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Estou sem nada para fazer e quase afundando no tédio então resolvi lançar uns capítulos antes de terminar a obra mesmo
Branco igual a neve
O tempo voava, segundos viraram minutos, minutos viraram horas e Iani continuava ali, sentada em frente ao copo de chá frio e com o corpo congelando, ainda digerindo o fato de estar só. A sensação era horrível. Puramente horrível. Mas não havia nada o que pudesse fazer naquela altura, apenas aceitar. E com um novo sentimento aflorando no peito ela inspirou fundo e se levantou.
—Ficar se remoendo não vai mudar nada! — disse a sí mesma, a voz ecoando pelo cômodo frio — Tenho que ocupar a cabeça...
Os olhos castanhos percorreram cada canto do pequeno lar, a cama estava arrumada, o chão limpo, as roupas lavadas, e nenhuma teia de aranha se encontrava nas vigas do teto baixo. Não havia nada para fazer, nada com o que ocupar a cabeça exceto...
—Lenha!
O estoque estava baixo, apenas algumas lascas se encontravam empilhadas próxima a lareira, como o frio quase nunca a incomodava não era uma necessidade ter tanta madeira em casa mas, no momento aquilo se tornou uma prioridade. Calçando os sapatos de couro gasto e se cobrindo com uma echarpe xadrez velha Iani saiu em direção ao dia branco.
O sol estava alto mas seus raios ainda eram frios o que seguiria durante muitos e muitos dias até o fim do inverno, algumas crianças corriam com bolas de neve nas mãos enquanto outras montavam bonecos com nariz de cenoura, Iani não se aproximou, sabia que elas iriam parar de brincar se a vissem, ao invés de seguir pela trilha que levava ao vilarejo pegou o caminho da floresta, o que não faltaria por lá eram galhos para se atiçar uma lareira.
As árvores se estendiam metros e metros em direção ao céu enquanto o branco da neve se acumulava na copa sem folhas, era uma paisagem bonita, suave e tranquila, sem pressa e com a cabeça cheia a jovem de cabelos castanhos se abaixou recolhendo os galhos pelo chão. Os dedos rosados, o olhar disperso, ignorando o vento frio que tocava seu rosto e as unhas que começavam a ficar roxas. Estar ali, em meio ao nada, sem ninguém, trazia a mais pura sensação de solidão. Sem se dar conta pequenas manchas escuras começaram a pintar o chão alvo, as lágrimas escorriam sem controle, a imagem de Lara indo embora invadia sua mente ao mesmo tempo de muitas outras, a baixa senhora a defendendo das outras crianças da vila que apontavam e chamava-na de pestiosa, os pedaços de pão que sempre dividia com a garota quando não tinha mais o que comer, as noites que haviam passado juntas quando o escuro ainda a assustava, as brincadeiras com gravetos, as histórias. Sim. As histórias. lugares incríveis. Reinos mágicos. Criaturas mágicas. Sem mãe ou pai tudo o que se lembrava era de Lara estando lá quando mais precisava, e agora ela havia partido, para longe. Longe dali. Longe dela.
—Pare com isso! — sua voz ecoou pelas árvores que a cercavam — Sua idiota...
Lara tinha uma vida própria, ela sabia disso, sua melhor amiga, sua mãe, se assim pudesse dizer, não havia morrido apenas ido embora para algum lugar. Isso deveria bastar como consolo. Respirando fundo e acalmando as emoções Iani ergueu o rosto, os ventos haviam se intensificado e um amontoado de gravetos se encontrava em seus braços. Aquilo já era mais do que suficiente para o inverno. Sem mais nada para fazer ali ela deu meia volta, a trilha de pegadas ainda marcando o chão branco, sua caminhada havia lhe afastado uma boa distância da aldeia mas ainda sim conseguia ver nuvens de fumaça subirem ao céu das várias lareiras acesas. Imaginar que quando chegasse não haveria mais uma amiga para bater na sua porta e oferecer caldos quentes a deprimiu.
—Firme Iani!
A solidão a assustava, de alguma forma inexplicável, só de pensar que mais ninguém estaria com ela era algo pavoroso.
—Seja firme!
Mais uma vez ela respirou fundo, reprimindo os medos e receios deu um passo adiante mas algo a impediu de continuar.
