• DOZE • RAMON
"Já estou aqui fora!" Arthur
Seguro o suspiro feliz que ameaça deixar meus lábios. Não posso parecer muito animado. Mas não deixo de dançar alegremente no lugar. O que não adianta muito, evidenciando mesmo assim minha animação. Nana solta uma gargalhada alta enquanto carrega uma cadeira em cada mão em direção ao depósito.
Com uma mesa dobrável sob meu braço, respondo um "apareço aí em quinze minutos!" E volto a ajudar na tarefa de arrumar o salão onde aconteceu um jantar de noivado de um comerciante que possui algumas lojas espalhadas pelo centro do Rio. A história de amor deles é linda. É um homem de porte mediano, cabelos escuros, olhos também de igual cor e sorriso que te faz bem em qualquer situação. Mas antes de conhecer sua atual noiva passou por muitas decepções amorosas. Ele em meio ao discurso que fez antes de colocar o anel absurdamente caro no dedo esguio e pálido da noiva, disse que já tinha desistido de encontrar alguém quando a mulher de sua vida surgiu. Ele muito rapidamente a chamou para sair e hoje ficaram noivos. De acordo com a moça que foi até a cozinha elogiar a comida feita pelas mãos mágicas de minha amiga, eles iriam se casar daqui a seis meses.
Suspiro profundamente quase desejando um amor assim para mim. Eles são tão bonitos juntos, além de companheiros de vida, são amigos.
Varro o local e vendo que o chão que será lavado na segunda - feira, está apresentável, vou para o banheiro dos funcionários, uso o chuveiro instalado ali. E após me secar, coloco uma calça jeans clara com um rasgo em cada joelho, meus tênis pretos e uma camisa de manga verde. Com minha mochila pendurada em meu ombro esquerdo, juntamente com Nana, fechamos o salão. Seu carro está estacionado na esquina. Nos abraçamos rapidamente.
- Iria te oferecer uma carona, mas pela sua cara minutos antes e o armário de terno que te espera acredito que não vai precisar.
- Não, não vou! Manda um beijo muito gostoso e úmido para Caio. Tô com muita saudade dele.
Digo a verdade. Tem duas semanas que não vejo meu bebê. Depois que almoçamos todos juntos no domingo, um dia depois do meu mergulho naquela fonte, não pude ve - lo. Com muitos eventos do buffet e meu compromisso com o hospital, não tive como ir visitar o pequeno. E seus avós juntamente com o tio já voltaram do cruzeiro, então Caio não fica mais lá em casa em alguns dias depois da creche.
- Na segunda iremos fazer uma visita para dona Elisa! - aperto meus olhos em sua direção.
- Só tem minha avó naquela casa? - faço drama.
- Acho que sim! - me lança uma piscadela.
- Estarei lá esperando mesmo assim! - dou uma risadinha.
Nos abraçamos mais uma vez e nos despedimos. Ela se vai deixando um beijo no ar em direção ao homem que observa toda a nossa interação com um leve elevar de lábios.
Tentando fazer com que minhas pernas fiquem firmes enquanto caminho até ele, sorrio. O retorno é automático e o simples fato de receber esse gesto dele, me faz sentir no topo do mundo. Arthur não é uma pessoa fria, apenas é sério demais. O que torna uma raridade ele sorrir. Sem que eu espere, enlaça minha cintura com seus braços fortes, fazendo - me chocar contra seu peito. Engulo em seco, sentindo sua boca dominar a minha. Me esqueço que algumas pessoas passam por nós ao me render ao beijo profundo que trocamos. Nos separamos quando o ar faz falta. Deixo meu rosto cair contra seu peito, sinto meu rosto quente.
- Senti saudades sabia? - murmura contra meus cabelos.
- Seu beijo diz muita coisa! - ergo meu olhar. Ele esquadrinha meu rosto, tocando meu pescoço, orelhas e bochechas.
- Está vermelho!
- Eu sinto! - desde pequeno eu sou alguém que não consegue esconder nada. A reação do meu corpo não coopera. - Não precisava vir me buscar, iria com Nana. - traço com meu dedo indicador as linhas rígidas de seu rosto.
