XXXIII. One step at a time
20 de Junho de 1977
O último verão antes de Sirius e seus amigos se formarem em Hogwarts estava chegando, junto ao fim do sexto ano letivo. A incerteza do que viria quando tudo acabasse era grande, mas, por hora, ele preferia aproveitar cada minuto de felicidade antes de entrar de cabeça no mundo e na guerra que estavam enfrentando.
Até nos piores tempos é possível encontrar uma luz, uma alegria. Sirius estava realmente feliz desde que saiu da Casa Black e começou a morar com os Potter, aliviado e com uma grande sensação de liberdade explodindo de dentro dele. Apesar de doer deixar seu irmão mais novo… Sair daquela casa foi a melhor coisa que fez.
E ele queria realmente poder aproveitar cada vez mais do tempo que tinha, de sua liberdade. Alcançar sua felicidade.
Havia algo que trazia uma pequena alegria em seu dia, além dos amigos, e também bastante dor física e um baita galo na cabeça.
Alguém que adorava bater em sua cabeça com livros, mas que ainda o encantava com seu belo sorriso e as respostas afiadas como uma lâmina.
— Precisaria devolver esses livros hoje porque vamos embora amanhã, então se vossa Alteza parar de atrapalhar meu caminho, agradeceria — disse a garota com forte sotaque irlandês vestida num suéter do time de quadribol da Corvinal, desviando de Sirius no corredor e seguindo caminho enquanto carregava uma pilha enorme de livros.
— Está me chamando de Príncipe? Que fofo da sua parte, Karina. Estamos tendo um avanço? — Sirius disse com um sorriso de canto.
— O avanço da minha mão no seu rosto nos próximos segundos, talvez? — ela devolveu impaciente.
— Sempre tão delicada quanto uma princesa — retrucou sarcástico.
— Preferiria rainha, combina mais a minha cara. E você seria meu lacaio me seguir assim, Black?
Sirius precisou de alguns segundos para processar as palavras dela graças as pronúncias e formação de frases do inglês irlandês que, mesmo após aqueles anos, ainda custava a compreender totalmente. Não tanto quanto nos momentos em que ela resolvia realmente usar do gaélico e deixá-lo confuso.
Aproximar-se de irlandeses quando não se tem a menor ideia de seu dialeto é complicado.
— Estou apenas cumprimentando uma amiga que encontrei no corredor — respondeu. — Falou com o meu irmão hoje?
— Falei. Ele foi a Hogsmeade num belo passeio com o namorado antes de voltar a casa sem você… De novo.
Sirius suspirou pesado. Conversaria mais tarde com o irmão sobre aquilo.
— Sabe onde está o Remus?
— Com meu irmão.
— Ainda estão estudando francês?
— Talvez estejam. Estão na biblioteca.
Ela respirou fundo, ajeitando os livros pesados.
— Eu te ajudo a levar esses livros até lá, então.
— Eu consigo sozinha.
— Você está quase derrubando tudo e mal consegue enxergar o caminho com essa pilha enorme. Levou metade da biblioteca pro seu dormitório!
— Eu poderia ir mais rápido sem correr risco sem você atrapalhar.
— Aceitar minha ajuda de vez em quando não faz mal, Karina.
— Sirius, eu tenho muitas coisas para fazer hoje e você est-... — Ela parou no meio do caminho para falar, mas Sirius não percebeu.
Black acabou trombando na garota e a derrubando junto com os livros, exatamente como no dia em que a conheceu. Ela lançou-lhe o mesmo olhar irritado de 6 anos antes, enquanto ele sorria culpado e encolhia os ombros.
Foi como um déjà vu. Poderiam facilmente se ver de volta aos 11 anos, dentro da loja da Madame Malkin, quando Sirius adentrou o estabelecimento correndo e esbarrou em Karina e Remus, derrubando-os no chão junto a pilha de livros que eles carregavam.
Ela sentou-se no chão com uma feição irritadiça. Os olhos de um claro cor-de-mel quase dourado brilhavam com raiva e frustração, o mesmo brilho que anos mais tarde poderia ser visto em seus descendentes. Seus cabelos ficaram um tanto bagunçados, e a roupa, um pouco amassada.
— Desculpa — Sirius disse e rapidamente ajoelhou-se ao lado dela. — Foi sem querer, eu juro!
— Sabe, Sirius… — A forma como a segunda sílaba do seu nome era pronunciada de forma muito mais forte e prolongada pela garota causava estranheza, mas ainda era fofo… Porém Black preferiu não comentar sobre o sotaque no momento. — Estava a demorar a me derrubar de novo.
— Foi sem querer… De novo. Você que parou do nada no meio do caminho!
Karina pegou um livro fino e bateu com ele no topo da cabeça do garoto.
— E você atrás de mim igual pelúcio atrás de ouro.
— Au! — reclamou dolorido, acariciando o local. — Eu só não encontrei nenhum dos meus amigos depois que saí da detenção, e James não me responde pelo nosso espelho de dois sentidos.
— Enfim, perceberam o quão desinteressante é sua companhia? E sinceramente, você passa mais tempo em detenção que aulas.
— Você veria que posso ser muito legal se ao menos tentasse ser um pouquinho mais receptiva.
— Como espera boa recepção depois de machucar dois dos meus amigos? — ela retrucou, firme e fria. — Até Killian percebeu como você é e ele é receptivo até demais.
Sirius se calou, engolindo em seco. Sabia muito bem a quais amigos a garota se referia, e ele ainda se sentia mal por tudo, embora fizesse de tudo para reparar e que tentassem entendê-lo.
Regulus estava começando a lidar bem, já Remus… Nem conversava consigo direito há mais de um ano.
— Para sua sorte, meu irmão ainda mantém mais de sua receptividade — prosseguiu Karina. — Mais por Remus e James que você, mas já é alguma coisa.
— Minhas questões de família dizem respeito a meu irmão e a mim, mas quanto ao Moony… Estou tentando consertar…
— Consertar quase mandado-o a Azkaban?
— Não era minha intenção! O Ranhoso que ferrou tudo e aumentou a história toda com aquele dramalhão. Mas… Estou tentando, tá legal?
