11
Sob o luar
O sol nem havia nascido no horizonte quando Iani se colocou de pé, a garota não havia pregado os olhos nem por um minuto o que só acabou servindo para deixa-la com mais dores de cabeça além de cansaço, sua mente continuava um turbilhão e a esperança de acordar de um sonho se esvaiu por completo enquanto via as horas passarem em meio a noite silenciosa.
—Eu ainda estou aqui... — sussurrou para si mesma sentindo um aperto no peito — O que eu faço?
Uma parte sua queria negar o máximo possível que tudo a sua volta não era real porém, seu lado racional insistia em aceitar os fatos, principalmente de estar convivendo com lobos e que uma ferida que demoraria dias para cicatrizar desapareceu por completo em algumas horas. Sem idéias do que fazer Iani jogou o corpo de volta na cama sentindo as mantas aquecerem sua pele. Desde de que se conhecia por gente jamais havia deitado sobre algo tão macio e agora que poderia desfrutar de tal privilégio era incapaz de fazê-lo, tudo por conta do turbilhão que sua cabeça havia se tornado.
—Simplesmente aceite, simplesmente aceite... — suas mãos apertavam firme o rosto — São pessoas que viram lobos, só isso...
Mas não adiantava, quanto mais tentava não pensar no quão irreal era aquela situação mais confusa e descrente ela ficava.
—Assim não vai dar...
Com o rosto vermelho o cabelo bagunçado e a camisola amarrotada a jovem se levantou indo em direção a porta, ficar naquele quarto não estava ajudando em nada então decidiu sair e espairecer um pouco, com sorte, se lembraria do caminho que tomou com Aiko até o lado de fora. Ver o nascer do sol a ajudaria, pelo menos não seria uma visão de outro mundo e talvez assim conseguisse relaxar um pouco. Com a coragem fluindo pelas veias Iani tomou o labirinto de corredores onde as chamas alaranjadas das tochas faziam com que sua sombra dançasse a suas costas como um eterno perseguidor, afastando a ideia de estar sendo seguida ela prosseguiu até avistar uma porta, ansiosa puxou o ferrolho segundos antes da leve brisa tocar seu rosto trazendo o aroma agreste da floresta.
—Consegui! — disse animada com a própria façanha — Consegui!
Feliz por não ter parado em um comodo cheio de feras peludas e com dentes afiados Iani caminhou entre os arbustos e flores até um banco próximo dali. Ainda era de madrugada, o céu continuava escuro exceto por uma majestosa lua cheia, seu brilho prateado inundava a floresta e o vasto campo que rodeava o castelo. Encantada Iani deixou os pensamentos um pouco de lado para apreciar aquela visão mágica, nunca havia presenciado um luar como aquele, realmente estava em outro mundo muito diferente do seu mas, por algum motivo não se sentia preocupada ou assustada, não, dessa vez uma calma profunda preenchia seu espirito como se as respostas para todas aquelas perturbações tivessem sido respondidas, mesmo que em silencio.
—Vejo que não fui o único a perder o sono.
Sem que se desse conta uma figura alta em trajes claros havia parado próximo de si. Não era a intenção de Aaron estar ali fora tão cedo, no entanto, as preocupações não o deixavam aproveitar o resto da madrugada na cama e pelo visto não estava sozinho nesse barco.
—Ah, oi...
—Sinto muito se a assustei.
—Não, imagina...
Iani tentou manter a postura calma mas a visão dos olhos dourados fizeram com que toda a tranquilidade de segundos atrás desmoronasse.
—Atrapalho?
—Acho que essa pergunta deveria ser minha — ela sorriu, um sorriso sem jeito — Afinal essa é a sua casa.
—Também é a sua.
Sem que quisesse Iani se lembrou das palavras de Aiko sentindo um certo desconforto.
—Tudo bem?
—Sim, sim, está tudo bem sim, bom, tirando o que não está...
—E o que não estaria?
A jovem respirou fundo, não sabia se era uma boa ideia falar dos seus receios, ainda mais com o líder dali, no entanto, não demorou muito para acabar desabafando o que sentia.
—É que... esse não é o meu lugar, eu não sou como vocês, e não querendo ser desrespeitosa mas eu ainda não consigo aceitar o fato de lobos serem pessoas...
Aaron não disse nada, simplesmente a observou por um longo tempo, tempo na qual fez com que Iani repensasse por várias vezes o porque de ter aberto a boca. Preocupada com o silencio a jovem procurou mudar de assunto.
—Mas e então...a paisagem aqui é muito bonita, mesmo no escuro, se bem que não está escuro...
—Também não é comum termos humanos andando pelo nosso mundo — Aaron finalmente havia se pronunciado, o olhar dourado fixo na garota — Mas creio que o fato de estarmos cientes da existência do seu povo contribuiu para um melhor "aceitamento".
—Pelo seu tom não acho que esse "aceitamento" seja realmente um aceitamento.
—Digamos que eu não posso falar por todos.
—Bom, eu nunca fui bem aceita no meu mundo mesmo, não ia ser uma grande diferença se o mesmo acontecesse por aqui.
