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Merecido descanso

O jantar foi deveras satisfatório. Mais que satisfatório, na verdade, já que havia tanta comida que os olhos se enchiam antes do estômago. E assim que tive oportunidade quis comer mais do que cabia em mim. A fartura me trouxe ao coração uma sensação de prosperidade, como uma completude que eu nunca sentira antes, é difícil explicar o que se sente apenas quando enxergamos uma mesa de fartura.

Após o jantar a mais plena paz reinou sobre o lugar. Pessoas conversavam em voz baixa, uma atitude diferente da excitação inicial e por todo canto havia suspiros de aprovação.

— É sempre assim? — Perguntei para Timaki, que ainda mordia uma coxa de ave mal passada. Quase pude ver sangue escorrer entre seus dedos, mas não havia sangue.

Observei que Timaki comia muita carne, e por algum motivo desconhecido, senti calafrios com esse pensamento.

— Sim, é sempre assim. — Respondeu, depois voltou a mastigar quase como um animal.

Ri da falta de modos polidos de minha amiga, que estava sentada logo à minha esquerda. Do lado direito, Arthur comia como um "Lord", manejando os talheres com segurança e precisão. Sorri pelo contraste entre ambos. Eu não tinha a polidez de Arthur, pois apesar de uma família relativamente educada, eu não tivera quem me instruísse melhor. Por outro lado, eu não me assemelhava a Timaki. Ela viera desse tipo de comunidade que chamam de tribo e os modos por lá eram mais naturais.

— Onde lavo meu prato? — Perguntei com vergonha. Fora ensinamento de minha tia Ana, que eu sempre aplicava, menos durante as viagens.

— Você não lava — ela explicou. — Todos os dias um grupo é designado para a feitura de tais atividades. Você não está inclusa no de hoje. É bem verdade que, devido às lições, não sobra muito tempo para que aqueles que têm magia executem tais prestezas, então é mais comum ver grupos de pessoas como Arthur as efetuando. Mas vez ou outra também são chamadas para contribuir.

— Geralmente trabalho no café da manhã. — O menino frisou. — No restante do tempo recebo lições também.

— Sim. Eles não têm poderes especiais, então fazem trabalhos comuns, mas não se engane, são treinados na arte da luta e em outras disciplinas. Os mais talentosos com a natureza conseguem galgar ao posto de boticário e por vezes se tornam alquimistas.

— Acho que é justo estarmos em todas as tarefas. — Opinei.

— Sim. Espere e chamarão você para trabalhar nas plantações, na cozinha, no pomar e em outros lugares — Timaki se levantou do banco enquanto limpava as mãos em um guardanapo de tecido. — Já é momento de se recolher.

Fiquei receosa em pedir que meus amigos me levassem até minha morada, pois ainda não tinha decorado o caminho, mas eles entenderam minha necessidade sem que eu precisasse dizer sequer uma palavra.

— Quais são seus poderes? — perguntei à Timaki.

— Não sei. — Ela sorriu misteriosa e olhou para a lua. — Elas disseram que ainda não é tempo de saber.

— Como você treina sem saber para o quê exatamente? — Para alguém experiente, tal pergunta é risível, mas para a criança de quatorze anos que eu era, criada longe de guerras e batalhas, parecia um enigma.

Timaki não respondeu, apenas olhou para o chão em um estranho momento pouco enérgico. Confesso que fiquei preocupada. Arthur correu até a extremidade do caminho de pedras, pegou uma flor branca em um canteiro flutuante e ofereceu para ela, que sorriu em gratidão enquanto pegava a planta delicada.

Depois de uma breve caminhada chegamos à minha cabana. Meus amigos se despediram e foram para seus respectivos aposentos, me deixando sozinha para um merecido descanso.

Minha sala fora modificada durante minha ausência, havia uma lareira recém construída onde o fogo ardia sem preocupações mundanas. Acima da lareira vi três candelabros, uma lâmpada a óleo e um pacote fechado, embrulhado em papel pardo com um bilhete em cima.

Peguei o bilhete e li:

"Esqueci da lareira, sinto muito. No pacote tem velas. Olhe seu livro, pois a primeira tarefa estará lá. Élora Le Fay."

Acendi uma vela e a levei até o Livro de Tarefas, mas nem precisava. As páginas iluminavam-se sozinhas, encantadas com uma magia que era um mistério para mim. Arfei surpresa e li que minha primeira tarefa era uma aula do outro lado da ilha, em um lugar chamado Lago Elemental.

Fechei o livro, peguei a vela que estava sobre o tampo da mesa e fui para meu quarto. Sobre a cama vi uma ampulheta que brilhava como a página do livro. Coloquei-a sobre a penteadeira e li o bilhete que estava junto.

"Segure-a e mentalize com firmeza quando deseja acordar."

Fiz o que foi pedido, mas confesso que duvidei um pouco da capacidade daquela ampulheta. O que ela faria quando chegasse hora de meu despertar?

Abri minha mala para desfazê-la e prontamente as saudades de meu avô emergiram em meu peito. Uma lágrima percorreu sorrateiramente a extensão de meu rosto quando peguei uma caixinha de jóias feita de prata e ornamentada com pedras preciosas. A própria caixa era uma jóia, delicada e trabalhada com imagens de videiras. Delas pendiam frutos coloridos, e cada um desses frutos era uma gema preciosa incrustada sobre o metal. Levantei a tampa do objeto e li meu nome. Meu avô fizera questão de gravá-lo com as próprias mãos.

Dentro da caixa havia ornamentos para pescoço, braço, orelhas, mãos e tornozelos. Um claro exagero. Eu não usara tudo e me sentia uma tola por ter tantos acessórios, mas meu avô era um descomedido por natureza.

Coloquei a caixa de jóias sobre a penteadeira e tirei da mala produtos usados para cuidar da beleza. Pós coloridos, óleos aromáticos, águas de cheiro e outras coisas. Quando terminei de acomodar toda a quinquilharia e os sapatos, finalmente abri o baú aos pés de minha cama.

Olhei para o teto e suspirei revirando os globos oculares quando fitei o conteúdo do baú. Havia roupas de cama e de banho feitas em tecidos finos. Todas tinham o bordado do brasão da família e minhas iniciais "LM". Além disso, havia mais vestidos para todas as ocasiões. Outro excedo.

Coloquei meus velhos vestidos novos junto com os novos vestidos novos e fui me banhar. Não fiquei muito tempo na banheira, estava cansada demais até para apreciar um banho delongado.

Vesti uma camisa de dormir e me joguei na cama.

Imediatamente adormeci.

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