— Vai ter que trabalhar muito muito. Por enquanto, pra mim, você continua um babaca que só pensa em si próprio.
— E ainda tem chance disso mudar?
— Para convencer um corvino a mudar de ideia, você precisaria trabalhar muito e mostrar o que quer provar — ela disse e juntou alguns livros. — Como insistiria em ajudar… Comece por isso — Ela empilhou os livros no colo do Black. — já que se diz tão gentil e prestativo.
Sirius apenas deu de ombros e começou a juntar mais livros.
— Você se machucou? — perguntou com preocupação.
— Nada que uma poção ou feitiço não resolva — respondeu, erguendo as mãos avermelhadas levemente raladas na pedra do chão do castelo na queda.
— Para você ver que não sou tão ruim assim…
Ele pegou sua varinha, a qual estava sendo usada desajeitadamente para manter seu cabelo preso. Os fios escuros e longos caíram por seus ombros, um tanto bagunçados.
Disse um simples feitiço curativo que fez todos os leves arranhões da queda da garota sumirem. Ela olhou-o intrigada, enquanto ele sorria amigavelmente.
— Aceite como pedido de desculpas por te derrubar.
— Sabe que eu poderia fazer isso sozinha.
— Agradecer não vai te matar, hm? Gentileza faz muito bem de vez em quando. Ainda pode manter sua pose durona.
— Eu precisaria devolver tudo isso o quanto antes, então sem perder tempo.
Ela levantou-se com alguns livros limpando as roupas, e Sirius riu baixo, pegando o restante dos livros e ficando de pé também. Começaram a caminhar pelo corredor, passando por outros alunos que aproveitavam o último dia em Hogwarts.
Eles chegaram à biblioteca, que estava silenciosa como sempre. Sirius seguiu a garota por todo o local, levando para ela todos os livros que estavam sendo devolvidos a suas respectivas prateleiras, sem dizerem uma única palavra. Ele não estava incomodado com o silêncio, porém gostaria muito de saber sobre o que poderia tentar conversar.
— E esse foi o último. Remus e Killian estão ali. Pode tentar falar com eles, agora se iria querer falar com você… — Apontou para uma das mesas após o último livro flutuar até seu lugar na estante.
— Não custa tentar. Você está falando comigo e ainda não me jogou outro livro na cabeça.
— Ainda.
Remus estava numa mesa próxima, concentrado lendo um livro em francês para Killian, o irmão gêmeo de Karina, que estava sentado ao lado com o ombro colado ao dele e o olhar voltado para as páginas com uma expressão confusa.
— Je n'ai rien compris! — disse Killian em francês, choramingando dramaticamente e jogando a cabeça no ombro de Lupin.
— Veja pelo lado positivo, você conseguiu dizer "eu não entendi" perfeitamente.
— Sirius, você está na frente da luz. Sai!
— Boa tarde, Killian, muito bom ver você também — Sirius disse ironicamente após se aproximar deles. — Oi, Moony! — Sorriu para o amigo.
Lupin ergueu os olhos do livro para Sirius. Ele olhou ao redor à procura dos outros amigos e ao não avistá-los apenas comprimiu os lábios e acenou com a cabeça, baixando o olhar para as páginas outra vez.
— Melhor iria tomar um sol para esquentar depois desse gelo, Sirius — Killian caçoou, rindo.
— Killy! — Remus o repreendeu.
— O que há? Só estava brincando, Remmy. Queria que tente falar francês? — perguntou erguendo a cabeça para encarar Lupin.
— Poupe-nos da vergonha que seria — Karina disse, parando ao lado do irmão e bagunçando seus cabelos. — Continue com o inglês e o gaélico, irmãozinho.
— Sua confiança em mim é impressionante, Karrie — Killian respondeu sarcástico. — Pois saiba que estou aprendendo francês muito muito bem com o Remus.
— Sinceridade e apoio na família sempre — ela retrucou e sorriu irônica. — Pede a Tia Kate para pagar aulas de verão. Tinha um professor de francês morando na fazenda perto do lago, certo?
— Por que? Já tenho o melhor professor bem aqui — respondeu, passando os braços por cima dos ombros de Lupin, sob o olhar duro de Sirius. — E gratuito com muitos benefícios.
— Killian, stop é! — exclamou Remus, com os olhos arregalados e o rosto vermelho como um tomate.
— Stop cad é?
— Sílim go bhfuil mé ag dul a urlacan… — Karina disse em seguida com uma careta. — Sem mais comentários, Killian.
— Podem traduzir? Ainda não aprendi irlandês — Sirius pediu confuso.
— Não podemos — os três responderam em uníssono.
Sirius suspirou, cruzando os braços. Odiava quando faziam isso.
— E o seu aniversário? — mudou de assunto, olhando para os gêmeos Radcliffe.
— É só vocês vir — Killian respondeu.
— Convidou o resto do bando também? — Karina perguntou ao irmão com uma expressão de descrença e desgosto no rosto.
— Você convidaria seus amigos, eu os meus. É o justo.
— São seus amigos também.
— Sem drama. A festa é minha também, convido quem queria!
— Hey Moony… Não sei que horas James volta. Vamos procurar o Peter? James queria fazer algo antes do jantar e podemos tentar adiantar, você sempre tem ótimas ideias — Sirius chamou.
— Espere James, é melhor. Vou ficar aqui.
Black suspirou frustrado. Não suportava mais ter Remus tão distante desde o incidente com Snape no ano anterior. Estava bem melhor do que nos primeiros meses, mas nada comparado a antes.
Talvez o que houve um tempo antes daquilo também tenha a ver, mas Sirius não queria pensar muito nisso.
— Eu te disse — Karina disse baixo para somente Black ouvir quando passou por ele para ficar ao lado de Remus, com um sorriso vitorioso no rosto. — Estou sempre certa.
— "Sempre" é uma palavra muito forte — Sirius retrucou, também num tom baixo.
Karina pisou forte em seu pé, e ele sufocou um grande xingamento.
21 de junho de 1977
A casa da família Radcliffe no povoado de Gweedore, na Irlanda, era agradavelmente isolada o bastante de outras residências para um grupo de jovens bruxos usarem magia, aproveitando-se de que os residentes ali agora já eram maiores de idade e não mais passíveis de notificação do Ministério por sinais de magia praticada por menores. Sendo uma região em sua grande parte rural, aquela era uma grande vantagem.
