• QUATRO - ARTHUR||
Ele está fugindo de mim.
É a conclusão que chego quando nos encontramos nas escadas do pequeno edifício onde moro por pouco tempo e ele desvia muito rápido do meu caminho e muito menos olha na minha cara. O que faz com que eu me sinta mal. Será que o traumatizei com a força dos meus punhos? Nunca soube medir a minha força mas sei o estrago que minhas mãos sabem fazer.
Tem duas semanas que o vi sem ele fazer de mim, seu algoz de quem quer fugir. Me lembro que tinha acabado de chegar de mais um turno e estava necessitando de um banho e comida. Fui liberado por meu patrão mais cedo do que o comum, eles estariam viajando para uma cidade no interior de Minas Gerais e levaria com ele e sua família os seguranças que tinham disponibilidade de tempo. Eu não poderia ir para tão longe e deixar meu irmão por dez dias longe de mim. Eu não suportaria a saudade do meu moleque.
Por isso ao chegar, fui diretamente na casa da minha vizinha para pega - lo. Orando para ele ter se comportado. Crianças geralmente tem muita energia para gastar e não é sempre que uma senhora consegue acompanhar seu ritmo. Mas não esperava encontrar o rapaz que tem estado em minha mente mais do que o recomendável, com olhos como pratos e tendo o início de um momento de sufocamento. Ele ficou sem ar ao ponto de deixar lágrimas saírem de seus bonitos e pequenos olhos e tive que tentar socorre - lo. Bem, eu devo ter fodido com as coisas pois agora ele praticamente corre a milhas de distância de mim. Eu pensei que o veria no almoço de domingo, mas não aconteceu. Ele estava na casa de uma amiga.
Sentindo o clima um pouco quente, o que não é novidade alguma no Rio de Janeiro, pego uma cerveja na geladeira e me jogo no sofá - cama semi novo que comprei na loja de novos e usados que fica no centro. O móvel é verde escuro e para ter pertencido a outra pessoa, está bem conservado. Meu irmão está muito concentrado em montar o quebra cabeça que ganhou de Silas na semana passada. Mas as sobrancelhas castanhas muito juntas é sinal de que ele está pensando demais. Desde ontem, que chegou da escola que é financiada por meu patrão, que está assim. Fechado e não está para muito assunto. Lhe dei um tempo para que estivesse se sentindo seguro para conversar comigo mas vejo que não vai acontecer.
Me inclino um pouco e deposito a garrafa com o líquido gelado sobre a mesinha. Ele me observa com o canto dos olhos, o pequeno peito se movendo com uma respiração profunda demais.
- Tudo bem! - murmuro acariciando minha barba, a mesma precisa ser aparada. - Vai me contar por que está assim?
- Não é nada! - a voz sai em um miado. Me acomodo no sofá e olho para o teto. A pintura começa a descascar. Daqui há algum tempo, terei que pinta - lo novamente. Volto minha atenção para ele, que está com os punhos cerrados sobre as coxas.
- Tem que ter algo!
- Hum...- dá de ombros. Respiro profundamente e me sento ao seu lado. Assim posso tentar ficar no mesmo nível que ele, ainda que seja quase impossível. Delicadamente coloco meu dedo indicador sob seu queixo e faço com que olhe para mim.
- Sabe que somos nós contra tudo não é? - seu lábio inferior treme um pouco. O que me preocupa, ele não é de chorar facilmente. Trago - o para meu colo e faço ele deitar sua cabeça contra meu peito.
- Eu sei. - diz fazendo desenhos imaginários em meu peito com seu minúsculo dedo.
- Somos fortes juntos. Se você sofre, eu também faço. Se chora, eu vou embarcar junto com você. Quando se machuca sinto dor juntinho com você. - entoo as palavras que digo a ele desde que ele passou a entender que não havia mais ninguém para recorrer a não ser para mim. Que éramos a família um do outro.
- Somos a fortaleza um do outro. - ergue o rosto e me mata o que vejo nele. É tristeza. - Meus coleguinhas disseram que minha mãe está muito feliz sem mim. Que eu sou muito chato, por isso ela me abandonou.
Solto um bufo misturado a um grunhido, o apertando um pouco mais em meus braços. A vontade que tenho agora é de ir e caçar os pais dessas crianças. Pois as crianças não nascem más ou preconceituosas. Isso nada mais é do que o ensinamento ou exemplo que tem em casa. Elas vêem aquilo como algo normal, ao verem os pais maior fonte de exemplo que tem, praticar as mesmas atitudes.
