Capítulo Vinte
Theodoro Vinro:
Me virei lentamente, com o coração martelando no peito, e fui confrontado por uma figura que emergia das sombras. Era um rapaz, talvez da minha idade, mas sua aparência era ao mesmo tempo estranha e fascinante. Seus cabelos pareciam raízes retorcidas, das quais brotavam pequenas flores, desabrochando suavemente como se fossem parte viva da floresta ao nosso redor. Seus olhos, afiados como lâminas, me observavam com uma mistura de curiosidade e malícia. Ele segurava uma espada, a lâmina brilhando levemente à luz que penetrava pelas copas das árvores, e a ponta estava direcionada diretamente para mim.
— A cena foi interessante — disse ele, sua voz tingida de um humor sombrio —, ver meu irmão caçando e nem sequer perceber que o lobo te lançou para cima dessa árvore.
Havia algo em seu tom que sugeria que ele estava mais intrigado do que ameaçado por minha presença. No entanto, a espada apontada para mim deixava claro que ele não era alguém a ser subestimado. A situação era perigosa, e eu sabia que precisava escolher minhas palavras e ações com muito cuidado se quisesse sair dali inteiro.
— Quem é você? — perguntei, tentando manter a calma apesar da espada apontada para mim.
— Eu sou Ash — respondeu ele, sem sequer abaixar a lâmina. — Um dos cavaleiros do rei de Staruitopia. Meu irmão e eu estamos de olho em quem ousa cruzar este território. E você é um desses, então tenho que te levar ao meu rei.
Seu tom era firme, e a determinação em seus olhos deixava claro que ele não estava brincando. A espada ainda brilhava ameaçadoramente diante de mim, mas antes que eu pudesse responder, um som familiar e feroz veio da minha mochila.
Um rosnado baixo e ameaçador encheu o ar, e no instante seguinte, o tigre espiritual saltou de dentro da mochila, crescendo rapidamente até assumir seu tamanho real, uma criatura majestosa e imponente. Ele se posicionou ao meu lado, os músculos tensos, pronto para atacar. Sem hesitar, o tigre avançou na direção de Ash, suas garras cortando o ar com ferocidade.
Ash reagiu instintivamente, erguendo sua espada para bloquear o ataque, mas foi então que o falcão espiritual também se lançou à ação. Voando em círculos rápidos ao redor de nós, ele cresceu até se tornar um predador imenso, com asas que rasgavam o ar enquanto ele mergulhava em direção ao cavaleiro.
— Mas que... — Ash exclamou, surpreso, ao se ver cercado por dois espíritos poderosos.
Ele começou a atacar, suas habilidades como cavaleiro mostrando-se em cada movimento preciso e calculado. Sua espada dançava no ar, tentando repelir os ataques do tigre e do falcão, mas a batalha estava longe de ser equilibrada. Os espíritos lutavam com uma fúria indomável, cada golpe cheio de força e determinação para proteger seu mestre.
Eu sabia que a situação estava se tornando caótica e perigosa. Precisava agir rapidamente, antes que alguém se ferisse gravemente. Ash era forte, mas enfrentar dois espíritos ao mesmo tempo não era uma luta justa, e eu não queria que isso se transformasse em uma tragédia.
O livro em minha mão começou a brilhar intensamente, como se reagisse à urgência da situação. Sem hesitar, abri suas páginas, sentindo a energia mágica pulsar sob meus dedos.
— Espíritos da terra: Raízes de Aprisionamento! — recitei com firmeza, minha voz ecoando pela floresta.
Imediatamente, o chão sob os pés de Ash começou a tremer violentamente. As árvores ao redor responderam ao meu comando, e raízes grossas e retorcidas irromperam da terra, avançando com rapidez. Ash tentou resistir, brandindo sua espada para cortar as raízes que se aproximavam, mas eram muitas, e sua força era avassaladora. Em questão de segundos, as raízes se entrelaçaram ao redor de seu corpo, prendendo seus braços e pernas com força implacável.
Ele lutava, seu rosto uma máscara de concentração e frustração, mas a magia da terra era poderosa demais. As raízes apertaram-se ainda mais, imobilizando-o completamente, enquanto o falcão e o tigre espiritual recuavam, observando-o com olhos atentos, prontos para atacar novamente, se necessário.