Foi fácil os gêmeos Radcliffe e seus amigos chegarem por chaves de portal e caminharem até a residência após deixarem a estação de King's Cross em Londres. Sentiam falta de comemorar seus aniversários em sua casa na Irlanda e não em hotéis na Inglaterra antes de pegarem um avião com a tia para a cidade natal. Era o efeito de o retorno para casa para as férias de verão de Hogwarts ser justamente no dia do Solstício de Verão, o dia em que nasceram.
E ali houve uma bela festa com o melhor que podiam do mundo bruxo e trouxa. O imenso jardim muito bem cuidado possuía várias luzes e uma mesa repleta de comida, junto a lençóis e almofadas nos gramados e música tocando numa vitrola.
Todos os amigos passariam toda a noite ali aproveitando a comemoração, pois, enfim, Karina e Killian completavam a maioridade bruxa.
— Potter, pode usar magia mas não abuse e chame atenção! — Lilian Evans exclamou num tom repreensivo quando James Potter soltou várias faíscas de luzes coloridas no céu após os gêmeos assoprarem as velas do grande bolo de aniversário.
— Relaxe, Evans! Não tem nenhum trouxa por perto e no máximo vão pensar que é um show de fogos de artifício trouxas — Sirius falou, também soltando várias luzes de sua varinha.
— É bonito e divertido — Pandora Ollivander disse com um grande sorriso gentil, observando as luzes coloridas se apagando.
— E o meu último amigo enfim ficou maior de idade! — Potter comemorou rindo alto e abraçando Killian, erguendo-o do chão. — Agora podemos comemorar com Whisky de Fogo sem medo.
— E vocês não fariam isso mesmo que não estivéssemos completando 17 anos? — Karina disse com a sobrancelha arqueada e cruzando os braços.
— Claro que faríamos, aniversários precisam ser comemorados com estilo!
— Nem todos são tão empolgados com aniversários quanto você, Jamie — o irmão mais novo de Sirius comentou, ao lado da aniversariante.
— Não se preocupe, o seu é o próximo e fico animado por nós dois — James falou soltando o amigo para abraçar a cintura do jovem Black e beijar seu rosto. — Vou preparar uma bela surpresa com o Sirius!
— Não se avisa uma surpresa, James.
— No seu caso, sim. Você se prepara para quando invadirmos a casa pra te sequestrar por um fim de semana — Sirius disse, também abraçando o irmão e beijando o topo de sua cabeça. — Vai passar seu aniversário conosco, Reggie.
— Vocês vão me sufocar — o garoto resmungou. — E já vou ter que dar uma boa desculpa para mamãe e papai por sumir da estação hoje, não vou fazer de novo mês que vem.
— E eu fico muito feliz de ter escapado deles para vir hoje! — Karina disse animada e também pulou para abraçar o jovem Black, afastando os outros dois para longe. — Vou te mandar um grande presente para agradecer no seu aniversário.
— Por que estão me abraçando tanto?!
Sirius riu com a reclamação do irmão caçula, que acabou por retribuir o abraço da corvina. No fundo, ele sentiu uma pontada de inveja. Karina era muito mais amigável e carinhosa com Regulus Black, que, surpreendentemente, em certo momento, construiu uma amizade bastante inesperada com ela graças a sua amiga em comum, Pandora.
Não o julgava, Karina era mesmo cativante. Para alguns com menos afinidade ou quem ela tenha certas questões contra, poderia parecer rude e arrogante, mas em grande parte do tempo, junto dos amigos e do irmão, seu sorriso era capaz de encantar o coração de qualquer um.
— O aniversário do Regulus será próximo mês, o meu é hoje, então que abraços e beijos sejam meus. Venham! — Killian disse abrindo os braços.
Os quatro garotos grifinórios ali presentes riram e pularam sobre o garoto corvino, bagunçando seus cabelos e erguendo-o acima do chão.
A tia dos aniversariantes que morava com eles cortou o bolo para todos comerem. Logo depois, eles abriram todos os presentes que ganharam.
Sirius entregou apenas o do garoto e deixou o de Karina guardado consigo para outro momento. Ele ficou sentado sobre os lençóis na grama e as almofadas junto dos outros apenas observando quando Remus entregou seu presente, admirando o enorme sorriso no rosto dos dois.
— VOCÊ É O MELHOR! — ela exclamou extremamente feliz e animada, pulando sobre Lupin e abraçando-o com força, quase derrubando-o no chão.
— Quanta empolgação por um livro — James resmungou num tom entediado e indignado, sentado logo ao lado de Sirius.
— É uma biografia AUTOGRAFADA do melhor magizoologista de todo o mundo bruxo, Potter! Sabe o quanto isso é incrível?! E é edição limitada!
— Você, Remus e Killian e essa obsessão por livros… Eu até gosto de ler um pouco, mas vocês…
— Você já presenteou Regulus com quantos? Dez? — Killian rebateu.
— Vinte — Regulus corrigiu, deitando a cabeça no ombro de Potter por estar um pouco avoado e tonto depois de beber Whisky de Fogo. — Vinte e um se contar o que ele comprou para repôr o que você roubou.
— Eu peguei emprestado.
— E não devolveu até hoje.
— Permissão para pegar, sem roubo.
— Errado ele não está — James disse, olhando para o Black mais novo ao seu lado, que apenas bufou impaciente e o empurrou desajeitadamente, mas acabou caindo para trás no ato.
Sirius riu, porém logo aproximou-se do irmão e ajudou-o a ficar sentado. Ele estava claramente um pouco bêbado.
Não demorou para o restante dos presentes serem abertos. Killian acabou realmente derrubando Remus no chão com seu grande abraço pela felicidade do presente que recebeu, enquanto Karina sorria largo e batia palmas de alegria pelo que ganhou de Lily e Pandora.
Todos ali ficaram empolgados com o presente que os irmãos ganharam da tia, um telescópio bastante potente no qual todos queriam observar o céu estrelado daquela bela noite. Cada um teve a chance de usar um pouco, enquanto os outros continuavam a comer e beber.
