• SEIS • RAMON
Eu sabia que ele esperaria um momento adequado para me interrogar. O homem quase bufava nas vezes que eu me enfiava nas paredes do prédio, procurando não ficar muito tempo com ele ao meu redor. Agora passando as imagens por minha mente como se fossem um filme muito interessante para se assistir, parece até um pouco infantil. Mas para mim foi necessário. Arthur desperta em mim sentimentos que não estou disposto a analisar. O desejo é o principal deles. As noites que sonho em lamber cada centímetro da pele escura e sedosa, não podem sem contadas. Um pigarro me traz de volta para a varanda, onde estou entre uma parede e seu corpo muito firme. Olho para seus olhos com um pouco de dificuldade mas sigo firme.
Acho que perdi a força das minhas pernas. Me seguro em seus braços e aperto sentindo a pele quente e firme sob meus dedos. Meu cérebro formando muitas palavras mas não consigo traduzir nenhuma, minha língua está presa no céu da minha boca. Me encontro um pouco perdido na intensidade de seu olhar e pegada. Devo ter demorado muito a responder, pois recebo um bufo em resposta e o aumento da pressão em minha cintura. Outro gemido baixo e rouco corta o ar entre nós e esse sim, eu tenho certeza que veio de mim.
- Oh...
- Ramon...
- Hum...
- Me responda!
- Poderia repetir a pergunta? - ele fica sério por um segundo e depois ri. A risada mexendo com algo dentro de mim. Pois para mim que sempre o vejo muito sério, é como se ele estivesse se permitindo rir na minha presença. Acredito que ele seja aberto com seus amigos também. Mas vê - lo se soltar diante de mim. Um quase desconhecido para ele, é muito bom.
- Por que está fugindo de mim? - pisco um, duas e três vezes para tentar ordenar meus pensamentos. Ergo meu queixo.
- Não estou fugindo de você!
- Está!
- Não! - rebato nunca desviando meus olhos dos seus.
- Sim! - grunhe entre os dentes. Eu bufo rindo baixinho.
- Se tem tanta certeza assim, porque a pergunta? - pelo que parece uma eternidade, nenhuma palavra deixa seus lábios. Seu peito se expande em uma respiração profunda. Suas mãos deixam minha cintura e quase imploro para que ele as deixe ali. Mas me contenho. Não posso perder o controle. Agora somente seus braços me cercam.
- Eu te machuquei? - estou ficando cada vez mais confuso.
E junto disso o desejo por ter seus lábios nos meus está deslizando por ralo abaixo. Ele parece estar querendo conversar sério e acredito que seriedade não envolva, sua língua brincando com a minha. Seu corpo sem a barreira das roupas contra o meu. E uma cama como testemunha do que eu deixaria ele fazer comigo. Mordo meu lábio inferior.
- Como?
- Duas semanas atrás, você engasgava na minha frente. - a cena surgiu instantaneamente dentro de minha cabeça, meu rosto arde de vergonha. Mas sustento seu olhar. Mesmo constrangido até o último fiapo do meu cabelo.
- Hum...
- Eu meio que te ajudei! Olha eu não tenho muita noção da minha força. Então se eu te machuquei, peço desculpas. - toco seu braço suavemente. Ele estremece sutilmente, pensando que não deseja meu toque, ouso me afastar mas antes que eu retire meu contato, sua mão cobre a minha. Ambos olhando com uma quase fascinação para o local. - Seu toque...
- Você não me machucou, fica tranquilo.
- Tem certeza? - de alguma forma ele conseguiu ter seu rosto ainda mais junto ao meu. Nossas respirações estão se tornando uma. Posso ver pintas douradas espalhadas por suas íris castanhas.
- Absoluta! - digo com bastante força e balançando a cabeça freneticamente. Parecendo satisfeito com minha resposta, em segundos estamos compartilhando nosso ar. O hálito dele cheira a cerveja e assim deve estar o meu. Meu coração já bate praticamente em minha garganta.
