Capítulo 108 - Aonde quer que eu vá
Oi, Xus!
Revisado!
Boa leitura!
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"O importante é ter sem que o ter te tenha."
Millô Fernandes
Nicholas
Eu nunca tinha aprendido a dar tanto valor às coisas que realmente importam como o fiz depois de ficar tetraplégico. Agora não era diferente. Minha garotinha não era um raio de sol como a mãe, mas estava contando com seu brilho estelar para salvar-me dessa escuridão.
Ela crescia cheia de força e de vida, uma vitória! Estela estava completando uma semana de vida e ao mesmo tempo em que nossos parentes, amigos e conhecidos vinham conhecer o mais novo membro do planeta terra, minha filha, vinham também se despedir da Lívia; pelo menos os que se importavam com a Lívia.
Assim como o meu sogro e sogra os avós da Lívia também ficaram muito emocionados ao dar o último adeus. Porém nenhuma dessas despedidas me fez pensar tanto quanto a da Marcela, pelo menos foi a única que flagrei.
Estava indo para o quarto ficar um pouco com a Lív e não sabia que havia alguém lá no momento. Só percebi que a Marcela se despedia quando ouvi parte de sua conversa com o corpo da ruiva:
− ...ah, a propósito, o Nicholas chorou! Eu não te falei que ele faria isso? Lembra quando conversamos no dia que ele e todos nós descobrimos a gravidez através da sua sogra? Aliás, nossa sogra. Essa mulher é obstinada! – Detive minha cadeira de rodas para ouvir a conversa embora soubesse que era um caso jurídico de violação a privacidade, ela não notou minha presença porque a porta do quarto era recuada e não permitia que se visse quem entrava até que a pessoa estivesse dentro do cômodo. Ela continuou com a voz embargada:
− Eu te disse que no fundo o Nicholas só está cansado de apanhar da vida, ele ama esse bebê como ele te ama também, docinho! Vai em paz, dá um abraço na sua mãe por mim e fala ao Henrique que nunca vou deixar de amá-lo. Eu vou sentir muito a sua falta! – A Marcela quase esbarra e cai em cima de mim. Seus olhos estavam marejados e ela ficou surpresa vendo-me ali, estava na cara que ela suspeitava que eu tivesse ouvido a conversa.
− Será que pode me ajudar, Marcela? – Desconverso antes que ela questione algo. – Eu estava indo ficar um pouco com a Lív, será que poderia colocar meu braço em cima da cama e a mão dela sobre a minha? Embora eu não sinta o toque tenho a sensação que esse gesto me aproxima dela.
− Claro Nick, eu te ajudo! – Minha nova cunhada simplesmente faz o que eu peço e dá um beijo na testa da Lívia antes de sair.
Fiquei meditando no que viria a seguir; eu já havia tomado minha decisão desde o momento em que saí do centro cirúrgico após o nascimento da minha filha, a questão era se essa decisão poderia ser posta em prática.
− Nicholas, precisamos conversar sobre o melhor dia e hora de desligar os aparelhos, como afirmei antes estamos pretendendo fazê-lo no final dessa semana, ou seja, amanhã. – O dr. Augusto fala sutilmente adentrando o quarto.
− Na verdade eu já decidi!
− Tudo bem, vamos executar então. Quanto mais o tempo passa mais...
− Será daqui dois anos e um mês!
− O quê? – Eu conhecia esse médico como a palma da minha mão inútil, sabia que ele não iria concordar; felizmente a decisão era minha.
− Esse procedimento vai custar caro e é desnecessário...
− Para o senhor que nunca perdeu nada, doutor! – Ergui os olhos encarando-o pela primeira vez desde que ele tinha entrado no local.
− Você está errado... perdi sua mãe por uma atitude idiota. Ela era minha namorada e eu a amava, mas acabei bebendo demais em uma festa e a traí. Seu pai e eu éramos melhores amigos e isso mudou porque ele ficou com a minha garota e nossa amizade acabou. – Ele faz a revelação mais inacreditável da face da terra.
− A Lívia fica! – Fui irredutível. – Quero que a Estela conheça a mãe.
− Nicholas me ouça. O que você quer aplicar à Lívia é a distanásia essa é uma abordagem médica relacionada com o óbito do paciente e que corresponde ao prolongamento desnecessário da vida. Você só irá prolongar o sofrimento desse corpo, repito, desnecessariamente.
− E o senhor quer aplicar a *ortotanásia! Acha que sou algum leigo? Preciso mesmo lembrá-lo de que sou um advogado e conheço as leis?