Sirius ficou um tempo vigiando o irmão, até James puxá-lo para dançar a música que tocava, um pouco alterado depois de mais algumas doses de Whisky de Fogo, assim como o garoto. Não contestou ao ver Regulus realmente empolgado com a música, não era sempre que via-o alegre daquela maneira — mesmo que a bebida tenha ajudado um pouco —, e sabia que James cuidaria muito bem dele.
Quando decidiu experimentar usar o telescópio, logo a dona do objeto chegou, segurando uma garrafa de cerveja amanteigada .
— Oh, pra mim? Quanta gentileza! — disse esticando a mão para pegar a garrafa.
— Errado, eejit, é pra mim — retrucou Karina, afastando-se antes que a pegasse. — Hora de eu usar meu presente.
— Você não estava olhando há vinte minutos?
— E verei de novo, o telescópio é meu. — Aproximou-se do objeto e ajustou a lente. — Tem muitas estrelas hoje.
— Tem razão — Sirius concordou e sorriu de canto. — Inclusive, tem uma bem aqui na sua frente.
— Pensei que Sirius seria mais brilhante… Esse nome caiu mal em você.
— Seu nome significa carinhosa e amável. Estou esperando o dia que será assim comigo.
— Espere sentadinho como o bom coileán beag que és — ela retrucou.
Sirius franziu o cenho, confuso.
— E o que seria isso no meu idioma?
— Cachorrinho — ela sorriu divertida. — Sente como um bom cachorrinho em algum canto.
— Maldito dia que você e Killian descobriram que somos animagos.
— Você, James e Peter seriam péssimos exemplos de discrição, coileán beag. Descobrimos que o Remus tinha licantropia ainda no primeiro ano, pensou que esconderia ser animago por muito tempo?
— Você é esperta demais.
— Eu sei.
Ela abaixou-se para olhar através da lente do telescópio. Sirius respirou fundo, olhando para os amigos que conversavam e dançavam e depois voltando o olhar novamente para a garota.
— Ainda aqui?
— Estou incomodando? — Sirius perguntou, e ela ergueu a cabeça para olhá-lo.
— Essa é uma resposta complicada. Prefere que seja gentil ou sincera?
— Não pode ser os dois?
— Dificilmente.
— Okay, okay, entendi. Você não suporta ficar sozinha perto de mim por cinco minutos.
— Prefiro estar em boas companhias.
— Sou uma ótima companhia.
— Tenho minhas dúvidas — disse e olhou para o céu.
Sirius comprimiu os lábios, pensativo. Poderia muito bem ir embora e voltar para os amigos, mas também queria mostrar a garota que não era todas as coisas ruins que pensava por ter abandonado o irmão e magoado seu melhor amigo, além de outras atitudes um pouco duvidosas ao longo dos últimos anos. Ele estava evoluindo bastante.
Queria que fossem ao menos amigos, no mínimo.
— Eu sei que nos primeiros anos eu era um perfeito babaca arrogante e por isso você me detesta.
— Você é um perfeito babaca arrogante, Black.
— Não tanto quanto antes. Eu já me desculpei antes, mas peço desculpas de novo se algum dia eu falei alguma coisa que tenha ofendido ou magoado… Por um tempo, eu ainda reproduzia, mesmo que inconscientemente, um pouco dos pensamentos da minha família.
Karina não disse nada, apenas encarou-o intrigada. Não era algo que esperava e aguardou o que mais séria dito.
— Logo vamos começar o nosso último ano, estamos prestes a entrar em uma guerra… Então, será que não posso ganhar nem uma chance pequenininha de mostrar que posso ser uma pessoa muito legal?
— E continuaria a tentar flertar descaradamente comigo?
— Eu nunca fiz isso! — fez-se de desentendido.
— Sirius…
— Okay, eu já fiz, mas eu posso ser um grande amigo.
— Deveria lembrar o que fez com Remus ano passado? Seu conceito de ser um bom amigo é bastante bastante peculiar. — Ela cruzou os braços.
— Usar o Salgueiro Lutador para aprontar com o Snape foi uma péssima ideia, eu confesso. Mesmo que eu nunca tenha realmente dito como se para o Salgueiro e sobre a passagem, ainda me arrependo de tentar algo porque deu muito errado.
— Uma hora precisaria perceber isso. Agora te perdoar totalmente... Vai precisar se esforçar.
— Eu sei. Aliás, adoraria se me ajudasse a falar mais com o Remus de novo, porque seu irmão provavelmente vai me esganar se eu pedir e ele ficou mais próximo de vocês desde tudo.
— Está abusando desses pedidos, Black. Lide com as consequências dos seus atos sozinho.
— Eu sei que fui um idiota com o Remus… E com você também naquele dia. Você só estava defendendo o Moony… Mesmo que você não faça a menor ideia do quanto pesou tudo o que disse pra mim. Talvez eu merecesse.
— Talvez?
— Okay, eu mereci. E como te disse ontem, eu quero resolver tudo. Não vou pedir que entenda agora todos os motivos para eu ir embora de casa e deixar o Regulus, mas… Realmente me arrependo de decepcionar todo mundo quando fiz o Snape ir até o Salgueiro Lutador… E de tudo que posso ter dito e feito antes de perceber o quanto tudo que minha família dizia era desprezível e feria outras pessoas.
Karina analisou-o por alguns instantes, exibindo um sorrisinho pequeno.
— Reconhecer isso seria um bom começo.
Sirius sorriu fraco, enterrando as mãos nos bolsos. Voltou seu olhar de volta para onde estavam os outros, observando o irmão feliz e rindo alto enquanto abraçava o pescoço de James, que tentava falhamente cantar a música que tocava misturando inglês com italiano e rodar com o garoto numa valsa estranha, ambos quase caindo aos tropeços. Regulus nunca ria daquela maneira ou possuía um brilho tão grande em seus olhos quando estavam em casa.
Logo perto, também observou Remus com um grande sorriso no rosto enquanto dançava e ria com Lily, ambos segurando garrafas de cerveja amanteigada em suas mãos. Não viu mais aquele grande sorriso que amava tanto com muita frequência desde o incidente com Snape, e quando via, ele próprio não estava perto, apenas observava um pouco distante.
