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☠ XVIII - Despedida ☠

Elisa não fazia ideia do que vestir. Nas últimas duas horas, já tinha experimentado metade do seu guarda-roupa, mas nada lhe parecia realmente bom. Jogada na cama, Nadine a assistia, entediada.

— Ah, meu Deus, o que eu faço? — desesperou-se Elisa, erguendo duas blusinhas para avaliá-las. Uma era rosa, de babados na parte de cima, e a outra azul, de um tecido fino e sem mangas. — Essa ou essa?

— Não olhe para mim — Nadine deu de ombros. — Não entendo nada de moda moderna.

— Você podia pelo menos tentar me ajudar. Para o que serve uma amiga, afinal?

Assim que disse aquilo, Elisa congelou. Amizade sempre foi um tema delicado em sua vida e ela não queria pressionar Nadine. Mas apesar disso, sentia-se a vontade com a pirata, o que era estranho. Talvez por ela pertencer a um mundo diferente do seu, Elisa sentia que podia falar sobre qualquer coisa sem que fosse julgada. Será que isso era o suficiente para que as duas fossem amigas?

— Bem, eu não sei... — Nadine apoiou-se sobre os cotovelos, erguendo o corpo da cama. — Nunca tive uma.

Elisa sentiu algo formigar em seu estômago.

— Podemos descobrir juntas, se você quiser — disse ela com um olhar vacilante. Então ergueu as blusas até a altura do rosto, ansiosa para mudar de assunto. — A começar pelas roupas! Qual dessas você usaria?

Nadine suspirou, voltando a atirar-se na cama.

— Por que isso importa? Quer dizer, se esse tal Rafael gostar mesmo de você, não vai se importar com a roupa que está vestindo, então não precisa ficar tão obcecada com isso.

— Bem, normalmente eu visto qualquer coisa, mas hoje é uma ocasião especial... não queria ir vestida de qualquer jeito...

— Nossa! — exclamou ela, sentando-se de repente na cama para encará-la com um olhar malicioso. — Quer dizer que esse Rafael é mesmo especial para você?

As bochechas de Elisa coraram.

— Bem, é claro que gosto dele, se vamos sair juntos...

O olhar de Nadine tornou-se nublado. Elisa a encarou, sem entender.

— Eu só lamento por Henrique.

— O que tem ele? — tornou ela, na defensiva.

— Ora, vai dizer que não reparou em como ele ficou incomodado quando você aceitou o convite do Rafael?

— Eu não sei o que deu nele. De repente começou a me tratar como se eu tivesse feito algo de errado.

— Vamos, Elisa, não é possível que seja assim tão cega — provocou ela, com um sorriso nos lábios. — Está na cara que Henrique gosta de você.

— O que? Não, ele não gosta de mim!

Elisa sentiu o sangue subir para a cabeça, fazendo suas bochechas corarem ainda mais, se é que era possível. Seu corpo foi tomado por uma corrente elétrica e ela começou a atirar de volta as roupas que havia tirado do guarda-roupa. Seus olhos percorreram o quarto todo, evitando o olhar crítico de Nadine.

— É claro que gosta! — contestou a pirata, levantando-se da cama para acompanhá-la de perto. — Você não percebeu o quanto ele ficava incomodado toda vez que Eric começava a se aproximar de você? E a postura protetora dele sempre que estavam em perigo?

— Isso... isso não quer dizer... ele age assim porque se sente culpado por termos ido parar em Libertália juntos. Sua missão era para ser solitária, então ele se sente responsável pelo que acontece comigo. O que é normal.

— Não é nada normal.

Elisa virou-se de repente, surpreendendo Nadine e quase fazendo-a cair.

— E por que estamos falando só sobre a minha vida amorosa? Temos que falar sobre a sua também. Você e Zaki...

Sua voz morreu quando ela notou a postura de Nadine ficar rígida. Seus olhos eram insondáveis. Elisa lembrou-se de que a garota não gostava que tocassem naquele assunto, e por um momento ficou apreensiva, mas enfim Nadine suspirou.

