09
━ E AGORA? ━ Lenora perguntou. Soluço deu de ombros e seu humor ficou cabisbaixo, não parecia certo lembrá-lo de seus problemas depois de um passeio tão bonito. ━ Soluço, o seu exame final é amanhã, você sabe que vai ter que ma- ━ ela olhou para Banguela e sussurrou no ouvido do garoto ━ matar um dragão.
━ Nem me lembre... ━ Soluço murmurou.
Lenora suspirou e apoiou o queixo no ombro de Soluço, ele não estava mais tão tenso como antes, já estava se acostumando com a respiração quente batendo em suas bochechas... era bom.
━ Nora, posso te perguntar uma coisa? ━ Soluço disse de maneira hesitante.
━ Se eu puder responder, então sim.
━ Quando crianças éramos melhores amigos... então o que mudou para você se afastar de mim? Eu fiz algo errado?
Lenora se afastou levemente e capturou uma lufada de ar, ela sabia que um dia essa hora iria chegar.
━ Soluço, eu não sei se você vai querer saber... pode não gostar da verdade.
━ Eu aguento, pode me contar, durante anos eu vivi com essa dúvida. ━ Soluço lhe olhou por cima do ombro, seus olhos cintilavam com curiosidade.
━ Bom... a culpa é do meu pai.
━ Ragnar? O que ele tem haver com isso? ━ o garoto perguntou.
Lenora suspirou.
━ Você sabe que meu pai sempre almejou o melhor futuro para mim, ele sempre quis que eu fosse a viking mais cruel, corajosa e esperta de toda a Berk, a melhor matadora de dragões... então ele me treinou desde criança, mas ele percebeu que talvez a nossa amizade poderia atrapalhar os planos dele.
━ Como nossa amizade poderia atrapalhar os planos dele?
━ Bom, você era um garoto franzino, fracote, covarde... ele temia que a sua "filosofia pacifista" me contaminasse e que por sua causa eu não tivesse coragem de matar um dragão... então ele me proibiu de ser sua amiga e pediu para que eu me afastasse e começasse a andar com vikings de verdade.
━ Então foi aí que você começou a andar com a Astrid e o Melequento? E me abandonou...
Lenora notou os ombros dele caírem e logo ela se arrependeu.
━ Eu disse que você não gostaria da verdade.
━ Não, eu estou bem... estou ótimo! ━ ele forçou um sorriso.
━ Desculpa por tudo Soluço... ━ a ruiva falou com sinceridade.
Soluço sorriu.
━ Está tudo bem, eu perdoo você.
━ Que bom, porque-
De repente Banguela mudou de direção e os dois adolescentes gritaram. Eles entraram em uma névoa e Soluço logo soube que havia algo errado.
━ O que foi, Banguela?
Suas asas batiam vorazmente e o dragão rosnava para algo ao seu lado. Lenora se engasgou e se agarrou mais ainda em Soluço. Houve um rugido e um Pesadelo Monstruoso apareceu entre a neblina com uma ovelha nas garras. ━ Abaixa! ━ o garoto sibilou.
A ruiva se precionou nas costas de Soluço e rezou a Odin para eles não os verem. Banguela desviou e de repente vários dragões estavam voando segurando suas presas. Alguns dragões eram conhecidos como Nadders, Gronckles, Zíper Arrepiantes e alguns ela nunca havia visto.
━ O que está acontecendo? ━ Lenora sibilou petrificada.
━ Eu não sei! ━ Soluço exclamou e tocou as escamas do dragão ━ Banguela, tira a gente daqui, amigão.
O Fúria da Noite rosnou e sacudiu a cabeça. Soluço franziu o cenho para os outros dragões.
━ Parece que estão carregando suas presas.
━ Uh... ━ a ruiva se encolheu ━ e nós somos o que?
De repente Banguela desceu, seguindo o resto dos dragões, os dois adolescentes gritaram baixinho. O dragão planou sobre a água e desviou das rochas, eles pularam uma formação de penhascos e Lenora sentiu o ar ficando pesado e quente.
Eles chegaram em uma ilha de rochas negras com lava descendo pela borda... era um vulcão.
Ela se apertou mais em Soluço ouvindo nada mais do que rosnados. Um Nadder manobrou perto deles carregando um boi e Banguela desviou habilmente.
Eles mergulharam em um túnel escuro que logo foi tomado por tons de laranja. Lenora sentiu o calor sufocante ficar mais intenso e quando eles atravessaram o túnel, Lenora e Soluço já estavam suados.
Banguela manobrou para longe do poço de lava e Lenora sentia-se derretendo como um floco de neve no verão. ━ O que é que nossos pais não dariam para ver isso. ━ Soluço falou com admiração.
Banguela mergulhou, fez um voo rasante e pousou em uma rocha, os outros dragões jogavam todas as presas dentro do vulcão.
━ Que legal saber que toda a nossa comida é jogada em um buraco. ━ Soluço murmurou enquanto observavam atentamente.
━ Por que eles não estão comendo nada? ━ A ruiva perguntou encolhida atrás do garoto.
Um Gronckle voou em direção ao buraco, parecia confuso e preguiçoso, não tinha nada nas patas. Ele vomitou um pequeno peixe no vulcão e coçou sua orelha.
Um rosnado vibrante veio de dentro do buraco. Os olhos do Gronckle se arregalaram, os outros dragões se esconderam e recuaram e o Gronckle tentou subir, mas foi engolido por uma enorme boca recheada de dentes afiados.
