Antídoto
Vi-me em um espaço de escuridão quase total.
Logo à minha frente estava um pedestal de mármore branco sobre o qual levitava um coração tomado por chamas. Vivo. Coloquei a mão sobre meu peito e senti as batidas, no mesmo ritmo aquele que eu encarava, ficando aos poucos mais lentas. As chamas no coração também diminuíam. Quase imperceptivelmente.
Eu morria. Mais uma vez, eu morria.
Levantei-me do chão e me aproximei do pedestal onde a chama se extinguia. A chama do meu ser. Meu poder. Toquei o fogo no coração e ele não ardia em minha pele, na verdade me aquecia. E de repente notei que sentia frio, muito frio. Coloquei as duas mãos sobre as chamas, mas elas se tornavam cada vez menos efetivas em sua missão de manter meu corpo aquecido.
De minha boca saía fumaça branca. Meu corpo tremia. Eu sentia calafrios. Um vento gelado e úmido soprou em minha nuca. O coração estava quase completamente apagado. Segurei o órgão com firmeza e o abracei, sentindo as batidas cada vez mais espaçadas.
Ajoelhei-me no chão e me recostei no pedestal. Estava congelando. Aninhei o coração em meus braços e encostei minha cabeça em meus joelhos, formando uma cobertura. A carne que antes ardia em chamas, passou a ser apenas uma brasa que se apagava aos poucos.
Fechei os olhos para aceitar minha segunda morte.
No entanto ela não veio.
Um brilho azulado irradiou de meu peito e em seguida o coração se acendeu outra vez. Em pouco tempo todo o meu corpo estava abrasado. Em chamas. Levantei-me, sentindo a força vital que me preenchia e devolvi o coração ao seu lugar acima do pedestal. Depois caminhei de volta para a escuridão. Até perder a consciência. Ou recuperá-la.
Acordei em uma mesa de madeira. Estava em uma sala espaçosa que ficava em uma das árvores do centro da comunidade.
As paredes estavam abarrotadas de frascos em estantes que iam do chão ao teto. Três rostos me observavam. O primeiro ansioso, o segundo preocupado e o terceiro indecifrável. Arthur, Timaki e Élora pareciam esperar algum sinal de consciência.
Um pouco desnorteada, sentei na mesa onde estava deitada.
— Não sei o que aconteceu? — Falei. — Pensei que morreria dessa vez.
Timaki deu um passo à frente e me cheirou. Em seguida relaxou.
— Você foi envenenada. — Arthur disse enquanto se alinhava a Timaki. — As flores estavam repletas de pó envenenado.
— Na verdade é um veneno que funciona apenas em quem domina o elemento fogo. — Timaki completou. — Chamam de Flor da Extinção, porque extingue a chama vital da pessoa.
— Uma raridade. — disse Arthur.
— Eu não sabia que aquele lugar era envenenado. — Pedi desculpas.
— E não era. — Dessa vez foi Élora quem se pronunciou. — Não deixamos existir lugares envenenados em Avalon, nem armadilhas que possam matar alguém.
— Élora, você está sugerindo que envenenaram aquele lugar para me atingir? — Questionei.
— Talvez, não tenho certeza. Procuramos o culpado pela morte de Brietta. Por enquanto não temos um caminho certo a seguir, nem um suspeito que possa ser condenado.
— Jaci voou por lá um pouco antes de Lira correr pelo campo. — Timaki disse, timidamente.
Élora olhou para minha amiga enquanto segurava o próprio queixo.
— Falarei com ela. — Disse a fada. — É melhor se apressarem para o almoço.
Élora andou até a sacada do lugar e voou pela janela. Seus cabelos longos e sedosos estavam soltos formando uma imagem única no vento. Os fios tinham a cor de um crepúsculo no verão... Alaranjados, vivos...
Quando me recuperei do fascínio causado por aquela figura, olhei para meus amigos que também não se acostumavam à presença de Élora.
— O que aconteceu? Depois do campo, digo.
— Eu já conhecia o veneno. — Disse Timaki. — Percebi que havia algo errado e corri até você. Então farejei a toxina no ar. Peguei você e trouxe para a única pessoa confiável, que eu sabia que conhecia o antídoto.
Timaki olhou fixamente para Arthur que se mostrou um pouco constrangido com a atenção.
— Uma feliz coincidência eu ter feito um estudo sobre ervas raras, venenos e antídotos. — Falou enquanto corava.
Desci da mesa e o abracei.
— Você salvou minha vida, pequeno sabichão. — Beijei-lhe a bochecha. — Obrigada pela atitude.
— Acha que Jaci envenenou você? — Timaki questionou.
— Não sei dizer — Falei enquanto olhava para o teto. — Mas não é impossível imaginar. Todavia, ela me odeia tanto a ponto de me matar?
Meus amigos se mantiveram em silêncio. Nenhum de nós tinha uma resposta para aquela pergunta. Não uma que fugisse da afirmação.
No fim das contas fomos almoçar.
Era estranho continuar a rotina após quase morrer. No entanto, a estranheza quente da vida é melhor que o solitário gelo da morte. Como saldo positivo da experiência, a perspicácia de Arthur lhe rendeu uma indicação para iniciar seus estudos oficiais como alquimista e boticário. Pois, Avalon não desperdiçava talentos.
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