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υм ℓαя ∂єиτяο ∂ο ℓαя
Berk era a casa de Lenora. Foi ali que ela nasceu, onde cresceu, onde todas as suas memórias mais preciosas foram criadas. Cada risada nas ruas de pedra, cada corrida despreocupada pelo cais. Os empurrões amigáveis nas docas, as ameaças ocasionais que acabavam em gargalhadas, e até mesmo os momentos em que jogava quem a irritava no Poço de Bolor.
Era ali que sua história tinha começado.
Ali estavam as ruas onde ela corria, os campos para onde fugia com Soluço, os penhascos que escalava, os lugares onde se escondia com Leo para escapar das broncas de seus pais após uma de suas travessuras. A arena onde ela conhecera Randi. A enseada onde vira Banguela pela primeira vez. O lugar onde dera seu primeiro beijo em Soluço.
Cada canto daquela vila contava um pedaço de sua vida. Berk não era apenas um lugar, era o lar que construíram juntos. O lugar onde ela queria criar seu bebê. O lugar onde ela e Soluço planejavam continuar suas aventuras, criar histórias novas e ver seus filhos correndo pelos campos, escalando penhascos e sentindo o ar fresco da manhã.
Mas agora, tudo aquilo havia sido tomado pelo fogo.
Lenora olhava ao redor, o coração pesado. O gosto amargo de cinzas estava na língua, a fumaça ainda pesava em seus pulmões. Tentava não desmoronar, mas era impossível não sentir o desespero crescendo dentro de si.
━ Não deveria ter acabado assim ━ murmurou Lenora, a voz trêmula, mais para si mesma do que para os outros.
Leo aproximou-se devagar, com o rosto carregado pela mesma tristeza que ela sentia. Ele sabia o que Berk significava para Lenora, porque também significava o mesmo para ele.
━ Lenora... ━ ele começou, hesitante.
Ela não respondeu de imediato.
As bochechas de Lenora estavam molhadas de lágrimas, os rastros brilhantes cortando o rosto sujo de fuligem enquanto ela observava a vila de Berk reunida no grande salão, debatendo sob a luz vacilante das tochas. Apesar da discussão acalorada ao seu redor, Lenora não conseguia ouvir as palavras. Tudo parecia um ruído distante, abafado pelo peso em seu peito.
Ela se esforçava para não chorar, mordendo o lábio com força, mas as lágrimas vinham mesmo assim, quentes e silenciosas. Randi, seu dragão, estava ao lado dela. Apesar do espaço apertado no salão, ele se recusava a sair de perto. Ele baixou a cabeça e a apoiou na mesa, os grandes olhos verdes fixos nela, cheios de compreensão.
Lenora passou a mão pela cabeça de Randi, os dedos tremendo levemente enquanto acariciava as escamas ásperas. Ele sabia o que ela sentia. Ele também estava de luto.
━ Você também perdeu tudo, não é? ━ ela murmurou, sem esperar resposta.
Randi fechou os olhos por um momento, soltando um som baixo, um ronronar profundo e reconfortante que reverberou em seu peito. Lenora sentiu um aperto na garganta ao observar o dragão. Berk era tão importante para ele quanto para ela.
━ Você odiava este lugar no começo ━ ela disse, com um sorriso melancólico. ━ Eu lembro como você lutava para fugir, como odiava a arena e tudo o que ela significava.
Ela suspirou, os dedos parando em um ponto específico das escamas de Randi, onde havia uma pequena cicatriz.
━ Mas... você mudou. Você encontrou algo aqui, assim como eu. ━ Ela abaixou a cabeça, os cabelos caindo em volta de seu rosto como um véu. ━ Encontramos um ao outro.
Randi abriu os olhos e ergueu a cabeça ligeiramente, pressionando-a contra o braço dela. Lenora sorriu, apesar das lágrimas.
━ Nós demos um ao outro liberdade ━ continuou. ━ Aventura. Um lar.