O que é isso?
De algum lugar da floresta um som era trazido pelos ventos, muitos teriam corrido mas algo fez com que ela permanecesse ali, parada, escutando. O som continuou.
—Olá?
A prudência gritava para que ela voltasse, por outro lado, a curiosidade parecia estar no comando.
—Tem alguém aí?
O lamento continuava atiçando cada vez mais a pulga que crescia atrás da orelha da jovem.
—Se isso for uma brincadeira adianto que não tem graça alguma!
O som se tornava cada vez mais alto. Um choro. Um lamento. Algo tão angustiante que apertava seu coração a cada passo dado.
—Ei!Está tudo bem?
Com um misto de energias invadindo seu corpo Iani correu, não sabia o que ia encontrar e por algum motivo não se importava, simplesmente corria em direção ao som por que algo a induzia aquilo, algo tão forte que a tomava por inteiro. Uma sensação que jamais havia experimentado antes.
A breve corrida se estendeu por alguns minutos até que seus pés finalmente pararam, o peito arfando, os fios castanhos grudando no rosto. Iani estava de pé em frente a uma árvore de galhos baixos, a única que não era um pinheiro, bem abaixo da sua copa sem folhas, enroscado nas raízes que saltavam da terra estava um filhote de lobo, os olhos azuis e o pelo branco. Branco igual a neve. Iani paralisou, nunca tinha visto uma criatura tão bela. O pequeno animal a encarou, amedrontado, arredio, os olhos brilhando em uma intensidade que Iani jamais pensou ser possível.
—Ei?Era você que estava chorando não era?
Ela se aproximou, o pequeno animal recuou ainda mais.
—Calma, não vou te machucar.
Seu corpo se abaixou devagar, o olhos escuros encarando o olhar azul.
—Por que você estava chorando?Está machuca-
Não foi preciso terminar, demorou um pouco mas agora ela conseguia ver uma enorme mancha vermelha cobrir o chão onde um buraco na barriga do filhote jorrava mais e mais daquele líquido carmesim.
—Minha nossa!
Sem pensar muito Iani cortou a distância entre os dois, o filhote tentou correr mas sem forças desabou em meios as raízes.
—Calma, calma... Está tudo bem, está tudo bem, ok?!
Devagar sua mão tocou o pelo branco do animal que retesou os músculos, esperava um ataque, algo que ferisse, mas ao sentir o toque morno relaxou o corpo e encarou fixamente a mulher que arrancava os galhos a sua volta.
—Viu?Não vou te machucar — Iani sorriu — Só preciso te tirar daí.
Quando o último galho foi arrancado o lobinho poderia ter corrido, ou ao menos tentado, porém, ele continuou ali, quieto, olhando para os olhos castanhos que o encaravam com seriedade.
—Isso parece ser um ferimento de bala, malditos caçadores... Atirar em um filhote...
Com as mãos trêmulas Iani retirou a echarpe e cobriu o pequeno animal, teve medo em pegá-lo, não sabia como iria reagir, ele poderia ser pequeno mas mesmo assim ainda era um lobo.
Dane-se!
Uma mordida seria mais aceitável do que deixa-lo para morrer. Sem pensar duas vezes ergueu o filhote do chão. Um grito de dor ecoou alto pela floresta preenchendo seu peito com angústia.
—Desculpa!Mas não posso te deixar aqui! — seus olhos varreram o rastro de sangue que se perdia entre as árvores — Aqueles homens viriam atrás de você!
O filhote continuou a chorar, um som de partir a alma.
—Calma, calma...
Iani não sabia como, muito menos o por que, mas balançou o filhote como via as mães fazerem quando seus filhos caíam e se machucavam no parquinho da aldeia. Devagar seu corpo ninou o filhote, o peito doendo e a angústia a consumindo até que o choro diminuiu, quando o pequeno ficou em silenciou Iani não sabia se ria ou chorava de alívio.
Deu certo!
Pensou com alegria.
—Agora só preciso te levar para casa.
Seus olhos varreram a trilha de pegadas, dessa vez sem ver qualquer nuvem de fumaça pela copa de galhos da floresta.
Mesmo que isso demore um pouco mais do que o imaginado...
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