Aquilo era só a cabeça, era maior do que tudo que ela já tinha visto... era monstruoso e horripilante. Ver seus seis olhos e espinhos pontiagudos foi o suficiente antes dele voltar para a névoa alaranjada.
━ O que é aquilo? ━ Lenora falou horrorizada.
Soluço não respondeu, ele se inclinou sobre Banguela e deu alguns tapinhas em seu pescoço ━ Tá na hora de sair daqui, amigão.
A cabeça do Morte Rubra retornou e ele farejou o ar, seus olhos se estreitaram em fendas e Lenora jurou que o dragão olhou no fundo de sua alma.
Banguela saltou e voou para longe antes do dragão fechar sua enorme mandíbula no lugar que eles estavam antes, o Fúria da Noite contornou o furacão de dragões que estava tentando fugir dali.
Lenora começou a entender o motivo dos ataques dos dragões em Berk. Eles precisavam servir um grande banquete para aquele monstro se não pagariam com suas vidas. Por anos eles arriscaram suas peles contras os vikings pois sabiam que seriam mortos de qualquer jeito.
Era matar ou ser morto.
Lenora começou a enxergar os dragões com outros olhos. Ao invés dos assassinos cruéis que as histórias contavam, eles eram apenas vítimas daquela hierarquia injusta. Eram inteligentes e lutavam por sua sobrevivência da mesma maneira que os vikings lutavam pela deles.
Seus sentimentos, moral, crenças e valores foram brutalmente mudados da noite para o dia, ela tinha que fazer alguma coisa a respeito... ela estava imersa em uma nova perspectiva de que os dragões não fossem os vilões afinal.
Tudo que eles sabiam sobre aquelas criaturas estava errado e graças a Soluço ela pôde enxergar com clareza.
━ MAS É CLARO! ━ Lenora exclamou assim que Banguela pousou na clareira. ━ Agora faz todo sentido. ━ ela saltou e olhou para Soluço ━ É como uma colmeia gigante, eles são os operários e aquilo é a rainha, que controla eles.
Lenora começou a caminhar de volta para Berk ━ Vamos falar com o seu pai. ━ ela falou exasperada ━ eles precisam saber que os dragões não tem culpa, eles só roubam nossos mantimentos para sobreviverem, se contarmos para o chefe ele vai resolver... podemos viver em paz com os dragões... somos todos tão parecidos...
Soluço pulou de Banguela e correu para alcançá-la, ele a puxou gentilmente pela mão e a garota ficou confusa ━ Não! Ainda não! Vão matar o Banguela!
Ela o encarou confusa. Eles não podiam simplesmente manter uma coisa como aquela em segredo, era perigoso tanto para os vikings como para os dragões.
━ Lenora, a gente precisa pensar antes, com calma.
━ Soluço... ━ Ela o seguiu pela noite ━ Nós acabamos de encontrar o Ninho dos Dragões! Aquilo que nós vikings buscamos desde que viemos para cá! E você quer guardar segredo? ━ ela soltou um escárnio ━ para proteger o seu dragãozinho de estimação, é isso?!
Soluço olhou para ela com uma expressão estóica ━ É isso!
Lenora vacilou. Ela nunca viu Soluço tão determinado, confiante e corajoso como naquele momento. Apesar de ser o nanico da aldeia, o inútil em questão de batalha e ser uma espinha de peixe, a chama da coragem e bravura queimava em seus olhos e isso impressionou Lenora. Ele era Soluço Haddock, e ele lutaria com sua vida para proteger aquele dragão de sua aldeia.
Soluço nunca se pareceria com um viking em questão de músculos, mas com toda certeza tinha o coração determinado de um.
Coração de um chefe, alma de dragão.
E Lenora se viu pronta para segui-lo nessa jornada... tudo isso ia contra sua crenças, mas dane-se as crenças vikings... aquele Fúria da Noite merecia uma chance de sobrevivência.
━ Tá bom ━ Ela murmurou ━ O que a gente faz?
━ Só me dá até amanhã. Eu vou pensar em alguma coisa.
Soluço se virou e tirou algo da sela de Banguela. Lenora sorriu quando ele lhe devolveu sua espada curva.
━ Você esqueceu quando saiu correndo.
━ Obrigada... meu pai me deu ela para matar dragões, mas agora eu a usarei para protegê-los.
Soluço conseguiu sorrir depois do seu encontro com o Morte Rubra.
Ela o olhou timidamente e se aproximou, dando um soco desajeitado em seu ombro ━ Isso é por me sequestrar.
Soluço franziu a testa e trocou um olhar com Banguela. Lenora aproveitou para ser corajosa e ultrapassar suas limitações, então ela puxou Soluço e depositou um beijo casto em sua bochecha.
━ E isso é por todo o resto.
Ela sorriu para Soluço e começou a caminhar de volta para casa.
Lenora não queria mais ser a matadora de dragões que seu pai tanto sonhou, ela queria ser amiga deles do mesmo jeito que Soluço conseguiu.
E quando chegou em casa naquela noite, ela ignorou as lamúrias do pai sobre ela não ter sido a escolhida e blá-blá-blá, ela somente se enterrou nas cobertas e prometeu que a partir de agora seria uma melhor versão de si mesma... nem que isso significasse ser a vergonha do clã Bjornsen.
Eu a amo tanto
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