Explicações
Sem ação, assistimos a guarda colocar o corpo de Lorni sobre uma maca improvisada enquanto a multidão assustada era dispensada para seus afazeres do dia.
— Lira, Arthur e Timaki. — Ouvi a conhecida voz de Murciégala nos chamar.
Voltamos nossa cabeça para ela que estava logo à nossa frente, com uma expressão irritada.
— Vocês foram chamados para esclarecer o ocorrido no Castelo. — Avisou. — Imediatamente. Pegaremos a vigarista que tem feito isso, o rastro está fresco.
— Está bem, vamos. — Concordei.
Timaki voltou à sua forma normal enquanto Murciégala abraçava meu amigo por trás e o erguia no ar. Também abracei Timaki, abri minhas asas e nos icei. Segui Muciégala pelos céus até chegar ao Castelo. Pousamos na entrada e acompanhamos andando até a sala do Conselho, onde todas as conselheiras já nos esperavam.
Élora não fazia questão de disfarçar sua ira.
— Aproximem-se! — Ordenou.
Aproximamos-nos e abaixamos as cabeças sob os pesados olhares do Conselho.
— Expliquem-nos o ocorrido! — Sua voz trovejou no salão enquanto um vento forte começava.
Minha garganta parecia fechada por uma bola de tecido e Timaki permaneceu retraída, de modo que foi Arthur quem primeiro falou.
— Estávamos no desjejum de maneira comum. A taça de Lorni quebrou e ela pediu emprestada a de Lira, já que nossa amiga não a estava usando. Lira cedeu sua taça, pois não tinha intenção de usá-la. Pouco tempo depois ouvimos o engasgo e quando olhamos, Lorni estava sufocando. — Arthur deu uma pausa. — Penso que a taça estava envenenada com vaconillito, pois a espuma que saía da boca de Lorni era muito característica.
— O que fizeram quando viram que a companheira sufocava? — Galdur perguntou com os cabelos balançando graças ao vento nascido da ira de Élora.
Senti que era minha vez de falar.
— Quando Arthur percebeu que Lorni sufocava, ele e Timaki abriram caminho em meio às pessoas que a cercavam. Arthur identificou a causa dos sintomas assim que a alcançou e me pediu ajuda para aplicar um contra veneno — algumas membros do Conselho ofegaram. — Eu não tinha outra escolha que não fosse ajudá-lo, então fiz o que pediu.
— O veneno era para Lira. — Jaci comentou com os olhos em chamas.
— Aplicado direto na taça. — Arthur complementou. — Sem cheiro, sem cor, sem textura. Era ativado com o vinho, e estou certo de que já tinha sido testado de alguma forma.
— Como estava preparado para combater um veneno, Arthur? — Mbizi questionou.
— Eu sempre carrego algumas doses, pois Lira já foi envenenada uma vez. São antídotos, mas alguns deles misturados se tornam venenos também. — Arthur falou. — Não tem como fazer antídoto para aquele veneno sem ter uma Vaconil, vocês sabem, mas tem como parar o efeito com outros venenos cujos antídotos são mais fáceis de conseguir.
— Parabenizamos sua perspicácia, Arthur. — Yuki cumprimentou. — Ela está salva da morte.
— Não teria conseguido sem a ajuda de Lira. — Arthur respondeu.
— Entendemos seu ponto. — Élora retrucou. — Precisamos conversar a sós com você e com Timaki, então pedimos que Lira os espere fora do recinto.
— Algum problema com isso, Lira? — Jaci perguntou.
— Não. — Respondi. — Posso esperar.
Cumprimentei o Conselho com a cabeça e me dirigi para fora da sala. Sentei em um banco ao lado da porta enquanto esperava o fim da reunião. Com certeza seguiriam o rastro e pegariam quem quer que tenha feito aquilo. Foi um passo ousado demais.
Joguei a cabeça para trás e olhei para o teto pintado. Retratava cenas de luta. Uma mulher em armadura, montada em um cavalo branco era seguida por um anjo de armadura dourada. A mulher erguia uma espada ameaçadora contra um homem loiro.
— Lira.
Uma voz conhecida me arrancou da contemplação daquela arte. Olhei para o lado e vi Meva, vestida em roxo com detalhes dourados.
— O que faz aqui? — Inquiriu curiosa.
— Espero por Arthur e Timaki. — Respondi. — Eles estão com o Conselho.
Meva olhou para a porta antes de falar algo.
— Creio que irá demorar. — Concluiu.
— Creio que sim. — Respondi sem ânimo.
— Apreciava a arte?
— Sim. — Respondi um pouco incomodada pela quebra do silêncio quase sagrado no qual me encontrava momentos antes.
— Este castelo é cheio de obras de arte.
A afirmativa de Meva captou minha atenção. Olhei para ela que piscou para mim com um olho.
— Gostaria de conhecer? Há uma sala de chá próxima daqui. — Ofereceu.
— Eu posso?
— Claro que pode. — Meva estendeu a mão para mim. — Venha, você precisa descansar. Se desintoxicar de toda a energia ruim.
Peguei sua mão e me levantei. Eu precisava mesmo me distrair um pouco. Meva enlaçou seu braço no meu e começamos a nos mover pelo corredor de paredes negras, cujo chão estava forrado por um tapete verde escuro.
