Capítulo 49 - O princípio do fim
ATENÇÃO: Contêm o tema SUICÍDIO. Sugiro aos leitores sensíveis que NÃO LEIAM este capítulo.
OBS: Não faço a mínima ideia de quem seja o rapaz da foto, mas nesta história ele será Henrique, certo?
Gente, não foi nada fácil a escrita desse capítulo, no final eu explico por que. Deixem seus comentários.
Boa leitura!!!
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"Verdade seja dita, fiz o que pude, mas em algum momento me deixei levar pelo que podia ganhar. E o preço foi mais alto do que pude aguentar. Apesar de ter tentado, eu caí me afundei tanto eu errei muito devia saber que era errado."
Fallen - Sarah McLachlan
Se eu morrer jovem, enterre-me em cetim, deite-me em um mar de rosas.
Afunde-me no rio na madrugada deixe-me ir com as palavras de uma canção de amor.*
Sandra
Eu estava morando com o Henry e não poderia estar mais feliz. Ele tinha uma rotina regrada e dentro de três meses que estamos morando juntos eu já havia me habituado a ajudá-lo.
Todos os dias era uma nova descoberta. Por algum motivo que desconheço o Calum colocou o irmão como diretor do Hospital Regional no centro da cidade. Ele estava contente, não chegava nem perto da emoção de poder ajudar pessoas na mesa de cirurgia, mas ele estava gostando dessa nova fase da vida.
Eu estava cada vez mais feliz e enquanto isso o noivado do Henrique com Marcela estava abalado. Eu via o quanto ela se esforçava e ele parecia abatido e distante, ela deveria amá-lo muito para ter tanta paciência. Falando em paciência, aprendi maneiras diferentes de fazer sexo: tinha paciência e compreensão e assim eu o Henry achamos nosso próprio caminho para a felicidade.
Recebíamos o Henrique e a Marcela com frequência apesar de ambos estarem com o relacionamento um pouco frio.
Conheci a mãe do Henrique e percebi que era uma excelente pessoa e mãe. Ela confessou que andava preocupada com o filho, pois ele estava a beira de uma depressão por causa da quase falência da ONG. Por vezes eu o repreendi quando o via tratando a Marcela mal, eu a admirava ela não desistia dele.
Eu estava dando tudo de mim para passar num concurso público e ser defensora pública. Estava no meu melhor momento com Henry, ele estava feliz e realizado, um pouco preocupado com o filho, mas nada que não fosse remediável.
Estávamos na cama após fazer amor. Eu lia algumas apostilhas para o concurso enquanto ele mexia no telefone.
− Alô? – O ouço dizendo. – Ok, já estou indo.
Ele levanta e passa para a cadeira indo para o closet sem falar nada. Acho estranha a ligação telefônica, mas não questiono. Até meu próprio telefone tocar, já passava das dez da noite.
− Oi? – Atendo sem reconhecer o número.
− Sandra? – Escuto uma voz embargada do outro lado da linha. – É a Marcela, você pode vir aqui, pode ficar comigo? Eu não sei o que fazer.
− O que aconteceu? Por que está chorando. – Fico de olho na saída do closet, eu sabia que apesar de ser independente o Henry não conseguia trocar de roupa tão rápido. Ela nada responde, apenas chora. – Onde você está?
− Na casa do Henrique. – Ela fala e desliga na minha cara. Henry aparece já vestido. Eu estava muito confusa pois tinha visto o casal em questão naquela mesma tarde, no almoço. Embora nem de longe parecia aquele casal alegre de antes.
− Eu vou precisar sair Sandra.
− Vou com você!
− Não precisa, fique e estud...
− Está escondendo algo de mim? – Falo antes mesmo que ele conclua. Ele respira fundo. – O que aconteceu com nossa honestidade?
− Aconteceu alguma coisa com o Henrique, ligaram do hospital e me disseram que o meu filho estava lá. Não falaram exatamente o que era, mas que eu precisaria ir até o hospital, o mesmo hospital público em que eu e ele trabalhamos. – Balanço a cabeça em concordância.
− Pode me dar uma carona? – Ele me olha confuso.
− Uma carona? Aonde vai uma hora dessas?
− Preciso ver a Marcela.
− Por que? Será que ela está sabendo de algo sobre o Henrique? – Ele parecia desconfiado. – Eles estavam praticamente morando juntos. Mas me disseram que eu deveria ir ao hospital.
− Eu não sei, Henry! Apenas vamos, tudo bem? É melhor irmos em meu carro, não sei dirigir o seu, caso precise.
Seguimos para o apartamento do filho e vemos uma grande movimentação na frente do prédio, o meu amor parece um pouco aflito pressentindo o perigo. Estaciono e vou retirar sua cadeira de rodas ele se transfere tão rápido que por pouco não cai.