— Gostar de Zaki sempre foi muito natural para mim. Como respirar. Por isso eu tinha certeza que o sentimento era recíproco, apesar de nunca ter expressado como me sentia. Mas depois da última vez que nos vimos...

— Vocês brigaram?

Nadine abaixou a cabeça, constrangida.

— Eu o beijei, mas foi um erro... Zaki agora está obcecado com a ideia de seguir os passos do pai, de assumir para si a missão de proteger o povo malgaxe, mas ele não é um guerreiro. Ser violento vai contra a sua natureza, foi o que tentei dizê-lo, mas... — Ela caminhou até sua velha espada, esquecida sobre a cabeceira desde que chegara, e acariciou sua bainha de couro, como se o gesto pudesse lhe trazer algum conforto. — Ele me afastou, disse que éramos muito diferentes... disse que eu devia me casar com Eric.

— O que? Como ele pode dizer uma coisa dessas?

— Zaki dá muita importância para as tradições familiares. Se estivesse aqui, diria que eu não consegui me comunicar com ele porque me afastei delas. Violar algo estabelecido é um pecado mortal.

— Mas isso não quer dizer que você tenha que casar com Eric! — revoltou-se Elisa. — Quer dizer, um pirata deveria ser livre!

Nadine permitiu-se um sorriso fraco. Era a primeira vez que a pirata se mostrava vulnerável, e sua imagem melancólica assustou Elisa. Se visse Zaki novamente, ela lhe daria um soco na cara por ser tão idiota.

— Olhe, posso não ser experiente com garotos, mas... pelo que percebi, ele não disse que não gosta de você. Talvez, se vocês conversarem de novo, ele caia em si.

— Supondo que eu consiga voltar para Libertália e que a ilha não seja destruída.

— É, tem isso também...

Nadine riu de sua postura rígida, finalmente relaxando.

— Você não tinha um encontro para ir?

— Ah, meu Deus! Eu ainda não decidi o que vestir!

Exasperada, Elisa virou-se para a bagunça que tinha virado seu guarda-roupas, e enquanto Nadine ria, tateou pelas peças, tentando encontrar algo decente.

De repente, um arrepio estranho percorreu todo o seu corpo. Ela congelou com uma das blusas na mão.

— O que foi? — quis saber Nadine, parando de rir.

— Nada, só... estava pensando nas palavras de Mariana no banheiro.

Nadine franziu a testa.

— Então teve mesmo alguma coisa, apesar de você não querer me contar.

— Ela disse só: "tome cuidado". Acho que era uma ameaça, ela ainda não superou o término com Rafael e agora quer descontar em mim.

— Sabe que posso cortar algumas gargantas se você quiser, não sabe? É só me dizer os nomes...

O comentário fez Elisa rir.

— Não, nada de gargantas cortadas.

— Tem certeza? Bem, se mudar de ideia, já sabe... mas falando sério, acho que devia levar a adaga de Haya com você.

Elisa arfou com a ideia. Desde que voltara, tentava não pensar sobre a arma escondida em sua gaveta. Também não ajudava muito saber que sua lâmina tinha decepado a cabeça de um homem, por mais que ele merecesse. Elisa jamais seria capaz de decepar alguém. A simples ideia a fazia ter calafrios.

Mas Nadine continuava a encará-la de um jeito sério, indicando que não estava brincando.

— Por que eu faria isso?

— Haya a deu para que você se protegesse. É uma arma pequena, mas pode salvar a sua vida em uma emergência, por isso é sempre bom ter uma por perto. Nunca se sabe quando se vai precisar de uma adaga.

— Eu não sei o que piratas fazem em seus encontros, mas levar uma faca para um aqui no mundo moderno não é visto como um sinal de sanidade mental.

— Não é uma faca! — indignou-se Nadine, olhando-a como se ela tivesse cometido algum crime contra a honra das armas brancas. — É uma adaga.

Trinta minutos depois, Elisa saiu para o seu encontro, amaldiçoando-se por ter deixado Nadine convencê-la a levar a adaga presa por baixo da calça.

