25
"Tão dourados quanto ouro"
Está tudo bem. Está tudo bem...
Era o que Iani mais pensava enquanto dezenas de rostos a encaravam conforme seguia pelo salão.
São meio lobos mas não vão te machucar.
Todos estavam vestidos em roupas finas aparentando aspecto humano, porém, o brilho animalesco em seus olhos não deixavam de lembra-la que estava no meio de uma matilha.
—Sua mão está fria.
A voz de Aaron chegou até seus ouvidos mas ela não teve coragem de olha-lo nos olhos. Seu corpo estava rígido como o de uma estátua, apenas seguindo em frente.
—Eu estou bem...
Seu tom não foi convincente. Preocupado, Aaron acariciou suas costas com o polegar.
—Não vou deixar nada te acontecer.
Absorvendo aquelas palavras Iani respirou fundo relaxando um pouco.
As várias pessoas ali ainda a deixavam tensa, mas as tapeçarias expostas em cada uma das paredes aos poucos foram ganhando sua atenção, bem como os vitrais coloridos que projetavam mosaicos no tapete luxuoso embaixo dos seus pés.
Era inegável a pompa daquele lugar sem contar a beleza de cada detalhe ricamente exposto.
—Aaron!Aaron!
Do meio da multidão um amontoado de rendas vermelha e babados de cetim surgiram ofuscando os outros vestidos.
—Que bom que você chegou!
Não demorou muito para Iani reconhecer a garota que se esbarrou nela dias atrás.
—Clycia, que bom te ver.
—Pensei que não ia vir mais — ela fez um biquinho — Por que demorou tanto?!
Antes que Aaron pudesse responder outra voz o interrompeu.
—Não importune meu convidado de honra irmãzinha.
Um homem loiro vestido em roupas azuis e adornado com o que parecia ser um cachecol de peles parou ao lado de Clycia esbanjando um sorriso de tirar o fôlego.
—Mas vejam só!Se não é a famosa humana de que tanto ouvi falar! — seus olhos verdes cintilaram — Encantado em conhecê-la.
Sem poder reagir Iani deixou que o estranho segurasse sua mão depositando um beijo leve em seus dedos, no mesmo instante um sentimento estranho invadiu seu peito a tirando momentaneamente de foco.
Já nós conhecemos?
Ignorando os olhares curiosos ela encarou mais afundo as duas esmeraldas.
—Dave?
O home sorriu.
—Fico feliz por Aaron ter falado de mim para uma bela dama!
Não falou...
Mais uma vez aquele estranho sentimento.
—Não banque o chato!
A voz alterada de Clycia chamou de volta sua atenção.
—Eu só estava preocupada com a demora dele.
—A estrada entre as alcatéias são longas, demorar é o de menos, o que importa mesmo é que os dois vieram!Vamos!Vamos comer e beber!Aceita um taça de vinho, humana?
—Iani, meu nome é Iani.
Um sorriso sedutor moldou os lábios de Dave mostrando dois caninos pontudos.
—É um belo nome.
—Vamos recusar os drinques por enquanto— Aaron falou dando um passo a frente — A viajem foi longe e estamos cansados.
—É claro!Por favor, venham comigo então.
Os dois seguiram Dave através da multidão sob o olhar atento de Clycia que não desgrudava de Aaron. Assim que se afastaram o suficiente do burburinho das centenas de vozes algumas poltronas de couro vermelho surgiram ao redor de uma mesa de pedra lisa. Imediatamente a atenção de Iani se voltou para a gigantesca tapeçaria que ilustrava uma mulher de olhos azuis, seu corpo flutuava acima das árvores de uma enorme floresta, a pele coberta por marcas estranhas enquanto segurava uma espada longa na mão direita. No alto da cabeça um diadema brilhava como o sol enquanto um colar pendia no peito nú onde uma estranha marca vermelha era visível. Sentindo a necessidade de captar cada detalhe Iani só percebeu que estava no meio de um salão com outras pessoas quando um toque quente em seu ombro a trouxe de volta.
—Tudo por aqui é exagerado mas confesso que até eu gosto das tapeçarias.
Os olhos dourados de Aaron também encaravam a imagem.
—Quem é ela?
—Não sei, são trabalhos antigos, de quando Dave e eu éramos crianças.
—Sabe quem fez isso?
—Vieram de longe.
A voz do segundo Alfa interrompeu a conversa.
—Minha mãe era apaixonada por arte, e meu pai fazia de tudo para atender seus caprichos.
Os fios loiros caíram pela sua testa fazendo Iani ter uma estranha vontade de arruma-los. Porém, ela se conteve.
—No dia que essa tapeçaria chegou ela ficou dias e dias apreciando, mas nunca disse quem havia feito ou de onde papai havia buscado.
—Sua mãe tinha muito bom gosto.
—Concordo plenamente!
Mais uma vez ele sorriu.
—Venham!Podemos apreciar esse trabalho sem cansar as pernas, vamos nos sentar!
Iani se permitiu mais alguns segundos olhando a imagem antes de seguir Aaron e Dave até as poltronas.
...
Os quatro se acomodaram um de frente para o outro, e mesmo que ainda houvessem muitos lugares vagos Iani tinha a sensação de que a distância entre ela e Clycia ainda era pouca já que a garota não parava de olhar torto para ela.