— Tomaremos chá. — Propôs. — Me preparava para tomar chá quando ouvi movimento no corredor.
— Gosto absurdamente de chás. — Contei.
— Que ótimo, será um momento relaxante para nós. De onde venho, as pessoas amam tomar chá.
— Todos se vestem com roupas coloridas como as suas?
— Claro. As pessoas amam tecidos coloridos, pois sinalizam alegria. Muitos acessórios e enfeites para mostrar a riqueza das famílias e para adornar. — Explicou.
— Acho que vou viajar com vovô quando partir de Avalon. — Falei, perdida em fantasias sobre terras exóticas e desconhecidas. — Talvez eu vá até a terra de onde você veio.
— Tenho certeza que vai adorar, querida. — Meva deu um tapinha em minha mão e depois soltou meu braço para abrir a porta à nossa frente.
Era de uma pesada madeira avermelhada adornada em ouro. A maçaneta tinha um detalhe incrustado de macieiras incrível de ver. Entrei na saleta luxuosa, com pesados móveis bem feitos e adornados com entalhes incríveis. As paredes tinham pinturas maravilhosas de um bosque em tamanho realista, cheio de criaturas mágicas como faunos, ninfas, sílfides e centauros. Em uma mesa no centro, um aparelho de chá descansava. A água não mais estava tão quente, mas aquilo poderia ser arranjado.
Meva sentou-se de maneira elegante e esperou enquanto eu admirava as pinturas. Meu medalhão emitiu um brilho rápido. Resolvi parar de adiar a hora do chá e me sentei frente a frente com Meva.
— Quer que eu esquente a água? — Ofereci.
— Se puder, querida. — Ela abriu um sorriso brilhante de aquecer o coração.
— Claro que quero. — Sorri.
Acendi a chama em minha mão e encostei-me ao bule. Rapidamente a água ferveu. Meva fez a infusão e serviu uma xícara a mim. Havia mel e açúcar para adoçar o chá. Leite para acompanhar.
— Como gosta de seu chá, querida?
— Leite e açúcar, por favor. — Pedi.
Meva terminou de preparar e me entregou a xícara, cuja louça tinha desenhos delicados de flores cor de rosa e bordas trabalhadas em dourado. Provei o chá apenas para comprovar que estava delicioso.
— Gostou? — Ela perguntou.
— Delicioso. — Elogiei.
— Aproveite enquanto pode. — Falou.
O medalhão irradiou mais uma vez.
— Bela jóia este medalhão da Ordem. — Meva admirou o medalhão e depois desviou o olhar.
— De fato. — Concordei antes de tomar mais um gole de meu chá.
— Certa vez eu conheci um membro da Ordem. — Introduziu um assunto.
— E como ele era? — Colaborei com a conversação, já com os pensamentos viajando até um passado onde estava Lord Vlad.
— Imponente. — Respondeu. — Como posso dizer...? Era apaixonante.
Olhei para ela um pouco surpresa.
— Você era apaixonada por ele?
— Não apenas apaixonada. Eu o amava, daria minha vida por ele. — Ela suspirou.
— E o que aconteceu a ele? — Perguntei genuinamente interessada. —Por que não se casaram?
Meva depositou sua xícara sobre a mesinha, antes de colocar uma mão sobre a outra apoiada nas coxas.
— Ele não podia se casar comigo, eu não era digna. — Explicou com certa tristeza.
— E então... — Incitei ainda mais curiosa.
— Então ele se apaixonou por uma mulher digna.
Senti uma leve coceira na ponta do nariz seguida de uma vertigem.
— Eles se casaram?
— Sim. — Ela respondeu. — Foram felizes por algum tempo.
— O que aconteceu depois? — Coloquei a mão na testa para disfarçar outra vertigem.
— Depois...? — Meva me olhou com estranheza. — Está tudo bem? Você parece pálida.
— Sim. — Respondi com um pouco de dificuldade. — Estou bem. Pode continuar a história.
— Se você insiste... Bem, depois eu me disfarcei de criada e a envenenei aos poucos até que morresse. — Ela sorriu com serenidade mais uma vez.
— Isso não parece certo. — Minhas pernas começaram a tremer.
Meva se inclinou para frente e segurou meu queixo.
— Certo ou errado? — Não sei dizer. — Você não parece bem. Será que é alérgica a Flor da Extinção?
Meva soltou meu queixo e gargalhou. Meu coração acelerou. Flor da Extinção... O veneno do campo de flores.
— Você... — Sussurrei enquanto agarrava os braços da poltrona com meus dedos débeis.
— Seu avô me pagou com ingratidão após eu lhe dar meu coração. — Meva se levantou. — Achei por bem aprender algumas magias proibidas para executar uma pequena vingança.
— Não pode ser... — Tentei enganar a mim mesma. — Ele não a reconheceu quando esteve aqui.
— Essa não é minha aparência.
Meva parou olhando para mim e começou a levitar. Seus olhos brilharam em verde, não apenas a íris, mas cada parte dos olhos. A boca ficou negra e os dentes caíram instantaneamente. O cheiro da morte invadiu a sala que foi tomada por uma neblina negra e densa. O formato do rosto de Meva se modificou.
— Aproveite sua morte, Lira. — Meva gargalhou.
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