XLVII - DE VOLTA À MENGIE
Samy esperava por uma queda rápida, até sentir alguém abraçar o seu corpo. Ela abriu os olhos abruptamente ao ser tomada pelo susto e sorriu ao ver o homem azul. Lú voava por cima da água, enquanto carregava a ex-sereia em seus braços. Ele não correspondeu ao sorriso da jovem, ainda estava muito apreensivo e com ela envolvida naquela confusão, não ia conseguir se concentrar em outro combate.
— Lú? — Samy perguntou ao observar aquele semblante tão preocupado.
Lú olhava para a frente, procurando algum lugar ao redor de Luanda que fosse seguro para Samy, mas ele sabia que estaria correndo risco em qualquer lugar. Ele sentia-se culpado por ela estar naquela situação, afinal, concordou em passar mais uma noite com ela. Maldito fosse aquele sentimento!
Samy sentiu a pressão dos dedos dele em seu braço dolorido, mas não comentou nada, percebia a dureza em suas expressões faciais. Ele devia estar se lamentando por tudo que estava acontecendo e se culpando. Ela não era adivinha, mas pelo o que conhecia dele, era dessa forma que ele reagia a esse tipo de situação.
Uma luz branca emergiu acima da cabeça deles, transportando um caçador de Karen. Como Lú temia, eles fariam isso para interceptar o seu voo. O feiticeiro projetou um escudo enquanto o sujeito trajado de branco caía por cima dele, portando a sua espada. Samy gritou com o susto e agarrou-se mais forte ao pescoço do homem azul.
Mais dois caçadores emergiram através da luz branca, caindo por cima do escudo. Eles golpeavam a proteção mágica com suas espadas. Lú não ia suportar aquele peso em pleno ar e muito menos se concentrar em manter o escudo e proteger Samy ao mesmo tempo.
Um quarto caçador teleportou-se e se uniu aos outros. Lú oscilou, quase desmanchando o feitiço. Ele precisava fazer algo ou mais caçadores iam surgir. Olhou para Samy em seus braços, ela estava assustada e prestando atenção nele, era como se compreendesse o que ele queria lhe dizer.
— Eu sei nadar, pode me soltar — ela falou, para a surpresa do feiticeiro.
Lú sentiu os braços tremerem. Ele não queria fazer aquilo, mas era necessário ou os dois seriam feridos. Apenas rezava para que a ex-sereia se saísse bem.
— Me perdoe, Samy — ele falou com uma voz abafada.
— Tudo bem — ela sorriu.
Lú parou de voar e pairou no céu. Outra luz surgiu com mais um caçador, essa era a deixa da ex-sereia. Ele despediu-se dela com um beijo em seus lábios rapidamente, antes que realmente pudesse apreciar aquele momento. Ele fez o seu escudo desaparecer no mesmo instante em que a soltara.
Samy caiu na água, enquanto os caçadores que se equilibravam no escudo teleportaram-se para evitar a mesma queda que a ex-sereia, mas o feiticeiro sabia que eles iam ressurgir para o ataque mesmo em pleno ar e foi exatamente isso que aconteceu. Já eram seis caçadores que caíam um por um em cima dele, na tentativa de atravessar as suas espadas em seu tórax, que era a maneira mais fácil de fazê-lo perder os sentidos. Lú desviava da lâmina de um, enquanto socava outro. Estava sendo difícil evitar de ser ferido. O seu corpo já exibia vários cortes de raspão.
A ex-sereia, após cair no mar, conseguiu nadar. Para a sua sorte, já estava próxima à praia, porém, antes que pudesse sair totalmente da água, alguém surgiu por trás dela através da luz branca, envolveu um braço em seu pescoço e com a outra mão mirou a extremidade de um punhal em sua face. Samy grunhiu.
— Então você achou que ia escapar?
Samy reconheceu aquela voz acompanhada de uma risada debochada. Era aquela caçadora, a mesma que a deixou escapar. Era confuso, a ex-sereia só queria saber o que ela realmente queria!
Kelmo a guiava até a areia e olhava para o alto, onde estava acontecendo a luta do feiticeiro com os demais caçadores. Samy conseguiu entender, eles queriam usá-la como refém para que Lú se entregasse, e a ex-sereia conhecia o seu amado o suficiente para ter certeza que ele faria exatamente isso. Ela suava frio e o pior que nem podia avisá-lo, pois faria o que os caçadores queriam. Chamar a sua atenção.
Salomon surgiu através de sua luz branca acompanhado por Lirah. Ele olhou para Kelmo com uma feição não muito agradável, caminhou até ela e lhe mostrou os dentes.
— O que essa infeliz ainda faz aqui viva? — ele esbravejou, cuspindo saliva na ex-sereia.