☠☠☠

No fim das contas, Elisa escolheu uma calça jeans básica e uma blusa branca sem mangas. Não queria que Rafael pensasse que ela passou tempo demais escolhendo suas roupas. Tentando não pensar sobre a adaga, ela foi ao encontro dele, mas toda a sua autoconfiança desmoronou assim que viu o carro.

Era um Honda Civic preto, novo em folha, a pintura brilhando imponente sob a luz amarelada da via pública. Apoiado no capô do carro, Rafael a aguardava com um sorriso luminoso. Estava tão lindo que era difícil olhar para ele.

— Eu... não sabia que você tinha um carro — apontou Elisa, sentindo-se constrangida. — Pensei que iríamos só dar uma volta a pé.

O sorriso de Rafael cresceu.

— Peguei emprestado do meu pai. Legal, né?

— Mas... você não é... menor de idade?

Ele se aproximou de Elisa, passando um braço por seus ombros. O contato repentino fez seu estômago revirar. Aquela seria uma noite e tanto.

— Relaxa, gata. Eu faço dezoito no mês que vem e vamos só dar uma voltinha. Confie em mim, você está mais segura comigo do que com Deus.

Elisa tentou sorrir de volta, mas temeu que sua expressão soasse mais como uma careta. Não conseguiu relaxar quando ele a conduziu para o banco do passageiro, fechando a porta como um cavalheiro. Por alguma razão, a expressão zangada de Henrique lhe veio à mente, o que não contribuía muito para que ela se tranquilizasse.

— E então, o que quer ouvir? — disse Rafael ao seu lado, mexendo no rádio do carro.

— Qualquer coisa.

A batida eletrônica inundou o interior do veículo enquanto eles partiam. Para um fora da lei, Rafael dirigia muito bem, respeitando os sinais de trânsito e a velocidade máxima permitida, mas todos os músculos de Elisa continuaram tensos pelo restante do caminho. A música artificial e agitada sem propósito a incomodava, mas ela não disse nada. Não queria parecer antiquada.

Eles escolheram um sorvete simples e conversaram um pouco enquanto se sentavam em um banco à beira-mar. A orla estava bem movimentada, como uma típica sexta-feira à noite qualquer. Elisa lhe contou sobre a situação delicada do avô, e Rafael confortou-lhe com algumas palavras de incentivo e motivação. Era a companhia perfeita que qualquer garota da sua idade poderia querer, mas de vez em quando seu olhar sobre ela tornava-se faminto, o que a deixava desconfortável. Por mais encantador que ele fosse, Elisa não conseguia afastar a sensação de que havia algo de errado naquele encontro.

— Por que você e Mariana terminaram? — disse ela de repente.

Pela primeira vez, o sorriso de Rafael vacilou.

— Por que quer saber?

— Nada, só curiosidade...

Ele suspirou, passando a mão livre pelos cabelos loiros.

— Ela terminou comigo, não sei bem o motivo. Pensei que estávamos nos dando bem, mas... — ele segurou a mão de Elisa, encarando-a com um olhar intenso e penetrante. — Isso não importa mais. Não quero pensar em Mariana quando estou aqui com você agora.

A brisa do mar soprava gelada, agitando as ondas na arrebentação. O movimento de transeuntes ia diminuindo conforme a noite avançava, deixando a orla cada vez mais deserta.

Elisa afastou sua mão delicadamente, desviando os olhos dos dele.

— Acho melhor voltarmos. Está ficando tarde.

Ele não protestou. Apenas assentiu, sorrindo cordialmente.

— Tudo bem.

Elisa só percebeu que havia algo de errado com o trajeto quando já tinham percorrido umas dez quadras. Seus dedos se apertavam com força contra o cinto de segurança, como se aquilo pudesse salvar a sua vida. Cada músculo do seu corpo estava tenso. Eles passavam por um bairro industrial, com poucos prédios e mal iluminado, já deserto àquela altura. Rafael não tinha ligado o rádio dessa vez, e o silêncio entre eles apenas aumentava o clima de suspense no ar.

