Memórias 8
A pior coisa do mundo é quando alguém te faz sentir bem ao seu lado, te faz sentir especial, te faz sentir o coração a bater mais depressa, e de repente te deixa de lado. Ele está noivo. Sinto o meu coração partido, por algo que nem começou. Como é que o meu coração pode sentir saudade de algo que nunca teve?
Como é que pode bater por um amor que sempre esteve longe de o ser? Como pode estar triste e a sofrer? Como pode sentir-se a amar se nunca foi amado por esse alguém? Por quanto tempo vou consegue fingir? Fingir que está tudo bem com ele, se ele já está a começar a partir-se? Quanta dor um coração precisa, para simplesmente desistir de bater?
Saio do restaurante, e caminho para longe dali. Não sei para onde vou, não estou nem com cabeça para pensar para onde me estou a dirigir. As lágrimas que segurei até agora começam a cair, a dor que sinto é sufocante. Sinto que estou a partir de dentro para fora, como se tudo dentro de mim fosse a mais fina porcelana, e estivesse a partir tal como peças de dominó em cadeia.
— Ei! Princesa...— Viro-me para trás, mas não é Jamie.— O que anda uma menina tão linda e sozinha, a fazer por estes lados da cidade?
— Eu...eu...vou-me já embora, estou só de passagem.— Respondo e tento sair dali o mais depressa possível.
— Ah! Mas já.— Tento andar mais depressa, mas o homem segura-me no braço.— E eu a pensar que podíamos nos divertir um pouco.
— Não. Por favor, largue-me por favor.— Estou arrasada com o que descobri, com o coração partido, e agora estou a ponto de ser atacada por um homem, um velho. Estou com medo, estou apavorada.
— Não sejas assim boneca. Vais ver que vais gostar.— O homem começa a tocar-me, estou a tremer, sinto nojo de mim, sinto me completamente perdida.
— NÃO. NÃO. LARGUE-ME...SOCORRO...SOCORRO...NÃO...
De repente apenas sinto o homem a ser afastado de mim. Não consigo nem abrir os olhos, deixo-me cair de joelhos, toda eu tremo. O choro já não é um choro de dor, é de desespero, de medo, de puro pânico. Sinto alguém tocar-me de novo.
— NÃO...NÃO...
— Princesa. Dakota, sou eu, o Jamie. Dak, olha para mim.— É ele. É o Jamie, ele veio atrás de mim, ele salvou-me.— Dak.
Eu não respondo, apenas levanto o meu olhar e posso ver os seus olhos cinzas, um pouco mais escuros, mas que vão mudando, e aos pouco se tornam num cinza mais claro. Choro, e abraço-o. Como se naquele abraço nada mais me pudesse acontecer, como se estivéssemos numa bolha só nossa e nada mais nos pudesse separar. Não. Não posso, ele está noivo. Separo-me daquele abraço, e afasto-me.
— Dak. Estás magoada? Ele...Ele...
— Eu estou bem. Só me assustei. Eu só...só quero ir para casa, por favor.
— Dakota, o que é que aconteceu? Porque é que saíste do restaurante assim? O que é que eu fiz?
— Nada. Eu só quero ir para casa...por favor...leva-me a casa.
— Dak!?— Virei-me para ele, pedindo apenas com um simples olhar que não me fizesse mais perguntas.— Tudo bem, vamos.
Chegámos ao carro, ele abriu a porta do mesmo e deixou-me entrar. Depois deu a volta e entrou no lugar do condutor. Sei que o que aconteceu foi minha culpa, não devia ter ido para aqueles lados da cidade. Mas eu estava tão absorvida na minha dor, na minha mágoa, que nem me apercebi para onde estava a ir. Finalmente chegámos à minha casa. Quando fui retirar o cinto, Jamie puxou a minha mão.
— Por favor diz-me o que se passou, saíste do restaurante de repente. O que foi que eu disse? Por favor, ajuda-me só a entender.
— Jamie. Por favor, hoje não. Falamos depois, amanhã, ou depois. Agora eu não consigo.— Já sinto as lágrimas de novo a querer caírem...— Por favor.— Puxo a minha mão, mas antes de me virar para sair, sinto o Jamie pegar nela de novo.