Ela olhou ao redor do grande salão. Todas aquelas pessoas, todas aquelas vozes. Seus amigos, sua família. Eles estavam discutindo para onde iriam, como sobreviveriam, como reconstruiriam. Mas Lenora não conseguia pensar em nada disso. Sua mente estava presa nas memórias, naquilo que tinham acabado de perder.
Lá fora, o som de trovões ecoava na distância, fazendo as tochas tremeluzirem. Lenora não sabia se eram apenas trovões comuns ou se os deuses estavam tentando enviar um aviso. Talvez fosse um presságio. Talvez um adeus.
Ela fechou os olhos, tentando encontrar forças, tentando sufocar a dor que parecia esmagá-la. Randi se aproximou mais, envolvendo-a com suas asas largas, como se quisesse protegê-la de tudo.
━ Nós vamos superar isso, não é? ━ Lenora sussurrou, mais para si mesma do que para ele.
Randi soltou outro ronronar, baixo e firme, como se estivesse dizendo que sim.
Soluço ergueu a voz, tentando se sobressair ao crescente descontentamento dos vikings reunidos no grande salão. Ele deu um passo adiante, posicionando-se no centro da longa mesa, com as mãos estendidas, em um gesto para pedir calma.
━ Tudo bem, tudo bem! ━ ele disse, tentando soar firme apesar do nervosismo evidente.
Melequento tentando ajudar de algum jeito, bateu sua taça na mesa, mas o gesto desastrado fez a bebida derramar diretamente em suas calças.
━ Ei! ━ ele gritou, se levantando às pressas e sacudindo o tecido molhado.
Eret olhou para ele com uma expressão exasperada, franzindo a testa como se quisesse dizer "sério?". Do outro lado da mesa, Leo deixou a cabeça cair nas mãos, claramente frustrado com a cena.
Soluço respirou fundo e ergueu novamente a voz:
━ Todos se acalmem, por favor!
O barulho alto começou a diminuir, embora os murmúrios teimosos ainda ecoassem pelo salão. A insatisfação era clara nos rostos de muitos ali, marcada pela preocupação e pela antipatia.
Lenora, sentada perto de Randi, olhou ao redor. Seus olhos encontraram os de sua mãe e seu pai, que estavam de pé com os trigêmeos mais ao fundo do salão. Eles sempre acreditaram em Soluço e nela, mas, agora, mesmo eles pareciam tensos, como se a situação estivesse além de qualquer otimismo.
Na outra extremidade da mesa, Perna-de-Peixe estava lentamente recuperando a consciência. Ele parecia exausto, a cabeça encostada na madeira, com os braços caídos ao lado do corpo. Lenora percebeu o local onde o dardo o havia atingido, ainda enfaixado, mas os efeitos do veneno continuavam evidentes. Seus olhos estavam turvos, e seus movimentos, lentos e desajeitados.
Soluço notou o amigo e deu um passo na direção dele, batendo de leve na mesa para chamar sua atenção.
━ Perna-de-Peixe? ━ ele chamou, a preocupação transparecendo em sua voz.
O viking piscou lentamente, tentando focar em Soluço. Ele balançou a cabeça como se quisesse responder, mas seu corpo não cooperava.
━ Você já viu aquela espécie de dragão antes? ━ Soluço perguntou, ansioso, referindo-se aos monstros que haviam invadido Berk.
Perna-de-Peixe tentou se endireitar, erguendo um dedo trêmulo para sinalizar que tinha algo a dizer. Mas, assim que começou a falar, o cansaço o venceu. Ele caiu para trás, batendo no chão com um som seco.
Melequento levantou-se abruptamente no meio da multidão, gritando:
━ Deixe-me ir até eles! Vou dar um pedaço da minha mente para aquele covarde! ━ Ele socou o ar com tanta força que, sem querer, acertou o primo ao lado, que caiu direto sobre o tio de Astrid.
Astrid suspirou alto, afundando lentamente no banco, enquanto lançava um olhar envergonhado para o teto.