Ele toca a cadeira na direção da entrada com urgência e tive que apressar os passos para alcançá-lo. Marcela o intercepta caindo de joelhos na frente sua dor é palpável, ela está inconsolável. Deita a cabeça no colo do Henry e soluça alto.
− Marcela! O que aconteceu, cadê o meu filho? Porque a polícia e o IML estão aqui? – Ele fala com suavidade e a chama para o seu colo. – Venha aqui, por favor, conte o que houve.
− Eu tentei, tentei muito. Não acredito que ele fez isso comigo, conosco. – Ela falou sentada em seu colo enquanto ele segurava o rosto dela. Ela envolveu seu pescoço em um abraço forte com toda intimidade que tinham; ele era como um segundo pai para ela, a viu crescer. Então ela proferiu as palavras dilacerantes que o fizeram desfalecer e tremer na cadeira, ele só não caiu por causa do aperto firme que a Marcela lhe dava: − Ele tirou a vida!
De repente entendo porque ela estava com a roupa manchada de sangue. Ela devia ter o abraçado, sofreu por ele por todos esses meses e não seria diferente com a sua partida. Percebo os peritos descendo as pequenas escadas com uma maca e o corpo envolto no saco preto, eu pressenti que ele estava ali.
Furo o bloqueio causado pelo pequeno aglomerado e corro até os homens que não me deixam ver o corpo dele. Eu precisava ter certeza, isso parecia um pesadelo.
− Por favor, me deixem vê-lo, é o meu filho. – Eles me olham com pena e levantam uma lona que estava por cima. Vejo o rosto do Henry bem mais jovem, o filho tinha a cara do pai; ao lado da cabeça na têmpora havia um pequeno buraco por onde escorria sangue seco, estava usando a mesma camisa azul marinho com a qual o havia visto no almoço de hoje. Lembrei-me do sorriso que me deu, o último que eu veria o mesmo que eu via em seu pai. A única diferença no rosto dos dois é que o Henrique usava óculos de grau. O meu mundo caiu e o grito irrompe pela minha garganta antes que eu possa impedir. – Nãããããããããoo!
Eles cobrem o corpo novamente e me sinto amparada por braços fortes vindo de baixo. Cai sentada sem nem ao menos perceber, a dor da perda rasgava meu peito. Não acredito que ele fez isso conosco, com seu pai que tanto o amava.
− O meu filho está mesmo aí dentro? – Sinto o hálito quente do Henry no meu ouvido, seus braços ao redor da minha cintura.
− Sim. – Minha voz sai fraca e trêmula. Ele não fez escândalo e não disse nada, era calmo demais para isso. Apenas sinto suas lágrimas caindo na minha pele e os solavancos do seu choro silencioso. Ficamos assim por um tempo até alguém tocar meu ombro, era o mesmo homem que havia me deixado ver o menino.
− A senhora e seu marido precisam fazer o reconhecimento do corpo. Podem ir até o prédio do IML? – Apenas balanço a cabeça em concordância. Ele volta a falar: – Meus sentimentos!
Passei as mãos pelo rosto na tentativa inútil de enxugar as lágrimas. Procurei a Marcela com olhos e a encontrei distante encostada no meu carro, abraçada ao próprio corpo.
− Vamos!? – Soltei numa forma de pergunta e exclamação ao mesmo tempo, aquele episodio era o único que eu não contava acontecer nesta noite e em nenhuma outra. Isso é muito errado, os filhos devem enterrar os pais e não o contrário.
A pergunta que não queria calar era: Por que o Henrique fez isso? Essa atitude em nada combinava com ele.
Após o reconhecimento do corpo eu levei a Marcela para casa do pai e eu fui para casa com Henry. Ele se manteve calado o tempo todo e só voltaria a ter uma conversa normal outra vez dali a alguns dias, acho que esse era o jeito dele de enfrentar a dor.
Ele se manteve o tempo todo ao lado do caixão do filho, pouco importava se o sol estava quente ou não. Estava com terno preto, óculos escuros e semblante desolado. Ficou com uma mão por cima da bandeira do 'Médicos sem fronteiras' que estava estendida sobre o caixão, como se dessa maneira pudesse se conectar ao filho pela última vez.
Em boa parte da cerimônia a mãe do Henrique ficou de mãos dadas com o Henry, me sentia uma intrusa. Henry parecia fora de si, fazia tudo no automático. O velório teve cobertura televisiva, eles jamais deixariam de transmitir o ultimo adeus ao sobrinho do governador. Pelo menos o Calum teve um mísero sentimento de compaixão e solidariedade pelo irmão comparecendo ao velório do único sobrinho.
