I - O GATO PRETO
Um gato preto imaginário surgiu com os seus olhos amarelos brilhantes em algum lugar surreal. O local continha paredes de vidro que refletiam o arco-íris. Uma brisa suave balançava os pelos do felino como uma espécie de névoa negra, dando a impressão de que o animal estava evaporando, porém, nunca cessava. Ele encarava alguém e por incrível que pudesse parecer, começou a falar:
— Não tenha medo... Nunca desista dos seus objetivos. Proteja quem ama... — A voz grossa do felino falante entrava profundamente em sua mente, e seus olhos se estreitaram. — Lute por sua vida! Lute por seus ideais! E, principalmente... — A névoa negra estava ficando mais densa e o gato parecia mesmo evaporar. Os vidros das paredes trincavam, parecia ser o fim daquele mundo. — Não confie naquele que você chama de amigo. — Ao terminar, o felino evaporou totalmente na névoa e as paredes de vidro se estilhaçaram em uma explosão de ar.
Lú abriu os olhos. Mesmo estando em terra firme, ele ainda se encontrava abraçado ao pedaço de madeira em que se agarrara antes de deixar a sua terra natal. A areia fina e molhada grudava em sua pele azulada. Ele sentia a água das pequenas ondas querendo sugá-lo de volta para o mar, então se sentou e avistou o sol nascendo no horizonte, pintando o céu de laranja. Estava demorando para se recuperar daquela amnésia, queria saber o que fazia ali.
Foi então que se recordou do sonho anterior. Que diabos era aquele bicho em sua mente? Que conselho era aquele? Ele se sentia tão solitário, tão indefeso e não fazia sentido desconfiar de algum amigo que ele sequer sabia que exista.
Com o sol já alto, o garoto fitou o horizonte e viu uma fumaça negra dissipando nas nuvens, então estreitou os olhos. Parecia que a fumaça vinha de um monte de terra ao longe. Talvez uma ilha.
A sua ilha!
Lú levantou-se em um pulo. Os seus olhos estavam esbugalhados, vidrados no que via, e a sua memória voltava aos poucos. O seu corpo enrijeceu e suas mãos estavam trêmulas. Não podia ser. Aquilo realmente estaria acontecendo? O garoto não sabia como havia chegado até ali, mas precisava voltar, precisava salvar a sua família — a sua mãe e suas irmãs.
Em uma ação desesperada, ele entrou na água e começou a nadar loucamente na direção da ilha — ou tentava, já que não sabia nadar —, mas as ondas o empurravam de volta, deixando-o submerso. A sua luta para chegar à superfície era árdua. O mar o estava engolindo dessa vez. Ele via a luz do sol — a única luz que brilhava na linha de água acima dele —, e bolhas de ar subiam ao seu redor.
Ele estava afundando.
A sua pele azul se misturava com a cor intensa da água marinha, enquanto a sua consciência se afogava junto com o seu corpo. Será que morrer era assim? Os mais velhos da sua tribo sempre falavam sobre o assunto. Para eles, antes de morrer, as lembranças da vida toda de cada um eram vistas como um sonho. Era isso que estava acontecendo com o Lú.
Ele via imagens rodando em sua mente. Lú se via com alguns anos a menos, perdido em uma mata. Ele chorava. Era noite. Ele estava abraçado a uma folha gigante de uma palmeira. A lua emitia um brilho azul — não era um fenômeno da superlua, mas sim a sua luz natural —, que lhe chamava a atenção. Ele sabia que aquele dia não iria morrer e tinha certeza que sua mãe iria encontrá-lo, e estava certo. Não demorou muito até uma mulher de pele azul e cabelo negro esvoaçante surgir no meio do matagal. Ela roçou a relva ao redor com um facão e o pegou no colo, abraçando-o fortemente. Lú sentia o calor emanando do seu corpo e sabia que estava protegido.
O garoto sentiu um conforto em sua alma. Ele estava pronto para partir. As lembranças que o engoliram agora a pouco foram dissipadas como fumaça. Naquele momento, tudo estava negro e o seu corpo se entrega às trevas, porém, ele ainda sentia o conforto e o calor emanando do colo da sua mãe. Será que ela o estaria levando para o reino das almas?
Ele estava atordoado. Os braços que o levavam eram de uma pele branca e pálida. Se não era a sua mãe que estava levando-o para o além, aquele ser a lembrava bastante. Ele a abraçou forte e deixou se levar.
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