Prólogo
Boa leitura!!!
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"Há caminho que parece reto ao homem, mas no final conduz à morte."
Provérbios 16:25
Nicholas
Camile se tornou para mim aquilo que eu nunca imaginei que seria; aquela moça sedutora e doce de quando nos conhecemos deu lugar a uma garota mimada, egoísta e birrenta.
Apesar de querer envelhecer ao lado dela, eu sabia: ela seria a minha ruína. Mas quem tem coragem de avisar isso pro meu coração? Eu estava perdidamente apaixonado por Camile e por isso estava perdidamente ferrado.
Depois de passar toda a tarde estudando um texto dificílimo para a apresentação de um seminário amanhã, levei minha namorada ao shopping – definitivamente criei um monstro – para que pudesse sair com as amigas como uma forma de compensação por não dá-la tanta atenção como ela exigia.
Há três anos cursava direito e dava o meu melhor, queria me formar com méritos.
Quando retorno para casa vou à sala de jantar fazer a refeição "em família" – do jeito que minha mãe controladora gosta.
Encontro apenas meu irmão, Rafael e minha mãe. Gabriel estava em lua de mel e meu pai em um plantão noturno apesar de hoje ser domingo.
Rafael era um bebê menor e mais frágil que seu irmão gêmeo idêntico, Gabriel. Devido a complicações no parto ele precisou ficar internado e acabou adquirindo uma grave infecção; os fortes antibióticos que tomou o fizeram perder a audição.
Meu irmão estava sentado à mesa concentrado em algumas anotações com sua caligrafia bem elaborada. Não percebeu minha presença ainda e decido não interromper o que faz.
Eu e ele somos muito próximos e, apesar de eu saber que os gêmeos são muito mais mimados que eu, são os melhores irmãos que alguém poderia ter – sempre posso contar com eles.
− Onde estava, meu filho? - Dona Helene entra na sala já me questionando, com seu perfume floral preenchendo o ambiente.
− Fui deixar Camile no shopping. – Ela revira os olhos demonstrando o desgosto que nutria por minha namorada e senta à mesa.
Rafael levanta a cabeça e me olha. Sua comunicação depende do "olho no olho", embora eu suspeite que ele também ler toda expressão corporal de uma pessoa.
Sua capacidade de ser tão calmo e paciente sempre me impressiona; dos três filhos é o mais criterioso e disciplinado.
Ele coloca a caneta marcando a página da agenda de couro em que escrevia e empurra-a um pouco de lado para dar total atenção a mim.
− Escrevendo uma carta de amor*? - Gesticulo para ele com um sorriso cínico.
Apesar de ter aprendido a falar oralmente – mesmo com muita dificuldade na pronúncia das palavras – Rafael sempre se comunica em Libras**, sua primeira língua.
− Só se for uma carta de amor para os espanhóis. - ele rebate com sarcasmos e um sorriso de canto de boca.
− Andréa sabe que você está trazendo trabalho pra casa ao invés de dar atenção a ela? – Questiono me referindo ao seu amor da adolescência e atual namorada que é tão ou mais complicada que a minha.
Eu o admiro pela paciência que tem ao lidar com Andréa, bem diferente de mim.
Ele suspira.
− Dei atenção a ela a minha vida inteira. – Falou como sentença final. Acho que aquela conversa não estava o agradando muito, mas ele continuou. – Acho que vou para o meu apartamento de vez. Estou pensando em chamá-la pra morar comigo. – Referia-se ao apartamento que possuía e que eu já utilizara algumas vezes pra ficar com Camile.
Eu finalmente entendi, ele tinha medo de uma rejeição. Rafael nunca tocou no assunto 'casamento', acredito que ele não tinha esses planos de uma oficialização de relacionamento.
− Eu não acho uma boa ideia. – Minha mãe falou chamando minha atenção e fazendo meu irmão olhar na mesma direção. Repete para ele. – Não concordo com isso! Ela não é mulher pra você, Rafael, não gosto dela.
Ele suspirou outra vez endireitando mais ainda a postura perfeita na cadeira.
− Mãe, a senhora não gosta de ninguém. - Ele considerou dando de ombros.
Nossa conversa foi interrompida pelo cheiro maravilhoso da comida que dona Tereza estava trazendo junto a outra mulher que eu não sabia o nome ainda. Dona Tereza trabalhava para meus pais desde sempre, era nossa cozinheira e segunda mãe para eu e meus irmãos.
