A reunião
As portas do salão foram abertas e Timaki entrou em sua forma humana. Já fazia algum tempo que Élora tinha saído dali.
A primeira coisa que eu disse quando vi Timaki foi:
— Agora sei o que é uma Lycoina!
Ela riu e aquele som preencheu o salão de um jeito familiar muito bom.
— Aquela é minha forma, mas é diferente da que ganho em noite de lua cheia. — Timaki esclareceu. — Pensei que você ficaria mais assustada com aquela aparência.
Franzi a testa lançando a ela um olhar confuso.
— Assustada? — Indaguei. — Mas já conheço Murciégala e Caroulinde.
— No começo você não conhecia. — Explicou.
— Todos já viram sua forma? — Perguntei de modo geral, mas eu só queria saber se Arthur sabia daquilo.
— Sim. — Timaki contou. — Entretanto, poucos me viram durante a lua cheia, e esses infelizardos não incluem Arthur.
— Onde ele está?
— Lá embaixo com Borjan. A notícia de sua chegada se espalhou e todos estão em alvoroço.
— E vovô? — Timaki coçou a cabeça diante de minha pergunta.
Murciégala tinha entrado ali e levado vovô quase no mesmo instante em que Élora partiu.
— Está se preparando para descer. Vim buscar você para se preparar também.
— Não acredito. — Arregalei os olhos. — Você sabe voar?
Timaki me olhou confusa, mas logo parece ter se esclarecido.
— Oh não! — Ela riu. — Você vai se preparar aqui. Caroulinde buscou algumas roupas suas, espero que não se importe.
— Vou me banhar aqui? — Questionei incrédula.
— Sim! — Ela respondeu com os olhos brilhando. — E minha função é levar você.
Timaki me pegou no colo e começou a me carregar.
— Nunca estive em um castelo antes. Apenas os vi pelo lado de fora. — Falei enquanto me lembrava das suntuosas construções.
— Este lugar é maravilhoso! — Empolgou-se. — Tem tantas passagens ocultas, histórias e seres especiais. Tem até mesmo uma biblioteca diferente. Segure-se, vamos correr.
Segurei no pescoço de Timaki e ela começou a se mover ágil pelos corredores.
Passamos por salões, câmaras e subimos duas escadas antes de chegar à ante sala de uma sala de banhos.
— Como conhece tão bem esse lugar? — Indaguei perplexa pela facilidade que ela tinha em se encontrar pelos intrincados caminhos.
— Toda lua cheia venho para cá. — Ela respondeu. — Tomo minha forma total e fico aqui.
— Por quê?
— Porque fui treinada para ser parte da guarda organizada.
Assenti com um gesto de cabeça, mostrando que tinha entendido.
Olhei para os lados e vi uma enorme porta de ouro com um leão entalhado no material e ao seu lado uma mesinha com meus pertences. Havia roupa, um par de sapatos, um espelho de mão que eu nunca usava, minha escova de cabelos e uma loção perfumada.
Timaki se deitou em um banco que estava ali para quem eventualmente usava a ante sala.
A sala de vestir tinha um tapete gigante forrando o chão, vários móveis estofados para a pessoa usar enquanto se vestia ou para quem a acompanhava. Havia também móveis para pendurar ou guardar as roupas e uma penteadeira, para aparar os embelezadores. Ali tinha tudo isso e a mesinha, onde minhas roupas foram colocadas.
Abri a porta de ouro e encontrei uma enorme banheira dourada, já cheia de água misturada aromas de banho, sabão e bucha. Em um cabideiro havia toalhas, mas eu não precisaria de tantas.
Enfiei a mão na água e senti que estava fria. Entrei na banheira e acendi o fogo do corpo todo. Apaguei quando a água ferveu.
Foi um ótimo banho. Muito relaxante.
Quando saí da banheira olhei para o espelho que havia frente a ela. Tinha moldura prateada e contrastava com a parede negra. Analisei meu corpo. Era exatamente igual, como o original. Até mesmo as pintas e as manchas estavam nos mesmos lugares de sempre. Fiz alguns movimentos de exercício para sentir o funcionamento daquela carne e concluí que estava correto.
Quando me virei de costas para o espelho, percebi que uma fina mecha de meu cabelo se tornara preta. Uma mecha que ficava logo acima da nuca. Sem problemas, era meu novo charme com ares de mistério.
Já que fazia análises inúteis, acendi meu corpo. Era uma imagem e tanto. Eu não tinha me transformado a ponto de meu cabelo virar fogo, mas ver o fogo dançar sobre minha pele sem me queimar era impressionante. Graças ao calor meu cabelo secou rápido ficando alto e embaraçado. Achei engraçado.
— Acaso morreu na banheira?! — Timaki gritou.
— Não, já saio aí! — Respondi enquanto envolvia meu corpo em uma toalha.
Saí e encontrei minha amiga ainda deitada.
— Seu cabelo seca rápido. — Ela comentou.
Lancei-lhe minha mais nova piscadela marota de moça recém nascida e me vesti rapidamente, pois não estava com humor para vaidades.
Timaki me orientou pelos corredores do castelo até chegar à uma sala onde vovô, Caroulinde, Murciégala e uma fartura de comidas nos esperavam.
— Lira! — Vovô, que estava limpo e de roupas novas, me olhou como se me visse pela primeira vez depois de muito tempo, depois soltou um suspiro sofrido. — Você cresce rápido demais.
Sentei-me à mesa e Timaki também, agarrando sem cerimônia uma travessa de carnes.
— Sim vovô... E quanto mais cresço, mais o senhor envelhece. — Provoquei e depois sorri discretamente para o prato.
