Técnicas
Jaci já não era amarga como antes e eu não fazia a menor ideia do que tinha mudado, mas creio que a premissa básica entre uma mestra e sua aluna, é o respeito.
Quando cheguei no dia marcado para o início de minhas lições com o fogo, Jaci e Tiney já estavam prontas para começar. Desde o dia da Celebração de Idades, Jaci conservava sua aparência jovem e eu estava curiosa sobre aquilo.
— Tenham um bom dia. — Cumprimentei Jaci e Tiney.
Jaci acenou com a cabeça, e Tiney, a salamandra, balançou seu rabo de lagarto. Inspirei fundo o ar fresco da manhã e após ver uma sentinela passar em voo, resolvi fazer a pergunta de alto valor.
— Jaci, como... — pensei na melhor maneira de dizer que ela não era mais uma velha mal acabada. — Como, você conseguiu rejuvenescer?
Jaci me olhou da cabeça aos pés antes de responder.
— Na verdade, eu ainda não envelheci.
— Mas a sua aparência... — Comecei a falar, mas fui interrompida.
— Era apenas uma casca. O que importa realmente é nossa energia vital. Se a fonte jorra o mesmo tanto de energia e a morte não se aproxima, então nós não envelhecemos. — Explicou.
— Se você podia ficar assim, por quê tomou aquela aparência?
— Para acumular energia e viver mais tempo. — Respondeu seca. — E também, para testar novas técnicas sem precisar dos Elementais. Não gosto de gastar tempo.
— Você mente, Jaci. — Tiney nos surpreendeu ao desmentir minha mestra. — Não há necessidade de mentir para ela.
Tiney se sentou no chão e nos olhou como se nos estudasse. Jaci suspirou.
— Tudo bem, mas o que vou dizer é um conhecimento que não deve ser repassado para outros que não sejam as Brujas, por isso arranquei a página do livro. — Confessou.
— Qual livro?
— Brujas del Fuego. Eu estava lá pouco antes de você e Sabedoria chegarem. — Ela revirou os olhos e Tiney sorriu discreta.
Elas tinham uma amizade no fim das contas.
— Então você deixou o livro no chão para eu tropeçar?
— Respeite, criança. — Repreendeu. — Que culpa tenho se você não olha onde pisa?
— E o que tinha na página arrancada? — Mudei de assunto.
— Tinha... — Jaci olhou para Tiney —, bem, no fim de tudo vou mostrar, então eu conto. Agora respire fundo, concentração.
Imitei a postura de Jaci que estava ereta, com os braços esticados para frente e as mãos espalmadas para cima.
— Você já sabe que aprendemos as técnicas das ancestrais antes de desenvolvermos as nossas. — Ela começou a explicar. — Vamos seguir a ordem cronológica. A primeira, no caso, é a de Shaira. As labaredas que foram conhecidas como "Castigo".
— Certo, já sei fazer labaredas. — Concluí.
Jaci fez uma careta de puro desgosto.
— Não como estas.
A mulher se afastou dois metros, correu para frente, exatos três passos largos, tomou impulso, pulou para cima, deu uma pirueta e caiu com ambos os pés firmes no chão. A terra tremeu e precisei me segurar para não cair. Essa nem foi a parte assustadora. Os olhos de Jaci acenderam e ela projetou duas labaredas que jogou em minha direção. Foi tão rápido que nem mesmo tive tempo de reagir e me proteger.
Felizmente as labaredas passaram por mim, mas com tanta força que senti o vento quente em minha pele. Virei a cabeça para ver onde iriam parar e para meu espanto elas partiram ao meio o tronco de duas árvores. Se me acertassem e não me queimasse completamente, com certeza abririam um rombo em mim.
Boquiaberta, olhei para Jaci.
— Isso foi perigoso. — Pontuei.
Ela gargalhou.
— Foi sim. Espero que você tenha aprendido a não subestimar as técnicas das antepassadas. — Ajuizou.
— Com certeza aprendi. — Afirmei freneticamente com a cabeça.
— Que bom, porque geralmente ela lançava um contínuo, então provocava estrago maior. — Jaci me deu uma piscada com apenas um olho. A mulher estava amando aquele momento.
— Bem — continuou —, vamos à segunda técnica.
