seu pai o instruir para que não faça isso, o que acaba derretendo suas asas e ele cai no mar, resultando em sua morte.
É um mito bem conhecido para alusões à ganância pela liberdade desenfreada.
Nas páginas que Jenni me entregou, as anotações consistiam em palavras como "Ascensionismo" "O alto valor da singularidade" e "O universo mais alto".
De todos os documentos que ela me entregou, esse era o único que não se encaixava com nada. Talvez o seu avô fosse apenas um fã de mitologia grega. Ou talvez isso fosse alguma outra coisa.
Eu já acreditava nessa segunda opção, mas confirmo minha teoria quando a expressão de Jenni se fecha rapidamente ao ler o que está em suas mãos.
— Isso estava no meio daqueles papéis que te entreguei? — Ela pergunta ainda encarando o documento com as sobrancelhas franzidas.
— Sim. Achei estranho ter um conto no meio de documentos sobre as ações da empresa. — Reclino um pouco a cabeça para frente e lhe dou um olhar cuidadoso. — Você sabe alguma coisa sobre isso?
Jenni estava séria. Parecia confusa.
— Não. — Ela faz uma pausa. — Talvez seja só algo aleatório, não sei. Mas posso pesquisar melhor e vejo se tem relação com alguma coisa.
— Por favor. — Peço com uma certa firmeza. — Só para nos assegurarmos sobre qual direção seguir na investigação.
— Como assim? — Jenni finalmente ergue o olhar para mim.
— Bom, isso pode ter um significado por trás. — Aponto para os papéis em suas mãos. — Para mim, qualquer coisa pode ser uma evidência.
A verdade é que, a palavra Ícaro ou Ícarus e tecnologias científicas geralmente são uma combinação perigosa. Por exemplo, sei que os Laboratórios S.T.A.R. de Metrópolis possui um projeto secreto chamado Ícarus Gate. É um portal que dá acesso a um buraco de minhoca.
Foi a primeira coisa que associei quando vi esse conto da mitologia entre os documentos. A Troffle tem tecnologia científica suficiente para criar algo com a filosofia da ambição do filho de Dédalo. E a coisa mais estranha, é que isso não tem nada a ver com o feitio de crimes e atrocidades da Harpia.
Jenni leva alguns instantes, mas assente pegando os papéis para si.
— Pode deixar. Te aviso assim que conseguir algo. — Ela dá um sorriso fraco.
— Se precisar de ajuda, já sabe.
— Tudo bem, já estou acostumada a tentar entender enigmas da minha família. Geralmente, não me leva a nada. Porque eu não entendo nada. Talvez seja porque eles nunca me falavam nada. — Jenni diz tudo de uma vez só em o que parecia um desabafo.
Ela balança a cabeça e passa a mão pelos olhos.
Será que eu poderia dizer que estou vendo uma de suas camadas se rachar bem aqui na minha frente?
— Desculpa. — Ela diz em seguida. — Eu só...
— Você não tem que me pedir desculpa por nada. — Me apresso em dizer.
— É uma merda, Dick. Às vezes, me sinto tão otária porque passei a vida inteira tentando fazer parte da vida deles e agora... estou aqui tentando resolver e entender essa infinidade de coisas que deixaram pra mim. E eu simplesmente aceitei, porque no fundo, isso me faria pertencer. — Jenni mexe em seu copo de café com o olhar baixo. — Eu só queria sentir que eu pertenço. De que eles se importavam comigo, nem que fosse só um pouco.
Meu cérebro deixa a racionalidade por um segundo quando pego uma de suas mãos e a envolvo firme na minha.
— Você não é uma otária. E, definitivamente, você pertence ao seu próprio propósito. Olha só o que você está prestes a fazer com essa empresa. Tenho certeza de que seus pais estariam orgulhosos. Você tem uma história inteira pela frente para escrever e algo me diz que serão coisas boas.
Eu estava sendo muito sincero.
Jenni pode ter os seus mistérios e, tudo bem, já me convenci de que desvendarei todos eles. Mas sei também que ela tem boas intenções.
Pelo o que ela me contou essa semana, um de seus maiores objetivos na Troffle é democratizar a ciência para quem tem menos acesso. E que o conhecimento e a tecnologia sejam bem mais acessíveis.
São aspectos que eu também defendo. Então, acredito que estamos na mesma página.
E, para a minha surpresa, ela abre levemente a palma da mão encaixando os meus dedos ali embaixo e a fecha ao redor deles.
— Sabe, Dick — Jenni me encara nos olhos — acho que eu deixaria você destruir o meu coração.
Ela está maluca. Ou talvez eu esteja ouvindo coisas. Só pode.
— Eu jamais faria isso. — É tudo o que eu respondo.
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