— Obrigada por conseguir convencer o Reggie a vir — Karina disse, sorrindo de leve. Sirius voltou sua atenção para ela mais uma vez. — Ele estava bastante receoso.
— Foi um trabalho em dupla meu e de James. Conseguimos ser bastante convincentes quando queremos.
— Regulus e Remus ainda se importam com você, apesar de tudo — revelou. — Talvez você realmente consiga ser menos babaca de vez em quando, hm?
Black sorriu ainda mais largo com o comentário, feliz por isso e pela mínima esperança de conseguir mudar o pensamento que ela tinha sobre si.
— Garanto que sim.
— Sua família gosta bastante de astros e constelações, então imagino que saiba nomear a maioria das estrelas e encontrar as constelações.
— Claro! Meu tio me ensinou quando eu era pequeno.
— Então encontra uma com o telescópio. — Apontou para o telescópio.
— Vai me deixar usar agora?
— Eu não consegui encontrar nenhuma ainda, então faça as honras e mostre seu grande conhecimento de astronomia e quem sabe sou gentil e te dou um pouco de cerveja amanteigada.
Sirius riu baixo e concordou. Ele olhou para o céu por alguns instantes, os olhos caçando constelações a olho nu, até avistar indícios de uma. O telescópio era menor que o da Torre de Astronomia em Hogwarts, mas não era muito diferente para ajustar, então arrumou a vista e a lente até focar numa constelação.
Afastou-se ao terminar e apontou para o objeto.
— Pode olhar.
— Já?!
— Eu sou tão bom nisso quanto meu irmão — disse com um sorriso ladino.
Karina olhou pelo telescópio.
— Essa é você.
— Eu?
— A constelação Carina. Seu nome escreve diferente, mas dá na mesma. Você sabia que também tem uma constelação?
— Eu tenho um livro com a história e curiosidades de algumas estrelas e constelações, então já tinha visto. Acho que meus pais não faziam ideia quando escolheram.
— Interessante. Me conta algo sobre uma delas então.
— Só escolher.
Ele ponderou por alguns instantes. Foi então que ele ouviu a risada alta de Remus e viu ele rindo e correndo enquanto James e Killian o seguiam por algum motivo.
— A constelação do Lobo — disse.
— Antigamente, os gregos e romanos chamavam essa constelação de Therion — falou Karina, afastando-se do telescópio e ganhando a atenção de Sirius de volta para si. — Representava feras, mas na idade média surgiu a associação com um lobo.
— Disso eu realmente não sabia — admitiu Sirius.
— Canis Major vem de um mito grego do Cão Maior, Laelaps, que corria a uma velocidade assustadora.
— Eu consigo correr bem rápido na forma animaga.
— Poderia ser mais rápido no quadribol também. Sua habilidade de jogo é tão medíocre quanto sua personalidade, até agora — disse ela com seu ar prepotente de capitã que Sirius conhecia muito bem. — Uma pena que todos aqueles garotos e garotas que correm atrás de você e do Potter depois de um jogo se importam apenas com um rostinho bonito e ignoram suas péssimas habilidades e estratégias ou a personalidade nada cativante.
— Vou ignorar suas críticas nada construtivas e focar no fato de que você acaba de dizer que eu sou bonito.
— Acho que sei porque você tem o nome da estrela mais brilhante. Combina com o tamanho do seu ego.
— O seu é ainda maior, Karrie.
Sirius riu e pegou a garrafa de cerveja amanteigada da mão dela, bebendo um grande gole sob o olhar indignado da garota.
— Ei!
— Te ajudei a encontrar uma constelação, hm? Trato é trato — disse sorrindo de canto. — E eu sou tão brilhante quanto a estrela que carrega meu nome e ótimo no quadribol.
— Nem tanto.
— Você é a segunda melhor jogadora, então fica com a segunda estrela mais brilhante. Fica bem ali numa das pontas da sua constelação.
Karina olhou mais uma vez pelo telescópio.
— A segunda da outra extremidade perto da constelação Puppis?
— Canopus, segunda estrela mais brilhante do céu e primeira dessa constelação.
— Brilha muito mais que você.
— É conhecida como segunda mais brilhante por um motivo.
— Mas é a mais brilhante da minha constelação, então ela brilha muito muito mais. E eu sou a melhor jogadora de Hogwarts.
— E eu que tenho ego inflado.
— Você tem — disse e pegou de volta sua cerveja amanteigada. —, e eu também. Só menor que seu.
— Talvez o seu fique ainda maior com isso aqui. Vai ficar muito bonito.
Sirius levou a mão ao bolso e tirou uma caixinha embrulhada, entregando para a garota. Karina olhou-o surpresa, não esperando pelo presente.
— Um presente?
— É o seu aniversário, não é?
Ela abriu a pequena caixa. Um grande brilho surgiu em seus olhos enquanto pegava o colar que havia ali dentro, que possuía um pingente de uma lua crescente com uma estrela que brilhava em azul junto ao seu sorriso.
Karina agora exibia um de seus belos sorrisos brilhantes, que quase deixou Sirius hipnotizado.
Ele esperava ver aquele sorriso sendo direcionado para si mais vezes.
— É mesmo muito bonito.
— É feito de prata e pedras de um lago encantado.
— Realmente existem lagos encantados? — ela perguntou curiosa.
— Existem, só não são muito comuns. Não era você que me disse no segundo ano que sabia mais sobre o mundo bruxo em dois anos do que eu que cresci nele? Deveria saber disso — respondeu com um sorriso provocativo.
— Mas sabia muito mais que você na época, eejit. A educação supremacista dos puro-sangue é bastante vaga e tendenciosa.
— É... Você está certa.
— Quando não estou? — ela disse arqueando a sobrancelha e sorrindo de lado.
Ela voltou a olhar encantada para o colar e depois para os olhos de Sirius.
— Então, agora pode admitir que sou uma boa companhia?
— Cedo demais — ela retrucou rápida e certeira. — Mas obrigada pelo presente.
Uma música irlandesa começou a tocar, e Karina sorriu ainda mais e pulou animada. Quando não estava com sua pose de capitã mandona e prepotente ou lançando respostas ácidas, ela era tão alegre quanto uma criança, sempre com um sorriso brilhante que encantava corações.