Seu dedo indicador roça muito lentamente meu lábio inferior. Depois contorna com uma paciência toda a minha boca e o olhar de fascinação em seu rosto é alimento para meu ego. Eu achava minha boca horrível em alguns dias mas a maneira como ele a toca e a observa, me informa outra coisa. Suspiro quando suas mãos deixam minha cintura e embalam meu rosto. Seus lábios pousam sobre os meus primeiramente muito levemente. Se eu não estivesse presente no momento e fosse um mero espectador, eu diria que não houve beijo. Mas eu estou aqui e senti como uma carícia gentil sua boca na minha. Ambos prendemos nossa respiração. Seus lábios ainda que firmes são macios. Me sentindo seguro, envolvo meus braços ao redor de seu pescoço e deixo uma mordida em seu lábio inferior. O homem grunhe e traz meu corpo para ficar bem junto ao seu. Sua ereção é dura e quente contra a minha barriga e não estou muito diferente dele. Parecendo estar possuído, segura minha nuca com força e enfia sua língua na minha boca. Me deixo levar pela sua força mas também por seu cuidado durante o beijo, que é um dos melhores da minha vida.
No fundo da minha mente, escuto a porta se abrir.
- Arthur! Arthur! - pulamos para longe um do outro. O homem nem parece que estava né beijando loucamente. Agora eu sinto minha boca inchada, meus cabelos provavelmente estando apontando para todas as direções e meu rosto está vermelho. Me viro de frente da para a rua. A noite antes estrelada agora ostenta um pouco de nuvens.
- E aí carinha, brincou bastante? - sua voz está rouca. Ele pigarreia e se abaixa e faz cócegas no garotinho alegre demais para essas horas.
- Muito. Mas vó Elisa deixou Luna na sua casinha hoje. - um biquinho fofo se forma em seus lábios, sorrio agora me deixando mais apresentável.
- Vó Elisa merece um presente! - diz rindo. Mas sei que uma parte dele está muito séria. Reviro meus olhos.
- Luna é uma menina comportada.
- Hum...- pega o irmão no colo. O garotinho deita sua cabeça no ombro largo do irmão. - Hora de dormir carinha. Vamos levar Ramon até a porta e assim ele volta mais vezes. - me pisca um olho.
- Podemos brincar com meu conjunto de legos quando vier aqui Ramon?
- Claro que sim! - beijo seu rostinho. Ele boceja e eu parecendo ter me contaminado com o gesto, bocejo em seguida. Arthur ri mas no meio do ato também boceja. Não aguentamos e rimos bastante ao chegar na porta de onde moro. - Boa noite Arthur! Obrigado pelo convite. Seus amigos são muito legais!
- Só meus amigos? - me recosto na porta. Pouso meu dedo sob meu queixo e finjo pensar. Isso arranca um pouco mais de gargalhadas baixas do grande homem diante de mim.
- Você pode ser um pouco legal!
- Bem, já é um começo. No decorrer do tempo posso te mostrar o quão legal posso ser!
- Me surpreenda! - beijo seu rosto e entro em casa. Com as costas contra a porta, fecho meus olhos e tento repassar cada sensação que tive durante o beijo.
- Essa boca inchada é o que estou pensando? - pulo três metros acima do chão, gritando como uma menininha. Vovó rir despreocupadamente.
- Jesus vó! - digo com a mão no peito e tento regular minha respiração. E não engolir minha língua juntamente com saliva no processo.
- Claro que é! David apareceu na hora certa!
- Você estava nos vigiando? - aperto meus olhos em sua direção. Ela tem a decência de corar, arruma os cachos cinzentos sob os ombros delgados.
- Não sei do que está falando!
- Elisa Vieira, você uma senhora de idade estava bisbilhotando o beijo alheio? - seguro um sorriso. Ela ri alto e me pisca um olho.