— Dak...- Viro automaticamente o meu rosto para o dele...— Eu percebo que depois do que aconteceu não seja a melhor altura para falarmos mas...
— Tu estás noivo.— digo de rompante, ele olha para mim parecendo não perceber o que eu queria dizer...— Querias saber qual era o problema? Esse é o problema.
Saio do carro, sem nem dar hipótese de Jamie me responder. Quero esquecer tudo. Quero esquecer o jantar, as nossas conversas, o facto de Jamie ser a pessoa mais generosa que eu conheci. Quero esquecer que me apaixonei, quero esquecer que o amo. Porque é um sentimento de apenas um sentido, não é recíproco. Entro em casa o mais depressa possível, vejo o meu pai e a minha mãe na sala, e Elô a sair da cozinha.
Olho para todos, sei que estou com os olhos vermelhos, provavelmente com lágrimas. Corro o mais depressa possível para o meu quarto, não quero responder a ninguém neste momento. Preciso de estar sozinha, no meu canto. De chorar, de gritar. Preciso de aliviar o que me aperta o peito, que me sufoca o coração. Alguém bate à porta, não respondo, não quero ninguém a dar-me palmadinhas nas costas, e a dizer "Eu avisei...", tudo menos isso.
— Posso entrar?- Pergunta Elô, não respondo...-— Dak? O que é que aconteceu? O pai queria ir bater ao Jamie, que ainda está lá fora por falar nisso.
— O quê?— Levanto-me e corro para a janela, apenas para conferir se ele está mesmo ali.
— Podes dizer-me o que foi que aconteceu?— Continuo sem responder a Elô. Pego no telemóvel e vejo que tenho uma mensagem.
"— Eu não estou noivo. Eu acabei tudo quando decidi sair de casa."
"— Ah! Então sou a substituta!? Devo ficar agradecida?"
"— Dakota. Por favor vamos conversar, tu percebeste tudo errado."
"— Não. Eu percebi tudo muito bem. Vai-te embora."
"— Eu não me vou embora daqui sem falar contigo."
"— Olha que óptimo, vou soltar o meu pai para te fazer em bocadinhos."
"— Pelo amor de Deus, és capaz de me ouvir...de ler..."
— Deixa o pai lá ir.— Digo para a Elô que continua parada no meio do quarto...— Nem quero saber, ele merece tudo o que receber.— Vou até à janela, abro e começo a gritar...— ESTÚPIDO, NOJENTO, MENTIROSO, DESGRAÇADO. PODES MORRER, NEM QUERO SABER.— E pronto as lágrimas começam de novo a cair...
— Dakota Johnson.— E pronto agora é a minha mãe que entra pelo meu quarto adentro...— Podes parar de gritar, pelo amor de Deus.
— Eu vou ver do pai, para ele não ir matar o Jamie.-— Elô diz e vai até à janela...— Que ainda está lá em baixo.
— O teu pai foi agora falar com o esse tal de Jamie.— Olhamos as duas para a minha mãe...— Ele foi só ver se percebia o que tinha acontecido. E eu, Dakota Mayi, quero saber a tua versão.
— Mãe. Por favor, hoje não. A noite foi estranha, stressante e complicada. Eu preciso de colocar a cabeça em ordem antes de falar seja com quem for.
— Elô, podes por favor ir ver das meninas.— A minha irmã nem reclamou, ela sabia que quando a minha mãe nos chamava pelos dois nomes, coisa boa não vinha. Saiu do quarto, deixando-me sozinha com a minha mãe. E eu sabia que ela não ia deixar a coisa morrer por ali.— Estou à espera, podes começar.
— Mãe.— Bufei, mas a Dona Melanie nem se mexeu.— Tudo bem, o jantar estava a correr muito bem. Conversámos sobre muita coisa, e...
— E...
— E eu achei que poderia ter encontrado o tal, eu acho que o encontrei, mas...- e as lágrimas por mais que eu não queira começam a cair.
— Vem cá minha princesa. Chora filha, deita para fora tudo o que te magoa. Depois, é tempo de perdoar, de levantar a cabeça, pedir desculpa ou aceitar as mesmas. Chora meu amor.