Jaci soltou o corpo, uniu as palmas das mãos acima da cabeça e começou a mexer os quadris. Percebi a energia de seu corpo se concentrando nas extremidades dos membros inferiores. Depois de um minuto ela começou a girar em torno do próprio eixo, com as mãos estendidas para frente e traçando um círculo.
O fogo começou a sair da planta de seus pés. Não havia material inflamável que fosse possível incendiar, pois estávamos em cima de pedra pura. No último giro da Dança do Sol Nascente, Jaci se lançou no ar e aterrissou com força, fazendo com que o fogo se espalhasse pelo chão à nossa volta, e, de forma impressionante, ele começou a consumir a rocha.
Arregalei os olhos diante daquilo, nunca tinha visto algo semelhante. Jaci recolheu as chamas antes que consumissem tudo e no fim das contas restou apenas um buraco onde antes era liso.
— A tendência é piorar, não é? — Perguntei estupefata, não conseguia acreditar no que acontecera diante de meus próprios olhos.
Dessa vez foi Tiney quem riu.
— Quem escreveu aquele livro tinha uma ideia muito vaga do que elas realmente faziam com sua força. — A salamandra replicou divertida, era raro vê-la de tão bom humor, mas aparentemente minha ignorância tinha graça.
— Esse é o motivo de seus primeiros treinos serem para controlar as energias, é preciso ter uma quantidade abundante de energia e domínio de técnica para executar tudo corretamente. — Jaci se falava ao passo em que se alongava, preparando o corpo para o próximo movimento.
— Acho que precisarei aulas de dança também. — Concluí.
— Não, não precisa. — Jaci rebateu.
— Tiney, você dança? — Questionei a salamandra.
— Claro que danço. Tenho mil anos de muitos festivais. — Contou.
— Uau, mil anos! — Admirei-me.
— Jaci já contou a você qual idade ela realmente tem? — Tiney falou de modo despreocupado e Jaci grunhiu.
— Ela é jovem, tem cento e poucos anos. — Tiney expôs.
— Com corpo de vinte. — A própria Jaci fez troça de sua idade.
Encarei confusa, pois ela realmente tinha corpo de vinte anos, então entendi que a piada morava aí.
— Você já é um pouco auto didata na técnica de Bruhnilda, pois fez um cavalo de fogo. — Jaci ponderou. — No entanto, Bruhnilda não perdia as forças mesmo com o animal fora do corpo dela. Ela o comandava com a mente para atacar sozinho enquanto ela mesma usava outras técnicas de submissão dos adversários.
— Isso é difícil. — Tentei calcular a energia e a concentração necessárias.
— Em alguns tempos seria considerado impossível. — Jaci disse. — Vou mostrar, mas prefiro fazer uma onça, um animal de minha terra.
A Bruja se concentrou e jogou fogo no ar até formar um enorme e poderoso felino.
— Pode me ajudar, Tiney? — Pediu.
— Claro. — Tiney se levantou de onde estava sentada e tomou posição ofensiva.
A onça avançou em sua direção e a atacou enquanto Jaci fazia o movimento do Castigo outra vez. A Bruja lançou mais fogo no ar, mesmo assim a onça não cessou o combate contra Tiney.
— Impressionante. — Murmurei ainda mais perplexa que antes.
— Obrigada Tiney. — Jaci fez a onça voltar.
Tiney se sentou novamente. A onça se esfregou em Jaci como se fosse um gato e a mulher acariciou a cabeça no animal que reagiu com contentamento.
— Ela sente? — Estranhei.
— Claro que sente, os elementos são vivos. Se não fossem, não conseguiriam estabelecer contato. — Foi Tiney quem respondeu.
Como para provar que o que falava era verdade, a própria Tiney se transformou em um leão de fogo.
— O que diferencia os Elementais dos elementos é que nós somos dotados de consciência. Pensamos e podemos nos comandar, enquanto os elementos são dependentes. No entanto, nós também somos elementos. — Tiney explicou entre rugidos. Era engraçado e surpreendente, pois nunca a vi tão falante.
Jaci recolheu o fogo e se preparou antes de apresentar a técnica de Iná. Confesso que estava impressionada com sua capacidade de manter as forças por tanto tempo, ela nem mesmo empalideceu.
— A próxima técnica eu demorei aprender — explicou —, pois exige muito mais habilidade e concentração do que eu era capaz de controlar. Não é muito prática, mas é bem útil.
