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Memórias 4

A imagem daquela menina-mulher veio-me de novo à cabeça, aqueles olhos que definitivamente mexeram comigo, como nunca nada mexeu. Será que Jess tem razão? Será que me apaixonei assim, apenas pelo seu olhar? Será possível apaixonar-nos ao primeiro olhar?

Tenho que tirar estas dúvidas, tenho que a ver de novo...sim, tenho que a ver.

Os dias iam passando, e aquela  frase da minha mãe martela-me na cabeça "Promete-me que vais pensar no que te disse: se o teu coração não bater forte...". O facto é que nunca amei Amélia. Respeito, atracção, sim com toda a certeza, essa era a base da minha relação com ela. Se realmente pensar nunca consegui amar Amélia.

Posso ter sido educado a cumprir certas normas e certos parâmetros, mas não posso continuar a enganar-me a mim mesmo. Eu não amo Amélia, e nunca vou amar. Se podia casar e manter um casamento de aparências? Sim podia, mas será que eu quero isso?

Se me tivessem feito a pergunta há uns meses atrás não teria dúvidas em responder afirmativamente. Mas algo mudou em mim desde que aqueles olhos azuis se cruzaram com os meus.

- Bom Dia.- uma Jess entra no meu quarto sem nem bater à porta.

- Jessica. Que tal bateres na porta antes de entrares? 

- Acordaste com os pés de fora foi? Ou isso aí é só porque sabes que o pai hoje convidou os teus sogrinhos para virem cá almoçar e marcar  finalmente o casamento.

- O quê? Como assim? Eu não me lembro de ter marcado data para nada.

- Por isso o pai e a tia Helena decidiram por ti. Eu avisei-te Jayjay.

- Eu não vou casar. Eu não quero casar. PORRA, eu não quero casar com a Amélia.- e nesta altura entra a última pessoa que poderia aparecer.

- Tu o quê Jamie? Eu não acredito no que ouvi, estamos noivos há mais de 6 meses, e quando finalmente decidimos a data tu decides que não queres?- Amélia não está furiosa, está histérica.

- Decidimos?- pergunto ironicamente, não me vou dar por vencido...- Eu não me lembro de concordar com data nenhuma Amélia.

- Mas concordaste com o casamento, estamos noivos há 6 meses...e agora...

- Não faças escândalos. Sabes muito bem que nunca te amei, e mesmo que o meu pai diga que o amor vem com o tempo, eu sei, eu sinto que nunca vou conseguir amar-te.

- Como é que podes saber isso? Tu nem estás a dar-nos essa hipótese. Eu amo-te, e isso chega para mim.

- Tu amas a posição que o Jamie  te pode dar, é isso que tu amas.-  diz "Essie", e pronto agora vamos começar a guerra de verdade.

- Por acaso alguém te chamou para a conversa? Nem sei porque ainda estás aqui. Espera foste tu! Tu é que colocaste esta ideia de cancelar o casamento na cabeça do J.P.?

- E se tiver sido eu? O que é que tens a ver com isso? Ele nunca será feliz contigo Amélia.

- Sua...mas isto não vai ficar assim.- e sai porta fora, a chamar pelo meu Pai e pelo meu Tio.

- Era isto que querias Essie, pois Muitos Parabéns, conseguistes.- vou até à porta e tranco-a, vou buscar uma mala e começo a colocar roupa lá para dentro.

- Posso perguntar porque é que estás a fazer uma mala? Quer dizer a tratar mal a roupa...

- Se é para acabar de vez com todo este circo, então vou atrás da minha felicidade. Não era isso que tu querias? Que eu fosse feliz? Então eu vou atrás dela.

- Tu vais atrás dela? Da menina dos olhos azuis? Eu sabia, eu sabia que tu ias cair em ti.

- Eu já tinha decidido que ia acabar o noivado com a Amélia, mas não assim. Agora vou ter o pai a azucrinar-me o juízo.

- Ias ter o pai contra ti de qualquer forma. Ou achas que ele iria aceitar de boa o facto de não casares com a "princesinha" dele?