━ Por "mente", eu quero dizer "punho", é claro... ━ murmurou, passando a mão pela testa.
Lenora, sentada próxima a Soluço, começou a enrolar algumas mechas de cabelo em seus dedos, um hábito que surgia sempre que estava ansiosa.
Soluço levantou a mão, pedindo silêncio.
━ Vocês perderam a parte em que quase morremos? ━ ele perguntou, sua voz firme ecoando pelo grande salão. ━ Viram o que restou da minha casa?
O salão mergulhou em um silêncio constrangedor. Todos evitaram o olhar de Soluço, mas a gravidade em sua voz fez até os mais teimosos recuarem. Ele passou a mão pelos cabelos, respirando fundo para controlar a raiva.
━ Isso é um novo tipo de inimigo ━ continuou ele, apertando o maxilar. ━ E eu subestimei. Essa culpa é minha. Mas prometo que não vai acontecer de novo.
Antes que pudesse dizer mais, Melequento pulou da cadeira, batendo os punhos na mesa.
━ Nós somos vikings! Não fugimos de uma briga! Pelo menos eu não! ━ ele exclamou, inflado de bravura.
Astrid arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços.
━ Ah, não? ━ perguntou com sarcasmo. ━ Então por que você correu como um coelho assim que seu traseiro pegou fogo?
O rosto de Melequento ficou vermelho como uma brasa.
━ Cala a boca, Astrid! ━ ele retrucou, visivelmente humilhado.
Eret, filho de Eret, levantou-se de sua cadeira, caminhando até Soluço com passos firmes.
━ Eu concordo com o chefe. ━ Ele ignorou completamente o olhar furioso de Melequento, que o acompanhava. ━ Nós vimos o que Grimmel écapazde fazer. Ele é um predador. Determinado, paciente, e não vai parar até conseguir o que quer.
Valka, que até então permanecia calada, levantou-se ao lado de Eret.
━ Concordo com Eret ━ disse ela, com a voz calma mas firme.
Melequento arregalou os olhos, horrorizado.
━ O quê?! ━ Ele parecia incrédulo. ━ Você prefere o lado dele ao meu?
Astrid revirou os olhos com exasperação, murmurando algo ininteligível.
Valka respirou fundo antes de continuar.
━ Temos que levar essa ameaça a sério. ━ Ela olhou para cada pessoa no salão, certificando-se de que suas palavras chegassem a todos. ━ Grimmel não é apenas mais um inimigo. Ele é um sinal dos tempos.
Lenora inclinou-se levemente, observando a expressão cansada no rosto do marido enquanto ele falava.
━ Nossos inimigos estão ficando mais espertos, mais determinados. ━ Soluço fez uma pausa, deixando as palavras pairarem no ar. ━ Não estamos apenas superlotados aqui. Estamos expostos. E vulneráveis.
Lenora inclinou a cabeça, surpresa ao ouvir Soluço admitir algo que ela já vinha tentando dizer há muito tempo. Algo que ele sempre evitara reconhecer.
━ A menos que enfrentemos uma guerra total e arrisquemos todos que amamos... eu não vejo outra saída. ━ A voz de Soluço falhou.
Ele suspirou profundamente, pressionando as mãos contra a mesa como se aquilo fosse a única coisa que o mantivesse de pé. Seus olhos procuraram os de Lenora, mas ela desviou o olhar, fixando-o em algum ponto distante no chão. Ela sabia que aquilo o machucava, mas não queria que ele percebesse o quanto aquilo a feria também.
Soluço cerrou os punhos, tentando reunir forças, antes de voltar a encarar os vikings.
━ Não vejo como podemos continuar aqui por mais tempo.
A declaração caiu como uma bomba no salão. Por um instante, ninguém reagiu, o silêncio era denso como a fumaça de uma fornalha apagada. Mas logo veio a explosão.
Vikings começaram a gritar, suas vozes cheias de raiva e frustração. As palavras atingiram Soluço como lâminas afiadas. Ele ouviu insultos, acusações, perguntas indignadas.