- Eu sei, mas queria um tempo com você. Quase não nos vimos esses dias.
Aceno levemente.
- Mesmo assim, deve estar cansado!
- Estou mas ficar um pouquinho com você vale a pena! - meu coração se enche de um calor gostoso diante de sua declaração.
- Vamos direto para casa? - acena.
- O que acha de assistir a um filme?
Quase dou pulinhos no lugar. Quando o vi me esperando aqui, achava que só iríamos curtir o percuso até o condomínio onde moramos e cada um iria para sua casa. Mas diante do convite, posso ter um pouco mais de sua companhia.
- Já tem em mente?
- David sim! - sorrio. - Hotel Transilvânia com direito a pipoca doce e tudo mais.
- Ah amo esse filme!
Por um instante, ele apenas me observa, parecendo pensar em algo.
- Não se importa que no meio de nós tenha uma criança falante de dez anos?
- Por que me importaria? Ele é seu irmão Arthur! E amo aquele garotinho com tudo de mim e ele não tem medo de Luna! - resolvo implicar.
Ele fecha a cara.
- Eu não tenho medo dela!
- Se você diz! - seguro seu rosto e faço com que nunca desvie a atenção dos meus olhos. Para que veja a sinceridade que há neles. - Mas nunca vou pedir para que escolha entre mim e seu irmão! Não seria capaz de algo assim!
Acena muito lentamente.
- Desculpe, é que isso já aconteceu. Só queria deixar tudo esclarecido.
Meu sangue ferve ao imaginar um cara pedindo para um irmão desistir do outro. Não é certo.
- Bem, seja quem for! Perdeu uma grande oportunidade de ter amor em abundância!
Com mais um beijo, ele se separa um pouco de mim e abre a porta do carro. O carro em si não tem luxo algum além do ar condicionado. É um veículo popular na cor prata é e capaz de comportar um homem de quase dois metros de altura. Desço o vidro pela metade e com a permissão do dono, coloco algumas músicas para tocar. Não demora muito e vejo que estamos estacionando em frente ao prédio.
- Acho que nosso cinema a três foi para o ralo! - murmura com os olhos fixos em uma moto preta monstruosa e um Fusca vermelho que estão lado a lado.
- Seus amigos? - digo animado. Pois tem tempo que não os vejo. Só os vi uma vez mas gostei bastante deles.
- Os próprios!
Quando vou sair, meu olhar cai em uma pilha de livros no banco de trás. Nas capas há fórmulas matemáticas diversas. Resolvo matar minha curiosidade, que se instalou em mim desde que soube qual curso está cursando.
- Por que matemática? - me refiro ao curso que faz na universidade.
- Nenhum motivo forte, é que sempre gostei.
O olho como se fosse um ser de outro mundo. Quem nessa terra gosta de matemática? A matéria logicamente foi criada pelo próprio demônio para arrasar nossas vidas. Finjo estremecer, arrancando uma gargalhada dele.
- Tenho fobia de matemática. Era uma tortura na escola.
- Tive um professor no ensino médio que em todas as aulas, levava a matéria de forma diferente e com tanto amor que desejei ter aquilo para mim. Ele nunca via a dificuldade nas fórmulas. Ele dizia que era quase uma terapia para ele. E com ele aprendi a gostar da matéria.
- Esse homem realmente existe?
- Sim! Ainda mantenho contato com ele. Me lembro do dia que nos encontramos em um domingo. David estava correndo com as crianças na praça e ele simplesmente estava passando por ali com sua esposa. Ele me reconheceu na hora. Trocamos um abraço apertado e lhe disse que estava cursando matemática. O homem chorou na minha frente e não sabia o que fazer. Depois de alguns segundos, com a esposa também emocionada. Ele me disse que eu era um dos poucos alunos dele que ingressaram em uma universidade. E que tinha orgulho de mim. - faz uma pausa, subo meus olhos úmidos. Ele também parece emocionado. - Ele apenas confirmou que eu podia fazer o que eu quisesse! Que era forte o suficiente para tal.
- Você é Arthur! Nunca duvide disso!
Seu celular toca.
- Diga!
"Quando a moça vai deixar de namorar no carro e vai subir para ver seus amigos?"
