Nos céus
— Aprender a voar, levitar ou flutuar sozinha levará algum tempo, mas nós podemos carregar você. Se estiver de acordo. — Ofereceu.
Nem preciso dizer que estava mais que de acordo. Balancei a cabeça freneticamente enquanto meu coração funcionava em um ritmo louco.
Gaothin soprou um som esquisito no vazio à nossa volta e logo senti mais vento passar por mim, vindo de detrás de minha pessoa e parando logo a minha frente. O vento tomou forma e olhou para Gaothin que soprou e recebeu sopros em resposta. Ali estava uma maneira curiosa de se comunicar, que assisti hipnotizada.
— Está pronta? — Gaothin perguntou me despertando do transe.
— Sim. — Respondi ansiosa e com um pouco de medo.
— Então erga os braços assim — mostrou os braços erguidos de modo que o corpo ficasse em forma de cruz — e os deixe bem firmes.
Um pouco trêmula obedeci a suas ordens. Gaothin e seu amigo se transformaram em fumaça, depois em vento invisível e logo me alcançaram, fazendo com que meus cabelos, minhas vestes e as folhas secas do chão se agitassem. Senti uma espécie de aparo macio e invisível abaixo de toda a extensão de meus braços e fui erguida do chão. Senti também os aparos surgirem abaixo de meus pés.
Eu não tinha levantado um metro do chão e já ficava com tanto medo que pensei que morreria. Em um reflexo, fechei os olhos com força enquanto subíamos. Os cheiros e a umidade à minha volta se alteravam paulatinamente. Senti uma lufada de ar fresco no rosto e apreciei a sensação única e especial.
"Abra os olhos, humana." — Gaothin soprou as palavras.
Não podia perder a experiência de meu primeiro voo, e apesar de todo o medo de cair do céu e me estabacar no chão, resolvi abrir os olhos. Se morresse, pelo menos levaria uma última imagem interessante.
Abri um olho investigando os arredores. Estávamos passando por uma nuvem e dela saí úmida e soltando risinhos de alegria pelas cócegas que senti. À minha frente, um pouco distante, suspenso no ar, ficava um enorme castelo de pedras negras. Havia um lago à sua frente, mas não consegui estudar os detalhes. Era construído sobre uma camada de terra que não tinha mais que cinco metros de largura, mesmo assim parecia firme como se estivesse sobre o chão. Tinha altas torres e até mesmo um pequeno bosque. Todo o lugar era envolto por uma esfera de energia transparente, dourada e brilhante.
"É a morada do Conselho." — Gaothin respondeu a pergunta que eu nem fizera.
Desviei o olhar para cima, a fim de analisar o céu acima, mas o que vi foi o pálido escudo arroxeado que envolvia O Pomar. Fiquei surpresa por ele ter cor. Antes eu não conseguia enxergá-lo. Olhei para baixo e vi a comunidade passando rápido sob meus pés. Havia outras criaturas que não as humanas e animais comuns, se movimentando pelos lugares. E havia árvores enormes e com folhagens únicas que eu nunca vira antes.
Começamos a descer lentamente na direção das mesas. As comidas já estavam postas, mas as pessoas ainda chegavam para o início da refeição. Avistei Timaki e Arthur sentados nos mesmos lugares de sempre. Não sei o que aconteceu, mas as pessoas que antes mal me observavam, olhavam fixamente para mim. Apontavam o dedo e fofocavam entre si.
Quando finalmente meus pés tocaram a pedra entre as mesas, todos os rostos estavam voltados para mim. Claro que me senti envergonhada, mas decidi não abaixar a cabeça diante daquela reação geral.
Concentrei-me na estranha sensação de estar novamente em pé no solo. Era singular, minhas pernas relaxaram durante o voo e quando me coloquei de pé as senti bambas, como se não fossem suportar o peso do corpo. Felizmente Gaothin e seu amigo me seguraram até que eu me firmasse.
— Uau! — Ouvi Timaki exclamar ao meu lado.