Vovô revirou os olhos ao passar uma mão pelos cabelos brancos que já tinham crescido até a altura das orelhas. Em seu dedo havia o anel com o brasão de nossa família. O brasão da família Merak era irônico: três espadas dispostas de maneira vertical e logo à sua frente o contorno de um coração, em chamas. Muito providencial, combinava com meu poder.
— Estão preparados para a reunião? — Caroulinde iniciou uma conversa despretensiosa.
— Jamais estarei. — Murciégala respondeu antes de morder uma fruta.
— Por quê? — Timaki, como sempre, se mostrou curiosa.
— Os mais jovens do Pomar ainda não viram como o Conselho reage às ameaças. — Murciégala soltou em tom reflexivo.
Vovô reagiu com um gemido sarcástico e depois guardou silêncio.
Terminei minha refeição mergulhada em reflexões. Eu não podia ser passiva mais, se fazia necessário capturar quem nos ameaçara.
Depois de muito comer e refletir, nos dirigimos ao local da reunião. Era em frente à sede do Conselho que ficava no nível do Pomar. O lugar era lindo, em forma de estrela e um aglomerado de seres se agitava frente ao local. Quase todos os membros do Conselho já estavam lá.
Nós, que acabáramos de chegar, nos colocamos um pouco distantes dos locais onde estavam as cadeiras de espaldar alto e esperamos. Ouvi cochichos sobre mim e decidi ignorar. Eu não viveria se desse ouvido a toda picuinha que aparecesse. Abracei a cintura de vovô e ele passou um braço por meus ombros antes de deitar a cabeça sobre a minha de um jeito carinhoso.
— Onde está Borjan? — Perguntei, mesmo fazendo ideia de seu paradeiro.
— Em sua casa. — Vovô respondeu de má vontade. — Dormindo na sua cama, usando a sua sala de banhos, mas não se preocupe, querida...
— Por que me preocuparia? — Franzi o cenho de olhos fechados.
— Bem, ele não vai mexer nas suas roupas íntimas. — Vovô respondeu com certa alegria. — Jurei que arrancaria suas partes preciosas caso fizesse isso.
Minha reação imediata foi ficar brava, mas depois gargalhei. Vovô não mudara.
— Vovô... — Chamei ainda de olhos fechados, aproveitando aquele raro momento.
— Diga. — Incentivou.
— Qual o envolvimento entre você e Elizaberta?
Meu avô engasgou com o ar que respirava e levantou a cabeça. Elevei o rosto para ver o dele um pouco vermelho e constrangido. Seus olhos encontraram os meus e ergui uma sobrancelha de maneira indagadora.
— Nós, não temos um envolvimento. — Respondeu finalmente.
— Mesmo? — Perguntei com plena certeza de que ele me escondia algo.
— Sim.
— Como se conheceram? — Insisti.
Meu avô me soltou e tapou o rosto com ambas as mãos antes de soltar um suspiro. Escrutinou meu rosto enquanto decidia se me contava ou não, e por fim, optou por ser sincero.
— Em um bordel.
— O QUÊ!? — Reagi de maneira escandalosa e sem querer chamei a atenção de alguns dos presentes, ficando envergonhada.
Meu avô soltou resmungos quase incompreensíveis. Entendi apenas "apesar da idade" e "necessidades". Eu o questionaria mais, porém Élora saiu pela porta onde ficavam as esferas Elementais e andou até o vão onde devia estar sua cadeira.
— Moradores do Pomar — começou —, é com extremo pesar que convoquei esta reunião — fez uma pausa e olhou para todos. — Serei breve, como exige a ocasião. É com tristeza que declaro a existência de um traidor entre nós!
Um burburinho de espanto começou e algumas pessoas olharam para mim.
Élora acenou com uma mão pedindo silêncio.
— Isto é inadmissível! Depois de tentativas falhas de conter as ações dessa pessoa, que se mostrou poderosa demais e uma ameaça para toda a comunidade aqui presente, declaro que a segurança da ilha será elevada ao nível máximo. — Élora fez mais uma pausa, pois o barulho ficara alto demais. Quando todos perceberam seu olhar duro, pararam de interromper. — Portanto — continuou —, pelo fato de não conseguirmos rastrear a magia usada, e por ser uma pessoa estrategista, seremos rígidas! Sabemos que o ser pérfido, seja qual for, cometerá algum deslize. Os seres místicos e mágicos já estão em estado de alerta. Qualquer pessoa que abandonar Avalon antes de encontrarmos o ser vil que anda entre nós, será considerada traidora. Qualquer pessoa que seja encontrada em um caminho que não condiz com suas tarefas do dia, será capturada. Dependendo do horário poderá acabar presa ou morta.
"Recomendamos a todos que tem relacionamento amoroso, que fiquem em apenas uma das moradas do casal, para evitar o desejo de escapadelas. Uma muralha mágica de três níveis será erguida tão logo os visitantes partam, ninguém entra, ninguém sai."
Élora fez silêncio enquanto a multidão olhava para ela, embasbacada.
— Se alguém tiver alguma informação, sugiro que nos procure o quanto antes. Estão dispensados. Todos têm doze horas para se organizar.
Depois da dispensa os membros do Conselho se recolheram em sua sede e alguns outros membros comuns os seguiram. Concluí que era a guarda, já que Murciégala e Caroulinde foram junto.
— Vamos para sua cabana. — Vovô se afastou de mim e olhou para o céu.
Seus olhos estavam marejados.
— O que aconteceu, vovô? — Indaguei confusa.
Ele me olhou e não conseguiu conter as lágrimas, aquilo fez meu coração pesar no peito.
— Em breve terei que partir. — Respondeu.
E minha confusão se foi, para dar lugar à tristeza.
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