━ E o que Stoico pensaria disso, hein? ━ uma voz gritou do fundo.
Soluço sentiu o peso de cada palavra, como se fossem flechas disparadas diretamente contra seu coração.
Então, um machado atravessou o ar, cravando-se na madeira da mesa com um som seco e alto. O salão mergulhou em um silêncio repentino e assustador. Todos se viraram para encarar Astrid, que estava de pé, com o rosto vermelho e os olhos faiscando.
━ Ei! ━ ela gritou, fervendo de indignação. ━ Escutem ele!
O silêncio persistiu, carregado de tensão. Quando ninguém fez objeções, Astrid bufou, satisfeita, e se sentou novamente, cruzando os braços como quem diz: "Que seja do meu jeito."
Leo olhou para ela, os olhos ligeiramente arregalados. Ele então apontou para Astrid, levantando uma sobrancelha como se dissesse:
━ É melhor vocês ouvirem o que ela está falando.
Randi soltou um som baixo e irritado, movendo a cauda de um lado para o outro, como se também estivesse desconfortável com o rumo da discussão.
Soluço conseguiu respirar novamente. Ele encontrou o olhar de Astrid, que lhe lançou um olhar firme e determinado, como se dissesse: "Você consegue". Ele sentiu-se agradecido por sua presença constante.
Lenora, por outro lado, se virou, percebendo que os olhos de Soluço também estavam sobre ela. Algo em seu peito apertou. Ela não queria que ele procurasse nela a resposta. Queria que ele enfrentasse a multidão como sabia que ele podia.
Desde sempre, ele parecia contar com algo ou alguém: Banguela, ela, ou até mesmo seu pai. Sua fé em si mesmo nunca parecia suficiente para sustentá-lo. Mesmo assim, ela sabia que iria segui-lo, não importava o quanto lhe doesse deixar Berk. Ela acreditava nele. Mas ela também sabia que os outros tinham dificuldade em acreditar em um chefe que não parecia acreditar em si mesmo.
Soluço apoiou as mãos na mesa, inclinando-se para frente.
━ Se quisermos viver em paz com nossos dragões, precisamos de um plano melhor.
Bocão franziu a testa, um brilho de preocupação em seus olhos. Ele se inclinou para frente e perguntou:
━ O que está dizendo, chefe?
Soluço o encarou, sua expressão sombria.
━ Estou dizendo que precisamos desaparecer. Sair do mapa, levar os dragões para um lugar onde ninguém possa encontrá-los.
Houve murmúrios entre os vikings, mas foi o pai de Lenora quem se levantou primeiro.
━ E onde seria isso? ━ perguntou ele, cético.
Antes que Soluço pudesse responder, Lenora cruzou os braços e tomou a palavra:
━ Ele está falando sobre uma missão. Uma missão para encontrar o Mundo Escondido.
━ Mundo Escondido? ━ ecoou sua mãe, com uma expressão incrédula. ━ Ele perdeu a cabeça.
━ Endoidou! ━ murmurou Cabeça Quente para Cabeça Dura, ambos rindo baixo onde estavam sentados à frente.
Os risos se espalharam pela multidão, e Soluço fez uma careta. Lenora notou que a zombaria o atingia mais do que ele queria demonstrar.
━ Meu pai era obcecado por isso quando era jovem ━ continuou Soluço, ignorando as risadas. Ele abriu um mapa diante deles, com várias anotações antigas. ━ Ele fez anotações, mapas... Tudo em busca do lar ancestral de todos os dragões. Escondido em algum lugar além da borda do mundo.
As risadas diminuíram aos poucos, enquanto Soluço apontava para o mapa, sua voz ganhando força.
━ Pode ser a solução de que precisamos. Berk sempre foi um lugar de amizade entre humanos e dragões. É isso que somos. E agora, é isso que precisamos fazer. Eu sei que esse é o nosso lar. Meu pai me deixou para protegê-lo, mas Berk é mais do que este lugar. Nós somos Berk. O povo, os dragões, nosso legado... nossos filhos.