Dispenso a sobremesa e volto para o quarto mergulhar novamente nos estudos.
Esse dia foi muito cansativo e ainda havia marcado com Rodrigo e Samuel – meus melhores amigos – para estudar por vídeo conferência às 23h30min. Segundo Samuel, nerd do nosso grupo, esse é o melhor horário para estudar.
Nem sei quanto tempo se passou quando resolvo dar uma pausa. Levanto e me alongo um pouco. Pego o telefone que estava em cima da cama e confiro as horas; assim que desbloqueio o aparelho surge na tela dezessete chamadas perdidas de Camile.
O relógio marca pontualmente 22h:40min. Retornei a ligação tão rápido quanto era possível, eu a amava e consequentemente me preocupava com ela.
− Oi meu amor! - Ela atende no primeiro toque com sua voz melosa de quando quer algo.
− Oi, já chegou em casa? - Me jogo na cama pra conversar com ela.
− Então... - Ela começa a enrolar. - É que eu queria saber se você poderia vir me buscar.
O quê?
− Como é que é, Camile? Eu te falei que estudaria hoje e não poderia te pegar. Não combinamos que você pegaria um táxi? Estou muito cansando e vou entrar em vídeo aula com os caras daqui a pouco!!!
Eu praticamente grito, a raiva está me consumindo.
− Eu sei, eu sei. - Ela tenta argumentar. - Estou tentando um há uns trinta minutos, mas ninguém aceita ir pra o meu bairro essa hora. Eu não vou passar uma eternidade esperando um ônibus e estou cheias de sacolas.
−Tá legal. - Eu cedo mesmo aborrecido. - Estou indo, mas vou apenas te deixar e volto logo.
− Te espero na entrada do shopping, amor.
Desligo o telefone antes que eu exploda de vez, sem respondê-la. Apenas pego meus pertences e sigo para o andar de baixo da casa, nem percebo que estou com a mesma roupa de quando a encontrei mais cedo.
− Mãe?! - Desci as escadas com pressa e gritando.
− Oi. - Ela bota a cabeça na porta para fora do escritório.
− Estou indo buscar Camile para deixá-la em casa.
− A essa hora? - Ela questiona.
− Eu volto logo! - Caminho até ela e dou-lhe um beijo na testa.
− Está bem. - Concorda a contragosto. - Tome cuidado!
Sorrio para ela.
Entro na garagem da casa e vou em direção ao meu carro, um volvo xc60.
O carro ganha velocidade pelas ruas desertas, uma fina garoa cai e quando paro o carro próximo à calçada do shopping, Camile vem em minha direção correndo um pouco para não se molhar e com um sorriso triunfante nos lábios, sequer me cumprimenta quando entra.
Essa mulher vai me enlouquecer!
Quase cinquenta minutos mais tarde estaciono na frente de um pequeno condomínio cujo os quatro blocos tinham, no máximo, cinco andares cada.
O bairro não é tão violento, mas também não era amistoso. Tinha uma grande fama de perigoso, porém nas poucas vezes em que estive aqui não presenciei nada fora do comum.
Camile não trocou uma única palavra comigo desde que desligue o telefonema. Encaro incrédulo o rosto aborrecido da minha namorada. Não consigo mais me conter.
− O que porra você estava fazendo no shopping até essa hora da noite? Sabe que não é seguro ficar sozinha à noite, ainda mais sendo menor de idade.
− Já vai começar Nicholas? Eu sei me cuidar! - Ela me desafia cruzando os braços na altura do peito.
− Mais que droga, Camile! - Esbravejo furioso batendo as mãos no volante. - Então me fala. O que eu estou fazendo aqui se você sabe se cuidar?
− Você é muito egoísta, Nicholas, eu só estava conversando e acabei perdendo a hora.
−Egoísta, eu? – Sorri sem humor. Minha vontade era passar em rosto todos os gastos financeiros que tinha com ela. − Tem certeza? Acabei de vir do outro lado da cidade por você e é isso que tem a me dizer? Eu cansei dessa sua fase rebelde. Eu tenho que estar...
Gritei cada palavra apontando o indicador na sua face.
− Eu não vou ficar aqui ouvindo isso. - Ela diz pegando suas dezenas de sacolas no banco traseiro e sai do carro sem me deixar terminar a frase.
Eu não sei como poderia ficar mais irritado do que já estava. Saio repentinamente do veículo batendo a porta do motorista com força e dou a volta pelo carro correndo para alcançá-la.