- Não é sempre que tenho um cine privê gratuito!
- Vó sua safada! Era só um beijo! - Me defendo sentindo meu rosto ficar quente.
- Eu sou idosa mas estou bem viva. Nós ainda podemos fazer sexo, ter um orgasmo e tudo mais. - diz com leveza. Tapo meus ouvidos mas é tarde demais. A informação já está gravada no meu cérebro.
- Não quero ter essa imagem na minha mente!
- Não te mandei imaginar nada seu pervertido! - bate levemente com a sola da bengala contra minha barriga. Rimos e nos sentamos no sofá.
- Você é a melhor! Te amo sabia?
- Claro que sim! Vovó também te ama. Muito. Os anos que ficamos separados foram tempos nebulosos, onde eu queria muito conhecer meus netos mas não sabia onde procurar meu filho que desapareceu com uma igreja louca. Mas eu sempre te amei.
- Eu te amo muito também vó! Não imagina o quanto! - ficamos em silêncio por um momento.
- Agora vamos, vou esquentar sua comida.
- Eu comi petiscos na casa ao lado.
- Onde nessa terra de Deus salame, queijo e presunto enchem o estômago de alguém? Você precisa de comida meu neto.
- Vó! Viu o estado da minha barriga? - sua pequena mão apalpa meu abdômen. Dou gargalhadas por sentir cócegas. - Ah, eu sinto cócegas.
- Não vejo nada de errado!
- Estou gordo vó!
- Quem te disse isso? Voce está gostoso meu neto. Muito comivel!
- Essa palavra não existe! - me levanto a seguindo em direção a cozinha. Ela começo a colocar as panelas para aquecerem.
- Não existe mesmo.
[...]
Tomo um pouco mais do meu café. O Sol fraco do início da manhã tocando minha pele em uma carícia gentil. Mesmo não tendo dormido quase nada por estar eufórico demais depois de beijar meu vizinho, acordei cantando. As letras eram suaves em minha boca e alimentavam minha alma. A música sempre foi meu ponto de equilíbrio.
Eu sempre tive uma inclinação para a música desde muito cedo. Meu pai usava isso ao seu favor, me incluindo no ministério de música da sua igreja. Eu nunca gostei de estar lá no altar. Seus discursos me taxavam ainda que sem saber de impuro, condenado e cheio de espíritos ruins. Então me sentia sujo, impuro e infiel. Mas o homem que prebava a palavra de Deus tão fielmente, me fazia ficar lá. Encarando a igreja enquanto me sentia tudo, menos um abençoado.
Quando fui expulso de casa, me senti sem rumo mas ao mesmo tempo livre. Livre das garras da religiosidade disfarçada de discursos inflamados de preconceito. Livre para viver a vida como eu tanto desejava. Sem me sentir como se não fosse digno. Era controverso, eu tendo que ficar na rua ainda que fosse por uma noite e vivenciando a liberdade no seu estado mais puro.
Então eu encontrei anjos da guarda, que me estenderam a mão sem pedir nada em troca. Com eles eu pude ser eu mesmo, pouco me importando que os membros da igreja da qual um dia fui um mero objeto de enfeite, fofocavam sobre o filho do Pastor estar em pecado. Não me importei, pois pela primeira vez na vida eu cantei por que queria e não por ser obrigado.
Mesmo com medo, eu olhei para a nova e desconhecida vida diante de mim e disse: estou pronto para você. E eu realmente estava.
Pego meu violão ao meu lado e arrisco algumas notas baixinho. Meus vizinhos podem não gostar. Luna rasteja sem preocupação alguma perto de minhas pernas.
- Acordou cedo meu neto! - se senta na poltrona ao meu lado.
- Quase não dormi. - digo sorrindo, ainda dedilhando as cordas do instrumento que é quase parte de mim.
- Eu também não conseguiria dormir pensando naquele pão. - erro uma corda. Olho feio para ela.
