De volta para casa.
Semanas atrás.
𝐄𝐦𝐦𝐚.
Lívia trouxe o psicólogo que havia dito que iria vir conversar comigo.
Aquela criatura magra e mais baixa que eu me lembrava o personagem de: "A nova onda do imperador", tinha um olhar crítico, óculos exageradamente grandes para seu rosto e traços finos, andava como se o piso desse choques em seus pés — bem peculiar eu diria, Dimitri o nome dele. Tinha a delicadeza de uma flor, a expressão rígida sob a pele morena, um tanto antipático eu diria —, e fresco aliás... aquele quarto de hospital parecia ser detestável para vossa majestade.
— Muito bem Emma, vamos começar com uma pergunta. — Dimitri puxou a aba do casaco caramelo para cobrir o abdômen onde a blusa branca estava.
— Quem é a pessoa que mais confia neste caos todo que se encontra sua vida. — Dimitri foi bem direto, mantendo a caneta pronta para anotar na caderneta.
— Logan. — Respondo com plena certeza, só tinha a ele ali, só nele confiava plenamente após o acontecido...
Dimitri anotou em um rabisco.
— Agora irei te dar uma informação que talvez você não saiba, por seu prontuário, pude ler que tentou tirar a própria vida, correto? — Aquela voz antipática e aguda perguntou parecendo com preguiça.
Acenei com a cabeça.
O teto parecia girar e logo desabaria em minha cabeça dolorida.
— O cérebro tem um mecanismo de defesa que te impede de se machucar, por exemplo quando você for morder a sua língua, o seu mecanismo automaticamente vai frear esta ação para que você não a faça e acabe se ferindo, e se este mecanismo foi afetado, é porque algum acontecimento muito intenso acabou engatilhado isto...o que houve? Preciso que se abra comigo. — Dimitri ajeitou o óculos sob o nariz.
Suspirei fundo, todas as lembranças vindo de uma vez só quase me derrubaram da cama a qual não suportava mais estar.
— Bom, acho que foi o fato de eu ter encontrado a medalhinha do meu avô, em seguida acabei não suportando o peso de ainda não justiça... e as suspeitas de que Ricardo fosse quem eu menos queria encontrar, mesmo querendo achar o culpado... as coisas que Helena me disse me desestabilizaram também. — Contei quase engasgando nas palavras, nem sabia se tantas frases foi efeito do tratamento com a fonoaudióloga ou minha imensa vontade de desabafar aquela situação toda. — Havia muitas outras coisas que foram gatilhos, mas se eu fosse dizer tudo... mal saberia explicar por tanto caos em minha mente.
— Ok, agora preciso que me conte sobre sua relação com sua mãe, por que vocês não tão próximas? Por que ela poderia ser um dos motivos que desencadeou este ocorrido? — Dimitri gesticulou elegante com a caneta entre os dedos finos.
Mãe. Palavra engraçada.
Eu não sabia o sentido desta palavra. Porque nunca tive uma mãe.
Espinhos invisíveis corroíam minha garganta.
Não sabia onde o rapaz da voz azeda queria chegar com todas aquelas perguntas, apenas sabia que doía respondê-las.
— Ela me abandonou quando pequena, e sempre tratou minhas crises de ansiedade como algo banal, que não deveria ter atenção ou relevância, me estereotipou a vida toda como um corpo, apenas um corpo bonito... me pressionou psicologicamente incontáveis vezes também. — Expliquei sentindo as mãos começarem a tremer.
Dimitri manteve a inexpressividade, em seguida anotou algum garrancho indecifrável na caderneta fina.
—Você sente culpa? Sente que havia algo que poderia ter sido diferente caso Helena e tu fossem mais próximas? — Perguntou o loiro de postura ereta.
Enrolei um cacho na ponta do dedo e bocejei, a fadiga e a insônia faziam minha semana pior do que já era. Me sentia um zumbi após a guerra.
— Talvez pudessem... É incerto. — Murmurei sem ânimo ou paciência encostando a coluna na cama gélida.
Helena nunca tentou redenção, nunca tentou se aproximar, ou demonstrar o mínimo de importância comigo e Ray.
Apenas tinha afeto pela Lilian, vez ou outra ia visitá-la, mas não por consideração a Raven, porque isto ela não tinha com absoluta certeza — fria como uma sociopata — uma das causadoras das minhas mais profundas cicatrizes —, não entendia o porquê dela ser tão cruel e distante das próprias filhas... me culpei por tento tempo tentando achar motivo para tanto desprezo e imparcialidade conosco —, não havia.
A menos que fosse algum problema psicológico mais complexo...mesmo assim não justificava, ela sequer se esforçava para ter qualquer fraternidade entre nós.
Órfã de mãe viva.
O mais engraçado era que para palpitar fazendo pressão psicológica em mim ela estava sempre a deriva, me tratar como dramática sensacionalista... tal coisa me causava repulsa, sinceramente.
— Agora vamos falar sobre outro ponto importante; Logan, o que seu namorado representa para você? — Dimitri suspirou preguiçosamente analisando as anotações que fizera sob a folha.
Que letra mais mal feita.
Sim, eu era bem reparadora.
Espantei poeira inexistente da calça jeans.