Marcela estava inconsolável e era amparada pelo pai.
O Henry ficou lá até depois que a última pessoa foi embora, que foi exatamente a Marcela e depois o Robin após darem um abraço nele, e o caixão foi baixado para sete palmos abaixo de nós levando seu filho para sempre. Marcela havia levado um garotinho surdo de um orfanato que o Henrique era voluntário e o menino também se despediu.
Aproximei-me e abaixei na lateral da sua cadeira, segurei sua mão fazendo um carinho e apertando de leve, mostrando com aquele gesto insignificante que eu estaria ao seu lado para o que der e vier.
− Precisamos ir! – Ele olha roboticamente na minha direção, mas não pude ver seus olhos por causa dos óculos escuros. Apenas me coloquei atrás de sua cadeira e o empurrei até o carro, Henry estava muito mais pesado agora que estava nesse estado letárgico. Para minha surpresa o pai dele apareceu e ajudou na transferência para o banco do carro.
Um ano depois
Henry estava bem diferente do que eu havia conhecido, mais reservado, contido. A vida não parecia a mesma para ele, não é para menos – não deve ser fácil perder um filho. Os dias de alegria eram raros; eu o amava, mas ele havia se tornado cada vez mais distante.
Eu havia fechado o escritório, pois passei no concurso e tive de demitir a Lia. Nunca mais tinha visto a Marcela e nem sequer ouvia falar dela ou até mesmo do Robin, melhor amigo de Henrique. Estávamos em um sábado comum quando eu e Henry almoçávamos juntos.
− Sabe de uma coisa? – Ele fala de repente enquanto eu tomava um pouco do meu suco de morango. – Por que não tentamos ter um filho?
Cuspi quase todo o suco na cara dele, fui pega totalmente de surpresa. Eu já estava com trinta e sete anos e nunca havia pensado nisso ou mesmo conversado com ele a respeito. Levanto tossindo e vou para a cozinha em busca de um copo de água. Ele vem atrás de mim.
− Eu me engasguei com o suco. – Falo o óbvio.
− Eu percebi! – Ele cai na gargalhada e eu não resisto em rir também, é a primeira vez em um ano que o clima não está tão tenso. – Não gostou da ideia?
− Eu amei! Vamos praticar agora? – Sento em seu colo ignorando as olhadas de Eva na nossa direção. Ele sorri mais uma vez, parece esperançoso. Sei que a ferida que está em seu coração jamais cicatrizará.
Após três meses de tentativa para engravidar sem sucesso decidimos buscar por ajuda profissional e eu me submeteria a qualquer tratamento para ver o Henry feliz, segurando um filho nos braços novamente.
Sabíamos o quão difícil era para um homem paraplégico engravidar uma mulher pelos meios naturais e por isso decidimos fazer a inseminação artificial. Submeti-me a todo o tipo de exame para preparar o útero e receber o embrião fecundado, após o procedimento fomos para casa com muita expectativa.
Eu alisava minha barriga disfarçadamente, não queria que Henry pensasse que eu estava ansiosa, sempre que deitava para dormir e em um desses dias ele me flagrou. Já havia se passado um mês e ainda precisávamos esperar.
− Vai dar certo. – Ele falou beijando minha testa. Me aconcheguei em seus braços como não fazia a um bom tempo.
− Será que vou ser uma boa mãe? – O questiono, eu queria saber a opinião dele a meu respeito.
− Será a melhor de todas. Vai dar os melhores conselhos e sempre ter paciência. A fase mais difícil com Henrique foi a adulta, ele sempre foi uma criança fácil de lidar e nunca tive problemas em aconselhar sobre garotas porque ele só tinha olhos para a Marcela. Ela foi o único amor da vida dele. – Ele pára ficando um pouco nostálgico. – Ele só era teimoso, eu disse que ele poderia falar qualquer coisa comigo, não importava o que fosse.
− Preciso ir ao banheiro. – Levanto interrompendo aquela conversa nociva, eu sabia bem aonde isso ia dar. Uma dor aperta minha barriga e tento me concentrar em fazer o xixi. Sinto um volume passando pela minha vagina. Não pode ser, de novo não. Encarando a bola vermelha no sanitário e as minhas chances de ser mãe junto com ela em choro baixinho.
Não havia contado a ele, mas esse já era o quarto bebê que eu perdia.
Nota da autora: * Banda: The Band Perry - Música: If I Die Young
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Entendam o lado de Henrique e o do Nick também; existem dores que não são visíveis, porém são muito difíceis de carregar e com um tempo não damos mais conta.
Não esqueçam de deixar sua estrelinha.
Até o próximo capítulo.
Abraços!!!
#gratidãosempre
Capítulo publicado e revisado dia: 17/02/2021
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