− Isso é bem diferente, não acha? Se for mesmo tão conhecedor das leis como diz sabe que estou acobertado pela lei para aplicar a ortotanásia na Lívia, não sabe? – Não fiquei feliz com sua resposta, mas ele estava certo.
− Não estou pronto para dizer adeus!
− Você nunca estará garoto, acredite em mim! – Mais uma vez ele tinha razão, mas eu não queria sentir ainda mais a sua perda do que já senti. – Você só irá prolongar o sofrimento seu e da moça.
− Vou preparar os documentos e trago-os para o senhor. Meu prazo é dois anos e um mês. – Saio do quarto chateado deixando ele e a minha princesa para trás.
A Estela tinha recebido alta do hospital e acordar com seu chorinho no meio da noite se tornou um hábito nessa casa. Isso acontecia pelo menos quatro dias por semana visto que minha mãe dividia a carga do cuidado ao bebê com a mãe da Lívia, a Sandra. Meu sono há muito tempo era leve e eu sempre acordava com o menor barulho na casa. Minha porta estava sempre aberta, com exceção dos dias que a Lívia dormia comigo.
Sandra não ficou melhor que o Théo ao lidar com a perda da filha e seu amor pela Lívia evidenciou isso. Ela deixou a advocacia e decidiu, por hora, apenas cuidar da empresa de paisagismo da família.
"Empurrei com a barriga" minha rotina e procurei não pensar muito no futuro e nas incertezas que ele traria. Apesar de tentar viver um dia de cada vez e sem pressa os dias voavam como se o tempo estivesse a brincar comigo, mas tudo que ele – o tempo – fazia era passar rápido, e assim minha filhinha fazia três meses animando meus dias nublados e esbanjando saúde.
Desde que assinalei a decisão de seguir com a Lívia internada o Augusto decidiu por continuar sendo seu médico o que me trouxe um alívio sem medida, pois eu sabia que ela estava em boas mãos. Eu mal falava com meu pai que ultimamente estava sempre ausente resolvendo suas questões pessoais. Ele decidiu se aposentar definitivamente e a administração do hospital preenchia todo seu tempo.
O mesmo se deu com o Rodrigo que tirou uma licença e mal nos víamos. Acho que eu estava tão ocupado com as visitas à Lívia que consistiam em ir ao hospital ver seu corpo três vezes por semana e também o envolvimento com o bebê que não percebi o quanto ele fazia falta e foi sua mensagem pedindo para ir até o hospital que me fez lembrar-me dele.
Quando cheguei ao local o Samuel aguardava na recepção, era o hospital onde meu pai era o sócio majoritário, claro, não poderia ser outro. Sam ensaiou em abraço e fiquei sem entender o que ele fazia ali. Eu estava estressado, tocando minha vida conturbada e o nosso negócio sozinho. A timidez e problemas psicossociais do Samy deixavam-no bem longe dos tribunais, mas ele era o cérebro da operação embora também estivesse distante.
− Vamos, Nick! – Ele fala após o breve abraço. Olhei para o Celso cansado e ele compreendeu que meu gesto era para que não nos acompanhasse, o Rodrigo pediu para falar a sós.
Acompanho meu amigo de longa data e ele abre uma das portas dos apartamentos do terceiro andar com a ajuda de um lenço umedecido para não tocar na maçaneta.
Fiquei surpreso em ver o Rodrigo tão debilitado em uma poltrona, amparado pelo amor de sua vida, a Victória!
− Rodrigo, o que houve?! – Me senti culpado ao vê-lo nesse estado e não ter conhecimento do que acontecia.
− Não 'esquenta', amor da minha vida! Se eu quisesse que você soubesse o que acontecia eu teria te dito ou esfregado na sua cara! – Ele continua com o bom humor de sempre. – Agora falando sério! Eu preciso que saiba de algumas coisas e deixei pra te contar no último minuto porque queria que aproveitasse o máximo com sua filhinha.
− Por que está tão debilitado? – Não entendia como ele tinha ficado assim em pouco tempo se sua saúde, até onde sabia estava bem. Havia apenas três semanas que eu o tinha visto através de uma vídeo-chamada. A Vick estava prestes a se formar no curso de direito e eu achava que ela precisava de algum tipo de apoio dele.
− Estou assim porque estou sem maquiagem. Eu vou te contar todos os detalhes. Puxa uma cadeira e senta, Nick, porque vou te dizer muitas revelações.
− Idiota! – Pelo menos ele não perdia o otimismo, seja o que for eu tentaria dar um jeito!