Ela conseguia ser um doce, ao mesmo tempo que podia te estraçalhar no campo de quadribol ou num duelo e dizer verdades que te deixariam chorando por uma semana.
— Parece que você gosta dessa música.
— Gosto. Era a favorita da minha mãe.
— Então… Quer dançar?
— Claro! — respondeu, e Sirius sorriu. — Não com você, é claro.
O sorriso de Sirius morreu no mesmo instante.
— Pensei que estava rolando um clima aqui.
— Teria que trabalhar um pouquinho mais para isso, Sirius. Mas obrigada mesmo pelo presente, eu gostei — ela disse e correu até onde os outros estavam.
Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber o que falar. Então apenas observou ali de longe Karina puxar Remus e Lily para dançarem com ela e cantar aquela música.
Ao menos já havia conseguido um avanço.
21 de Junho de 1979
Era junho de 1979, uma quinta-feira. Remus chegava a Rowen's Valley após retornar de uma missão rápida em nome de Dumbledore para buscar informações sobre alguns passos de Lord Voldemort durante a Guerra com um de seus informantes. Trazia em seus braços sacolas de compras, vindo direto do mercado no centro do vilarejo, e teve um pouco de dificuldade de tocar a campainha da casa.
Levou um tempo até ouvir a voz feminina falando alto e a porta se abrir e revelar a jovem Karina de agora recém feitos 19 anos trajando um vestido azul salpicado de manchas de tinta vermelha, cinza e branca, que disfarçava, porém não escondia, sua barriga saliente demais para poucos meses de gestação.
— Oi, Remus — ela disse apenas e logo voltou para dentro da casa, sem dizer mais nada e deixando a porta aberta.
— Que recepção calorosa, Karrie — ele respondeu sarcástico.
Tinha se passado pouco tempo desde que Karina havia revelado sua gravidez — a qual Remus teve o grande prazer de ter conhecimento antes do próprio pai da criança — até aquele exato dia. Após muita conversa, ela e Sirius decidiram seguir em frente juntos e enfrentar a nova responsabilidade, e Black fez questão de que começassem a morar juntos de fato para criar aquele bebê. Estavam vivendo juntos naquela casa que Sirius havia herdado de seu tio Alphard há duas semanas e estavam fazendo algumas arrumações e reformas, o que justificava ela estar completamente suja de tinta.
Ainda não começaram a arrumar tudo para a chegada do bebê, mas Karina decidiu que ela ficaria responsável por tudo no quarto. Remus precisou intervir para Sirius aceitar, pois sabia que, se dependesse de Black, aquele quarto seria uma versão menor da Torre da Grifinória e com uma escolha de móveis duvidosa. Juntando Remus e Karina, era impossível para Sirius resistir e não ceder.
Um golpe muito baixo, ele acreditava. Ao menos, aquela altura, sua relação com Lupin já havia voltado a normalidade comparado a dois anos antes.
Os amigos estavam auxiliando com a instalação deles por ali, principalmente Remus, James e Lily, pois Peter Pettrigrew andava ocupado demais.
— Pare de reclamar, Sirius. É muito muito dramático! — Remus ouviu Karina exclamar.
— É do meu cabelo que estamos falando — Sirius falou num tom exageradamente dramático.
Lupin adentrou a casa e fechou a porta com o pé, rindo com o que viu na sala de estar. Sirius estava sentado em uma cadeira com o cabelo embolado de um jeito estranho e sujo de tinta e alguma coisa pegajosa. Haviam várias mechas de fios negros ao seu redor no chão, e Karina segurava uma tesoura na mão.
— O que aconteceu com você? — perguntou risonho ao amigo.
— Estava a brincar com tinta e cola enquanto estávamos arrumando a casa, após eu dizer para NÃO FAZER ISSO — Karina quem respondeu, pegando o pente e puxando o cabelo de Sirius com certa força.
— AI, AI, AI! — Black resmungou. — Mais cuidado, isso dói — choramingou em seguida.
— Eu avisei, terminaria mal brincar com cola bruxa misturada a trouxa.
— Estou começando a repensar a ideia de morarmos juntos… AI! Quer me deixar careca?!
— Você quem insistiu, eejit.
— Me ajuda aqui, Moony — Sirius pediu.
— Se resolvam vocês, eu só estou ajudando com o jantar — Remus respondeu, seguindo até a cozinha desviando das caixas e latas de tinta. — E ela está certa, você quem ficou brincando e deu nisso.
— Obrigada, Remmy — Karina disse e sorriu carinhosamente para Lupin, cortando mais uma mecha do cabelo do Black.
Há coisas que nem magia resolve e é bom apelar para os velhos métodos trouxas: uma boa tesoura e um novo corte. Sirius estava detestando aquilo.
— Já roubou o meu melhor amigo para o seu lado definitivamente. É um complô contra mim! — Sirius cruzou os braços, emburrado e fazendo drama.
— Sem drama, Sirius! — Remus e Karina exclamaram juntos, e ele suspirou.
— Onde está meu outro melhor amigo que nunca me trairia para me defender?
— Espero que você seja menos dramático que seu pai, bebê — Karina disse olhando para a própria barriga e alisando-a rapidamente. — POTTER, SE VOCÊ AINDA ESTIVER BRINCANDO COM AS TINTAS, EU TE FAÇO ENGOLIR ELAS!
— APENAS PINTANDO, KARRIE — a voz de James ecoou pelo corredor até a sala.
Remus franziu o cenho, retornando para a sala, após ouvir a voz do outro amigo. Não esperava que ele estivesse ali tão cedo, embora não duvidasse que tivesse ajudado para Sirius precisar despedir-se de algumas mechas de seu longo e querido cabelo preto.
A casa estava uma verdadeira bagunça, o que se esperava durante uma mudança. Sendo eles bruxos, boa parte dessa bagunça estava flutuando a uma boa altura do chão ou se arrumando sozinha. Magia poderia ajudar a deixar tudo mais organizado e apressar a mudança, é claro, mas aquele grupo de bruxos não era conhecido por seu grande empenho em ser organizado e meticuloso — a menos que fosse para montar uma pegadinha.
Karina e Remus poderiam se dizer bastante organizados, mas não faziam muita diferença em meio ao caos da mudança e o estresse da guerra.