— Pra onde estamos indo?

— Relaxa — disse ele com um sorriso predador que era tudo, menos tranquilizador. — Você vai gostar.

Elisa engoliu em seco, tentando raciocinar. Tudo naquela situação gritava "perigo", então ela se lembrou das palavras de Mariana. Tome cuidado! Talvez aquilo não fosse uma ameaça, afinal. Talvez ela estivesse tentando alertá-la sobre algo.

Rafael parou o carro em um terreno baldio, e quando finalmente virou-se para ela, devorou-a com os olhos, saboreando-a de cima a baixo. Instintivamente, Elisa inclinou o corpo contra a porta, tateando por trás à procura da maçaneta.

— Eu... eu quero ir embora... me leve de volta para casa.

Ele abafou um sorriso, achando graça de sua tentativa inútil de escapar. Inclinou-se sobre ela, soltando-a do cinto apenas para ter mais liberdade para tocá-la. Elisa sentia-se como uma presa idiota pega em uma armadilha. De repente, entendeu como Haya devia ter se sentido quando matou seu raptor. Ela certamente seria capaz de matar Rafael caso ele avançasse mais.

— Voltar tão cedo? — provocou ele, acariciando seu pescoço. O contato provocou-lhe um arrepio de repulsa. — A diversão ainda nem começou.

— Esse encontro não tem nada de romântico — ela resmungou, afastando a mão dele com um tapa.

Rafael sorriu ainda mais com a sua recusa, um riso sinistro de escárnio. Não havia mais nada de encantador nele. Como um animal selvagem, avançou contra ela, agarrando seus pulsos com força.

— Não se faça de santa, Elisa. Você aceitou sair comigo, queria que isso acontecesse.

— Não queria... não assim...

Elisa debateu-se, lutando para libertar-se, mas quanto mais tentava fugir, mais forte ele a agarrava. Para o seu total horror, Rafael começou a beijá-la, forçando a língua contra a dela. Uma lágrima solitária rolou por sua bochecha, e quando ela pensou que não poderia mais suportar aquela tortura, sentiu os lábios descerem para o seu pescoço, mordendo cada pedaço de pele exposta.

— Me solta... — implorou ela, a voz entrecortada, tremendo de medo.

Ele apenas avançou ainda mais, aproveitando-se de seu estupor. Suas mãos puxaram a camiseta de Elisa para cima com violência, agarrando-a pela cintura e apertando-a contra seu próprio corpo.

— Você não tem escapatória, é melhor não lutar.

Assim que ele disse isso, Elisa sentiu o sangue subir. Em um milésimo de segundo, sua vida inteira passou por sua mente e ela entendeu o que iria acontecer. Não podia mais deixar que o pavor a dominasse. Precisava agir para salvar o que lhe restava de sua dignidade. Em um rompante, sacou a adaga de sua calça, cravando-a no braço esquerdo de Rafael.

Ele gritou de surpresa e dor, finalmente soltando-a. Seus olhos arregalaram-se ao encontrar a adaga ensanguentada nas mãos de Elisa, ainda erguida em ameaça. Ela estava com o rosto coberto de lágrimas e ofegava, mas seu olhar era firme e intimidante.

— Eu disse para me soltar — ela disse devagar, a respiração pesada.

Rafael ainda a encarava em choque. Com a mão direita, segurou o ferimento, tentando estancar o sangue.

— Você é louca!

— Pelo contrário, nunca estive tão lúcida. — Ela ergueu a adaga. — Agora, leve-me de volta para casa!

Ele lançou-lhe um último olhar hostil, mas com a ameaça da adaga entre eles, a lâmina ainda brilhando com o seu sangue, fez o que ela mandou. Elisa respirou aliviada ao ouvir o barulho do motor ganhando vida novamente.