— Você verá — Kelmo falou confiante enquanto sorria.
— Deixe-o em paz, por favor — Samy clamava, mesmo sabendo que a sua ousadia naquele exato momento só poderia complicar a sua situação.
— Se você ficar caladinha não irei precisar matá-la agora! — Kelmo ameaçou. — Quer saber? Grite, chame a atenção do seu namoradinho. É isso o que queremos!
Samy engoliu em seco e manteve-se quieta, mas expeliu um grito ao se assustar com um berro escandaloso de Salomon. Ele olhava para o alto, onde estava Lú. O feiticeiro estava usando a sua técnica da chama azul e derrubando os caçadores na água.
— Desgraçado! — ele berrou novamente e olhou para Lirah. — Vá! Acabe com ele!
Lirah engoliu em seco, mas obedeceu. Tocando na pedra branca em seu colar, ela instantemente emitiu uma luz cintilante, transportando-a para onde estava o feiticeiro. Ela ressurgiu no alto da cabeça dele e antes que ele pudesse notar, ela invocou as suas chamas. Lirah juntou as duas mãos e conjurou o fogo incandescente, que envolveu de imediato o feiticeiro. Ela precisava ser rápida para não cair na água. Ela tocou novamente no colar, reapareceu acima dele e novamente invocou o seu poder. Lú estava projetando o seu escudo em forma oval com uma das mãos e com a outra se preparava para atacá-la.
Lú havia posicionado seus dedos inflamados para atacar a maga infernal, porém, mais caçadores tinham surgido, pegando-o de surpresa. Ele já estava com duas espadas e um punhal cravados em seu peito e abdômen, não podia deixar ser golpeado novamente ou perderia a consciência.
Salomon, Kelmo e Samy observavam a luta. A jovem de olhos reptilianos parecia animada com o aparecimento de mais caçadores.
— Você os convocou? — ela perguntou.
— Obviamente! — Salomon respondeu, alheio. — E tem mais a caminho. Esse maldito aprendeu a convocar a chama azul — ele resmungou, cerrando os dentes.
— Realmente. Nem Meicy era capaz disso.
— Nem Luciano Antunes — ele completou. — Sem falar que voa.
Maldito seja. A cada renascimento, ele se torna mais forte.
Kelmo mordeu o lábio, ela só desejava que aquilo acabasse logo. Mais uma luz emergiu ao lado do ancião. Era um bruxo portando o livro abraçado contra o peito. Ele vislumbrou a luta no céu. Para o seu alívio, ele não era lutador.
— Senhor, não conseguimos encontrar o rubi — ele afirmou com certo receio em sua voz.
O olhar furioso de Salomon foi como um raio fulminante. Ele agarrou no ombro no bruxo e o jogou no chão.
— Não conseguiram encontrar? — ele esbravejou. — Essa ilha é imensa!
Millo olhava para ele, assustado, mas precisava falar sobre o fracasso da sua missão.
— Senhor... me perdoe, mas já olhamos em tudo.
— Volte a procurar! No ar, na água, nas florestas! — Salomon sacou a sua espada e apontou para ele. — Não me apareça de mãos vazias.
Millo tremia diante da ameaça daquela lâmina apontada em sua face. Ele levou seus dedos para a pedra branca em seu colar e desapareceu por aquela luz. Kelmo engoliu em seco. Ela sabia do risco que estava correndo. O seu amigo estava sendo ameaçado pelo ancião, seu irmão foi quase morto e ela sabia onde estava o rubi, bem debaixo de seus olhos. Apertou o seu braço no pescoço de Samy e esperava ao menos que os caçadores derrubassem logo o feiticeiro.
— Lirah! — Salomon gritou pelo nome da maga infernal.
Kelmo já tinha visto. Lirah havia caído na água, ela tentou não se afligir e respirou fundo. A sua amiga devia estar bem e logo emergiria de volta à superfície. O ancião correu para a água, para o fascínio da caçadora. Aquele homem foi em busca de Lirah! Ele nunca demonstrou importância por nenhum dos seguidores de Karen, aquela atitude foi estranha.
Kelmo precisava fazer alguma coisa. Colocaria o seu plano em ação imediatamente. Ela andou alguns passos com Samy, para o mais próximo possível de onde o feiticeiro podia vê-la.
— Isso não vai doer muito — ela sussurrou para a ex-sereia. — Espero que grite o mais alto que puder.
— Não irei fazer isso. Vocês querem prendê-lo de novo! — Samy respondeu, contrariando o desejo da caçadora.
— Não seja idiota! — Kelmo suspirou com impaciência. — Só queremos imobilizá-lo, não vê que ele está machucando meus amigos? Você já devia ter percebido que estou escondendo o rubi.