Lenora piscou, surpresa com a força em suas palavras. Seus olhos caíram instintivamente para sua barriga, uma mão repousando ali, sentindo o peso do futuro que carregava.
━ Eu digo que Berk é onde quer que vamos ━ finalizou Soluço, olhando a multidão com determinação.
Por um momento, o salão ficou em silêncio. O som fraco de trovões ao longe ecoava pela grande estrutura. Alguns vikings trocaram olhares, outros murmuravam entre si. Muitos ainda estavam hesitantes, presos ao medo do desconhecido.
Mas então, uma figura se levantou na multidão. Cabeça Dura pulou de pé, um sorriso confiante no rosto.
━ Estou com ele! ━ gritou, jogando os braços para o ar. ━ Quem mais?
A confiança absoluta em sua voz quebrou parte da tensão no salão. Cabeça Quente olhou para o irmão, revirando os olhos, mas acabou se levantando também.
━ Bem, se ele vai, eu também vou.
Outros começaram a se mexer, alguns assentindo em concordância, ainda que relutantes.
Para Soluço, aquilo foi o suficiente. Ele respirou fundo, os ombros relaxando um pouco. Ele sabia que ainda havia muito a fazer, mas aquele pequeno apoio foi como um farol em meio à escuridão. Lenora olhou para ele, sentindo-se dividida entre o orgulho e a tristeza, mas no fundo sabia: onde Soluço liderasse, ela estaria ao lado dele.
A movimentação em Berk era frenética. Todos estavam fazendo as malas para partir. Barcos eram presos com cordas aos seus maiores dragões, que aguardavam pacientemente enquanto vikings carregavam cestos, caixotes e provisões. Caixotes cheios de pertences, comida, gado, ovelhas, dragões bebês e suprimentos eram organizados meticulosamente. Cada canto da vila que antes era um lar agora se transformava em um retrato de transição e despedida.
Lenora observava, com o coração pesado, tudo o que amava ser desmontado ou deixado para trás. A praça principal, as casas, os portos, todos os lugares que marcaram sua história em Berk estavam sendo esvaziados. O vibrante lar que há poucas horas era um turbilhão de vida agora era uma cidade fantasma.
Eles deveriam partir antes que o sol nascesse, e o tempo parecia correr mais rápido do que nunca. Quando Lenora percebeu que tinha apenas alguns momentos antes de dizer adeus para sempre ao lar que conhecia, ela não conseguiu mais ficar parada.
Subiu em Randi e voou.
Ela não sabia para onde estava indo, apenas precisava se afastar, sentir o vento contra o rosto e deixar que sua memória a guiasse. Passou pelas casas que viu serem erguidas, pelos penhascos onde brincava quando criança, e pelo Monte Thor, onde havia sido a primeira a alcançar o topo. Lá, bebera a água da Cachoeira do Trovão, e fora isso que lhe deu o nome pelo qual era conhecida: Lenora, A Valente.
Enquanto sobrevoava as florestas e as cavernas que explorou tantas vezes, a realidade da partida a atingiu. As lágrimas começaram a cair. Ela piscava para tentar enxergar através delas, mas não adiantava. Os soluços vieram baixos, depois incontroláveis, enquanto abraçava o pescoço de Randi.
Era como se estivesse deixando uma parte dela mesma para trás, tudo o que a definia, tudo o que amava.
Randi pareceu sentir sua tristeza, diminuindo o ritmo do voo até planar suavemente em uma clareira escondida. A saliência das rochas criava uma espécie de cúpula natural, protegendo um pequeno oásis. Havia árvores pendendo ao redor, grama macia cobrindo o chão, e no centro, um lago brilhante que refletia a luz das estrelas.
Lenora reconheceu o lugar imediatamente.
