Chegada
Durante meses vi a gravidez de Lira evoluir como um botão de rosa que cresce até o desabrochar. Minha esposa estava linda, radiante, redonda e mal humorada também. Muitas vezes ela chorava sem motivos, e em outras ocasiões queimava objetos com uma raiva repentina que eu não entendia. Certa feita, durante o jantar, Lira derreteu um garfo porque o avô disse que abatera, sem querer, um filhote de cervo.
Felizmente Barakj a acompanhava em casa enquanto eu trabalhava. Ele não dispunha de maiores ocupações, era um velho rico que administrava administradores e sinceramente eu agradecia pelo apoio de Lorde Merak porque era difícil trabalhar sabendo que minha esposa podia estar em um dia ruim. Minha tensão diminuía sempre que me lembrava que o velho velava pela boa saúde da neta.
Os humores de Lira eram instáveis. Algumas noites ela dormia agarrada a mim e não me deixava levantar nem mesmo para urinar, como se eu fosse abandoná-la e fugir por alguma das janelas. Em outras noites ela dormia no próprio quarto e não admitia nem mesmo que eu respirasse dentro de "seu território", como ela mesma designara.
Às vezes comia muito e às vezes não queria comer. Nesses dias complicados, apenas a autoridade do velho Barakj fazia com que sua vontade dobrasse.
Eu tentava meu melhor para entender seus altos e baixos e ficava feliz por ela estar saudável. Minto. Eu não ficava feliz. Eu era feliz. Nossa vida era tão perfeita que às vezes eu sentia um profundo medo de que fosse tudo uma ilusão.
Depois de meses agitados finalmente chegou o dia do parto. Passara tão rápido que nem parecia ter decorrido quase um ano. Depois que os gritos de dor começaram, a casa ficou em polvorosa. Fui expulso do quarto, relegado ao lado de fora enquanto minha esposa se esgoelava partindo meu coração. Diferente do pai dramático que eu era, Barakj apenas se sentara em uma cadeira que havia no corredor.
Demoraram horas até que Lira finalmente desse a luz. A angústia era tanta que eu mal conseguia me conter sem chutar a porta até escancará-la. Tive tontura e o velho Barakj me aparou no colo antes que eu caísse no chão como uma donzela em perigo e depois segurou minha mão para me confortar como se conforta uma criança. Quando percebeu o ridículo da cena, me soltou envergonhado.
Dezesseis horas de trabalho de parto. Esse foi o tempo que demorou até ouvirmos o primeiro choro de minha criança. Naturalmente fiquei emocionado, já Barakj, inesperadamente, franziu o cenho.
— O que acontece? — Inquiri um pouco nervoso.
— Nada. — Respondeu com simplicidade.
Mas havia algo que provocara aquela reação e eu entendi quando finalmente pudemos entrar no quarto. Lira estava pálida sobre a cama. Cansada demais. E ao lado, no berço, vi nossa cria. Barakj pegou uma no colo. E eu peguei a outra. Eram gêmeas não idênticas. Uma tinha claramente os traços da mãe e a outra tinha meus traços. A que se parecia comigo era mais franzina.
Eu ia perguntar sobre os nomes, mas Lira dormira profundamente depois de tanto esforço. Dormira muito mais que o normal. Acordara apenas para amamentar e dormira outra vez. E a nós, viris homens da casa, restara o trabalho de organizar tudo.
Quando, depois de três dias, Lira finalmente saiu da cama sob uma saraivada de protestos, encontrou nossas filhas bem cuidadas. Havia uma mulher que chegara na cidade logo após Lira. Uma solteirona que se dispusera a cuidar de nossas crianças. O velho Barakj a fiscalizaria e Lira poderia descansar pelo tempo que precisasse. Juntei-me a ela, cuja pele estava quase da cor do cabelo e me pus a olhar nossas filhas que dormiam tranquilamente no berço. Minha esposa sorriu de modo enternecido, e eu sorri também.
— São tão miúdas. — Falei enquanto abraçava o corpo de Lira. Ele ainda não voltara ao normal, então tive cuidado para não causar dor.
— São um milagre. — Seus olhos estavam marejados.
— Eu sinto como se elas fossem parte de mim. De meu ser. — Declarei.
— Sinto o mesmo. E elas são de certa forma, parte de nós. Tenho a nova e estranha necessidade de fazer o possível e o impossível para que elas sejam felizes. — Lira descansou a cabeça em meu peito e eu acariciei seus cabelos.
— Quais serão os nomes? — Perguntei. Eu as amava tanto que era como se meu coração fosse explodir. Amava cada detalhe sobre elas, mas por algum estranho motivo não era capaz de escolher um nome.
— Pensei que a mais franzina, que se parece com você, deve se chamar Ana. Em homenagem à minha tia. E a que se parece comigo, vai se chamar Lwana, em homenagem à vovó Merak. — Lira definiu.
— Tanto sua tia quanto sua avó foram mulheres de temperamento forte. — Comentei pensando que, se o nome influenciava na personalidade. Já podia imaginar o trabalho.
— Nem todas da família poderiam ser doces como eu. A natureza exige variedade. — Lira troçou.
Abri um imenso sorriso diante de sua piadinha, depois a beijei com ternura. Gertrudes, a babá, interrompeu nossa contemplação. Era hora de banhar as crianças. O velho Barakj, superprotetor, apareceu em seu encalço.
— Já escolheram os nomes? — Perguntou-nos. — Estou cansado de chamá-las de "neta um" e "neta dois".
Ele pegou Lwana nos braços. Estava com a camisa recolhida até a altura dos cotovelos. Sinal claro de que ajudaria no banho. Lira acenou para o pacotinho que ele segurava no colo.
— Seus problemas findam neste instante, vovô. Esta em seus braços é Lwana e aquela nos braços de Gertrudes é Ana. — Ela informou.
O avô foi acometido por uma estranha emoção.
— Sua avó ficaria feliz. — Comentou com voz embargada.
— E sua tia também. — A reservada Gertrudes comentou. — Vamos Lorde Merak, ou passa da hora do banho.
— Sim, não queremos que as primogênitas Merak Alioth fiquem sujas. — Sorri para o velho.
— Ora, quando crescerem amarão mais o avô do que o pai. — Lorde Merak lançou a provocação antes de se retirar do quarto seguido por Gertrudes.
Lira foi tomada por um ataque de risos.
— Eu também vou banhar as crianças. — Falei resoluto e dei um passo em direção à porta, mas Lira segurou meu braço. — Não seja ciumento. Ambos terão espaço nos corações delas.
— Está certa disso, esposa? Os corações delas são pequenos demais, não parece que conseguem comportar muitas pessoas por lá. — Reclamei.
A resposta de Lira foi uma gargalhada. Minha esposa tinha razão, mas só por precaução eu ajudaria nos cuidados.
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