O que foi que eu fiz?
Tentando fugir daqueles olhos Iani bebericou o vinho doce sentindo o peso da taça de ouro. Só aquele copo já teria sido suficiente para comprar uma casa enorme na vila onde morava.
Aaron continuou conversando sobre territórios e dificuldade de caça com Dave. O ar incômodo de antes havia desaparecido entre os dois, mas toda vez que seu hóspede sorria para Iani ou se oferecia para encher a taça da jovem os olhos dourados cintilavam de uma forma perigosa.
—Que tal mais um pouco de vinho Iani?
—Ela já bebeu de mais.
—Foram só três taças, e esse vinho é fraco.
—Basta Dave.
—Ora, ora, outro alfa está me dando uma ordem dentro da minha própria casa? — os olhos verdes brilharam de um jeito estranho.
—Não — o tom de voz de Aaron era baixo — Estou apenas dando um alerta.
Sentindo o ar crepitando de forma perigosa entre os dois Iani colocou a taça na mesa de forma ruidosa quebrando o clima perigosamente tenso.
—Aaron tem razão, já estou satisfeita, muito obrigada Dave.
—Sendo assim...
O homem de olhos verdes estendeu a mão fazendo com que alguns empregados viessem até ele colocando várias bandejas sobre a mesa. O cheiro de carne assada e legumes preencheu o nariz de Iani fazendo sua barriga roncar.
—Deve estar com fome não é?
—Bom...
—Sua cara já diz tudo, por favor sirva-se!
Um pouco nervosa ela estendeu a mão pegando uma batata assada. Dave a observou incrédulo.
—Uma batata?Com tanta carne!
—Eu gosto de batatas...
Na verdade ela adoraria ter pegado uma das coxas de frango, ou alguns pedaços do javali assado por inteiro, a aparência de tudo era suculenta e de abrir o apetite mas Iani não se sentia segura em comer a carne que alimentaria os três lobos daquela mesa.
—Se ela quer as batatas deixe ela comer as batatas.
Aaron silvou da sua poltrona servindo um bife inteiro no próprio prato.
—E pare de agir como se mandasse nela.
—Não estou mandando em ninguém aqui, e olha que isso é algo raro de acontecer, mas uma batata?!Isso só está aqui de enfeite!
Os olhos de Dave se voltaram para Iani.
—Mas se você gosta tanto de batatas posso pedir para te trazerem mais então.
—Não precisa!As que tem na bandeja já são o suficiente.
—Hmn, então humanos realmente comem pouco...
Agora ele a encarava com um misto de curiosidade e fascínio.
—É verdade que vocês também vivem em bando?
—Não acha que está a importunando com tantas perguntas idiotas?
—Estou curioso e aproveitando uma oportunidade rara de falar pessoalmente com um deles, todos que acabam vindo parar aqui acabam morrendo.
Ouvir aquilo quase fez Iani se engasgar com o vinho.
Mortos?
Em busca de uma resposta ela procurou os olhos dourados mas Aaron estava ocupado de mais rebatendo alguma alfinetada de Dave. No entanto, Clycia não escondeu o sorrisinho ao ver a expressão de medo da pobre garota.
—Ainda mais uma mulher!Sabe como os salteadores gostam de mercadoria desse tipo, me surpreende muito que tenha consigo protege-la até aqui, Aaron.
—Eis aí um ótimo motivo para eu não ter vindo se um certo alguém não tivesse insistido como uma criança insolente.
—Então podemos resolver essa situação, deixe Iani comigo e volte para sua alcatéia, garanto que a protegerei bem melhor do que você.
Proteção?Salteadores?
Aquela conversa a estava deixando mal, porém, ninguém percebeu.
—Meu irmão só está querendo te irritar Aaron — Clycia falou depois de tanto tempo em silêncio — Mas concordo que é impressionante que ninguém ainda tenha a matado.
—Não vou permitir que algo assim aconteça, Iani ficará comigo.
—No fundo você sabe muito bem que eu sou a opção mais indicada para cuidar dela Aaron, basta olhar para a construção em que está.
—Por mim ela nem deveria ter vindo para o nosso mundo — Clycia a encarou com um sorriso ensaiado — Para o próprio bem é claro.
Chega!Por favor parem!
Iani queria ficar de pé e se retirar, mas ela não conseguiu, estava paralisada, se sentindo impotente, uma isca viva que poderia ser morta a qualquer instante. Até mesmo as pessoas que saboreavam o banquete do outro lado do salão pareciam terrivelmente perigosas. Já podia sentir seus olhos arderem e o peito começar a doer quando uma voz inesperada surgiu às suas costas silenciando todas as outras.
—Quanta indelicadeza...
O tom era baixo, calmo e tão frio quanto o próprio inverno.
—Será que os três imbecis não perceberam que alguém está visivelmente desconfortável com a conversa?
Iani criou coragem e olhou para trás, no mesmo instante sentiu o ar fugir dos pulmões. Um homem alto vestido em roupas escuras e com um longo cabelo tão negro quanto a noite observava todos com um ar indiferente e soberbo. Mas o que mais chamava atenção eram seus olhos.
Tão dourados quanto ouro.
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