Era onde havia conhecido Banguela pela primeira vez, anos atrás. Este pequeno pedaço de Berk, escondido e pacífico, parecia permanecer intocado pelo tempo, como se guardasse um fragmento de tudo o que Berk era para ela.
Foi lá naquela enseada que aconteceu a noite que mudou tudo para ela. Quando seguiu Soluço pela primeira vez, foi o começo da pessoa que ela tinha se tornado. Ela afundou em lágrimas, as memórias invadindo sua mente e seu peito apertado pela dor da despedida. A tristeza quase a sufocava, mas então Randi, percebendo seu estado, mudou seu trajeto. Ele sabia de um lugar especial, um local que sempre a animava. Ele também gostava muito dali.
Eles passaram por pastagens vastas, onde a vegetação verde e viva se estendia até onde os olhos podiam ver, e logo o som suave das ondas chegou até ela. Randi voou baixo, conduzindo-a por uma paisagem familiar, até pousarem suavemente na areia da praia.
Lenora sorriu pela primeira vez em horas, ao sentir a brisa no rosto e os pés tocando a areia morna. Ela desceu da cela de Randi, tirou suas botas e sentiu o contato suave da areia, que se enroscava entre os dedos. Já fazia muito tempo que ela não se permitia esse momento de paz, essa terapia pessoal que a conectava com o que mais amava.
Randi, como sempre, parecia saber exatamente o que fazer para afastar a tristeza. Ele rolou na areia, parecendo um cachorrinho travesso, esfregando a cabeça com as asas e emitindo um ronronar de felicidade. Lenora observava com um sorriso melancólico, lembrando-se dos tempos mais simples. Ela olhou para a água, e então as memórias começaram a invadir sua mente ━ dias em que corria pela praia com seus amigos, aprendeu novos truques, e compartilhou risadas sob o sol de Berk. Ali, ela se sentia segura, no seu lar dentro do lar. Seu refúgio.
Sentindo o impulso de levar consigo algo daquele lugar, algo que a conectasse ao seu lar, Lenora tirou um pequeno saquinho de couro de seu cinto. A mente dela estava com saudades de sua terra, do lugar de onde ela viera. Com delicadeza, ela se agachou e pegou um punhado de areia dourada, sentindo-a escorrer por seus dedos. Aquela areia seria o lembrete constante de onde ela pertencia, onde suas raízes estavam fincadas. Guardou a areia no saquinho de couro, com um suspiro.
Seus olhos então se voltaram para uma rocha, grande e sólida, próxima ao mar. O olhar de Lenora se suavizou ao vê-la. A rocha sempre esteve ali, firme contra o tempo, assim como Berk. Ela caminhou até ela, seus pés tocando a areia fria, e tirou sua adaga do cinto. Sem hesitar, começou a riscar a pedra com cuidado, marcando nela algo que iria levá-la para sempre. Seu nome ━ "Lenora, A Valente". O som da lâmina cortando a pedra era suave, mas carregava a profundidade de sua dor e de sua esperança. Aquela rocha, aquele momento, seriam a lembrança de quem ela era e do que Berk sempre significaria para ela.
Quando terminou, ficou ali por um momento, observando o nome gravado, sentindo a conexão com a terra que estava deixando para trás. Mas também com a força que ela levava dentro de si. Berk sempre estaria com ela, em cada passo, em cada lembrança.
Randi se aproximou e pousou suavemente ao seu lado, colocando a cabeça sobre seu ombro, como sempre, oferecendo-lhe conforto. Lenora sorriu tristemente, passando a mão sobre as escamas de seu dragão. ━ Vamos seguir em frente, Randi━ ela murmurou, com determinação. ━ Berk nunca vai nos deixar.
Eles ficaram ali por mais algum tempo, olhando para o mar, como se a última vez na praia fosse uma despedida silenciosa, mas cheia de significados. Lenora sabia que, apesar de partir, sempre carregaria consigo o espírito daquele lugar ━ e a certeza de que Berk seria parte dela, onde quer que fosse.
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