50
Reino de cristal e o pedido
...
—Isso não está certo!
—Raf...
—Não, não e não!
A jovem mulher não conseguia dizer nada, respirando fundo ela apenas deixou que ele continuasse.
—Não foi para isso que viemos!
O tecido tão fino como seda balançava suavemente de um lado para o outro conforme o homem dava voltas pelo gramado.
—Já terminamos aqui! Podemos voltar! Voltar para casa, juntos!
A bela mulher encarou a figura a sua frente com tristeza. Ao redor, outras criaturas observavam a cena com preocupação.
—Não posso mais voltar...
—É claro que pode! É só esperar algumas luas, e então nós...
—Você não entendeu — ela o cortou — Eu... eu não quero mais voltar...
Dessa vez o homem parou, os olhos vermelhos incrédulos e descrentes.
—Eu o amo, você sabe disso — a jovem se aproximou devagar, um sorriso caloroso nos lábios e os olhos brilhando — Mas eu também encontrei algo para amar aqui, e acho que foi por esse motivo que viemos! Não apenas para ensina-los a amar, mas para que também aprendêssemos o que é o amor.
—Não diga tolices, eu sei muito bem o que é amar, não preciso que um bando de selvagens me ensinem isso!
—Será que você sabe mesmo? — ela deu mais um passo adiante — Essa sua atitude, a aversão que tem por esse mundo e a forma que os tem chamado ultimamente, será que você realmente sabe o que é amar?
Os olhos azuis encararam os vermelhos com seriedade.
—Todo esse tempo que estivemos aqui, você nunca sentiu nada por eles?
—A única coisa que senti foi o desejo de voltar para casa.
—Mentira! Eu me lembro do brilho nos seus olhos, a empolgação de pisar nessa terra, viver uma vida com um corpo que pudesse sentir tudo ao redor...
A tristeza emanava em cada uma das palavras que ela dizia, e por alguns segundos, o homem a sua frente se permitiu pensar naquele sentimento.
—Você estava feliz, animado, curioso com cada criatura e as formas que elas viviam! Sua dedicação em ajudar... o que aconteceu desde então? Por que você...
—Eu apenas abri os olhos! — as palavras ecoaram pelas planícies assustando as criaturas que estavam escondidas — Não há nada aqui! Nada! Já acabamos nosso trabalho! Sem guerras, sem choro, sem angustia! Já trouxemos o que esse mundo precisava então podemos voltar! Voltar para onde viemos, voltar a sermos o que realmente somos...
—E o que realmente somos irmão?
—Somos magia! O verdadeiro poder inabalável desse mundo!
A tristeza era nítida nos olhos azuis.
—O que aconteceu com você? Onde está meu irmão curioso e alegre? Gentil e amoroso, sempre disposto a ajudar...
Ela se aproximou ao ponto de encarar o próprio reflexo nas íris vermelhas. No fundo ela desejava ver a luz da empolgação e alegria que costumava habitar naqueles olhos, mas foi com enorme tristeza que ela encontrou apenas um vazio profundo.
—Você se corrompeu irmão?
Em um gesto repentino o homem se afastou encarando-a com um semblante que ela jamais havia visto em seu rosto.
—Você já tomou sua decisão Rafaella...
Ela não conseguia mais reconhecer as palavras rudes que saiam daquela boca.
—E eu também já fiz a minha.
Ela viu quando ele deus as costas se afastando com rapidez. A cada passo uma sensação de angustia apertava seu peito. Naquele instante a jovem sabia que estava perdendo seu irmão. O perdendo para algo muito perigoso.
—Raffael! Raffael espere!
Tentando alcança-lo ela correu o mais rápido que podia, mas antes que pudesse chegar perto o suficiente ele estendeu a mão e uma lâmina cintilou no ar, segundos depois a paisagem se abriu como uma cortina e sem pensar duas vezes ele a atravessou sumindo de vista.
—Raffael!
...
Iani sentia o corpo pesar, era como ter afundado em uma nuvem macia. Demorou um pouco para que ela sentisse vontade de sair daquele aconchego mas quando uma dor aguda percorreu seu corpo ela foi forçada a abrir os olhos. Ao redor, um quarto amplo estava repleto de flores cintilantes que brilhavam como pedras preciosas, o sol que entrava pelas cortinas de cetim refletia nas pétalas coloridas enquanto o céu azul pintava a paisagem do lado de fora. Não muito longe vozes animadas chegavam até os ouvidos da garota, risadas altas e música, como se algum tipo de festival estivesse acontecendo nos arredores.