Escuto pelo alto falante do celular.
- Nos vimos hoje na empresa. Até almoçamos juntos. Não seja dramática!
"Só quero salvar Ramonzito de suas mãos devassas!"
Engasgo com minha própria saliva ao rir alto.
- Engraçadinha! Já estamos subindo! - desliga na cara de Samantha. Me lembro da mulher de ar jovial e língua afiada. - Bem, vamos? Se não ela vem nos buscar!
Espero que traque o carro e mais uma vez meu coração acelera quando sinto entrelaçar sua mão na minha. Juntos subimos alguns lances de escadas e então já estamos em seu apartamento. David assim que me vê, corre saindo do colo de Samantha e se pendura em mim. Pego - o e o encho de beijos.
- Tio Ramon, estamos te esperando para assistir meu filme favorito! - seus olhinhos brilham.
- Eu também gosto muito!
- E eu não ganho um abraço? - Arthur beija a lateral de sua cabeça. Ele nega.
- Hoje eu sou do meu tio!
- Ah meu coração! Fui trocada!
- Aquela sua amiga não veio? - me viro encontrando Silas com metade do corpo grande dentro da geladeira.
- Hum... não! Vocês se conhecem? - sinto minhas sobrancelhas se juntarem, pois estou confuso. Nunca foram apresentados e Nana não me falou nada.
- Talvez!
- Como? - ele não responde. Ele enfia pedaços de queijo na boca.
- Fábio não está? - ao ouvir o nome do dito cujo, procuro por ele no cômodo. Samantha não esconde a careta que toma todo o seu bonito rosto. Silas dá de ombros.
- Não quis ficar aqui com a gente. Deve cagar cheiroso né?
- Sam!
- Só estou falando a verdade. Quando chegamos, nem ao menos fez questão de ser simpático com a gente. Então não vou ser com ele.
Me sento com David ao seu lado, por dentro me sentindo mal por talvez ser o motivo do primo não estar com a gente aqui na sala. Ela beija minha bochecha a apertando em seguida.
- Coisa fofa! Você é bom de apertar! - reviro meus olhos rindo.
- Quem perde é ele. - Arthur joga as chaves do carro na bancada. - Podem ir colocando o filme, só vou trocar de roupa.
Silas se joga no outro sofá, o porte forte ocupando toda a mobília. David se fez confortável em meu colo. Arthur retorna todo a vontade, usando um short de pano mole preto e uma camisa. Se joga ao lado da amiga que lhe soca o estômago, fingindo sentir dor, me pisca um olho. Há pipoca doce e salgada, bolachas, chocolate, suco e refrigerante na mesa de centro. Silas apaga as luzes e o garotinho que está em meus braços, enfia sua mão entre mim e a tia para que possa pegar o controle remoto, em seguida apertando o play.
Com quinze minutos de filme, eu já ri tanto que sinto minha barriga doer. Os outros não estão diferentes. A pipoca está uma delícia, a doce então. Em determinado momento deixei a vergonha de lado e chupei dos meus dedos o caramelo que se colou a eles. Senti o olhar intenso do meu vizinho sobre mim mas preferi ignorar. Meu sobrinho postiço, migrou para o colo do gigante bom de boca. O homem além de comer o que está na mesinha de centro, vai a geladeira com frequência para pegar mais queijo ou qualquer outra coisa que queira.
Há batidas na porta. Arthur se ergue com as sobrancelhas castanhas juntas, quase se tornando uma. Curiosidade tomando suas feições.
- Gregório vai vir?
- Não! Ele disse que tinha jantar na casa da sogra!
- Boa sorte para ele! - Murmura parecendo sentir profundamente pelo amigo.
Me sirvo com um pouco de suco de uva quando ele abre a porta e por ela passa minha irmã carregando uma pequena maleta verde vibrante, vestindo short jeans e uma mini blusa preta, em seus cabelos há uma touca térmica prateada e vejo nos pés minúsculos e descalços, separadores de dedos. E em uma das mãos, leva um vidro de esmalte vermelho.