Deixei-me estar ali abraçada à minha mãe. Não segurei mais o choro, a dor que me ia cá dentro, e desabei assim que ela me abraçou. Talvez esta fragilidade toda possa ser vista como uma fraqueza. Porém eu a vejo como alarme, como um alerta da minha alma. Porque se choro é porque algo aqui dentro não está bem, choro porque é a forma de eu conseguir dizer como me sinto sem palavras. Quando choramos, é porque algo cá dentro precisa de ser cuidado e amado.
— Ele está noivo mãe. Ele...mentiu.— digo por fim.
— Ele não está noivo. Ele esteve noivo.— Diz o meu pai que entra no quarto sem me aperceber. Eu sento-me na cama e fico entre a minha mãe e o meu pai.— Ele esteve até agora a falar comigo, e está descansada que ficou inteiro.— Olho para a janela, pensando se ainda estaria lá fora...-— Ele já não está aí, consegui convencê-lo a ir para o hotel, dormir.
— Ele foi-se embora?— O meu pai assentiu...— Mesmo...?
— Sim, querias o quê? Que ele passasse a noite no carro?— O meu pai ri.
Não consigo perceber onde está a graça. O Jamie desistiu de mim, desistiu de nós. E a dor volta com mais força. "BURRA", "BURRA". Deixei-o ir embora, sem nem lhe ar uma chance de se explicar. Será que haveria explicação? Será que afinal eu é que estava errada? Será que percebi mal?
"Desde pequeno o meu pai e a minha Tia combinaram o meu casamento com a minha prima Amélia.". Não, eu não percebi mal, ele está noivo da prima desde pequeno, foi o que ele disse, não foi? "...sempre nos demos bem, e eu acabei por concordar ...", ele está noivo, eu ouvi. Não estou doida, eu ouvi.
— Dakota. Coqui.— Ouço a minha mãe chamar-me...— Estás bem, de repente fugiste para um outro mundo.— Apenas assinto.
— Coqui, eu percebo que hoje não quisesses falar com ele. Mas eu também percebi o ponto de vista dele.— E antes que eu dissesse alguma coisa o meu pai continua a falar...— Aposto que nem o deixaste falar, certo?
— O que é que ele me iria dizer pai? Eu ouvi, ouvi muito bem: ele está noivo desde sempre, desde que nasceu provavelmente.
— Talvez se o tivesses deixado acabar a conversa, percebesses mais algumas coisas.— O meu pai vira-me para ele, olhos nos olhos...— Coqui, essa tua impulsividade, essa mania de nunca deixares ninguém falar antes de saíres disparada. Filha, eu conheço-te, és igual a mim: primeiro disparatas e só depois te sentas e conversas.
Eu apenas o abraço. Um abraço de um pai é sem dúvida o melhor remédio de sempre, seja em que idade for. É protecção, é morada, é partida, é chegada, é ouvir tudo sem ser preciso ser pronunciada qualquer palavra. É a junção de dois corações a bater em corpos diferentes, mas que se unem naquele gesto. É a melhor forma de nos salvarmos um ao outro. Com um simples abraço nós sorrimos, mesmo que por dentro tudo esteja partido.
— Já está tarde, vamos todos dormir. Amanhã é um novo dia, e podes resolver o que tens a resolver, certo?— Diz a minha mãe.
— Isso, a tua avó sempre me dizia que a almofada é sempre a melhor conselheira, então dorme. Vais ver que amanhã nada vai ser tão negro como tu pensas hoje.
— Obrigada. Eu adoro-vos.— Digo e abraço os dois.
— Nós também te adoramos.— Diz o meu pai, caminhando para a porta com a minha mãe, assim que ela sai, ele vira-se...— E Dak, amanhã vamos falar sobre a fuga. Boa Noite.
Meu Deus! O Jamie contou ao mau pai sobre o que aconteceu. Bem agora não há nada a fazer, como disse o meu pai a almofada é a melhor conselheira por isso vou dormir. Amanhã é um novo dia, amanhã o sol nasce de novo. E com ele uma nova oportunidade de acertar.
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