- JAMIE...JAMIE ABRE-ME ESTA PORTA...AGORA.

- Jim, por favor, tem calma. Ele vai explicar-nos tudo, eu sei que sim.

- Ai vai sim, e a Jessica também. PORQUE EU SEI QUE ELA ESTÁ POR TRÁS DESTA IDEIA RIDÍCULA DELE NÃO CASAR COM A AMÉLIA. SAIAM AGORA OS DOIS.

- Nunca pensei que mesmo depois de casada iria ficar com tanto medo do pai como estou agora. Ele está furioso.

- Calma, e culpa não é tua. Vamos...- Jess olha para mim, e de repente vejo a minha irmã mais velha voltar a ser aquela menina pequena que sempre se escondia atrás de mim cada vez que o nosso pai se zangava.- "Essie", eu não vou deixar ele chegar perto de ti, anda.

E assim ela caminha até mim, coloco a mala no chão e abro a porta, vendo o Senhor Jim Connor Dornan vermelho de raiva. Assim que me vê com a mala, fica ainda mais irritado. Mas eu não vou deixar-me intimidar, continuo a olhar para ele. Mas a primeira coisa que se ouve é o som da mão dele na cara de Jess.

- Jim.- a minha mãe grita, e eu seguro na minha irmã que com a surpresa da agressão ia caindo ao chão.

- Nunca mais tocas em nenhuma das minhas filhas dessa forma.- diz a minha mãe.

- Ela ainda é minha filha, e aqui em casa segue as minhas regras. Ouviste bem Jessica Dornan?

- Lynas. Jessica Dornan Lynas.- e eis que se ouve por trás do meu pai a voz de Johny...- O senhor pode ser o pai da Jess, mas uma coisa pode ter a certeza: nunca mais toca num fio de cabelo da minha esposa.- e vindo até nós abraça Jess e sai do meu quarto.

- E agora, posso saber o que te passou pela cabeça para ouvires a desmiolada da tua irmã? 

- Primeiro não falas da Jess dessa forma à minha frente, porque se o fazes de novo eu esqueço que és meu pai. Em segundo lugar a Jess não me disse nada.- o meu pai olhou para mim, pois não acreditou no que eu tinha acabado de dizer.- E mesmo que ela me tenha tido alguma coisa, eu tenho cabeça para pensar.

- Será que tens? Seis meses Jamie, seis...e só agora é que decidiste que afinal não queres casar.

- Eu não amo a Amélia, e nunca irei amar.- a minha mãe sorri, porque percebeu que eu ouvi o que ela me tinha tido...- Eu posso não ser um romântico como a "Essie", mas eu não quero um casamento apenas de aparências. Eu não sinto nada pela Amélia, pai.

- Ouve o que eu te vou dizer James Peter Maxwell Dornan, tu vais para a sala e vais concordar com qualquer data que a Amélia te dizer, ouviste o que eu te estou a dizer? Isto não é um pedido, é uma ordem.

- Não. Eu não posso, e nem quero. Para mim chega deste circo.- virando-me para a minha mãe...- Eu vou atrás da minha felicidade mãe, e infelizmente ela não se chama Amélia. Pede perdão ao Tio Alun, mas eu nunca conseguiria ser feliz, nem fazer a Amélia feliz.

- Jamie. Se tu saíres por aquela porta, podes esquecer que tens uma família.

Dei um abraço à minha mãe, olhei para o meu pai, peguei na mala e desci. Quando cheguei à sala Amélia chorava abraçada à Tia Helena. Tio Alun, mantinha-se em pé junto delas. Liesa veio ter comigo e abraçou-me. Apenas lhe dou um beijo e saio.

Não sei nem como a encontrar, mas como disse a minha mãe eu tenho que descobrir se o meu coração lhe pertence. Chega de viver segundo os estigmas e os parâmetros desta família, desta sociedade cheia de preconceitos, orgulho e vaidade. Vou viver por mim agora, para conquistar a minha felicidade. 