Em um breve instante ela já estava à minha frente com as mãos na cintura. Olhando-me como se eu tivesse três olhos. E era dessa forma que eu me sentia, com três olhos. Então eu apenas ri de sua comum indiscrição.
Quando a sílfide e seu amigo decidiram me soltar, meus braços caíram relaxados nas laterais de meu corpo. Gaothin apareceu flutuando acima da cabeça de Timaki.
— Tenha uma boa refeição. — Desejou a sílfide.
Fiz uma reverência profunda em respeito e agradecimento enquanto Timaki, perplexa, fitava o ser acima de sua cabeça.
— Obrigada, Gaothin. — Agradeci com palavras. — Nos veremos novamente? — Perguntei.
A sílfide sorriu e anuiu. Depois sumiu em um repente.
Alisei minhas roupas que estavam amassadas e tentei ajeitar as ondas de meus cabelos que embaraçaram como as palhas de uma vassoura velha.
— Como você fez isso? — Timaki perguntou acima do burburinho que se formou.
— Não fiz — respondi enquanto arrebentava um nó que se formara entre duas mechas —, Gaothin se ofereceu para me trazer até aqui, então aceitei.
— Você disse "Gaothin"? — Timaki levantou uma sobrancelha.
— Sim, esse era o nome da sílfide. — Confirmei.
— Ora, e agora você tem relações com a general do exército silfo. — Ela riu.
Olhei com estranhamento, mas desisti de todas as centenas de perguntas que tomaram minha mente. Tanto fazia. Meu estômago roncava de fome e o aroma que preenchia o ar era uma tortura.
— Bem, de fato não importa muito. — Tentei encerrar o assunto. — Vamos ao almoço. — Falei já me dirigindo ao lugar que sempre ocupava na mesa, enquanto olhos me acompanharam sedentos pela curiosidade.
Timaki me seguiu.
— Ora — Arthur se pronunciou, já estava com uma espécie se tortinha dentro do próprio prato —, parece que a Senhorita Merak ganhou asas. — Brincou.
— Quem me dera... — Coloquei no prato uma tortinha igual à dele e cortei um pedaço com a lateral do garfo, revelando o recheio de carne de aves. — A verdade é que eu adoraria voar, mas ainda não consigo, por isso Gaothin me ofereceu um favor. — Espetei o pedaço com o garfo e levei até a boca, me deliciando com o sabor.
— Gaothin não é general do exército silfo? — Arthur perguntou para Timaki.
— Sim! — Respondeu com olhos arregalados. — Acredita nisso?!
— Não, não creio... — Arthur bebeu um pouco de suco feito de morangos frescos.
— Vocês precisam parar de mexericar como se eu não estivesse aqui. — Ri.
— Seria mais fácil se você não fizesse amizade com quem não gosta de aparecer de boa vontade. — Arthur se defendeu.
— Ora... — Ia rebater, mas me lembrei de algo mais importante. — Vejam! — Estendi a mão e projetei uma pequena labareda sobre a palma.
— Nossa! — Meus amigos exclamaram juntos e aquilo captou atenção das pessoas que estavam mais próximas a nós.
— Finalmente consegui dominar. — Contei contente.
Timaki bateu palmas de satisfação, Arthur a acompanhou de maneira elogiosa e em um piscar de olhos, todos que me olhavam se mobilizaram em uma salva de palmas e em gritos de apoio e congratulações.
"Parabéns!", eu ouvia. "Vejam, ela conseguiu.", dizia outro alguém. "Bravo!", alguém disse antes de soltar um assovio. No entanto, não foram pronunciadas ao vento apenas palavras de felicidade. Da outra mesa pude ouvir pessoas que me acusavam de me exibir e coisas semelhantes. O que fez minha alegria murchar.
Apaguei a chama e suspirei. Não importava o que eu fazia ou deixava de fazer, alguém sempre tinha algum motivo para desconfiar de mim ou para me odiar. Já estava à beira das lágrimas quando ouvi a voz atrás de mim que chamou minha atenção.
— Aí está você.
Eu e meus amigos nos viramos e demos de cara com três moças de diferentes idades, todas de braços cruzados frente ao peito e me encarando, sérias demais.
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