Jaci colocou a mão frente aos lábios e fez um cone de fogo. O elemento saía de sua boca como uma corda e ia enrolando em espiral. Ela soprou dentro do cone e eu podia ver o ar quente passando por entre as chamas. O ambiente ficou tão ardente que comecei a suar, era um dia muito fresco em Avalon e ainda assim parecia que tinham aberto as portas do inferno.
Tiney gargalhou quando ergui a barra do vestido para enxugar o suor de meu rosto. Jaci recolheu o fogo e me olhou.
— Precisa fazer ar quente versus ar gelado. — Jaci citou o jogo que até então eu não conhecia. A mesma pessoa soprava duas correntes distintas que não se misturavam e quando atingiam o espectador acabavam por queimar e congelar ao mesmo tempo. — A pequena Etzel adora isso, e os espectadores nunca sabem se estão com frio ou com calor.
— Não brinque disso com Mbizi — Tiney avisou —, você termina molhada ou congelada.
— Mas essa não é uma técnica do fogo? — Afinal a técnica original era um cone de fogo.
— Era, mas pegamos as técnicas e aplicamos em todos os elementos. Refinando e melhorando. O mal evolui, nós também evoluímos. — Minha mestra explicou.
— Entendo.
— A próxima é a chuva de fogo. É devastadora. O segredo está na velocidade dos movimentos e na força do arremesso.
Jaci plantou bem os pés no chão, virou as palmas das mãos para cima, flexionou os dedos e afastou-os entre si. Depois começou a dedilhar tão rápido que eu quase não via e da ponta dos dedos saíam pingos de fogo que foram arremessados para o céu. Em pouco tempo nossas cabeças estavam cobertas por uma nuvem de pingos que permaneciam estáticos.
Jaci puxou o ar e ficou difícil respirar. Com um movimento de cabeça ela fez com que os pingos caíssem. E eles desabaram fazendo um zunido aterrador ao baterem no chão como rochas violentas, e após abrirem pequenas crateras na terra, queimavam como ácido, para então sumir.
Coloquei uma mão sobre a boca, aterrorizada com aquilo. Um exército de homens comuns sucumbiria em segundos caso se posicionassem debaixo daquela chuva.
— Espantoso. — Falei com voz trêmula.
Jaci gargalhou.
— Zara também era. — Disse entre risos. — É verdade que aprimorei um pouco para as gotas caírem com mais violência, mas a premissa é a mesma.
— Imagino que a de Mahina será um pouco mais tranquila. — Arrazoei. — Ou não a fará? Não vejo os leques.
Tiney, de seu canto, abriu um sorriso misterioso antes de soltar um ronco de escárnio.
Jaci ergueu a barra do próprio vestido e tirou de dentro um objeto de um centímetro de largura por dez centímetros de comprimento. Não era grosso e era retangular. Então o abriu e ele se transformou em um leque extremamente fino de puro ouro.
Em mais uma demonstração impressionante, Jaci encheu o leque de fogo e arremessou uma lâmina contra as árvores. O corte foi rápido e preciso, quase invisível. Cinco árvores caíram no chão, ao mesmo tempo.
Completamente impressionada corri até elas apenas para verificar que o corte estava sim muito reto.
— Se continuarem assim, em pouco tempo não teremos mais árvores! — Domhany, o gnomo, apareceu do nada e me deu um susto enorme.
Coloquei a mão sobre o coração que batia acelerado e Domhany riu com deboche.
— Ah menina... — fez brotar um cogumelo de sua mão e começou a comê-lo. — Você vive entre monstros e ainda se surpreende.
Domhany deu três passos e se transformou em terra, que logo sumiu se misturando à do proprio chão.
— É um exibido! — Tiney gritou.
— Volte, menina! — Jaci me chamou.
Olhei para o chão mais uma vez, crente que Domhany apareceria a qualquer momento, mas não aconteceu.
Corri para Jaci e Tiney.
— Certo — falei me recompondo —, Mahina foi sua mestra. Então, agora vem sua técnica, suponho, a Armadura do Sol.
— O que sabe sobre ela? — Jaci me testou.
— Que é fogo projetado sobre a pele. — Respondi.
Jaci e Tiney riram.
— Bem, é quase isso. — Minha mestra falou com ares de mistério.
— Não irá demonstrar para mim? — Protestei.
— Apenas depois que você aprender todas as demais técnicas. — Ela sorriu torto.
Bem, eu sabia que seria difícil.
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