—Onde eu estou?
Iani sentiu a garganta doer, era como se tivesse engolido areia.
—Ainda na cidade de cristal.
—Cidade de cristal...
Rapidamente os acontecimentos invadiram sua mente.
Aaron!
Por impulso ela se jogou para fora da cama com rapidez mas assim que seus pés tocaram o chão uma forte tontura a fez perder o equilíbrio. Por sorte, alguém impediu sua queda.
—Se acalme por favor...
Só depois de longos segundos respirando fundo a jovem se deu conta de que não estava sozinha. Na sua frente um homem alto a segurava, os cabelos eram longos e azuis, no entanto, o mais fascinante eram seus olhos que pareciam dois diamantes.
—Quem é você?
Ele não disse nada, apenas sorriu amavelmente. Olhando com mais atenção Iani percebeu um manto translucido em suas costas, e só depois de um tempo ela percebeu que aquilo eram asas.
—Eu não acredito...
Seus olhos encararam incrédulos o belo homem.
—Você é...
—Lios, madame.
Ele fez uma breve reverencia antes de puxa-la com delicadeza de volta para a cama de lençóis macios.
—Vou pedir para que se deite, não está em condições de fazer nenhum esforço.
Mesmo com inúmeras perguntas martelando em sua cabeça Iani não foi capaz de resistir a sensação de aconchego que os tecidos traziam.
—Quando estiver melhor ele virá até aqui.
Ele?
—Então por favor descanse bastante, digamos que não está sendo fácil conte-lo.
—Do que você está...
Pela primeira vez Iani se sentiu cansada de mais para conseguir terminar uma frase.
—Tente dormir um pouco, vai se sentir melhor quando acordar.
Nem foi preciso dizer outra vez. Só foi preciso alguns segundos para que Iani caísse novamente no sono.
Aaron...
...
Ao longe, o canto dos pássaros entrava pela janela junto de uma brisa suave, Iani conseguia sentir tudo ao seu redor e foi com certa relutância que decidiu abrir os olhos. Quando sua visão se acostumou com a claridade ela notou que ainda estava no quarto repleto de flores. Tudo era real, não foi um sonho, porém, o homem com olhos de diamante não estava mais ali.
Com o corpo dolorido ela se espreguiçou. As cobertas brancas ainda esquentavam seu corpo quando ela se deu conta de algo importante.
Aaron!
Mais uma vez a cena do grande lobo estirado no chão invadiu sua mente fazendo seu peito doer.
Não! Ele não pode ter morrido!
Sentindo a friagem em seus pés Iani saltou da cama correndo em direção a porta até dar de cara com um imenso corredor, porém, diferente dos outros palácios que esteve aquele não era totalmente construído com paredes de pedra. Por incrível que pareça, inúmeros vitrais criavam um extenso corredor de vidro e se não fosse a preocupação que invadia sua mente, Iani teria ficado horas ali, apenas apreciando a imagem das flores do lado de flora.
Iani continuou sua busca incessante por cada canto daquele novo lugar. A cada quarto, a cada sala e a cada corredor seus olhos eram inundados pela beleza surreal de flores, joias e tecidos finos, mas nada daquilo importava.
Onde está todo mundo?
Estava tão distraída em sua busca que não percebeu que alguém cruzou seu caminho fazendo com que esbarrasse com tudo nessa pessoa.
—Me desculpe, eu não o vi...
Quando seus olhos voltaram para cima ela levou um susto.
—Dave?!
Sem conter a emoção ela pulou em seu pescoço para um abraço apertado.
—Você está bem?! Estava tão machucado da última vez que o vi!
Os braços forte a ergueram no ar.
—Iani! Que bom que acordou!
—Dave! Fico tão feliz por ver que você está bem! Quando o vi caído junto do...
Aaron!
Assim que colocou os pés no chão ela segurou as roupas do líder de olhos esmeraldas.
—Sabe onde ele está?!
—Ele quem?
Ela apenas o encarou.
—Ah sim... Aaron...
O semblante em seu rosto não era animador.
