Capítulo 17 - Como borboletas e cinzas
Alex Lawson
21 de junho, Miami, Florida
O treinador Hinton marcou uma reunião de urgência com o time naquela tarde. Tive que sair correndo da aula de fundamentos das ciências sociais para não me atrasar. Algo se passava pela minha cabeça sobre o que poderia ser, mas não queria criar tantas esperanças. Quando cheguei a maioria dos garotos já estavam reunidos, eu era um dos últimos, mas por sorte o treinador ainda não havia começado a falar.
Minutos depois, após a chegada de todos, Joe subiu em um dos bancos, chamando nossa atenção.
— Boa tarde, garotos. — Nós respondemos. — Desculpem a pressa, mas a reunião precisava ser feita imediatamente. Primeiro quero parabenizar a todos pelo incrível desempenho que viemos tendo nos amistosos, foram meses de intenso trabalho e tudo valeu a pena. Porém agora começamos de verdade. O campeonato nacional entre os times universitários vai começar em duas semanas e, finalmente, temos a lista de convocados. Algumas mudanças precisaram acontecer, qualquer reclamação será anotada e devidamente ignorada por mim, porque quem manda sou eu. Os nomes citados aqui são dos jogadores que tiveram melhores desenvolturas nesses meses. E aos garotos que estão no último ano de curso, como o nosso querido capitão Colton, deem o seu melhor e façam esse campeonato valer a pena. Nós sabemos do que os Panteras são capazes.
Nós batemos palma, fazendo o grito de guerra do time. Eu estava eufórico, ansioso, como se tivessem injetado altas doses de adrenalina em minhas veias.
— Agora vamos à convocação. — O treinador disse, lendo algo na prancheta. — Colton Jackson, nosso capitão, assumindo sua posição de quarterback. Desmond Peterson, tight end, jogando na linha ofensiva. Vincent Jameson, mais conhecido como VJ, receiver. — O treinador foi falando as posições, me deixando cada vez mais ansioso. O olhar de decepção de alguns jogadores era perceptível e eu tive medo de não ser chamado, mas ainda tinha um fio de esperança. — Agora, os Running Backs. Peço que pensem bem, muito bem, antes de darem palpites. — Ele lançou um olhar ameaçador para nós. — Nathaniel Wilson, como fullback, e Alex Lawson na posição de halfback. Isso é tudo, senhores.
Os garotos olharam para Nate e eu, que continuávamos estáticos, sem reação, acreditando que havia sido um engano. Haviam sido meses e mais meses de treino, de vontade de ser titular e agora que estava acontecendo, simplesmente não parecia real.
— Parabéns, garotos. Bem-vindos ao time titular. — Colton disse, dando um sorriso desdenhoso.
Eu devolvi o sorriso, tentando ser tão irônico quanto ele. Foi então que Nate reagiu, pondo sua mão em meu ombro.
— Cara, nós somos titulares. — Ele falou, esboçando um sorriso.
Os garotos começaram a conversar entre si, alguns iam saindo do vestiário com raiva, outros comemoravam – e pareciam não ter gostado da notícia da nossa convocação, com exceção de alguns.
— Sim, nós somos. — Eu sorri ao dizer.
Nate me puxou para um abraço apertado, batendo em minhas costas. Nós sabíamos que éramos bons no esporte, que havíamos sido reconhecidos por isso várias vezes, mas aquele reconhecimento, o reconhecimento do treinador e toda a equipe técnica dos Panteras fazia tudo ser melhor ainda.
Depois da reunião de urgência, tentei voltar para a aula, mas não consegui. Eu sabia que ficaria elétrico, pensando constantemente sobre a minha convocação e passaria vergonha caso o professor me perguntasse algo, porque minha cabeça estava inteiramente nos campos.
Eu precisava contar para ela.
Me despedi do time um pouco mais cedo e corri por alguns quarteirões até chegar ao local que já conhecia tão bem. Ao chegar no andar, vi a Dra. Martin caminhando em minha direção, usando um sobretudo bege sobre o vestido rosa claro. Ela sorriu leve ao me ver.
— Alex, sua consulta não deveria ser só daqui vinte minutos? — Indagou, cruzando os braços ao parar na minha frente. Eu sorri, dando de ombros.
— O seu melhor paciente chega antecipadamente.
— Eu teria uma resposta para isso se não fosse sua terapeuta.
— Pode dar, eu aposto que gostaria.
Ela negou com a cabeça, voltando a seriedade.
— Por que veio cedo? Responda com sinceridade.
— Queria dar uma boa notícia.
— Eu gosto de boas notícias. O que acha de me acompanhar?
— Até onde?
Ela saiu caminhando, passando por mim e indo direto para o elevador aberto.