Ela fecha o portão de acesso antes que eu pudesse impedir para me intimidar a forçá-lo. Olha-me por entre as grades com um misto de raiva e diversão refletindo no seu rosto bonito.
− Porque você acha que tem alguma razão, sua mimada? - Meu nível de estresse estava altíssimo. Ela nada responde.
Camile dá as costas indo na direção de seu prédio o céu desaba em uma chuva torrencial e eu aceito que não resolverei nada com ela hoje. Vejo-a apressar o passo e sumir entre as estruturas de concreto.
Tenho que voltar pra casa e estudar com meus amigos, será bem mais útil do que ficar nesse relento sendo controlado por uma garota narcisista.
Viro-me para dar de cara com dois jovens sendo um deles bem magro o outro nem tanto, os rostos ocultos pela capa de chuva escura e pela pouca luminosidade da rua.
− Ô playboy, esse carro aí é seu? - Um deles pergunta enquanto o outro que estava com a capa aberta levanta a camisa revelando uma arma na cintura. Meu coração erra uma batida, eu paraliso no mesmo lugar sem reação alguma. - Hein?
−S-Sim. - Falo nervosamente.
− Carro maneiro! − Ele fala, sorrindo maliciosamente. Nesse momento meu celular toca audivelmente no bolso da calça, acredito que só não molhou porque ainda estou na frente do portão onde tem um pequeno toldo de proteção em cima. - É o seguinte, vou querer o carro e o telefone. Não faça nenhuma gracinha. Passa a chave e o celular, anda! - Ele fala e o parceiro levanta a arma em minha direção.
Porque, num ato impensado, fiquei discutindo com Camile na frente do prédio, servindo de entretenimento para os grilos do matagal que fica na frente do condomínio?
Aliás, deve ter sido daí que eles vieram, pois não tinha absolutamente ninguém na rua e as esquinas estão um pouco distantes.
Penso numa possível rota de fuga, mas desconsidero essa possibilidade.
Pra onde eu iria?
Retiro o celular do bolso e entrego, não sem antes constatar que quem está me ligando incansavelmente é o Samuel.
− A chave está na ignição. - Confirmo.
Eles dão as costas em direção ao automóvel e meu coração acelerado se acalma um pouco me permitindo caminhar para fora da calçada.
De repente eles param e eu arregalo os olhos, novamente assustado.
− Cara, ele vai chamar a polícia! - Falou o cara da arma que ainda não havia se manifestado.
− Tem razão! - Fala o que lidera a ação, puxando a arma da cintura do companheiro e apontando pra mim.
Antes que eu pudesse entender o que acontecia ou mesmo me pronunciar para dizer que eu não chamaria a polícia sinto um beliscão com um impulso muito forte no meu ombro esquerdo seguido de uma ardência alguns segundos depois, levo a minha mão ao ombro por instinto.
Tudo se passava em câmera lenta. Constato, ainda atordoado, que acabei de tomar um tiro.
Sinto outro beliscão que dessa vez me faz perder o equilíbrio. Não consigo controlar meu corpo e desabo no chão batendo a cabeça com força.
Eu ainda podia ouvir o som do meu telefone durante todo o acontecimento, eu sabia o quanto Samuel poderia ser insistente.
O som foi ficando cada vez mais distante até ser substituído por pneus cantando revelando que os homens tinham fugido em alta velocidade me deixando novamente sozinho a mercê da rua deserta.
Minha cabeça doía bem mais do que o ombro e eu me pergunto por que ainda estou lúcido, não conseguia me mover, nem sequer levantar o braço.
Estava ficando com falta de ar e um forte cheiro metálico de sangue se misturava ao de terra molhada.
O céu estava escuro e as diversas gotas de chuva caiam incessantemente no meu rosto, foi com essa cena e sem conseguir mais respirar por conta própria que a inconsciência me levou.
Notas da autora:
1* - Sempre que a fala for em LIBRAS eu colocarei sublinhado, se for falado(audível) e gesticulado ao mesmo tempo colocarei a fala sublinhado e em itálico. Os parentes de Rafael costumam falar ao mesmo tempo em que gesticula quando há pessoas que não conhece LIBRAS presente no mesmo ambiente que ele, mas isso não acontece sempre.
2** - LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais.
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Então gente, aí está a parte inicial da nossa história.
Vocês estão gostando? (Deixa uma estrelinha pra o capítulo brilhar!) <3
#gratidãosempre
Capítulo postado dia: 19/07/2020
Revisado dia: 20/02/2021
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