—Olha, você vai ter que ser forte.
—Não, não me diga que...
As lágrimas ameaçaram cair junto de uma dor dilacerante quando Iani sentiu alguém abraçar sua cintura.
—Aaron...
—Não sabe o quão feliz estou em escutar sua voz.
Sem se conter Iani deixou que as lágrimas caíssem enquanto se virava para abraçar o homem atrás de si.
—Você está vivo...
Aaron afagou os cabelos da jovem chorosa.
—Eu pensei que tinha te perdido... eu... eu...
—Está tudo bem, eu estou aqui...
Iani se desvencilhou do abraço encarando os incríveis olhos dourados onde algumas lágrimas o tornavam ainda mais brilhantes.
Não fui a única que andou preocupada.
Contente com aquele pensamento, ela sorriu, um sorriso de alegria, felicidade e principalmente de alivio.
—Não faça isso de novo, nunca mais...
Incapaz de se conter, Aaron a puxou para mais perto juntando seus lábios em um beijo demorado. Com o calor que inundava seus peitos tanto Aaron quanto Iani desejavam que aquele momento fosse eterno, porém, uma tosse os interrompeu.
—Então...
A voz de Dave fez com que os dois se separassem.
—O momento é tocante, mas Lios ainda quer falar conosco.
—É claro Dave, poderia chama-lo por fa...
Aaron mal teve tempo de terminar a frase para que fosse empurrado pelo corredor.
—Voltaremos logo Iani!
—Ei!
—Tente não sumir!
Antes que pudesse protestar Aaron foi arrastado pelos corredores deixando Iani a sós, porém, com um enorme sorriso de alegria no rosto além de um par de bochechas coradas.
...
Passado algum tempo organizando as ideias, Iani decidiu seguir o corredor e ver onde ele levava. Quando chegou ao final atravessou um arco de luz que dava a um imenso jardim cercado por várias árvores de folhas coloridas e vibrantes, no centro, um riacho de águas límpidas e cristalinas corria por entre as flores cintilantes que formavam um belo tapete. A visão era de tirar o folego, em toda a sua vida, ela jamais havia visto um lugar tão belo como aquele. Era como estar dentro de um sonho.
—Vejo que está mais disposta.
Iani olhou para o lado vendo o mesmo homem de antes em pé a poucos metros de si. Sua figura era quase tão mística quanto o jardim ao redor.
—Suponho que você seja o rei desse lugar — ela se aproximou sentindo o perfume das flores — Lios, certo?
Em resposta ele concordou com a cabeça com um olhar triste.
—Não precisa se desculpar se é isso que está pensando.
Os olhos de diamantes se abriram espantados.
—Hoje eu entendi o porquê de tanto ódio com a minha presença, você e seu povo passaram por coisas horríveis...
Iani olhou novamente para o belo rei se recordando da criatura monstruosa que havia encontrado antes.
—Mas eu realmente gostaria de saber o que aconteceu aqui, tudo está tão...
—Vivo?
Ele completou a encarando com ternura.
—Isso, vivo, esse reino está vivo, como pode ser possível?
O lugar desolado que conheceu ao pisar pela primeira vez naquelas terras jamais se compararia ao sonho que aquilo tudo havia se transformado.
—Para ser sincero eu não sei, nem mesmo Aaron, Dave ou qualquer outra pessoa que estava aqui.
Um brilho intenso cintilou nos olhos de diamante.
—Nossa única suspeita é que possa ter sido você.
—Eu?
—Sim.
Iani riu.
—Até parece...
Os olhos de diamante continuaram a encarar deixando a jovem cada vez mais nervosa.
—Não pode ter sido eu...
—É a única resposta.
—Mas como? Isso é impossível...
—Eu também gostaria de ter uma resposta para isso — Lios respirou fundo erguendo o rosto em direção ao céu azul — Mas a única certeza que tenho certeza é de que você é alguém muito especial Iani.
Ainda atônita, Iani o observou estender uma das mãos na frente do rosto, segundos depois uma luz começou a brilhar em sua palma revelando uma pequena flor de diamante, tão translúcida e brilhante quanto os próprios olhos dele.
—Mesmo que não ache desnecessário, peço perdão a você e a seus amigos.
As mãos com dedos finos e longos estenderam a delicada flor em direção a Iani.