Estou há cerca de duas semanas em Belfast, e todos os dias por volta das 18h00 vou para um café perto da Biblioteca onde a vi pela primeira vez. Porém, até agora não tive sorte nenhuma, hoje resolvi  ir até ao hospital daqui de Belfast, quem sabe não estão a precisar de médicos.

O meu pai furioso com a minha decisão acabou por me despedir do hospital, e pelo que sei se não fosse pela minha mãe tinha barrado a minha conta no banco.

Levanto-me, faço as minhas higienes, visto um dos fatos que entretanto comprei e saio do quarto de hotel onde me hospedei. Depois de tomar o pequeno almoço vou a caminho do Hospital da  Cidade de Belfast. Assim que chego dizem-me que não estão a contratar ninguém. Tento no Royal Victoria Hospital e no Royal Belfast Hospital For Chirldren e é neste último que percebo o que se passou: Dr. Jim Connor Dornan.

Sim o meu pai falou a todos os Hospitais e Clinicas privadas de Belfast, ameaçando-as de as levar à falência caso me contratassem. Mas eu não vou desistir, se não consigo em hospitais ou em clinicas privadas, vou à procura de emprego numa clinica mais pequena. Tenho a certeza que poderei ajudar de alguma forma.

Quando finalmente estou a pensar em terminar a minha busca pelo dia de hoje, para tentar a minha sorte de novo em frente à biblioteca, vejo uma carrinha parada num estacionamento ali perto.

Percebo que deve ser algum tipo de posto médico, tem alguns médicos e alguns voluntários numas tendas ao lado dando comida quente, bem como um saco com alguns bens essenciais. Dirijo-me até lá e tento perceber quem coordena.

- Boa Tarde.- digo dirigindo-me a uma moça loira que está a servir comida.

- Boa Tarde. Precisa de ajuda?

- Na verdade vim saber se precisam de ajuda. Sou médico e mudei-me há uma semana para cá, estava a passar por aqui e pensei talvez precisassem de mais um médico para ajudar?

- Nós precisamos sempre de ajuda, infelizmente, muitos deles...- e aponta para as pessoas que estão nas várias filas...- não têm como pagar consultas médicas, ou comida.

- Com quem é que eu posso falar. Gostava de ajudar, estou sem nada para fazer e...

- Bem, eu não sei como alguém como o Senhor pode estar sem nada para fazer, mas aqui o lema é não negar a ajuda de ninguém. Venha Dr.?

- Jamie...Jamie Dornan.

- Eloise. Eloise Johnson. Vou levá-lo até ao Dr. Albert Smith é ele que chefia tudo por aqui.- ela larga o que está a fazer e leva-me a uma das tendas que estão montadas.- Al, temos aqui mais um voluntário: um médico.

- Médico!? Boa Tarde, Albert Smith. Então quer ajudar? Qual a sua especialidade?

-  Jamie Dornan. Eu sou Oncologista, talvez não seja muito necessário por aqui, mas eu queria mesmo ajudar. Não gosto de estar parado. 

- Dornan? Deixa-me adivinhar filho do grande Jim Dornan? O teu pai está empenhado em te ter de volta em Dublin.

- É eu sei, mas ele pode esquecer essa ideia. Pelo menos por agora, mas, não me diga que a influência dele chegou aqui também.

- Aqui. Mesmo que ele quisesse nunca o faria. Eu e o teu pai temos opiniões diferentes sobre como praticar medicina. Ele em vez de pessoas vê números, eu em vez de números vejo pessoas.

- Então será que posso ajudar de alguma forma? Sei que talvez não precisem de um oncologista, mas...

- Serás muito bem-vindo Jamie. E podes começar já hoje...- e virando-se de costas chama por alguém.- Dak, Dak, podias chegar aqui?

E assim que ele se vira, eu mal posso acreditar. É ela, eu não acredito que ela esteve tão perto mas tão longe. Aqueles olhos que me perseguem à tanto tempo estavam ali à minha frente. 

- Tu...

- Tu...

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