— O que você fez? — Ash rosnou, sua voz carregada de raiva e surpresa, enquanto lutava contra as amarras vegetais. Mas havia algo mais em seu olhar, um brilho de respeito pela força que eu havia demonstrado.
— Eu não quero machucar você — respondi, tentando manter a calma. — Mas você não me deu escolha.
O silêncio voltou a cair sobre a floresta, quebrado apenas pelo farfalhar das folhas e o som suave das raízes se ajustando ao redor do corpo de Ash. A tensão no ar era palpável, mas a batalha parecia ter chegado a uma pausa incerta, com todos nós aguardando o próximo movimento.
Com um gesto quase casual, empurrei Ash com a ponta do dedo. Ele, agora imobilizado pelas raízes, perdeu o equilíbrio e caiu para trás, debatendo-se inutilmente contra suas amarras naturais. Eu me agachei ao lado dele, mantendo minha voz calma, mas firme.
— Agora, me conta — perguntei pacientemente, minha expressão serena contrastando com a tensão do momento. — Por que o seu rei ordenou que vocês ficassem de olho neste lugar? Deve haver uma razão especial para isso, não acha?
Ash me encarou, seus olhos cheios de desconfiança e desafio. Por um instante, pareceu considerar sua resposta, mas permaneceu em silêncio, o maxilar tenso. Sua resistência era evidente, e eu podia sentir a batalha interna que ele travava consigo mesmo. Claramente, havia algo que ele não estava disposto a revelar facilmente.
— Ash — continuei, suavizando meu tom, tentando quebrar a barreira de silêncio que ele havia erguido. — Se há algo importante acontecendo aqui, eu preciso saber. Não estou aqui para causar problemas, mas preciso proteger aqueles que são importantes para mim. Talvez possamos nos ajudar mutuamente, mas isso só será possível se você confiar em mim.
Mesmo assim, ele permaneceu calado, a tensão em seus músculos revelando o esforço que fazia para manter o controle. Era óbvio que a lealdade ao seu rei o impedia de falar, mas eu sabia que não poderia deixá-lo ir sem alguma resposta. A floresta parecia prender a respiração junto comigo, à espera de uma decisão.
Ash permaneceu em silêncio, o que começava a irritar profundamente. Cada segundo de sua recusa em falar aumentava minha frustração. Foi então que notei o livro em minhas mãos brilhar novamente, emitindo uma luz verde escura. Com um instinto que mal conseguia explicar, me aproximei de Ash e pressionei o livro contra sua testa. A luz cresceu em intensidade, e Ash soltou um gemido de dor, sua expressão contorcida enquanto o poder do livro parecia penetrar nele.
Curioso e ao mesmo tempo apreensivo, abri as páginas do livro, esperando encontrar algum indício do que estava acontecendo. Foi então que meus olhos se fixaram em um nome que havia surgido nas páginas antigas.
— Ash Downtown — li em voz alta, as palavras soando estranhamente familiares, embora nunca as tivesse visto antes.
Ash me olhou em silêncio, sua expressão mudando sutilmente. Mas algo estava diferente nele agora. Havia uma opacidade em sua aparência, como se uma parte dele tivesse desaparecido, deixando-o incompleto. O brilho feroz em seus olhos havia diminuído, substituído por uma calma estranha, quase resignada.
— Esse é o seu nome? — perguntei, minha voz mais suave, mas cheia de uma nova compreensão. O que o livro havia revelado era mais do que apenas um nome. Era uma peça de quem ele era, e algo parecia estar profundamente errado.
Ash permaneceu em silêncio, mas agora, seu olhar não era de desafio. Era de resignação, como se o livro tivesse extraído algo fundamental dele, algo que ele não poderia mais esconder.
— Vamos fazer um acordo, Ash — falei lentamente, escolhendo cada palavra com cuidado, enquanto o encarava. — Se me disser o que preciso saber com sinceridade e me levar até onde o rei ordenou levar os que invadiram essas terras, eu irei te devolver.
