O Pomar
Era um lugar complexo, cheio de árvores tão altas e largas que seus troncos foram usados como casas. Residências com mais de um cômodo. As construções nas árvores eram de madeira verde, que apesar de sua aparência vivaz, era lisa e polida. Digo, não era apenas aparência, depois dos primeiros instantes de perplexidade observei que todas aquelas árvores realmente estavam vivas.
Na parte exterior dos troncos, nos topos próximos às copas, havia construções que podiam ser acessadas através de escadas, mecanismo elevador de pessoas, suprimentos e objetos, ou... Através de voo.
Depositei minha mala no chão e esfreguei os olhos crendo que via uma grande miragem, mas logo me vi obrigada a me convencer de que não era isso. As mulheres que vislumbrei não tinham asas, mas flutuavam e voavam livremente, com a mesma simplicidade com que se respira. Ninguém apresentava um comportamento de deslumbre como o meu porque aquela era a rotina local.
As pessoas que ali habitavam possuíam aparências altamente destoantes entre si, tornando o cenário humano completamente heterogêneo e rico. Talvez eu possa descrever como pluriétnico. Algumas pessoas tinham pele tão branca que passava a sensação de translucidez, era possível ver os desenhos de suas veias sob o tecido epitelial. Outras tinham cútis negra quase como a noite escura e aveludada e tal tez cintilava sob a acalentadora luz do sol. Extremos harmônicos de Avalon que tinham uma gama de diversidades entre eles.
As características físicas me encantaram tal como o caleidoscópio de vozes que se uniam harmoniosamente em conversas ou cantos, porque a música era algo muito presente por ali. Onde fosse sempre havia um cantar, mesmo que soando ao longe.
De onde eu e Élora estávamos, ouvi risos, e distante, um grupo de pessoas sentadas em um círculo cantava uma antiga canção de trabalho.
Meu olfato identificou o cheiro adocicado de flores, frutos e ervas desconhecidas. As flores estavam por todos os lugares, selvagens ou cultivadas. Enroladas nos troncos, plantadas nos alpendres, em vasos, nas sacadas, pendentes de lugares, flutuantes e em canteiros com diversos formatos. Perto de mim identifiquei um pomar, com árvores carregadas de frutos aparentemente suculentos, de cores brilhantes e saudáveis.
Élora flutuou alguns centímetros acima do chão, e com o braço esquerdo fez um gesto largo, como se me convidasse a conhecer mais aquele lugar.
Preciso admitir, com certo acanho, que estava atônita, encantada demais, e não conseguia me mover.
Distraída, não vi chegar uma menina, de pele marrom claro e cabelos muito negros, armados, completamente desalinhados e absurdamente brilhantes. Tinha olhos castanhos, quase avermelhados, e usava uma roupa de couro cru amaciado. Era um conjunto revelador, escandaloso e selvagem – do meu ponto de vista. A saia não lhe chegava aos joelhos e a parte de cima não cobria até o umbigo. O aparelho não era tradicional da Europa, mas era tradicionalíssimo de onde ela veio, e também lhe garantia uma espetacular liberdade de movimentos.
Aparentava ter aproximadamente a mesma idade que eu.
— Élora! Élora! É ela? — Disse com olhos brilhantes e a mão sobre a boca, como se isso me impedisse de ouvi-la.
— Sim, Timaki. É ela. — Élora respondeu paciente e sorriu.
— Olá Lira, meu nome é Timaki! — Fez uma reverência um pouco desajeitada.
Eu sorri. Timaki parecia ser atrapalhada e tinha um sotaque engraçado.
— Como sabe meu nome? — Questionei ainda rindo.
— Eu sei o nome de tudo e de todos. — Sussurrou.
— Uma habilidade mágica? — Me senti embasbacada por ela saber tanto.
— Não. — Olhou de soslaio para Élora. — Isso é espionagem!
— Timaki, já lhe disse para não ouvir aquilo que não foi dito aos teus ouvidos — Élora ralhou.
— Perdoe-me, Senhora. É mais forte que eu. — A menina se desculpou enquanto olhava para as pontas dos dedos dos próprios pés que estavam descalços, porém limpos.
Élora acenou com a mão como se dispensasse o assunto.
— Faça-me a gentileza de levar Lira aos aposentos dela. — Élora pediu. — Tenho certeza que você já sabe onde são.
— Sim, Fada. — Timaki abriu um largo sorriso e agarrou minha mão.
Olhei para Élora, um pouco perdida, sem entender se realmente devia ir com a menina de nome estranho.
— Siga-a. — A mulher ordenou. — Com energia, ou será arrastada por toda a extensão de Avalon.
Le Fay mal tinha terminado a frase quando Timaki arrastou a mim e a minha mala com uma força tremenda. Passamos por diversas árvores gigantescas, alguns espaços cerimoniais e até mesmo um pomar antes de alcançarmos o lugar que a partir daquele dia eu chamaria de lar.
Não ficava nas árvores, para minha decepção. Na verdade era uma pequena cabana de madeira com teto de folhas verdes. Bonita, não posso negar, mas era um pouco solitária se comparada às outras moradias.
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