Encontro com Elas
Em um instante eu estava sonolenta sala de minha cabana, e no instante seguinte me perdia no nada. Literalmente: o nada. Era um sonho e eu me encontrava estranhamente ciente disso, mas parecia real demais para sê-lo. Aquele local, jamais poderá ser descrito ou concebido de acordo com a realidade que conhecemos, simplesmente porque não existe outro lugar como "o nada". Mesmo assim digo que não tinha cor, não tinha cheiro, não tinha vento e nem movimento. Não tinha início ou fim. Apesar de estar flutuando, estava parada e firme como se pisasse um local sólido. E apesar de respirar, a respiração era como aspirar e expirar nada e eu não sentia meu coração bater.
Tentei falar, mas minha voz não saiu.
Virei minha cabeça para um lado e para o outro, desejosa de sair dali, porém várias luzes brilhantes apareceram à minha frente, captando minha atenção. Atentei-me às formas e percebi que eram de puro fogo, mas como podia haver fogo ali se não havia mais nada?
Como se não fosse extraordinário o suficiente, as unidades de fogo tomaram formas. Formas de mulheres. Mulheres que eu conhecia apenas das páginas de um livro. Eram elas, ainda mais belas ali do que nas ilustrações.
De sete Brujas del Fuego, seis estavam logo à minha frente, paradas, cada uma com sua própria expressão de tranquilidade. Exceto Zara Lâmia, cujos traços faziam-na parecer sempre irritadiça e se sua altura chegasse em um metro e meio, seria muito.
"O que fazem aqui?" — Pensei.
"Nós somos suas antepassadas" — Responderam. Seus pensamentos tinham sotaque como fala comum.
"Que lugar é este?" — Mexi um braço acenando para o nada no qual estava.
"Aqui é o vácuo espiritual." — Me respondeu Shaira Sirhan. — "Trouxemos você aqui para lhe passar um pouco do que sabemos e demonstrar nossas técnicas."
Fiquei intrigada.
"Como pode haver fogo se o vento não sopra?" — Inquiri.
"Na magia as regras são diferentes, Lira" — Zara retrucou. — "E lembre-se que a mesma magia que te rege, também rege a teus inimigos. Vence quem tem maior controle sobre si e sobre o outro. E apenas se controla quem tem profundo conhecimento de si."
Refleti um momento sobre aquela afirmativa, antes de prosseguir com o colóquio.
"Não tenho inimigos." — Pontuei.
"Toda Bruja tem inimigos por condição. Você tem o triplo de inimigos, sua aparência excêntrica, seus poderes e sua linhagem familiar não passam despercebidos aos olhos da inveja e da luxúria." — Falou Bruhnilda, muito carrancuda por sinal.
"De certo que isso não me faz mais feliz." — Reclamei. — "Não pedi para ser assim. Por que eu? Por que não dar este fardo ou bênção para alguém melhor em capacidade?"
"Não escolhemos." — Responderam juntas.
"O dom vem dos deuses. Eles dão, e apenas eles tiram, mas perder o dom significa perder a vida, pois ganhá-lo também é ganhar a vida." — Expôs Mahina.
"Eu não estaria viva se não tivesse o dom?" — Considerei assustada.
Arregalei os olhos, afinal, não sem razão fiquei preocupada com aquela declaração alarmante.
"Você estaria viva." — Respondeu Iná. — "No entanto, não se manteria viva. Muitas foram as vezes nas quais teus inimigos tentaram, sem sucesso, dar fim a sua vida, mas de todas as tentativas perversas você foi protegida, pelo seu poder ou pelos deuses."
"Uma vez, foi salva por sua tia, Ana." — Azara Milad falou pela primeira vez.
"Minha tia Ana?" — Coloquei a mão sobre o peito, sentindo um arranco, ainda assim o coração não batia.
"Sua tia Ana foi assassinada porque não quis vender a pureza de seu corpo." — Contou-me.
Aquela informação foi como um tiro em meu peito frágil. Senti uma dor opressiva tomar o espaço onde meu coração não batia. Perder minha tia foi triste, mas ter culpa em sua morte era devastador.
"Quem?" — Interpelei irritada. — "Quem assassinou minha tia?"
Cerrei os punhos em sinal de minha fúria.
"Aqueles que desejaram comprar sua pureza. O padre Custódio e o pai Alioth." — Me respondeu Bruhnilda que parecia apreciar minha raiva.
Meu peito começou a queimar. O desejo de vingança tomou meu corpo, se dilatou em minhas veias e fez... Fez meu coração bater. Meu coração batia fervente.
"Você já foi vingada, Lira." — Mahina interveio. — "Os assassinos de sua tia estão mortos."
"Percebe que seu coração bate?" — Shaira apontou para meu peito. — "É o fogo se alimentando de seu ódio. O fogo sempre precisa de um combustível, algo que o alimente."
"O fogo se alimenta apenas dos sentimentos ruins..." — Concluí, enquanto tentava suportar a dor em meu peito.
"Não, o fogo se alimenta do impulso que for mais forte" — Shaira respondeu. — "Nosso tempo está no fim, Lira Merak. Nosso encontro não deve se prolongar. Mostraremos a você nossas técnicas de combate que você verá uma única vez."
"É preciso que seja treinada, mas não por nós." — Iná se colocou em uma posição incomum para os seres humanos normais.
"Se não dominar o fogo, ele a dominará." — Azara se afastou das demais.
"Não há fim mais triste que este." — Mahina se ajoelhou.
Shaira foi a primeira a se movimentar. Tão rápida que vi apenas o final da sequência que culminara em dois jatos de fogo sendo lançados de suas mãos.
Em seguida, Azara começou a dançar mexendo muito os quadris e os braços até que, após duas pisadas fortes e estrondosas, fogo saísse de seus pés. Os movimentos de sua dança evoluíram para círculos e em poucos segundos havia um enorme piso de fogo que se expandia em todas as direções. Assustador e magnífico.
A gorda Bruhnilda me surpreendeu, afinal, seu ataque não estava descrito no livro. Era impressionante, pois ela dava forma ao fogo e o transformava em um enorme felino... Um leão, que corria e fazia movimentos como o animal verdadeiro, mas ele seria capaz de incendiar tudo que tocasse.
Sua aprendiza, Iná, cuspia um espantoso jato de fogo que tomava forma cônica. Apavorante. Pensei que seria queimada quando a pequena Zara fez chover pingos de fogo. Quantos corações não se atemorizaram frente àquele ataque terrível e devastador?
A calma Mahina retirou leques de dentro de seu quimono e lançou perfeitas, lisas e mortais lâminas de fogo, que eram capazes não apenas de incendiar, mas também de fatiar o inimigo como um legume.
Após as rápidas demonstrações elas se levantaram, se alinharam, uniram as duas mãos frente ao corpo e abaixaram a cabeça em um cumprimento de adeus.
"Encontre seu caminho, cumpra sua missão." — Disseram antes que sumissem, levando consigo todo o nada.
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