Mantive o livro firmemente em minhas mãos, sentindo o poder que ele continha, como se estivesse segurando uma parte da alma de Ash. Ele permaneceu imóvel, os olhos fixos no meu, e eu sabia que ele entendia perfeitamente o que eu estava oferecendo — e o que estava em jogo.
— Você sabe que sem o seu nome é como perder uma parte de sua alma. — Continuei, minha voz suave, mas carregada de significado. — Parte da sua essência, parte de quem você é. Não sou seu inimigo, Ash, mas isso... isso pode acabar com você se não for restaurado.
Ash respirou fundo, sua expressão se tornando mais sombria, como se estivesse finalmente aceitando a gravidade da situação. Ele sabia que estava em uma posição de vulnerabilidade, e que, sem seu nome, estava incompleto, desconectado de uma parte fundamental de si mesmo. A dor que ele havia sentido ao toque do livro não era apenas física, mas uma perda profunda de identidade.
— A escolha é sua — concluí, mantendo minha posição ao lado dele. — Você pode me contar o que preciso saber, e eu devolverei o que te pertence. O que acontece a partir daqui depende de você.
— O rei não quer que ninguém atrapalhe o evento do conselho Drengsus — Ash finalmente disse, sua voz tensa, como se estivesse relutante em revelar. — Eles vão reunir os três reinos para esse evento, mas só precisam dos espíritos nobres. Qualquer espírito ou fantasma selvagem deve ser capturado... ou mortos, para que não causem interferências.
Minha mente começou a trabalhar rapidamente, tentando conectar as peças do quebra-cabeça.
— Eles ordenaram a captura dos espíritos ancestrais também? — perguntei, tentando sondar mais profundamente. Ash assentiu rapidamente, sua expressão confirmando o que eu temia. — Eles devem precisar de muita energia para quebrar a maldição da coroa.
Ash me olhou confuso, e ficou claro que ele não sabia de todos os detalhes. Parecia que ele simplesmente seguia as ordens de seu rei sem questioná-las, sem entender a verdadeira extensão dos planos em jogo.
— Tem mais alguma coisa? — perguntei, mantendo meu tom firme.
Ele hesitou por um momento, mas depois continuou.
— Ele também ordenou que meu irmão capturasse as filhas do rei de Scrapbooks. Elas foram colocadas sob um feitiço e seus corpos estão escondidos. Isso... isso é tudo que eu sei.
Balancei a cabeça, absorvendo a gravidade de suas palavras. Isso ia muito além do que eu imaginava. Levantei-me lentamente, e com um simples gesto, as raízes que imobilizavam Ash começaram a se desfazer, libertando-o. Ele caiu de joelhos no chão, respirando pesadamente, ainda visivelmente abalado pela perda de seu nome.
— Ok, mas agora você vai me levar até o rei — falei, olhando-o diretamente nos olhos. — E me dar total acesso a este território.
Ash me encarou em descrença, sua expressão alternando entre choque e frustração. Ele claramente não esperava que eu fosse tão direto.
— O que foi? — perguntei, um leve sorriso se formando nos meus lábios. — Estou apenas pedindo educadamente. Se quiser ser liberto oficialmente e ter seu nome de volta, terá que me ajudar. Devolvo seu nome depois de tudo isso.
Ash respirou fundo, resignado à situação. Ele sabia que não tinha outra escolha.
— Está bem, eu irei levar você — Ash disse, com um suspiro de resignação, aceitando finalmente a situação.
O cavalo espiritual, ainda em sua forma menor e brilhante, surgiu ao meu lado, seus olhos transmitindo uma compreensão silenciosa. Eu me aproximei de Ash, que ainda estava um pouco instável, e com algum esforço coloquei-o sobre o dorso do tigre espiritual, tentando posicioná-lo da melhor maneira possível. O tigre, com sua imponência, permaneceu calmo, como se entendesse a gravidade da nossa jornada.
Em seguida, subi na lombar do cavalo espiritual, que, com um leve tremor de luz, cresceu em tamanho para me acomodar confortavelmente. O movimento foi suave, quase etéreo, e logo começamos a nos mover pela floresta.
O ambiente ao nosso redor era denso, as árvores antigas sussurrando segredos no vento, e a tensão da nossa missão pairava sobre nós como uma nuvem carregada. Eu sabia que estávamos nos aproximando de algo importante, e que a presença do rei traria respostas, mas também novos perigos.