- Não estava pensando em ninguém. - minto na cara dura. Com um movimento de desdém com a mão, se vira em direção ao Sol.
- Continue tentando me enganar meu neto. Agora me deixe curtir esse solzinho.
Nosso momento de silêncio e profunda meditação, é bruscamente interrompido por batidas frenéticas na porta. Me levanto rapidamente, pulando por sobre Luna que estava muito feliz em ficar no meu caminho. As batidas não cessam.
- Já vai cacete! - bufo abrindo a porta de supetão e quase desmaio. Seguro firmemente a a madeira maciça para não cair. Meu clone em uma versão feminina me fita com medo, esperança e lágrimas em seus olhos tão idênticos aos meus. - Oh puta que pariu! Aline?
Não tenho uma resposta verbal, somente seu pequeno corpo se chocando contra o meu. A pego no mesmo instante ainda que um pouco chocado por sua presença repentina tão cedo na minha casa. Ela chora alto com o rosto enterrado em meu pescoço. A levo para dentro e tento me soltar dela para pegar sua mochila que está no corredor. Ela me aperta um pouco não me deixando ir.
- Aline meu amor. Tenho que pegar sua mochila.
- Só me deixa te abraçar um pouco mais. - concordo silenciosamente.
- Vou fazer um chá e ficará mais calma minha neta. - vovó diz olhando a cena com lágrimas em seus olhos.
Não contei o tempo que ficamos somente assim, um nos braços do outro. Era tanta saudade para colocar em dia que quase nos consumiu. Eu sei que deveria ter procurado ela quando me estabeleci aqui no Rio. Mas no fundo, eu tinha medo que as palavras de nosso pai tiveram um certo efeito e eu tivesse perdido minha irmã. Eu queria também conservar sua imagem de uma garota madura demais para sua idade na minha mente.
- Ainda bem que te encontrei. - me sento ao seu lado, meus dedos se enrolando nos seus no entanto. Não quero ficar muito longe dela.
- Desculpa por não ter te procurado antes. - murmuro envergonhado demais.
- Não tenho que te desculpar por nada. Meu irmão, você precisava colocar sua vida nos eixos antes de qualquer coisa. Ser expulso de casa pelos pais e ficar na rua não é para qualquer um.
- Mas....
- Eu acredito que tudo tenha um momento certo em nossas vidas. Eu sofri muito vendo - o apanhar e ser expulso de nossa casa como se tivesse uma doença contagiosa. Eu sabia que você sairia vencedor daquilo tudo. Se lembra que queria ir junto com você?
- Me lembro e tive medo por você. Só tinha quinze anos.
- Mas já sabia o que queria da minha vida. E com certeza não era me casar com o filho do missionário no auge dos meus vinte e quatro anos.
- Casar? - engasgo com as palavras.
- Sim. Nosso pai me vê como uma encubadora humana. O homem além de ter quase me obrigado a casar com Francisco, queria netos o mais rápido possível. - faço careta me lembrando do tal pretendente da minha irmã. Na última vez que o vi ele se achava o tal, adorava uma maconha e me deu uma cantada. O cara tinha um hálito que rivalizava com um esgoto.
- Meus sentimentos. - ela também faz uma careta fofa, se lembrando na certa do mesmo que eu.
- Olha, foi difícil mas consegui sair das garras de nosso pai. Mamãe está sempre apática. Então se eu me casasse com uma batata, não faria diferença para ela.
- Triste.
- Muito. Mas agora estou aqui e irmão, eu preciso de abrigo. - junta as mãos em um sinal de súplica. Abraço - a fortemente.
- Nem precisa pedir. Mas enquanto o chá é feito, me conta. Como foi sua vida depois que sai de casa?
- É uma longa história! - diz levemente. As marcas de lágrimas ainda marcam seu rosto mas ela está calma agora.
- Estou de folga! Tenho todo o tempo do mundo.
27/10/20
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