— Venha e verá.
Não questionei nada, apenas a acompanhei. Poucos minutos depois estávamos caminhando pelas ruas de Miami.
— Me desculpe, mas o que vamos fazer? — Perguntei.
— Conversar, como sempre fazemos.
— Fora do consultório? Isso não é antiético ou algo assim? — Parei de caminhar e ela fez a mesma coisa, me encarando.
— Não, não é. Psicoterapia ao ar livre pode auxiliar em várias coisas, inclusive no tratamento para ansiedade, como é o seu caso.
— Eu já disse mil vezes que não sou ansioso.
— Alex, você aparentemente perdeu sua aula e está quase pulando só para me contar uma novidade, além de que não para de estalar os dedos. Do que você chama isso?
— Ok, talvez eu seja um pouco, mas não é nada que me prejudique.
— Nunca falei isso.
— Mas eu vejo em seus olhos, doutora, e eles me dizem que Alex Lawson é um ansioso fodido que precisa de terapia ao ar livre. — Brinquei, semicerrando os olhos para ela.
— Olha, se quer me fazer dar uma boa gargalhada, melhore nas piadas. — Sorriu e saiu caminhando. — Vamos, antes que o sol se ponha!
Alguns minutos depois nós estávamos no centro da cidade, no Museum Park, um dos lugares que mais gostava em Miami. Haviam prédio, dois museus e o gostoso calor das ruas da cidade. Eu adorava aquele lugar, adorava Miami, e cada vez que andava por lugares como aquele me sentia em casa.
Paramos em um banco na sombra onde a doutora finalmente começou a falar depois de um caminho praticamente em silêncio.
— Cinco meses morando aqui, como se sente? — Ela perguntou, olhando para a paisagem de árvores e prédios.
— Em paz, em casa.
— Eu também acho que você esteja em paz. Esses quase seis meses de tratamento foram muito promissores para você, Alex, consigo ver sua evolução, como todos os dias aprende a se perdoar, a se permitir ter uma nova chance e a encontrar felicidade nas pequenas coisas.
Eu sorri leve, por suas palavras e ao ver uma criança andando alegremente em seu patinete sendo acompanhada dos pais.
— Você já ouviu falar no conto do sábio chinês?
Neguei com a cabeça.
— Quando era mais nova tive um livro com histórias chinesas, aquelas histórias que te deixam pensativa por uma semana ou mais. A que mais me marcou foi essa história, a do mestre Chuang Tzu, que viveu por volta do século IV a.C., na China. Ele era um mestre taoísta que um dia sonhou que era uma borboleta, a borboleta que voava por todos os lugares, livremente, alegre. Seu sonho havia sido tão intenso, tão real, que ele perdeu a consciência de sua individualidade como pessoa. Era realmente uma borboleta. Mas, de repente, ele acordou e descobriu que era uma pessoa novamente. Só que o velho sábio se questionou: "fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta ou sou agora uma borboleta que sonha em ser um homem?"
— E o que ele era?! — Perguntei, eufórico. A Dra. Martin riu, dando de ombros.
— Não é preciso saber, essa não é a mensagem da história.
— Eu odeio coisas sem final explicado. Não é a primeira vez que me contam algo assim.
— Algumas coisas não precisam de explicações.
— Besteira. — Resmunguei.
— Nós estamos constantemente em questionamentos, Alex. Vivemos nos próprios sonhos, naqueles sonhos que parecem distantes e impossível, e muitas vezes esquecemos de pô-los em prática. A borboleta é crucial, porque representa a liberdade. Assim como ela nós começamos fazendo pequenos progressos, aprendendo uma lição após outra, assim como a lagarta que rasteja lentamente, comendo e fazendo seu caminho através das folhas. Saltar diretamente para o estágio da borboleta pode apenas ser um sonho que logo acaba. Se tivermos paciência, diligência, acreditar e fazer acontecer enquanto procuramos e consumimos folhas nutritivas, virá o dia em que a verdadeira recompensa chegará. Daí então, descobre-se que a feliz liberdade da borboleta não é apenas um sonho.
— Você acha... você acha que eu serei uma borboleta um dia?
— Eu acho que você caminha diariamente para isso. Nesses meses eu vi sua evolução, sua força e vontade de mudança, especialmente como batalhou para conquistar o que tem. Aposto que a boa notícia tem a ver com o time.
Eu sorri.
— Eu fui convocado para o time titular.
— Alex, isso é ótimo. Você percebe o quanto isso é grandioso? O quanto isso não é somente um avanço na sua vida profissional, mas na sua evolução pessoal, sim?
— Sim? — Franzi a testa.