Samy franziu o cenho, não conseguindo compreender de que lado aquela caçadora estava.
— Por que está fazendo isso?
— Não lhe devo explicações. Agora grite! Chame pelo nome daquele idiota azul!
— Não! — Samy negou, ela não podia confiar em uma caçadora, principalmente em uma seguidora com ideias tão confusas.
Kelmo perdeu a paciência. Ela abaixo o punho que segurava a lâmina até a cintura da ex-sereia. Ela sorriu e subitamente rasgou a pele da jovem por cima da blusa em um corte lateral. Não foi profundo, mas foi doloroso. Samy não conseguiu conter o grito de dor e o pior, Lú havia escutado.
Salomon saiu da água com Lirah em seus braços. Conseguiu salvá-la, enfim. Deitando o seu corpo franzino na areia, ele constatou que ela estava bem. Ele olhou para o alto e avistou o feiticeiro olhando na direção de Kelmo.
Lú projetou outro campo de força ao redor de si, ele precisava descer. Samy estava correndo perigo. Ele dirigia-se para aquela praia, mesmo sentindo remorso pelas pessoas que machucou instantes atrás, mas fez uma promessa a Samy. Ele ia lutar até o fim, não só por ele, mas também para protegê-la.
O feiticeiro azul tocou os pés na areia e ele olhou Samy impotente sob as garras da caçadora. Ela parecia mais assustada do que se importando com a dor do seu ferimento. A ex-sereia tentou escapar ao vê-lo, mas Kelmo a segurava forte.
— Lú! Fuja! — ela berrou desesperada. — É uma armadilha!
Kelmo tapou os lábios dela com uma mão. Samy chorava aflita, mas Lú parecia não entender, ou talvez estaria se arriscando mesmo sabendo que poderia ser golpeado.
— Solte-a! — ele ordenou a Kelmo, que ria como uma psicopata.
Lú cerrou os dentes. Preparava-se para atacar invocando o poder azul em suas mãos. Ele precisava procurar uma forma de salvar Samy sem machucá-la, mas como faria isso?
— Se entregue, feiticeiro — Kelmo falou. — Não percebe? Irá matá-la se continuar a contrariar o seu destino. Quantas pessoas inocentes precisarão morrer para você perceber isso?
Lú não queria dar atenção, mas ela estava certa. Desde a última vez, em Mengie, ele havia perdido muitas pessoas. Os rebeldes morreram sem ao menos saber o porquê. Ele viu Nero ser morto à sua frente e Karlo... foi morto pela caçadora que ameaçava a sua amada. Ele fechou os olhos e caiu de joelhos, vendo o sangue do seu peito manchar a areia. Kelmo estava certa, por mais que ele tivesse feito uma promessa para a Samy, pessoas inocentes estavam morrendo só pelo fato de ele existir. Ele estava sendo egoísta.
Samy tentava falar, impedi-lo de se render, mas a sua voz saía abafada pela mão de Kelmo em seus lábios. Ela estava imobilizada, procurava se livrar daquele abraço apertado, mas não conseguia, se debatia, porém, de tanto se debater conseguiu atingir o nariz da caçadora com uma cabeçada. A jovem de cabelo prateado arfou de dor e acabou liberando a ex-sereia.
Samy correu ao encontro de Lú, gritando o seu nome, e ao mesmo tempo notou o ancião atrás dele, portando uma espada para golpeá-lo. Ela precisava chegar a tempo, entretanto, por mais que gritasse e alertasse o feiticeiro, ele não escutava. Continuava de cabeça abaixada, enterrado em seus lamentos.
Tudo parecia em câmera lenta, a espada que descia nas costas de Lú, os passos de Samy e as lágrimas que despencavam dos olhos do feiticeiro. A ex-sereia saltou, jogando o seu corpo contra a areia em uma tentativa de empurrar o feiticeiro do golpe certeiro que o ameaçava pelas costas. Algo impressionando aconteceu. Uma luz de cor avermelhada tomou conta do corpo do homem azul e foi se tornando cada vez mais forte, a ponto de cegar a todos com a sua intensidade.
O clarão vermelho pareceu inundar aquela praia, turvando até mesmo as águas e a floresta. Todos ali presentes cobriam a face, enquanto aquele inexplicável fenômeno ofuscava suas visões. Não demorou muito para que a luz se dissipasse no mesmo ritmo em que havia surgido.
Kelmo tirou as mãos dos seus olhos, estava difícil a sua visão se acostumar novamente com aquele ambiente, era como se queimasse. Samy ergueu a cabeça, olhando ao redor, e não avistou Lú. Salomon cravou sua espada no chão e da mesma forma que a ex-sereia, estava confuso.