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Caminhamos em silêncio, com Ash indicando o caminho à frente. Enquanto avançávamos pela floresta, algo chamou minha atenção. Ao olhar ao redor, fiquei surpreso ao ver que os espíritos dos animais da floresta nos acompanhavam, como se estivessem seguindo seus mestres. Era uma visão surreal. O tigre, o falcão, e até mesmo o cavalo espiritual andavam com a cabeça erguida, orgulhosos, como líderes naturais diante das outras criaturas espirituais.
— O que está acontecendo? — perguntei, tentando entender o que eu estava presenciando. Minha voz saiu hesitante, o peso da situação começando a se aprofundar.
Ash soltou uma risada curta, quase irônica, e respondeu, seu tom carregado de uma sabedoria inesperada.
— Você está acontecendo — ele disse, com um meio sorriso. — Eles estão sentindo sua energia espiritual... e em uma escala enorme. Quase como se você fosse um monarca em nosso mundo.
As palavras dele pairaram no ar, carregadas de um peso que eu não havia considerado até então.
— Uma dica? — continuou Ash, seu olhar firme sobre mim. — Tente esconder essa energia se quiser invadir um território nobre. Caso contrário, vai atrair atenção demais, e nem sempre do tipo que você gostaria.
Suas palavras faziam sentido. Eu estava sem perceber irradiando poder, e isso era perigoso. Se os espíritos da floresta podiam sentir, os guardiões dos territórios nobres também podiam, e o elemento surpresa seria essencial na jornada que estávamos prestes a embarcar.
Continuei a cavalgar, ponderando sobre as palavras de Ash. O peso de minha energia espiritual se tornava mais aparente, e agora, cada passo parecia carregar um novo significado. As criaturas ao meu redor me olhavam com uma espécie de reverência, algo que eu nunca havia experimentado antes. Era quase como se, sem querer, eu estivesse me tornando parte desse mundo, aceito por suas forças mais primordiais.
— Como... eu escondo isso? — perguntei, genuinamente confuso, tentando imaginar como suprimir algo que eu mal sabia que estava liberando.
Ash me lançou um olhar avaliador, ainda montado no tigre que se movia com graça pela trilha. — Controlar sua energia não é algo simples. Mas comece respirando fundo. Feche seus pensamentos, concentre-se em si mesmo. Mantenha sua energia contida, não a deixe se espalhar como está agora.
Tentei seguir seu conselho, respirando profundamente, tentando sentir o fluxo de poder que emanava de mim. Era como tentar agarrar algo invisível, mas gradualmente, comecei a sentir uma leve mudança. O olhar dos espíritos ao meu redor ficou menos fixo, e o ambiente ao nosso redor pareceu menos carregado. Ainda estava longe de dominar essa habilidade, mas pelo menos consegui diminuir a intensidade.
— Melhor. — Ash assentiu, reconhecendo meu esforço. — Agora, vamos. Estamos nos aproximando.
Com isso, seguimos em frente, a floresta ficando cada vez mais densa e escura à medida que nos aproximávamos do destino. A tensão no ar aumentava, e eu podia sentir que estávamos nos aproximando de algo grande. O vento sussurrava entre as árvores, como se a própria natureza estivesse ciente da importância do que estava por vir.
Finalmente, depois de mais um trecho de caminhada, chegamos a uma clareira. No centro, uma fortaleza imponente se erguia, suas torres escuras quase tocando as nuvens, irradiando uma energia pesada e antiga. Eu sabia que ali dentro estaria o rei de Staruitopia, o homem responsável por todos os segredos que Ash havia revelado. E seria lá que eu precisaria confrontar a verdade sobre o que estava em jogo.
Desci do cavalo espiritual, sentindo o solo úmido sob meus pés, e olhei para Ash, que também desmontou, embora um pouco mais hesitante.
— É aqui — ele disse, a voz carregada de incerteza.
Eu respirei fundo, sentindo uma onda de determinação me atravessar. O desafio estava à minha frente, e nada do que acontecesse a partir daquele momento seria fácil. Mas eu estava pronto.
— Vamos. — Falei, dando o primeiro passo em direção à fortaleza.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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