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A torre

Élora e Murciégala, assustadas, encararam vovô.

— Barakj, como você chegou aqui?! — Élora questionou em um misto de surpresa e indignação.

Murciégala chegou a esfregar os olhos para comprovar que não era uma miragem.

— Quer saber como encontrei minha neta, Senhora Le Fay? Tenho duas explicações. — Vovô explanou com voz dura enquanto terminava de adentrar o quarto. — O medalhão chama os membros da Ordem para ajudar. E eu senti o cheiro dela assim que se aproximou de nós. A farejei, como o cão que sou! — Vovô rosnou estressado.

— Não é prudente, Barakj! — Foi vez de Élora ser dura com ele. — Alguém está tentando assassinar sua neta! Por um instante você chegou a cogitar que essa pessoa poderia seguir você?

Vovô vacilou em sua raiva. Foi nítido o olhar de culpa.

— Não importa, eu a protegerei. — Retrucou.

— Você não voa, Barakj, quem trouxe você até o castelo? — Élora indagou desconfiada.

Murciégala se aproximou da janela e olhou para os lados antes de gritar um nome.

— Caroulinde! — Chamou.

— Claro... — Élora esfregou a testa. — Ela pode passar pela barreira, já que mora aqui.

Caroulinde entrou pela janela e pousou ajoelhada no chão enquanto se antecipava no pedido de perdão para Élora. Foi uma cena de cortar o coração. Seus olhos tão jovens amedrontados como se alguém lhe fosse arrancar a cabeça.

Então, em um segundo de desvio, ela me viu...

— Lira! — Se aproximou empurrando quem estava à sua frente. — Como isso aconteceu?

— Eu... estava... me... pen-te-an-do... quando... segui... a... voz... de... — tossi — ...meu... amigo. — Expliquei de maneira paupérrima. Minhas forças eram tão poucas que falar estava se tornando impossível.

— E eu estava na festa, Lira. — Ela se ajoelhou ao lado da cama. — Eu devia ter ido com você, para protegê-la.

— Está... tu-do... bem... Ca-ro-u-lin-de... — Tentei sorrir para ela. — Sou... forte.

Até então, Caroulinde era a única ali que demonstrara diretamente para mim a intensidade de seus sentimentos. Brigar uns com os outros não me traria melhora, mas aquele carinho talvez trouxesse.

— Obri-ga-da... por... tra-zer... — Perdi as forças e não consegui mais falar. Completei a frase lançando um olhar na direção de meu avô.

— Não precisa agradecer. — Ela sorriu com o lábio inferior. — Foi um prazer, embora eu vá receber um castigo por isso. — Gargalhou.

— É bom que saiba. — Murciégala grasnou.

— Não tenho arrependimentos. — Caroulinde se levantou e olhou para todos. Olhos nos olhos.

— Vá para sua torre, Caroulinde. — Élora pediu. — Em pouco tempo estarei lá. Precisaremos arranjar uma nova guarda.

— Sim, Élora. — Ela se dirigiu para a janela, mas antes de sair olhou para trás e falou: — Se me permite a ousadia, Fada, já é tempo de colocar a Lycoina em sua função. Ela está pronta.

Caroulinde não esperou resposta para seu atrevimento, apenas se foi.

— Devo segui-la. — Murciégala grasnou. — Sei que ela é jovem e inexperiente, mas concordo com sua opinião.

Murciégala partia dali quando a interrompi.

— Es-pe-ra... — Sussurrei antes que Murciégala chegasse à janela.

A criatura me fitou um pouco desconcertada.

— O-bri-ga-da... por... me... sal-var... — Agradeci.

Ela sorriu com seus lábios de morcego, e se foi. Sorri também, para o teto. Muitas pessoas gostavam de mim, que sorte eu tinha. Toda aquela conversa e enrola teve serventia. Vovô e Élora ficaram mais tranquilos afinal.

Vovô inspecionou à sua volta, procurando por algo.