— Para onde ele foi? — ele perguntou.
Samy tentou se reerguer, porém, Kelmo a agarrou novamente envolvendo o seu braço no pescoço da ex-sereia.
— Você sabe! — ela gritou de maneira áspera. — Para onde foi o feiticeiro?
Samy estava tão confusa quanto qualquer outra pessoa ali presente, e isso estava estampado em seu olhar. Salomon pegou a sua espada de volta e bufou de ódio.
— Ela não sabe! — ele afirmou, avistando a maga despertando não muito longe. — Pelo visto, esse verme aprendeu a teleportar.
— Isso é impossível! — Kelmo disse, incrédula.
— Ele é um feiticeiro, uma praga. Não me admiro. É um covarde!
Lirah se aproximava cambaleante. Ela retirava a máscara da sua face e olhava de uma forma infeliz para os demais. Alguns caçadores que haviam sobrevivido à luta contra Lú apareciam pela praia, aguardando a ordem do ancião.
— Vamos procurar o verme pela praia e arredores! — ele anunciou. — Espero que ele não tenha ido muito longe. Dividam-se!
Salomon olhou para Kelmo, que ainda segurava a ex-sereia, e aproximou-se com um olhar demoníaco.
— Livre-se dessa vadia e una-se aos outros!
— Sim, senhor! Tenho algo especial para ela — ela sorriu cinicamente.
Kelmo agarrou Samy com mais força e tocou na pedra em seu colar no seu pescoço, invocando a luz teleportadora, e assim desapareceram. Enquanto isso, os outros caçadores corriam pela praia e alguns desapareceriam para outras localidades. Salomon rangia os dentes. Não podia deixar aquele feiticeiro escapar novamente, já tinham perdido muitos membros e até mesmo o rubi estava desaparecido. As coisas estavam indo de mal a pior.
...
Lú abriu os olhos, eles estavam lacrimejantes e sua visão turva. Ele via nuvens escuras como se estivesse prestes a chover e sentia um frio congelante. Seus dentes batiam e seus pelos se eriçavam. Estava totalmente trêmulo. Ele se encontrava deitado em algo duro, uma mesa de pedra escura. Ela estava úmida e continha flocos brancos, não só nela como em seu corpo também. Ele olhou ao redor, pelo ambiente. Tudo era alvo, como se fosse neve e gelo. Estranhou o fato das armas dos seguidores não estarem mais cravadas em seu torso.
Ele sentou-se ao ir recuperando a visão gradativamente. Viu alguns picos ao longe, uns morros e uma única árvore estava acima de uma parede de gelo. Não tinha folhas, apenas galhos retorcidos e seu tronco descamava. As raízes estufavam para fora da parede, como se procurassem ar para respirar. Lú não fazia a mínima ideia de onde estava. Tudo parecia um deserto de gelo.
Ele escutou uma risada um tanto familiar. A menina loura caminhava com seus pés descalços pela neve, como se não se incomodasse com aquele frio abrupto. Lauren se posicionou na frente do feiticeiro, ainda sorrindo. Lú não conseguia entender como havia parado naquele lugar e o que Lauren estaria fazendo ali.
— Lauren! — ele exclamou, surpreso, tanto por reencontrá-la como por vê-la em um lugar inóspito como aquele.
— Olá, Lú! Fico feliz em vê-lo novamente. Deve estar confuso, mas fui eu quem o trouxe para cá.
Lú não sabia dos motivos que a levaram a fazer isso, pois Samy estava correndo perigo e ele precisava salvá-la.
— Me leve de volta! Samy está correndo perigo.
— Ela vai ficar bem. — Lauren revirou os olhos. — Você iria ser preso novamente caso permanecesse naquele lugar. Deveria me agradecer. — Ela cruzou os braços.
Lú não estava convencido. Ele viu a caçadora ferir Samy e sem ele lá para salvá-la, eles iam matá-la assim como fizeram com Karlo e Nero.
— Muito obrigado, Lauren! — ele levantou-se. — Mas preciso que me leve de volta!
Lú sentou-se na mesa de pedra subitamente contra a sua vontade, como se tivesse sido empurrado. Lauren estava com um braço estirado para ele e uma feição fechada. Ela parecia um tanto impaciente.
— Já estou cansada da sua teimosia, Lú Ecss! — Ela falou em um tom um tanto estranho para a voz dela, como se não fosse a verdadeira Lauren ali. — Você não irá mais voltar para Karkariá.
— Onde estou? Que lugar é esse? — ele perguntou, assustado.
Lauren sorriu enquanto um vento frio açoitava o seu cabelo louro e balançava o tecido fino de sua roupa.
— Você está em Mengie. Bem-vindo a Sabatow!
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