— Claro que sim. Na primeira consulta, eu vi um garoto machucado, assustado e que acreditava que não merecia nenhuma felicidade porque havia machucado quem mais amava. Você se esforçar dessa forma, mostra que aos poucos suas feridas estão cicatrizando.
Respirei fundo, passando a mão no cabelo.
— Ainda acho que não viverei em paz enquanto não tiver o perdão dela.
— Como se sente sobre isso?
— Sinto que a machuquei demais, que não a amei como ela merecia... Deus, eu fui tão idiota. — Apertei o cabelo com os dedos.
— Não se puna assim.
— Me diga, doutora, eu deveria ir atrás dela agora mesmo? Deveria sair correndo daqui, ir direto para Nova York, procura-la pelo campus inteiro e dizer o quanto me arrependo por ter quebrado o seu coração? — A olhei, sentindo agonia.
— Você quer ir? — Ela perguntou tranquilamente. Tão tranquila que senti raiva. Raiva porque queria ser exatamente daquele jeito.
— Não sei.
— Sim, Alex, você sabe. Nós sabemos.
— Eu tenho medo de revê-la, ok? Satisfeita? — Esbravejei.
— Não, o que mais?
— Meu Deus... — Comecei a estalar os dedos. — Não sei como reagiria na frente dela, o que faria, mesmo que passasse dias planejando. Se olhasse em seus olhos, se a tivesse aqui em minha frente, eu provavelmente desmaiaria.
— Tem medo da reação dela?
— Muito.
— Camila era uma pessoa violenta e receosa a ponto de te deixar assim?
— Por Deus, não.
— Então por que o medo?
— Você ainda pergunta? Ela deve me odiar, doutora. Camila deve me amaldiçoar todos os dias por ter feito o que fiz, por ter sido um idiota completo.
— Alex, você já parou pra pensar que ela talvez nem se lembre mais disso?
— Acha que ela se esqueceu de mim? — Perguntei, nervoso.
— Não disse isso. Quis dizer que, talvez, ela tenha bloqueado certas memórias que a machucam, que agora esteja vivendo e fazendo tudo o que sempre quis e o que vocês viveram se tornou para ela apenas um passado doloroso. Eu conheço o coração de uma mulher machucada, e conheço mais ainda o coração de uma mulher que deu a volta por cima. — Ela sorriu triste. — E, sinto muito, mas muitas vezes não há espaços para antigos amores que a machucaram.
— Então eu nunca mais terei espaço no coração dela?
— Você quer?
— Querer e poder são coisas extremamente distintas. Camila nunca mais vai me olhar no rosto, quem dirá me querer de volta. Sinto que nosso futuro como casal terminou lá em Jacksonville, e hoje a única coisa que desejo é que um dia eu possa pedir perdão a ela, nada mais.
A doutora revirou algumas coisas na bolsa, até tirar uma caderneta e uma caneta, me entregando ao abrir em uma página em branco.
— Escreva nesse papel todos os sentimentos que ainda te atormentam, que ainda tiram o seu sono.
Fiquei alguns minutos pensando, escrevendo, extremamente concentrado. A doutora me deixava a vontade, me dava tempo suficiente e eu não poderia ser mais grato por aquilo. Poderia colocar milhões de sentimentos, mesmo que uma folha só não fosse suficiente, mas era impossível fugir daqueles que mais me afligiam.
Quando terminei de escrever, nós fomos até uma lixeira.
— Leia, por favor.
— A falta do perdão ainda me atormenta. Passo dias e dias lembrando do momento em que quebrei o coração dela. A culpa é constante.
— Agora, queime. — Ela falou, me entregando um isqueiro.
— Está falando sério?
— Muito sério. Arranque a folha e queime.
Assim fiz. Arranquei a folha e a assisti queimar lentamente, até cair na lixeira e se transformar em cinzas.
— Agora, Alex, assim como o fogo fez com as palavras, quero que transforme esses sentimentos em cinzas. Dia após dia. Se lembre da borboleta, ok? — Assenti.
— Ok.
— Ótimo. Acho que terminamos por hoje.
Antes de ir embora, ela se virou para mim, sorrindo levemente:
— Estou muito orgulhosa de você, Alex.
— Obrigada, doutora. — Sorri.
Quando ela se afastou, indo embora, dei uma última olhada na lata de lixo. Precisava deixar esses sentimentos virarem cinzas, precisava sentir a feliz liberdade de uma borboleta.
Sim, eu amo essas metáforas e amo mais ainda a evolução do Alex. O que vocês acham que vem por aí?!
Os próximos capítulos são os que eu mais gosto! ♥️
Instagram: @sweetwriter8
Vejo vocês em breve! ♥️
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