— James está aqui? — Lupin perguntou.
— Como acha que esse paspalho ficou assim? — Karina indicou Sirius.
— Isso explica muita coisa.
— Obrigado pela consideração, Moony. — A ironia transbordava da voz de Black.
— Fique quieto, eejit.
Sirius calou-se e permaneceu emburrado. O sotaque irlandês carregado ainda era bastante perceptível na forma como Karina falava e como se referia ao Black, mesmo após tantos anos vivendo na Inglaterra enquanto estudava e convivendo com ingleses. Todos já haviam se acostumado com a maneira de a garota pronunciar as palavras desde o primeiro ano em Hogwarts, que tornou-se normal e rotineiro entre os amigos. A forma de chamá-lo de "eejit" para falar "idiota" era certamente a característica mais marcante em sua fala.
Poderia parecer algo bastante rude, mas atualmente ela não usava exatamente num tom ofensivo, e Black sabia. Percebia no tom de voz que era mais uma expressão quando estava nervosa.
Karina havia nascido em uma das não muitas regiões irlandesas que ainda se utilizavam majoritariamente do gaélico irlandês como idioma falado entre os habitantes e não tanto o inglês, por isso o sotaque tão notável. E ela não fazia questão de abandonar o costume de falar na língua nativa — ou utilizar o inglês irlandês no lugar do britânico — mesmo após tanto tempo na Inglaterra e residindo definitivamente no país.
Até mesmo Sirius às vezes pegava-se falando alguma expressão tipicamente irlandesa pelo convívio diário. Aprendeu muitos insultos irlandeses também com todas as discussões dos últimos oito anos.
Achava até fofo o sotaque. Era uma característica marcante dela, uma das coisas que o deixaram intrigado e chamaram a sua atenção. Mas se tem algo que Black detestava, era quando ela começava a conversar em irlandês com Remus, e ele não conseguia entender nada.
— Shíl mé go mbeadh sé go deas cabhair a fháil chun an teach a ghlanadh, ach ní imríonn na leathcheann seo ach agus cuireann siad isteach ar an mbealach! — Karina exclamava.
Sirius tinha certeza que ela estava falando mal dele.
— Tá a fhios agat conas atá siad, nach bhfuil? — Remus respondeu e riu baixo.
— O que ela disse?
— Só que James veio ajudar com a casa.
Remus preferiu omitir a parte que ela dizia que eles mais atrapalham que ajudam. Sabia que as brincadeiras não devem ser mentira, mas também tinha ciência de que Karina estava demasiadamente estressada durante a gravidez e que com o estresse tendia a exagerar as coisas quando falava, principalmente com os hormônios cada vez mais agitados.
Os hormônios deixavam-na muito mais irritadiça e impaciente que o normal — que já não era pouco —, por vezes até muito mais sentimental. Suas emoções variavam entre grandes extremos com muita facilidade.
Sirius também exagerava quando estava estressado ou fazendo muito drama, mas ele era assim naturalmente, sem milhares hormônios indo à loucura com as mudanças em seu organismo para gerar um novo ser para isso.
— Quantos xingamentos você omitiu nesta tradução?
— Ela nem xingou muito vocês, na verdade. Estou até impressionado.
— Espero que nosso filho não seja tão estressado quanto a mãe… PORR… — Sirius dizia, e Karina puxou com o pente mais um grande nó em seu cabelo antes de passar com a tesoura.
— Não xingue. Bebês podem ouvir desde a barriga.
— Já se ouviu falando durante o dia, meu bem?
— Sirius, gostaria de lembrá-lo que estou com uma tesoura na mão, uma varinha no cabelo e os hormônios explodindo. Não gostaria que meu filho crescesse com um dos pais mortos e outro em Azkaban.
— Moony, me diz que você comprou chocolate para acalmar ela!
Remus riu e puxou dos bolsos duas grandes barras de chocolate que fizeram os olhos cor-de-mel de Karina brilharem no mesmo instante e a feição irritadiça abandonar seu rosto. Ele havia se aproximado bastante dela nos últimos tempos para saber que muitos dos desejos dela graças a gravidez envolviam chocolate, por alguma razão que nem ele nem Sirius entendiam.
E uma generosa barra conseguia apaziguar boa parte do estresse da gestante, para a sorte de Sirius.
— Eu não poderia esquecer dos chocolates da aniversariante do dia.
Karina largou a tesoura no colo do Black e correu até Lupin, abraçando-o e pegando seu chocolate.
— Feliz aniversário.
— Obrigada, Remmy. Você é incrível! — Afastou-se para abrir a embalagem e comer o chocolate. — Melhor amigo de todos!
— Ei! Ele é o meu melhor amigo.
— Você fica com o cervo, Estrela Cadente. O lobinho é meu agora — disse Karina, enlaçando seu braço ao de Lupin.
Remus riu sem jeito, olhando de Sirius para ela logo ao seu lado, tão mais baixa que si que a cabeça mal chegava ao seu ombro. Sua amizade com Karina não era recente, mas também não poderia dizer que sempre foram tão próximos como estavam naqueles últimos tempos, sobretudo após ela descobrir a gravidez.
Sirius, James e Peter ainda eram seus grandes companheiros, eles eram Os Marotos. Porém, assim como Lily, Karina havia se tornado uma boa amiga.
No fundo, Sirius ainda era uma questão complicada, mas Remus não deixaria que isso o cegasse para alguém que se mostrava disposta a estar ao seu lado e que precisava de sua ajuda também.
Dizer que descobrir que ela e Black seriam pais não o abalou era uma grande mentira, mas também não se afastaria por isso. Remus era ótimo em esconder o que sentia.
E com sua personalidade excêntrica, inteligente e forte, sem papas na língua, mas também prestativa e compreensiva, Karina Radcliffe conseguiu ganhar um espaço especial na vida daquele pobre lobisomem. Também seria mentira dizer que não apreciava sua companhia ou que a odiava por ter o que ele nunca admitiu querer.