Em um minuto, estavam de volta à rua, e o carro continuou rodando, imerso em um silêncio petrificante, até ganhar uma avenida movimentada. Elisa não abaixou a adaga por um segundo sequer. Ainda não conseguia acreditar que seu tão sonhado encontro quase tinha se transformado em um filme de terror, e que só conseguiu se salvar por causa daquele pequeno objeto. Pelo resto da vida, seria grata a Haya e Nadine por terem-na obrigado a andar com aquilo.

Ainda faltavam algumas quadras, quando alguém que passava pela rua chamou sua atenção. Seu sorriso travesso não estava lá, mas os cabelos castanhos desgrenhados, suas roupas antiquadas e porte magrelo eram inconfundíveis. Elisa sentiu uma pontada no peito ao reconhecer Omar, andando tranquilamente há apenas alguns metros de seu alcance.

— Pare o carro! — gritou ela, causando um sobressalto em Rafael que quase o fez perder o controle do volante.

— Eu não fiz nada dessa vez! — apressou-se ele em dizer, olhando para a adaga com preocupação.

O coração de Elisa parecia querer saltar pela boca. Omar acabava de virar a esquina. Mais um pouco e ele poderia desaparecer para sempre.

— Apenas pare o carro!

Rafael parecia não querer correr risco de vida, pois parou no mesmo instante. Alguns carros buzinaram em protesto, passando voando pela esquerda. Ele encarou-a pela última vez em um misto de descrença e admiração.

— Sua mãe sabe que você anda por aí com uma faca escondida por baixo da roupa?

Elisa já estava do lado de fora do carro, mas encarou-o com um ar de superioridade antes de bater a porta e correr atrás de Omar.

— Não é uma faca. É uma adaga!

Infelizmente, ela não correu rápido o suficiente. Ao dobrar a esquina, deparou-se com um gato revirando uma lata de lixo. Mais à frente, um casal andava de mãos dadas. Não havia nem sinal do garoto. Ele parecia ter um talento natural para sumir do nada. Ela andou mais alguns metros a frente, mas ele simplesmente evaporara. Desolada, Elisa voltou para a avenida, mas antes que pudesse pensar em voltar para casa, percebeu que estava diante do Santa Bárbara, o hospital em que seu avô estava internado.

Um arrepio sinistro percorreu o seu corpo. Seria possível que Omar tivesse saído dali? Ele tinha dito que estivera em Santos antes, talvez sua família ainda estivesse na cidade. Um pensamento terrível começou a se formar em sua mente: e se ele estivesse visitando seu avô? Elisa balançou a cabeça, afastando tal possibilidade. Aquilo não fazia sentido. De qualquer forma, ainda se sentia muito abalada para voltar para casa, então decidiu entrar no hospital para tentar ver o avô, apesar de já passar das dez. Sua aparência devia estar horrível, e eles provavelmente não a deixariam entrar se descobrissem que levava uma arma branca, mas ainda assim, de alguma forma sabia que precisava vê-lo.

Elisa limpou as últimas lágrimas do rosto, e reunindo forças, marchou para as portas de vidro do prédio.

O hospital estava deserto, exceto pela recepcionista, que cochilava em cima de uma revista de moda. Elisa passou por ela tranquilamente, caminhando em direção aos quartos. Uma enfermeira que passava pelo corredor a olhou com desconfiança, mas continuou o seu caminho sem incomodá-la. Não deveria ser tão fácil entrar em um hospital como aquele. As pessoas pareciam imersas em um estupor hipnótico, mas ela continuou andando, tentando não pensar naquilo.

Dois corredores à frente, encontrou o número do quarto. Ela respirou fundo antes de entrar, mas nada do que fizesse a prepararia para o que viu.

Seu querido avô estava deitado em um leito, com dezenas de fios conectados em suas veias. Tinha emagrecido muito desde a última vez em que ela o vira, e sua pele morena estava machucada em diversos pontos pelo corpo. Parecia um frágil boneco de trapos prestes a se desfazer ao menor sopro. Elisa tentou andar até ele, mas suas pernas bambearam e ela teve que se segurar para não desabar ali mesmo. Seu coração estava despedaçado. Não era justo um homem tão bom quanto ele terminar assim.