— Ele é meu anjo da guarda, é minha companhia, meu amor, o meu protetor... é parte do meu coração. — Haviam inúmeras palavras que podiam ter proferido para expressar o quanto Logan era incrível, por mais que tivesse seus defeitos, eu tinha tanta admiração por sua força, por ter sido aquilo que eu mais precisava após acordar do coma... que não saberia usar tais palavras para descrever completamente.
Dimitri ficou impressionado, suavizou a expressão do rosto —, como se aquilo nunca tivesse sido escutado antes.
Poucos conhecem o amor, alguns conhecem amar, mas poucos o amor real.
Massageei as mãos da mão ajeitando a postura sob a cama inclinada.
Dimitri levantou-se da poltrona e fechou a caderneta.
— Amanhã iremos dar continuidade Myers, tente não sobrecarregar sua mente, e não esqueça dos medicamentos. — O magrelo das roupas caríssimas elevou o dedo ao vazio sendo bem explícito e rápido e saiu andando empinado.
Não demorou muito até a doutora Lívia chegar, minha mente apenas reprisava o dia momento em que Charles viu Natasha e Ray, o quão diferente foi a reação sob ambas as fotos.
— Bom dia Emy, espero que esteja mais animada, porque tenho boas notícias para você. — Lívia abriu um sorriso que esbanjou suas covinhas charmosas.
— Animada não muito, mas me diz as notícias. — Ajeitei o corpo sob a cama e dobrei uma perna.
Liv colocou o estetoscópio preto sob a cama e puxou as mangas do jaleco branco onde havia seu nome no bolso do lado direito.
— Iremos repetir os exames e se estiver tudo bem contigo, poderá voltar para casa. — Meu coração errou duas batidas nesta frase, fiquei tão feliz, finalmente a esperança de retornar para casa estaria se realizando.
Lívia segurou minhas mãos e eu lhe abracei fortemente, a pegando de surpresa.
— Obrigada, por ter sido tão carinhosa comigo, e uma excelente profissional. — Agradeci acima do seu ombro.
Lívia me apertou sutilmente no abraço e quase ouvi um suspiro choroso.
— Eu faria exatamente igual, e não precisa agradecer Emy, somos amigas não somos? — Liv perguntou emocionada.
Sorri por cima do seu ombro.
— É claro que sim. — Afirmei distanciando minha estrutura da sua, ainda segurando suas mãos delicadas.
Toda vez que fechava os olhos, conseguia sentir aquele momento perfeitamente na minha mente —, o disparo, Ricardo tentando me culpar... tudo.
Mesmo assim, não desisti, reuni forças, aceitei a ajuda da ruiva, de Logan, fiquei mais aliviada por conversar tantas vezes com Ray e Naty após aquela primeira vez.
Logan estava trabalhando agora, por isto a frequência das visitas diminuiu, porém sempre quando vinha, estava alterado, e eu sabia o porquê...
Não tinha como disfarçar, captava tudo no ar, o conhecia bem demais para ver sua mudança de comportamento e a tentativa fracassada de fingir que estava bem.
Liv e eu permanecemos neste flerte carinhoso por mais alguns segundos, aquelas íris doces e sensíveis não me deixaram pensar que em breve teria que me afastar dela...e talvez não vê-la novamente tão cedo.
— Vai ficar para a audiência? — Liv afastou uma mecha espalhada do meu cabelo com sua unha nude impecável.
— Serei obrigada... eu nunca mais queria vê-lo de novo, mas ainda sim quero que pague por todos os crimes que cometeu...e para isto preciso estar lá. — Meus ossos foram esmagados dentro do peito ao dizer aquela palavra de novo.
Obviamente ainda teria um longo caminho pela frente... teria Pietro e Ricardo, as duas pessoas que eu mais odiava no mundo.
Lembrei da frase que meu avô disse uma vez: Ódio te destrói querida, não sinta ódio todos os dias.
Sinto muito vô, todavia era inevitável não ficar cega de ódio por tudo que me foi arrancado, por tudo que eu sofri.
Ânsia subiu em meu estômago só de pensar em todas estas coisas.
— Você é uma das pessoas mais fortes que eu já conheci sabia? Corajosa, meiga, compreensiva. — Liv acariciou delicadamente minha bochecha, aquecendo a pele com se toque suave.
Tinha a voz e a aparência de um anjo.
— Eu não teria conseguido me levantar se não fossem vocês, tem toda minha gratidão, minha amizade Lívia. — Fui bem sincera, olhando fundo nos olhos dela, pois passei a considerá-la uma irmã.
Lívia sorriu tímida, toda meiga.
— Irei providenciar seus exames o quanto antes, assim que Logan chegar, peça para ele passar na minha sala ok? Preciso conversar com ele... até mais tarde princesa. — Disse a voz angelical dando um beijo em minha bochecha morna.
Lívia demonstrava muito carinho por mim, e eu retribuía com toda sinceridade do meu coração — pois não foi uma das pessoas mais próximas a mim durante aqueles meses, que se esforçou tanto para me ajudar a levantar, sobreviver.
Meu celular vibrou no bolso traseiro da calça e eu fui para janela observar a paisagem ensolarada lá de fora e atender.
Ligação:
— Emma, como você está irmã? Estou sentindo tanta sua falta. — Disse Ray melancólica.
Vibrei de alegria internamente.
— Ray, acho que tenho uma boa notícia...em breve estarei de volta para vocês. — Comuniquei contendo a emoção intensa.
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