Me lembro que no início não queria coloca - lo nessa escola. É uma instituição particular, uma das melhores do país. É financiada pela família que eu trabalho há anos e oferece uma ótima educação. Todos os filhos ou parentes dos funcionários ganham uma bolsa para estudar lá. Abre muitas portas mas estava preocupado com a recepção que meu irmão teria assim que chegasse lá. Ele não vem de uma família rica ou influente mas é inteligente o suficiente para se manter ocupando o primeiro lugar de destaque na turma.
Nunca tive nenhuma reclamação da escola, até hoje.
- E você acreditou nisso moleque? - dou meu melhor sorriso. Ele resmunga algo sobre sua respiração. - Hum? Acreditou?
- Talvez um pouquinho! - desvia os olhos. Cutuco suas costelas e após engasgar com a própria saliva, ri alto.
- Um pouquinho? Não acredito!
- Para Arthur! Ahhhhh!
Ele cai para o lado. Rindo tanto que lágrimas deslizam por seu pequeno rosto. O trago novamente para o aconchego dos meus braços. Braços com os quais o embalei tantas vezes. Quando estava doente, machucado após cair ou somente feliz.
- Olha bem para mim moleque! - ele faz ainda respirando em arfadas bruscas.
- Tô olhando!
- Você é um garoto muito legal. Uma parte de mim, que não sei o que faria se não existisse. Imagina um mundo sem você carinha. Seria um caos. - digo muito sério, para que ele compreenda que estou aqui para ele sempre. Que nunca vou deixa - lo.
- Seria? - diz nitidamente curioso.
- Mas é claro que sim! Meu mundo só é completo e feliz com você cara! Somos e eu você. Ninguém mais.
- Mas a mamãe...
- Viviane...- digo tentando me controlar. - Ela não estava pronta para ser mãe. Por isso ela confiou em mim para tomar conta de você.
As palavras saem amargas se meus lábios. Sinto - o no meu estômago que elas não fazem bem. David não sabe que foi deixado na porta do meu atingo apartamento em um dia frio e carregando somente um bilhete curto da mãe, dizendo que era jovem demais para ficar tomando conta de uma criança. Foi largado como um objeto que após perder o encanto, foi deixado de lado pelo dono.
- Quando ela volta? - ele ecoa em uma voz trêmula a mesma pergunta. Não tenho tempo para responder, a campainha toca, me salvando por enquanto de lhe dar uma resposta. No mesmo momento meu celular vibra em meu bolso frontal da minha calça de moletom.
"Estamos na porta viado!" Samantha
"Eu ouvi magrela!"
"Magrela que te fode no tatame." Samantha
Reviro meus olhos, imaginando - a digitar velozmente no seu celular e a língua rosada pendendo por entre os lábios. Mania dela.
- Seus tios chegaram!
- Tia Samantha veio? - indaga com claro interesse. O menino é apaixonado por ela desde que se entende por gente. O que é a causa das reclamações por parte de meus outros amigos.
- E seus tios também! - jogo a pista. O garoto nem pisca. Salta do meu colo e sai em disparada em direção a porta. Abrindo - a, nem nota os outros homens. Se jogando literalmente sobre a mulher que tem seu coração. Os olhos castanhos claros se iluminam como uma árvore de natal e entra o enchendo de beijos.
Me coloco de pé e vou receber meus amigos que nunca esperei ter. Quando os conheci oito anos atrás, achei que teríamos uma comunicação somente no local de trabalho. Mas me surpreendi, quando vagarosamente e um a um, foram tomando espaço na minha vida e coração. E sei que posso contar com eles para o que vier.
- Bem, merda! Essa paixonite vai acabar quando? - Silas com toda a sua altura se joga em meu sofá, já com uma latinha de cerveja que retirou do engradado que trazia. Os olhos azuis observam divertido a interação de nossa amiga e meu irmão.
- Linguagem Silas! - Gregório repreende. Ele é o cérebro da turma. Ele é ignorado com sucesso e recebe de brinde um arroto alto. As sobrancelhas loiras quase se tornam uma com a careta que faz. - Você é nojento!
- Bem, as mulheres não reclamam!
- Claro que não! Elas não conhecem esse seu lado Peppa Pig.
- Fica na sua magrela! - cruza os pés sobre minha mesa de centro. - Gregório, use suas mágicas mãos e nos faça petiscos. Estou com fome!
- Você tem mãos saudáveis sabia?