— Rosa? — De alguma forma, ele conseguiu dizer contra o respirador de oxigênio. Sua voz era apenas um sopro sussurrado. — Minha menina...

Lágrimas voltaram a rolar pelo rosto de Elisa, dessa vez de profunda tristeza. Desde que começou a desenvolver sua doença, seu avô sempre a confundia com Rosa, a irmã mais nova de sua mãe que morrera quando ainda criança.

Com dificuldade, ela se arrastou para a cabeceira do leito, acariciando suavemente os poucos fios brancos que lhe restavam em sua cabeça.

— Estou aqui...

Seus pequenos olhos leitosos a focalizaram por um momento, e o vestígio de um sorriso começou a se formar em seus lábios.

— Ele esteve aqui também...

— Ele quem? — Então a realidade a atingiu como um raio. — Omar?

— Veio me ver pela última vez... — continuou ele, ignorando por completo sua pergunta. Seus olhos voltaram a encarar o nada e ele começou a tremer.

— Vô? — Ela segurou em sua mão, preocupada. Ele tinha uma expressão de tortura na face, com se lutasse para permanecer de olhos abertos. — Não faça mais esforço, o senhor precisa descansar.

Elisa começou a ajeitar o travesseiro por baixo dele, mas nesse momento a enorme máquina a qual ele estava ligado começou a apitar descontroladamente. Elisa não entendia nada de equipamentos médicos, mas até ela sabia que aquilo era preocupante. Seu avô estava se esvaindo bem à sua frente, e ela não podia fazer nada.

— Vô? Por favor, não me deixe — implorou ela em seu desespero, as lágrimas descendo como cascatas. — Eu vou chamar um médico!

Mas antes que ela pudesse correr para o corredor, uma mão agarrou seu pulso com urgência, a impedindo de sair. A força com que ele a segurava era incompatível para alguém que estava à beira da morte. Ela encarou seus olhos, e por um breve instante havia um fio de lucidez neles.

— Não, Elisa! — ele disse em uma voz surpreendentemente firme. O fato de tê-la chamado pelo nome certo a fez congelar no lugar. — Está chegando a hora... lembre-se da história... você precisa se lembrar para... entender...

Sua voz foi morrendo à medida que os olhos iam perdendo o foco. O aperto no pulso afrouxou e o apito da máquina tornou-se um ruído alto constante. Como um leve sopro de brisa, ele a deixou para sempre.

— Não... NÃO!

O grito de Elisa ecoou pelo corredor, e logo a porta do quarto explodiu, sendo invadida por uma equipe de três enfermeiras e um médico que a afastaram sem cerimônia para checar a máquina e aplicar os últimos recursos para tentar reanimá-lo.

As próximas horas passaram como um borrão. Elisa assistiu a tudo em uma espécie de transe, como se seu corpo não pertencesse mais a ela. Desespero... dor... impotência... a morte do avô era mais do que podia suportar.

Em algum momento da noite, ligaram para sua mãe a avisando do ocorrido e em um instante ela estava ali, arrasada e esgotada. Nadine e Oliver ficaram com Beto e ela insistiu para que Elisa voltasse para casa para descansar um pouco enquanto cuidava dos trâmites legais. Elisa não queria deixar sua mãe sozinha. Sabia que ela estava fraca demais e muito abalada para passar mais uma noite em claro, mas discutir era impossível.

Quando deu-se por si, estava deitada em sua cama, os olhos muito abertos, incapaz de dormir. Sua mente era um turbilhão de pensamentos e emoções. Seu encontro desastroso com Rafael parecia ter ocorrido há séculos. Ela não conseguia parar de pensar nas últimas palavras do avô. O que ela precisava entender? De qual história ele estava falando?

Antes daquela doença perversa se apoderar dele, seu avô era um homem ativo, independente, sempre dedicado à família. Estava sempre de bom humor, contando mil e uma histórias sobre o tempo em que era jovem. Saber sobre qual daquelas histórias ele se referia era impossível.

