Dois anos
Era véspera da segunda festa de aniversário de Ana e Lwana. Borjan estava ocupado cuidando dos problemas de alguns fazendeiros, portanto, demoraria a chegar em casa. Nada extraordinário, apenas mais um dia de nossa vida comum. Como em todas as outras tardes eu brincava com as meninas enquanto Gertrudes tricotava um casaco de lã.
Eu não gostava muito de Gertrudes, aquela mulher era literalmente tão fria que me dava calafrios.
Todos os dias, enquanto brincava com minhas filhas, eu avaliava seus desenvolvimentos. Ana era falante e desinibida, enquanto Lwana era muito tímida e calada. Para nosso orgulho, ambas eram muito amigas entre si. Àquela altura, elas já andavam com firmeza, mesmo com pernas curtinhas e pequenas mãos delicadas, às vezes aprontavam grandes confusões.
Quando criança eu jamais imaginara que seria tão feliz tendo uma família. Me era impossível conceber o que sentiria caso me tornasse mãe, e depois de sê-lo percebi que mesmo se tentasse, jamais alcançaria na imaginação a intensidade daqueles sentimentos. Muitas mulheres não nascem para a maternidade, mas eu não era uma dessas mulheres. Mesmo que a mulher que me tornei não fosse nem reflexo da guerreira que fui treinada para ser, eu estava feliz. Ser feliz é o que realmente importava. Além disso, era bom ter paz na vida.
— Mamãe, Lwana tá comendo a boneca. — Ana me arrancou de minhas reflexões quando dedurou a irmã.
Lwana largou a boneca como se fosse uma brasa acesa e balançou a cabeça negando o que a irmã tinha dito.
— Eu não comi a boneca, mamãe. — Ela me olhou com os olhinhos muito abertos pelo indisfarçável susto.
Chamei Lwana com a mão. Ela se levantou e veio andando devagar, pois suas perninhas curtas ainda faziam o caminhar ser desajeitado. Usava um vestidinho azul enquanto o de Ana era verde. Ana tinha olhos castanhos e Lwana tinha olhos verdes. Ana tinha cabelo castanho claro enquanto a irmã tinha cabelos negros. Ambas exibiam os mesmos cachos médios.
Ana parecia mais comigo, era mais alta e mais forte que a irmã e tinha tendência a protegê-la quando pensava que ninguém as vigiava. Ela estava sentada ao meu lado no tapete e brincava com uma borboleta de madeira.
Lwana parou na minha frente e abaixou a cabeça.
— Lwana, o que a mamãe já falou sobre mentiras? — Perguntei.
— Mentir é feio. — Respondeu toda acanhada.
— Isso mesmo. — Peguei sua mãozinha. — Olhe nos olhos da mamãe. — Ela levantou a cabeça. — Não pode ser uma moça mentirosa, filha. E sempre olhe nos olhos das pessoas, para que elas te respeitem quando você falar. Entendido?
— Sim mamãe. — Ela afirmou com a cabeça.
— Agora, onde está meu abraço?
Lwana se aproximou e me abraçou como podia. Apertei-a contra meu corpo. Era tão pequena e frágil. De olhos fechados aspirei o cheiro de meu bebê. Eu sentia o calor único de minhas filhas, onde quer que estivessem. Uma das vantagens de ser Bruja. E apesar de meus poderes, elas não eram mágicas, eram meninas normais e isso me alegrava. Na verdade, quase comuns. A inteligência aguda chamava a atenção das pessoas.
Mesmo de olhos fechados eu sabia que Ana tinha se levantado e estava parada na minha frente. Abri as pálpebras e mirei o olhar nela. Tão inteligente... Ana nunca mentia. Era protetora e amava os animais. Sempre se lembrava de coisas que as pessoas diziam ou faziam perto dela. Nem parecia ser tão nova e seu carisma enganava fazendo pensar que ela já tinha cerca de quatro anos.
— Diga minha pequena. — Incentivei.
— Também "quelo" abraço.
— Vem Ana. — Lwana esticou um bracinho chamando a irmã, que chegou rapidinho.
Abracei meus dois bebês sentindo meu coração transbordar amor. Ouvi um bufo abafado de Gertrudes, a velha azeda. Apenas a suportava porque ela cuidava bem das crianças e geralmente vovô Barakj ficava mais com elas do que a babá.
— Sabe de uma coisa, meninas? — Perguntei. Elas se afastaram e me olharam curiosas.
— O quê? — Ana inquiriu curiosa.
— Eu amo vocês duas. Amo muito. — Falei.
— Ama maior que o papai? — Ana questionou.
— Muito maior que o papai. — Respondi. Era interessante a forma como ela media as coisas.
— Ama maior que o vovô? O vovô é maior que o papai. — Lwana inquiriu.
— Sim, amo maior que o vovô. — Falei.
— Ama maior que a árvore grande do jardim? — Ana abriu os bracinhos pequeninos mostrando um grande tamanho do ponto de vista dela.
— Muito, muito, muuuuuuuuito maior.
Lwana tombou a cabeça para o lado antes de fazer uma pergunta de resposta difícil.
— Mamãe, o que é amor?
Respirei fundo. Como explicar para minha filha algo que era abstrato?
— Amor é um sentimento. Um sentimento muito, muito, muito especial. — Apontei para o coração dela. — Você sente aqui, no coração. É igual sentir dor, ou medo, mas por ser especial, você só sente por pessoas muito especiais ou em momentos únicos.
— "Asço" que amo a mamãe. — Lwana disse.
— Por quê? — indaguei quase em prantos.
— Porque quando eu vejo a mamãe, sempre fico feliz.
Minha vontade era sair correndo e gritando de euforia quando ela disse aquilo. Mas eu me controlei como qualquer mãe decente e a apenas sorri.
— Mamãe, por que seu cabelo é branco se você não é velha como a "Senholita" Gertrudes? — Ana perguntou.
Aquela pergunta seria difícil de responder sem explicar para minha criança que eu era uma bruxa do fogo com energia da lua. Optei por uma justificativa um pouco mais simples. Certamente um dia eu e Borjan poderíamos contar a verdade para as gêmeas.
— Meu cabelo não é branco, meu amor. É loiro bem clarinho. — Menti. — Como o de vovô era antes de ele envelhecer.
Eu acabara de dizer para minha filha não mentir, mas lá estava eu, mentindo. Gertrudes me olhou de canto de olho. Sua expressão, como sempre, descontente. A energia dela era estranha. Era uma solteirona fria e calculista. Eu podia sentir.
— Mamãe... — Lwana chamou minha atenção e levantou a mão até meu pescoço. Para minha surpresa ela tocou o medalhão da Ordem do Dragão. —... O que é isso?
Toquei o metal do medalhão que eu sempre carregava comigo. Aquilo me trouxe memórias.
— É um medalhão especial. — Falei. — Agora chega de perguntas. É hora de tomar banho. Logo mais o papai chegará e nós jantaremos apenas se estivermos limpas.
Peguei Ana e Lwana do chão, uma em cada braço. Gertrudes se levantou da poltrona e me seguiu.
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