Desespero
Vovô se ajoelhou ao lado da cama e pegou minha mão machucada. Segurou-a com firmeza e me olhou... Fitou-me com um desespero que eu jamais vira em sua face.
— Não... Não! — Abarcou minha mão com ambas as mãos dele.
Élora e Jaci saíram do quarto para buscar ajuda.
— Lira, não... — Falou com voz embargada antes de cair em prantos. Chorava como um menino. As lágrimas saíam em torrente me fazendo entender a imensidade do que acontecia. Vovô chorava como se eu estivesse morta e ao invés de minha mão, ele segurasse minha mortalha.
— Barakj — Mbizi colocou a mão em seu ombro — é preciso que você a solte.
— Não! — Meu avô rosnou. — Jamais a soltarei. Se ela morrer, junto morrerei! Minha vida não tem sentido se minha única família se for. — Disse furioso.
— Barakj, você precisa soltá—la. — Mbizi pediu outra vez.
— NÃO! — Vovô se negou enquanto sacudia a cabeça em negativa.
— Preciso despi-la, Barakj. — Ela explicou com paciência.
— Eu não a soltarei. — Vovô teimou de olhos fechados, com a testa encostada nas costas de minha mão pálida.
Fiquei mais triste por vovô que por mim. Comecei a chorar também. Queria poder acariciar sua face, mas não conseguia me mexer. Claro, eu estava morta, como poderia me mexer?
— Vovô... — Chamei com a voz frouxa e ele me olhou com os olhos carregados de comiseração.
— Sim... — Respondeu com dificuldade. Sua voz parecia um ganido cheio de dor.
— Vovô... vai... fi-car... tudo... bem... — Falei com extrema dificuldade, minha língua pesava demais, embolada no vão da boca.
— Lira... — Sussurrou meu nome enquanto lágrimas vertiam de seus olhos. — Você é tão corajosa, minha criança. — Completou com uma ponta de orgulho.
Tentei sorrir, mesmo que chorando. Queria, com aquele sorriso, transmitir para meu avô todo o amor que tinha por ele.
— Vooovôo... — Eu precisava dizer algo antes que perdesse a capacidade de falar. — Eu... amo... você.
Meu avô congelou. Seus olhos assumiram um brilho estranho que era uma mistura de contemplação e medo.
— Eu... amo... vo-cê... vovô... Barakj... — Repeti. — O-bri-ga-da...
Minha capacidade de fala desapareceu por um longo minuto. Fechei os olhos e pedi aos deuses uma oportunidade de terminar aquela frase.
— Obrigada por me amar e por não me abandonar. — Falei sem dificuldades. No entanto, depois disso, não consegui falar mais.
A última misericórdia dos deuses, me deixar sentir o calor das mãos que enlaçavam a minha.
— Eu também amo você, Lira. — Falou, enquanto se controlava. Seu desespero se transformou em algo mais profundo. — E não aceito perder você. Não dessa maneira. Não há justiça nessa morte.
Vovô soltou minha mão e se afastou da cama. Seu corpo começou a tremer. Tremia muito. De sua boca saíam ruídos estranhos. E na frente de meus olhos, vovô se transformou em um cão. Não era o mesmo cão que eu havia conhecido outrora. Esse era maior, musculoso, de olhos vermelhos e presas afiadas que saíam da boca. Completamente negro.
O cão, com as quatro patas no chão, tinha a mesma altura que vovô em sua forma humana. Ele se aproximou da cama e colocou uma pata gigante, quase do tamanho de minha cabeça, logo abaixo de meu pescoço, onde o medalhão emitia um brilho fraco.
— Não a abandonarei. — O cão falou, e sua voz era estranha. — Irei onde for, pois não há justiça nessa morte.
Vovô parecia resoluto.
— Agora farei o que precisa ser feito. — Mbizi se aproximou do móvel onde eu repousava.
Vovô deu a volta na cama e se deitou no chão do outro lado, com a cabeça entre as patas, como um cão de guarda. Mbizi arrancou os trapos que cobriam meu corpo. Só então vi os feios rasgos que havia em minha carne. Ela puxou um pouco da pele de minha barriga que se desgrudou da carne.
— Já entra em putrefação. — Concluiu. — Nem seu medalhão te salvará.
Élora surgiu pela janela, acompanhada de Gaya.
— Onde estão os demais? — Mbizi perguntou com receio.
— Em um lugar com mais espaço. — Élora respondeu. — É para lá que iremos.
— E a discrição? — Mbizi questionou.
— Dane-se a discrição. Se essa menina morrer, todos terão fracassado eternamente, mas se viver... Bem...
Gaya se aproximou da parede do quarto e bateu uma mão sobre ela, fazendo as pedras negras se afastarem para abrir caminho. A iluminação que entrou no cômodo incidiu sobre vovô Barakj.
— Vejo que assumiu sua forma sobrenatural, Barakj. — Élora falou para vovô.
— Evidente, Morgana.
Aquela foi a primeira vez que vi vovô não usar o pronome de tratamento.
— Ótimo. — Élora respondeu. — Levante-se.
E enquanto Gaya modificava a estrutura da torre, fazendo uma larga escada lateral que descia em espiral até sua base, Élora jogou sementes sobre o dorso de vovô e fez brotar uma espécie de arreio com um recipiente grande, como uma grande cama de abas. Abas viradas para cima. A Fada voou sobre a cama e lançou algo colorido dentro do espaço vazio. Lá surgiram milhares de flores, formando um leito cheiroso e confortável.
Gaya, que já tinha terminado a primeira parte de seu trabalho, voltou e se juntou a Élora e Mbizi. As três fizeram o mesmo que Yuki e Ashia faziam sem esforço: uma confortável cama de vento, que usaram para me mover até as flores.
Le Fay se sentou a meu lado, jogou pó no ar e fez flores grandes e macias brotarem e caírem sobre meu corpo, me protegendo.
— Pode ir, Barakj. — A Fada pediu. — Siga Gaya.
— Para onde iremos? — Mbizi perguntou.
— Para o Salão. — Élora replicou.
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