Em algum ponto da madrugada, seu corpo acabou sucumbindo à exaustão, e ela mergulhou em um sono agitado...

☠☠☠

No sonho, ela era uma garota de cinco anos de idade. Corria livremente pela praia, os pezinhos descalços afundando na areia fofa. Seus longos cabelos e seu vestido florido balançavam ao sabor da brisa do mar. Sentado à distância em uma canga estendida, um homem de meia idade e pele morena a observava com afeição.

— Cuidado, Elisa — gritou ele. — Não vá tão longe!

A menina agachou-se para pegar uma conchinha branca meio enterrada na areia, e então voltou correndo, mostrando-a para o homem com um sorriso de satisfação. Suas bochechas estavam coradas pela corrida.

— Olha, vovô! Eu achei o seu remédio!

Ele abriu um sorriso afetuoso, do jeito que sempre fazia quando estava com ela. O sorriso reservado à neta.

— Ah, eu estou tão doente — disse ele com uma voz de falsa tortura, deitando-se sobre a canga. — Não sei se o remédio vai ajudar...

Imediatamente ela inclinou-se sobre o avô, colocando a concha em sua barriga.

— Não se preocupe, vovô. Eu vou te curar.

Elisa passou a concha cuidadosamente por seu peito e abdômen, mas quando terminou o procedimento médico, o avô continuava imóvel, de olhos fechados. Ela agarrou a bainha de sua camisa de algodão, balançando-o de leve. Nada. Por um instante, sentiu o medo apoderar-se de seu pequeno ser.

— Vovô, acorda! — chamou ela, chacoalhando-o com mais intensidade. — Você não pode morrer!

Então ele deu um pulo para cima, agarrando-a pela cintura e girando-a no ar. Elisa deu gritinhos de surpresa e felicidade.

— Ahá! Estou curado! Minha médica favorita me curou!

As risadas do avô e da neta misturaram-se pelo ar, espalhando sua alegria pela praia.

O sonho mudou. Os dois estavam sentados no chão da sala, com diversas fotografias antigas espalhadas ao seu redor. O avô estava mais velho agora, mais enrugado e com os cabelos mais grisalhos, mas sua mente ainda estava lúcida. Ele pegava cada foto e a olhava longamente, perdido em suas memórias. Uma em especial chamou a atenção de Elisa, e ela tirou-a do chão para analisar melhor.

Era a imagem em preto e branco de três figuras masculinas, lado a lado, de braços cruzados e sorrindo para a câmera.

— Olha essa — ela a passou para o avô. — Acho que esse do meio é o senhor.

Ele a fitou por um momento, e suas sobrancelhas se juntaram em uma expressão de tristeza e dor.

— Ah, sim... eu tinha quinze anos aqui. Esse do meu lado direito era seu bisavô, meu pai, e esse do lado esquerdo...

— Eu já sei — interrompeu Elisa, lembrando-se da história de repente. — É o seu irmão mais novo, o que morreu afogado enquanto mergulhava na Praia Dourada.

— Ele mesmo... tinha acabado de completar doze anos, tão novo... Meu pai morreu de desgosto tentando encontrar o corpo, mas nunca pudemos enterrá-lo. Provavelmente o corpo deve ter se desfeito no mar.

Elisa passou os olhos pela foto mais uma vez. Apesar do sorriso, seu bisavô tinha feições severas, como se estivesse constantemente repreendendo os filhos. Do outro lado, o mais novo não passava de um garoto magricela, de cabelos desgrenhados e olhar travesso. Elisa arfou ao reconhecê-lo. Já tinha visto aquele menino antes, em carne e osso. E bem vivo.

O choque de sua descoberta foi tão grande que ela acordou em sua cama, ofegante e banhada em suor. A imagem de seu sonho tinha ficado gravada em sua mente como uma cicatriz recém adquirida. Agora ela sabia porque Omar lhe parecia familiar. Ele era, na verdade, seu tio-avô que deveria ter morrido há sessenta anos atrás.

Vou nem falar nada hoje. Vou só sair de fininho... 

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