— Mas que raios de quarto é esse que não tem porta e nem cadeiras? — Reclamou.

— Quer sentar essa bunda velha, Barakj? — Élora respondeu com sarcasmo.

— Quero. — Vovô retrucou em tom áspero.

Élora tirou algumas sementes de um bolso, as jogou no chão, e em seguida fez crescer uma poltrona de cipós entrelaçados.

— Esteja à vontade. — Élora acenou para a poltrona.

Soltando resmungos ininteligíveis e estreitando os olhos, vovô se sentou na poltrona e a experimentou.

— Muito confortável. — Admitiu a contragosto.

Aquilo me fez rir e por consequência, Élora riu também.

— Você não pode ficar aqui, Barakj. — Élora voltou a ficar séria.

— Eu sei, Senhora. Eu sei. — Vovô suspirou. — Me dê dois dias.

Élora assentiu com a cabeça. Eu sabia que vovô não podia ficar por vários motivos, mas aquilo me entristeceu mesmo assim.

— E o rapaz? — Élora perguntou para vovô. — Como está?

Ele olhou para ela em uma amálgama de raiva e preocupação.

— Precisei lhe empurrar comida garganta abaixo. Está como antes. Muito preocupado.

— Não podemos trazê-lo antes de decidirmos o que fazer. — Élora explicitou. — Levantaria suspeitas acerca de já termos encontrado-a.

Vovô assentiu com a cabeça no mesmo instante em que Jaci e outra mulher entraram pela janela. Uma mulher linda, cuja pele tinha a cor do bronze, seus olhos eram levemente compridos na horizontal e levavam a cor límpida da água. Azulados e transparentes. Os cabelos estavam arranjados em uma espécie de pequenas tranças torcidas.

Era Mbizi Amun. Bruja da água.

Jaci estava ainda em sua aparência jovem e bela, mas quando falou, tinha a mesma voz carrancuda de sempre.

— Novamente quase morta. Meu trabalho quase todo desperdiçado. — Reclamou.

Vovô olhou para ela, de cara amarrada.

— Já chega Jaci, não vamos expulsá-la de Avalon. — Élora disse com firmeza. — Não se pode fugir do destino, apenas aceite isso.

Jaci, como sempre, fungou. Fiquei feliz com aquilo, seria estranho achá-la bonita e começar a gostar dela.

Mbizi cumprimentou a todos e se aproximou da cama. Arrancando o cobertor que estava sobre meu corpo. Todo o fedor de morte que ficou preso ali, se espalhou pelo ambiente, me causando náuseas e trazendo lembranças dos mortos sobre mim. Mbizi aspirou ao odor e as íris de seus olhos se tornaram completamente negras antes de ela lançar para Élora um olhar preocupado.

— Reino dos Mortos. — Sentenciou.

Élora se pôs imediatamente tensa, e vovô também.

— Não pode ser verdade — Élora a olhou com a testa franzida —, isso fica em outro mundo.

— É impossível ela ter ido lá. — Vovô falou enquanto segurava o queixo com uma mão.

— Mas alguém abriu uma passagem. — Mbizi decretou. — Cheiro de cadáver montado.

Mbizi aproximou o nariz de meu corpo e cheirou dos pés até minha boca que forçou a se abrir para que a cheirasse dentro.

— Você mordeu a carne morta! — Me olhou assustada.

Acenei que sim, apesar de não ter acontecido exatamente daquela maneira.

— Está envenenada. — Disse sem rodeios, depois deu um tapa em minha perna. — Você sente?

Acenei que não.

— Está fazendo a passagem por outro caminho, diferente do normal.

— Não! — Vovô me olhou aterrorizado.

— Élora... — Jaci engoliu em seco e lançou para Le Fay um olhar significativo. Aquilo me assustou de verdade. Nunca tinha visto Jaci apavorada. — Precisamos de Leonie.

Élora assentiu.

— E precisamos também de quatro Elementais. — Completou Mbizi. — Devem vir com urgência, não temos muito tempo. 

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