Memórias 1
Trabalho numa editora em part-time, há três anos. Amo o que faço, sou consultora de edição. Não tenho ainda muitas responsabilidades, mas desde que me deem algo para ler, sinto-me feliz. As minhas tardes, normalmente são passadas no jardim ou na biblioteca de Belfast que é desde que me lembro o meu lugar, a minha casa fora de casa.
Fiz faculdade de literatura porque amo viajar no mundo dos livros. Sabem a sensação de nos podermos esconder sem ninguém nos encontrar, como se fosse num mundo paralelo. é mais ou menos assim que me sinto quando mergulho nos "meus" livros. Os livros são os mais constantes e silenciosos amigos, os mais acessíveis e sábios conselheiros e os mais pacientes professores.
A minha vida é muitas vezes como um livro: cada dia uma página, a cada hora um novo texto, a cada minuto uma palavra, e num segundo um sim ou não que pode mudar tudo. Na faculdade aprendi que um bom livro é aquele que faz um diálogo incessante: o livro fala e a nossa alma responde.
Eu admiro muito os escritores, não é fácil escrever uma história. É um processo de criação incessantes, em que uma palavra puxa outra palavra, uma ideia traz outra. Faz-se e se refaz uma frase, um parágrafo, um capítulo inteiro, até que esteja perfeito a seus olhos. Não, não é fácil todo este processo de fazer um livro, sempre em constante mutação, sempre em contante revolução com as palavras.
Olho para a janela por um minuto, está a chover torrencialmente, e como sempre não trouxe nem casaco, nem chapéu de chuva. É acho que hoje vou chegar que nem um pinto a casa, nisto olho para o relógio que fica na parede, meu Deus, estou atrasada. Vou perder o autocarro, e depois daquele só daí a uma hora. Corro para arrumar tudo, pego os livros que pedi ao Sr. Hyde para levar no fim de semana e fecho tudo.
Parece que hoje São Pedro resolveu enviar um dilúvio. Bem o jeito é correr até à paragem do autocarro, não é muito longe, o pior vai ser quando chegar, da paragem à minha casa ainda é um pouco distante. Abro a minha mala, e tento colocar os livros todos, para que se molhem o mínimo possível.
Vou a correr até à paragem, mas de repente sinto ir contra algo, algo bem forte e "duro". Olho para cima e o que vejo desconcerta-me, são simplesmente os olhos mais lindos que vi um dia...não consigo perceber se são cinza se azuis, talvez a mistura dos dois.
Depois de algum tempo dou por mim a baixar-me para apanhar os livros que levava na mão e que neste momento estão completamente ensopados. Não acredito nisto, como se não tivesse mais nada com que me preocupar, agora teria que pagar os livros à biblioteca, porque ensopados como estavam eu não podia nem queria entregá-los.
- Eu não acredito nisto, o Hyde vai-me matar...- sinto alguém pegar num dos livros e entregar-me e de novo aqueles olhos que hipnotizam e que me olham.
- Pode ser que aprenda e da próxima vez tenha mais cuidado e veja por onde corre.- e pronto lá se foi o meu encanto por aqueles olhos marcantes.
- Caso não perceba, está a chover, e eu não tenho chapéu de chuva, estava a correr porque não me queria molhar muito até à paragem que é ali...- e quando olho para a paragem vejo o autocarro a sair...- e agora perdi o autocarro. Será que este dia não pode correr melhor..."
- Se tivesse trazido chapéu de chuva, não teria que correr, não teria chocado comigo e não teria perdido o seu transporte.
- O quê?- ele estava a culpar-me de tudo o que aconteceu...eu estava sem palavras...e de facto tudo naqueles olhos lindos começava a irritar-me...- Quem me diz que não foi o Senhor que veio contra mim? A culpa pode ter sido sua que não olha por onde anda...
- Minha cara...menina, eu estava a sair do meu carro, quando chocou contra mim...e depois tenho testemunhas...- e olha para um senhor que está dentro do carro, presumo que seja motorista. Lindo, ainda por cima os olhos bonitos é desses riquinhos, filhos de papá...o meu telefone toca e eu dou Graças a Deus ao perceber que é o meu pai.
"- Estou pai?"
"- Dak, estou a sair de casa para te ir buscar. Está a chover muito e tu..."
"-Sem sermão pai, eu estou na paragem do autocarro, mas vou voltar para a biblioteca."
"- Não, não saias da paragem, estou aí dentro de 10 minutos...até já."
"- Até já..."