− Acontece que o meu cunhado aqui, vulgo Samuel, antecipou seu casamento para que eu pudesse participar levando em consideração meu novo diagnóstico. Acabou que foi bom ter acontecido isso porque a Lívia também participou. – Ele fala a última frase meio incerto.
− Desembucha de uma vez, Rodrigo!!! – Estava ficando impaciente. – Seja o que for vá direto ao ponto.
− É assim que você quer?
− Sim! Por que tanto suspense? – O que poderia ser tão grave?
− O câncer voltou! – Ele fala de uma vez e sinto o impacto de suas palavras como um tapa na cara daqueles que só a Lívia sabia dar, porém o impacto foi muito mais forte, pois foi na minha alma.
− O quê? Não pode ser você estava em remissão... – Não consigo concluir tamanho o meu choque, eu não posso mais conviver com essa perda desenfreada de tudo o que é importante pra mim.
− Acontece que houve um erro no laboratório que emitiu meus exames, o Gabriel investigou isso pessoalmente, ele até ligou para meu médico quase à meia noite. Eu nunca estive em remissão, a minha melhora física se deu porque parei com o tratamento.
− Não, não, não! Tudo bem, a brincadeira foi muito engraçada e me fez rir; eu estava mesmo precisando de uma dessas suas piadas, a vida não está fácil! – O choque aumentou mais ainda quando vi que ele estava sério. O Rodrigo raramente ficava sério, a não ser que a situação fosse grave. Felizmente eu estava sentado.
Ele levanta com dificuldade e sob os protestos da Vick, as lágrimas começam a jorrar em abundância pelo meu rosto. Ele se inclina um pouco e me envolve em um abraço fraco.
− Prometa que além de levar a Laís ao altar você também será forte; o Sam precisa de você e sua filha também!
− E você precisa concluir o tratamento para que tudo termine bem... – Ele se afasta e me olha nos olhos com uma seriedade que nunca tinha visto.
− Gael Nicholas, eu já concluí o tratamento. Essa coisa aqui vai ser retirada hoje. – Ele bate no acesso venoso central em seu peito. – Tudo que eu quero é aproveitar minha filha, minha família e amigos agora, nada mais!
− Precisamos processar o médico, o laboratório, quem for preciso... – Eu estava ficando desesperado e procurava uma solução para atenuar meu sofrimento.
− Eu não vou processar ninguém, brother, o médico não teve culpa e o laboratório não vai trazer minha vida de volta. Felizmente o paciente que recebeu meu diagnóstico por engano pôde respirar aliviado.
− O que vai ser agora? – Indago sem conseguir parar de chorar.
− Quando as dores ficarem insuportáveis será administrada doses cavalares de morfina. – Ouço a voz do Gabriel atrás da minha cadeira. – Calma Nick, pense na sua filha! Se desesperar não vai adiantar.
Vi que o Rodrigo tinha voltado a sentar na poltrona. Eu não queria mais perder nada! Por que o destino estava sendo tão implacável? O que eu fiz de tão grave para merecer essa dura lição?
− Já chega desse "chororô" Nick, eu ainda estou vivo. Já pode parar de chorar e ver sua bela adormecida. Você sabe que eu não vou deixar nenhum dos dois em paz, vou voltar pra puxar a orelha de vocês sempre que for preciso! – Ele fala com o bom humor retornando, quando finalmente olhei em seus olhos vi que também estava chorando então olhei ao meu lado o Sam tinha igual reação. – Um por todos?
− Todos por um! – Falei erguendo minha mão apenas alguns centímetros e colocando sobre a sua, o Samuel não disse nada, mas repetiu meu gesto. Éramos e sempre seriamos uma tríade de amigos com um elo inabalável.
− Aonde quer que eu vá levarei um pedaço de vocês comigo! − Rodrigo finalizou antes de sentar na cadeira de rodas e seguir com o enfermeiro para sala onde deveria retirar o cateter.
Notas da autora: *Ortotanásia é o nome dado à conduta que os médicos tomam quando — ao ver que o estado clínico do paciente é irreversível e que sua morte é certa — permitem que o paciente faleça, a fim de poupar-lhe mais sofrimento. O Conselho Federal de Medicina brasileiro aprovou a Resolução nº 1.805/2006, sobre a prática da ortotanásia, que autoriza o médico a limitar ou suspender tratamentos, no caso de doença grave sem possibilidades de cura, e a ofertar cuidados paliativos, desde que com consentimento do paciente ou seu representante legal.
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Abraços!!!
Até breve!
#gratidãosempre
Capítulo publicado dia: 16/06/2022 Revisado dia: 19/06/2022.
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