—Não posso...
—Por favor, aceite como meu pedido de desculpas, e principalmente, agradecimento.
—Eu...
Sem tempo para pensar, Iani viu quando o rei segurou uma de suas mãos depositando a pequena flor com cuidado.
—Você é especial, e hoje eu acredito nisso.
Um sorriso leve iluminou o rosto do belo homem e, de alguma forma, aquilo conseguiu acalmar um pouco a bagunça que havia se formado dentro dela.
—Obrigada Lios, vou guardar com muito carinho.
—Fico feliz em saber, agora...acho melhor você ir.
Os olhos de diamante foram até a entrada do castelo emanando um brilho divertido.
—Tenho certeza que alguém está te procurando nesse exato momento.
Nem foi preciso ele dizer o nome para que Iani soubesse a quem se referia.
Aaron...
...
O sol começava a sumir vagarosamente pelas árvores da floresta quando Iani percorreu os corredores já iluminados por tochas espalhadas no caminho. Depois de um dia corrido respondendo a inúmeras perguntas de Lidi e Aiko sobre a viagem, ela só desejava cair na cama e dormir por horas a fio. No entanto, antes que pudesse segurar a maçaneta de seu quarto, uma mão agarrou seu pulso.
—Aaron!
—Finalmente....
Ele parecia aflito.
—O que foi? Por que está assim?
—Preciso falar com você.
—Aconteceu alguma coisa? — ela o encarou com preocupação — Pensei que a reunião para relatar os acontecimentos da viagem ia ser tranquila...
—E foi, eu só queria um tempo para estar com você, desde que chegamos mal consegui respirar direito.
—Eu entendo, Lidi e Aiko grudaram em mim feito carrapatos...
—De qualquer forma, tenho algo importante para falar, ou melhor, pedir.
—Você está me assustando...
—Vêm, vamos conversar no meu quarto, o corredor não é o melhor lugar para isso.
Concordando, Iani se deixou levar em direção aos aposentos de Aaron que fechou aporta assim que os dois colocaram os pés do lado de dentro.
—Pronto...
—O que está fazendo?
—Só não quero ser interrompido...
Aaron estava tenso, os olhos dourados fixavam-se em tudo, menos na mulher parada no meio do seu quarto.
—Então, sobre o que quer falar?
Iani o observou engolir em seco.
—Aaron, você está bem? Alguma coisa séria aconteceu?
—Sim, aconteceu...
—Bom, então me diga o que foi?
Iani já sentia o peito arder em preocupação quando Aaron enfiou uma das mãos no bolso tirando uma pequena caixinha.
—O que é isso?
—Iani...
Ela não disse nada, apenas encarou os olhos dourados que estavam sérios.
—Desde o dia que chegou você se tornou alguém muito especial, seu laço de afeto com meu irmão foi se fortalecendo a cada dia e, consequentemente, comigo também...
Iani sentia o corpo tremer.
—Depois da nossa viagem até o reino de Dave, a discussão e os apuros na cidade de cristal eu me dei conta de que...
Ela esperou, o coração batendo tão forte no peito ao ponto de doer.
—Você é importante para mim, mais do que eu posso imaginar...
Aaron...
—E não passa pela minha cabeça a ideia de algum dia perdê-la, então...
A jovem teve que juntar todas as forças para se manter de pé quando Aaron abriu a caixinha revelando um delicado anel, tão dourado quanto os próprios olhos.
—Por favor, aceite ser minha parceira pelo resto da vida...
As palavras demoraram a chegar até os ouvidos de Iani, o som do sangue latejando em seus ouvidos estava alto.
—Iani?
—Aceito...
Lágrimas começaram a cair de seus olhos enquanto uma onde de euforia percorria seu corpo.
—Aceito! Aceito! Aceito! É claro que eu aceito!
Em meio a sorrisos e lágrimas, Iani pulou no colo de Aaron que a segurou com firmeza selando aquele pedido com um beijo quente intenso.
—Eu te amo Iani...
Os olhos dourados brilhavam no tênue brilho dos últimos raios de sol que entravam pela janela. Encantada com aquela visão, Iani tocou suavemente o rosto de seu amado, sentindo aquele calor quentinho e aconchegante no peito que só os apaixonados possuíam.
—Eu também te amo Aaron.
...
Continua...
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