Aaron não soube ao certo como reagir aquilo, para ele era fundamental a integração dos membros para um convívio harmonioso, mesmo que as desavenças surgissem junto dos problemas. Ver a humana falar tranquilamente sobre a própria exclusão era estranho e incomodo, até mesmo para ele.
—Isso não a incomoda?
Com um olhar gentil Iani observou as iris douradas por um bom tempo antes de se voltar ao horizonte.
—Se acostumar não é o mesmo que gostar.
—Entendo...
Surpreso e encantado com a sinceridade daquela resposta Aron sentiu uma enorme vontade crescer dentro de si, sem se conter aproximou-se de onde ela estava sentando ao seu lado. Alguns instantes atrás Iani teria ficado desconfortável e receosa com aquela atitude, porém, depois da breve conversa que tiveram uma estranha gratidão surgia em seu peito. Ter uma companhia era bom, ainda mais uma que não se importasse em te ouvir.
—Aiko me disse que você é o líder por aqui.
—Sim, mas não escolhi essa função.
—O que quer dizer com isso?Ser líder não é bom?Poder mandar em tudo sempre pareceu ser a maior ambição das pessoas que conheci, bom, pelo menos da maioria.
—Liderar não é apenas mandar, é agir conforme o bem coletivo, pensar sempre no que é melhor para os outros que não seja apenas você mesmo.
—Deve ser ser uma responsabilidade e tanto...
—E é.
—Mas, e quando essa responsabilidade interfere em quem é próximo de você?
Aaron a encarou sem entender a pergunta. Vendo a duvida em seu semblante Iani prosseguiu.
—Eu vi como Aiko parece um tanto chateado quando fala que o irmão está sempre ocupado, se ser líder é pensar no bem dos outros não significava que também é pensar no bem de quem é tão próximo a nós?
Mais uma vez Aaron se surpreendeu com as palavras daquela garota.
—As vezes liderar requer alguns sacrifícios, e Aiko vai entender isso um dia.
Iani queria poder discordar daquilo, alertar que era melhor dar alguma prioridade ao irmão caçula já que Aiko ainda era uma criança mas ela optou pelo silencio. Pelo menos dessa vez. Achando melhor não insistir naquele assunto a jovem garota deixou os olhos se perderem no céu que começava a se tingir de violeta.
—Eu gostaria de lhe perguntar algo, uma pergunta que acabei me esquecendo de fazer ontem.
—Seria sobre o machucado do seu irmão?
—Como sabe?
O olhar de surpresa pareceu fisgar completamente a atenção de Iani, aquelas irís douradas tinham um efeito hipnotizador.
—B.bem, eu estava conversando com Aiko e ele comentou.
—Entendi.
—Então — ela tentou manter o foco — Quando o encontrei na floresta Aiko estava com um ferimento horrível — a lembrança partia seu coração — Eu temi que ele não fosse sobreviver...
—Mas como isso é possível?Não havia mais que uma leve marca no seu pelo.
—Também fiquei surpresa quando vi, mas afinal, como ele se machucou daquele jeito?
—Não sei, pensei que ele tivesse comentado com você.
—Não, ele não me disse nada.
—Vou dar um jeito de descobrir — Aaron respirou fundo — Mas e você?Também estava machucada quando a encontrei.
—Ah, bom, eu estou melhorando — ela sorriu — Logo estarei ótima.
—Tem certeza?Os curandeiros podem dar outra olhada, pelo que disseram vai levar um tempo para cicatrizar.
—Certeza absoluta!por favor não se preocupe comigo.
—Se prefere assim...
Iani poderia ter dito que, assim como Aiko, seu ferimento havia melhorado milagrosamente mas por algum motivo achou melhor guardar aquilo para si mesma, não queria que Aaron a achasse uma maluca ou algum tipo de espécime a ser estudado. Já haviam acontecido muitas coisas estranhas em sua vida e não queria mais uma para colocar na lista.
Sem mais nada a dizer os dois permaneceram ali, sentados sozinhos sob o luar em um banco de frente a vasta floresta. Iani havia voltado a reencontrar seu momento de paz enquanto Aaron via os problemas que o perturbavam irem embora junto com a noite.
—Iani.
A jovem não escondeu a surpresa a ouvir seu nome, Aaron por sua vez permanecia com o olhar fixo no horizonte.
—Sim?
—Obrigado por cuidar do meu irmão — o dourado das iris voltou-se para ela — De verdade.
Completamente sem jeito e sentindo as bochechas esquentarem Iani desviou o olhar para o céu já claro. Um longo silencio preenchia o lugar enquanto a noite virava dia.
—Aaron...
—Sim?
—Obrigada...
Dessa vez foi ele que não escondeu a surpresa em ouvir o próprio nome.
—Pelo quê?
Iani não respondeu, não de imediato, enquanto isso Aaron observava atento o perfil delicado daquela mulher até ser surpreendido por um sorriso meigo e sincero.
—Me dar um lugar que eu possa chamar de lar.
No céu rosado um grande circulo luminoso surgia clareando as planícies. Era uma paisagem surreal e encantadora que Iani observava com deleite, Aaron porém se perdia em outra visão, uma que, aos seus olhos, era bem mais bela e hipnótica do que o nascer do sol.
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