- Bom se me der licença parece que já tenho boleia para casa. E da próxima vez que sair do seu carro com motorista, sugiro que olhe primeiro para saber se pode abrir a porta...
- Já lhe disse que a menina é que não oulhou para onde estava a ir...
- E eu já lhe disse que está a chover, e estava a correr para não apanhar esta chuva toda.
- Bom estamos os dois parados no meio da rua, a apanhar esta chuva toda.- e sorri, e que sorriso.
Sabem aquele sorriso que nos aquece toda de uma ponta do cabelo até à ponta do dedo mindinho do pé, passando ali no meio das pernas deixando-nos completamente molhadas só de olhar para aquela reliquia. Que Deus me ajude a dar-lhe troco, porque a minha vontade é atirar-me a este homem e colar os meus lábios nos dele.
- Se o senhor me tivesse deixado passar, e não me estivesse a atrapalhar o caminho, com toda a certeza já não estaríamos aqui à chuva.
- Para além de descuidada, é insolente...
- Desculpe!? Insolente!? Quem aqui está a ser desrespeitoso é o senhor, que apesar de estar a chover não deixa uma dama como eu seguir os seu caminho e assim sair desta chuva.
- Com que então estou a ser desrespeitoso?- Olha para o carro, e logo vejo o motorista sair do carro com um chapéu de chuva...
- Tinha um chapéu de chuva este tempo todo no carro? Para além de não respeitar um mulher é burro por estar à chuva.- ignora-me completamente virando-se para o homem que entretanto já tem o chapéu aberto a cobri-nos.
- Grant, podia por favor acompanhar a "DAMA" até à paragem, não queremos que ela apanhe mais chuva do que já apanhou. Eu vou entrar, volto daqui a 40 minutos, já que graças a esta "DAMA" vou demorar um pouco mais.
- Não preciso dos seus favores, já estou que nem um pinto. Um pouco mais de chuva não me há-de fazer mal...
- Não seja teimosa...- e nisto ouve-se uma buzina, graças a Deus é o meu pai.
- Para sua informação não sou teimosa, sou pragmática. E se me dá licença a minha boleia chegou.
- Poderia ter-lhe dado boleia se me tivesse pedido.
- Não costumo andar de carro com estranhos, nunca se sabe ainda me raptava. E agora pedia-lhe o favor de sair da minha frente, a não ser que queira ter um encontro de terceiro greu com a pistola do meu pai!?
- Pistola? Tenho que me lembrar de vir preparado para a próxima vez.- e saindo da minha frente de forma que eu pudesse caminhar...- Estou ansioso pelo nosso próximo encontro.
- Deus me livre e me guarde. Credo, cruzes canhoto...
E saio a correr para o carro do meu pai. Assim que entro logo começa o interrogatório do Senho Don Johnson. Depois de lhe contar toda a história, ficamos os dois a rir à gargalhada do que se passou.
Assim que cheguei a casa a senhora dona Melanie, encheu-me a cabeça por eu não ter levado chapéu de chuva. Fui de imediato para o meu quarto tomar um banho bem quente. Durante o banho não consegui evitar um sorriso ao lembrar do meu encontro com aquele homem. Aquele sorriso...
É o nosso primeiro encontro foi estranho, muito estranho. Nem podia eu imaginar que depois desta picardia toda poderia nascer algo mais. Mas acabou por ser a faísca para começar um incêndio dentro de nós, meses mais tarde.
No dia seguinte, recebi um embrulho na biblioteca. Eram exactamente os livros que eu tinha estragado no dia anterior, quer dizer eu não...o moço de olhos bonitos, porque ele é que veio contra mim.
Nem consegui acreditar, Hyde tinha-se passado de manhã quando lhe contei o que aconteceu no dia anterior, apesar de eu dizer que iria comprar uns novos com o meu salário, mas o homem nem assim deixou de me chatear a cabeça.
Vejo que tem um cartão junto de um dos livros, retiro e leio. Jamie Dornan, lindo o nome dos olhos bonitos. Viro o cartão e tem algo escrito: "Espero que hoje tenha levado chapéu de chuva, os livros são a minha forma de pedir desculpa, apesar de continuar a achar que a culpa foi sua. Mas não a quero prejudicar no seu trabalho. Veja isto como um sinal de boa vontade."
Podia e devia negar os livros, mas não posso, nem com um mês de salário conseguiria pagar os livros que requisitei ontem, então tive que aceitar a "oferta", mas jurei que iria ser a primeira e a ultima que aceitaria. E como eu estava enganada porque foi a primeira de muitas.
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