- Oi cunhado! - quase cuspo a bebida com sua fala excessivamente animada. Meu vizinho e eu, ainda não colocamos um rótulo no que temos. Estamos nos conhecendo mas parece que minha irmã está querendo adiantar as coisas. - Noite boa gente! - cumprimenta alegremente o restante do pessoal e recebe acenos entusiasmados.
- Quer ajuda?
- Que nada! Só preciso de um lugar para ficar! - sinto meus olhos ficarem tão arregalados que doem. Me coloco de pé indo até ela. Arthur volta para seu lugar deixando escapar uma risadinha.
- Hum...sei que vou me arrepender de perguntar mas posso saber o motivo?
Deixando um beijo na minha bochecha, joga sua maleta contra meu peito ao passar por mim. Ocupa meu lugar no sofá, retira os separadores de dedos os deixando espalhados sobre o tapete e pede pipoca na boca com David que dá com prazer. Reviro meus olhos.
- Ela quer o apartamento livre hoje!
- Hum....- fico no mesmo lugar tentando entender. Ela se faz ainda mais confortável e começa a passar mais uma camada de esmalte sobre as unhas bem feitas. Todos os sábados a noite quando não sai para algum lugar, minha irmã faz do seu quarto um salão de beleza. Ela faz tudo. Cabelo, unhas, maquiagem que ela testa, e tudo mais.
- Você sabia que vovó está namorando?
- Está? Mas como?
- Olha hoje eu vi ela se pegando com o Seu Sérgio!
- Não diz isso Aline! - fecho meus olhos, sentindo meu rosto, pescoço e tudo de mim ficar vermelho. A imagem que se forma na minha mente não é legal. Os outros só sabem rir da minha aflição.
- Mas é a verdade. Ela me disse bem assim: agora que seu irmão está namorando, posso finalmente aceitar o convite do Sérgio para...
- Já chega! Entendi!
Arthur está uivando de tanto rir, que chega se segurar na beirada do sofá para não cair. Samantha também não se faz rogada e Silas, tenta inutilmente se segurar. Pelo menos um deles não achava minha situação divertida. Minha avó simplesmente decidiu que vamos dormir no vizinho e começou a namorar sem ao menos me dizer. Posso estar me sentindo um pouquinho ciumento. E se esse cara roubar minha avó de mim?
- Relaxa Ramon! Vocês podem dormir aqui! O quarto de hóspedes está em uso mas tenho ótimos colchões além desse sofá - cama onde estamos sentados.
- Isso! Festa do pijama! - David joga seus pequenos punhos no ar.
- Tem certeza de que não vamos incomodar? - apoio meu peso na minha perna direita.
- Claro que não! Sua avó merece namorar!
- Hum...- passo a mão por meus cabelos. - Ela nem ao menos me disse!
- Agora já está sabendo! - sopra as unhas. - Nossa adoro esse filme!
Sorrio para o entusiasmo dela. Desde que chegou aqui, minha irmã tem sido como uma flor que desabrocha nas condições certas. Acho que ser moldada de todos os lados por nossos pais, ao invés de reprimi - la, a fez sedenta por muito mais. Sendo assim uma pessoa que não tem medo de arriscar em nada. Sempre aberta para novas experiências.
Ao contrário de mim, que mesmo inconscientemente me podo em tudo.
Sou arrancado de meus pensamentos, pelo roçar sutil de seus dedos nos meus. Arthur de alguma forma e em algum momento que não vi, veio se sentar ao meu lado, jogando um de seus braços fortes sobre meus ombros. Os olhos castanhos estão suaves ao olhar para mim. Toco sua bochecha levemente. De repente não há amigos, irmãos ou filme.
Somente nós.
Não estava em meus planos dormir em sua casa hoje. Iríamos apenas trocar alguns beijos mas então minha avó resolve que quer o apartamento só para ela, e me vejo dormindo futuramente em um sofá cama na casa do cara com quem quero ter muito mais que beijos, mesmo que o medo as vezes tente me assaltar.
Meu primeiro amor é a música, logo depois vem minha pequena família composta por minha avó, minha irmã e minha amiga com seu filho. E tem Arthur que em pouco tempo está se tornando muito mais do que quero admitir.
Sergio na mídia!!!
02/11/20
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