- Elas são muito grandes. Não sou bom em cortar aqueles minúsculos cubinhos de queijo e presunto.
- É só praticar!
- Greg do meu coração....
- Sem charme cara. Você é péssimo nisso.
- É ruim mesmo tio Silas! - o pequeno se mete, adorando ver o circo pegar fogo.
- Eu sou um ator!
- Se você diz! - Sam se senta com David agarrado nela. - Está calor para cacete. O que acha de ficarmos na varanda hoje?
- Eu vou varrer e arrumar a mesa para colocar as coisas nela.
Não leva mais do que quinze minutos para a varanda que me dá todos os dias, uma bela visão do nascer ou por do Sol, está pronta. Gregório com suas mãos mágicas cortou os frios e os colocou em pratinhos decorados com formas geométricas. Os mesmos comprados como presente de casa nova por dona Márcia. Eu neguei de início, mas a mulher de porte elegante mas tão humana quanto eu, insistiu até eu aceitar.
Conecto meu celular em uma caixinha de som via bluetooth, e deixo as notas ritmadas da música ecoar pelo apartamento. David está aos pés de Gregório que fala rapidamente com o marido antes dele entrar para seu plantão. Meu irmão se deixa levar brincando com seus bonecos e cada um de nós tem tem uma cerveja na mão e falamos sobre como foi nossa semana.
- Como Leonel está?
- Reclamando por ter que ficar em casa. Ele está convicto de que está pronto para voltar a trabalhar. - Sam dá um gole em sua cerveja. Os olhos adquirindo uma sombra de preocupação que ela tenta esconder desde que o tio que a criou sozinha, enfartou no meio de uma operação policial em uma comunidade.
- O trabalho é a vida dele. Eu o entendo, mas ainda assim ele tem que ser mais vigilante agora.
- E ele é minha vida. - olha para as botas pretas. As longas e bronzeadas pernas brilham mediante a luz do dia. O short jeans lhe dando uma aparência mais jovem. - Eu disse isso a ele também. O homem é teimoso. Ele liga para a delegacia para saber como andam alguns casos sabia?
- Ele logo aceita que seus tempos de adrenalina acabaram. Que agora para ele só resta a função administrativa. - Greg murmura tomando um gole do seu refrigerante. Na certa, ele será o motorista da vez.
- Tomara que não demore muito. Me preocupo muito com ele. - aperto seu ombro levemente. Nós todos temos o homem como nosso pai. O ataque cardíaco o manteve longe de nós por um tempo.
- Estaremos aqui se precisar, sabe disso não é?
- Eu sei! - beija meu rosto. Deitando sua cabeça em meu ombro. Silas assobia baixo e tem sorriso de lado em seu rosto de traços fortes.
- Temos platéia! - pisca para quem quer que esteja na varanda vizinha, para a qual estou de costas. Me viro a tempo de ver Ramon vermelho como um tomate tropeçar com sua filha em volta do seu pescoço. Me ergo preocupado.
- O que é meu neto? Tropeçou babando no vizinho? - meus amigos não aguentam e gargalham com gosto. Ramon mesmo a distância enfia o rosto na dobra do braço.
- Vó, agora não! - a pequena senhora poe as mãos na cintura. Suas bijuterias refletindo a distância.
- O que? Só estou dizendo a verdade! - ergue o rosto marcado pelo tempo e acena freneticamente em nossa direção. - Oi menino Arthur! Como vai? Não o vi ontem.
- Estou bem dona Elisa! - retribuo o aceno. Seu neto se coloca de pé e tem a píton em seus braços. Pela sua expressão facial, sei que está pronto para fugir. Me adianto. - Aceita tomar uma cerveja com a gente Ramon?
- Hum...
- Ele aceita sim!
- Eu aceito? - diz entre dentes. Quero rir de seu desespero. Mas espero que ele venha, pois quero tirar a limpo essa questão entre nós. Preciso saber se o machuquei de alguma forma.
- Ele vai menino Arthur! Oi David, senti sua falta ontem. Fiz bolinho de chuva, que tal comer alguns comigo? - muito rápido o garoto se coloca de pé, já com sua expressão de cãozinho que caiu da mudança.
- Vamos colocar seu chinelo. - antes que eu entre, ainda consigo capturar um sorrisinho de lado da senhora. Nunca gostei tanto de uma idosa quanto agora.
Me aguarde Ramon.
Queima quengaral!!!
Bom domingo para vocês.
25/10/20
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