E ela confiava demais nele. Confiava ao ponto de contar-lhe sobre a gravidez antes de qualquer outra pessoa, confessar a grande falta que o irmão fazia e desabafar sobre o quão sofrido era ver um de seus melhores amigos se rendendo ao lado das trevas. Remus tinha a grande capacidade de fazer as pessoas sentirem-se seguras e confortáveis, e era como ela se sentia perto dele. Um amigo em quem podia confiar e buscar conforto.
— Como tem se sentido? Está tudo bem? — Remus perguntou então para Karina, descendo o olhar inevitavelmente para a barriga dela.
— Estamos muito bem, nós dois — ela respondeu, alisando a barriga e mordendo um grande pedaço de chocolate.
— Ou três, porque, sinceramente, para quase quatro meses, sua barriga está enorme — disse uma nova voz.
James então surgiu pelo corredor, vindo do cômodo que seria usado como escritório, banhado de tinta desde as calças pretas até a camisa e os cabelos escuros. Ele exibiu um largo sorriso ao ver Lupin.
— Por Rowena, Potter! — Karina exclamou. — Um mini Sirius já vai me dar trabalho. Imagine dois?
— Mais dois artilheiros para levar a Grifinória à vitória — Potter disse ainda com seu largo sorriso. — Oi, Moony!
— Só em seus sonhos que meu bebê vai ser da Grifinória.
— Com certeza será — garantiu Sirius.
— Pelas barbas de Merlin, Prongs! Você mergulhou numa piscina de tinta? — Remus indagou surpreso, observando o amigo de cima a baixo com tanta tinta por seu corpo. Ele tinha quase certeza que aquela regata um dia foi branca.
— Ah, nem é tanta assim. — Ele deu de ombros.
Karina respirou fundo e fechou os olhos, contando até 10 mentalmente.
— Potter… Você deixou um enorme rastro de tinta pela casa — ela disse. — Nunca mais te chamarei para pintar nem meio metro de parede.
— Não foi você quem me chamou, foi o Sirius — Potter respondeu.
— Remus, como aguentou conviver com esses dois por tanto tempo?
— Me pergunto a mesma coisa todos os dias.
— EI! — James e Sirius exclamaram juntos.
— Amo vocês, mas às vezes me tiram do sério, tenho que admitir.
— Como se o nosso Moony não deixasse nós morrendo de preocupação ou estressados também, hm? — James respondeu agarrando o amigo de lado e pulando para bagunçar seus cabelos, fazendo-o curvar-se levemente enquanto ria. — Você é a mente brilhante por trás das melhores pegadinhas.
— Não exagere. Você e Sirius tiveram muitas ideias muito loucas.
— Reconheça o seu talento para travessuras, Moony — ele riu e afastou-se do amigo, partindo para a gestante. — E meu afilhado vai seguir o legado dos Marotos e aprontar muito em Hogwarts! — Abraçou Karina de lado e tocou sua barriga.
— E quem disse que você será o padrinho?
— Se não for eu, Sirius terá sérios problemas. Moony e Wormtail ficam com os próximos.
— Esses próximos dessa barriguinha não virão — ela afirmou veementemente, afastando-se de Potter. — Quero Remmy de padrinho.
Remus arregalou os olhos e negou rapidamente com a cabeça, balançando-a freneticamente, assustado.
— Não, não! Eu sou uma péssima escolha — disse.
— É uma boa escolha — ela rebateu.
— Padrinhos no mundo bruxo é uma coisa muito mais séria que no mundo trouxa, Karrie. Não sou uma boa opção.
— Mas…
— James já é uma ótima escolha e tenho certeza que é o que Sirius quer. Pode esquecer.
Karina encolheu os ombros, um pouco cabisbaixa de repente. Remus sentiu-se mal ao ver o brilho de seus olhos diminuir, mas ele certamente não se arrependia do que disse. Era a verdade. Por que alguém escolheria um lobisomem para ser o protetor de seu filho? Ele era um perigo constante.
— Você é uma ótima opção a se considerar assim como o James, Moony — Sirius disse num tom calmo e carinhoso, sorrindo leve para Lupin.
— Não, não sou.
— Vamos terminar isso logo — Karina disse, pegando a tesoura de volta e tornando a cortar mais mechas do cabelo de Sirius. — E você, Potter, chuveiro.
— Você deixa de ser capitã, mas o espírito de capitã não sai de você.
— Chuveiro.
— Certo, capitã! — James disse em tom zombeteiro, levando a mão até a cabeça e acenando em continência.
Um silêncio se instalou no cômodo, e Lupin sentiu-se um tanto incomodado, embora sempre apreciasse momentos silenciosos. Ele optou por ajudar a limpar a bagunça e o rastro de tinta deixado por James, o que fez rapidamente com acenos de sua varinha.
Quando terminou, preferiu ficar na cozinha comendo um chocolate que havia comprado para si próprio, até Sirius aparecer com seu novo corte e os cabelos limpos. Não estavam tão curtos, apenas não passavam dos ombros como antes, agora batendo pouco abaixo do queixo. Também combinava bastante com ele.
Não importava como estivesse, Sirius sempre estaria bonito. E Remus sentiu seu coração quase falhar ao vê-lo exibir-lhe um sorriso enquanto passava as mãos por entre os fios escuros.
— Não ficou tão ruim, ficou? — perguntou. — Por favor, me diz que não.
— Ficou… Ótimo… — Remus esforçou-se para não gaguejar, enquanto Sirius se aproximava mais.
— Gostei mais do corte do que esperava.
— Eu disse para confiar em mim — Karina disse, adentrando o cômodo logo em seguida já com um vestido limpo.
— Eu confio em você, não confio nos seus hormônios — retrucou Sirius. — Como foi na missão, Moony?
— Tudo bem. Não está havendo grandes movimentações por enquanto — Remus respondeu vagamente.
— Mesmo?
— Está tudo certo.
— Não sei se isso é uma coisa boa ou significa que Voldemort está agindo tão discretamente que não deixa rastros.
— Podemos não falar sobre o lorde imbecil que quer me matar durante o meu aniversário? Gostaria de um dia tranquilo — Karina pediu, enchendo uma xícara de café para si.
— Tudo bem — Remus concordou.
— Merlin, Karina! Largue esse café! — O tom de Sirius mudou para preocupação rapidamente e correu até ela, tirando a xícara de sua mão. — Sabe que não pode.
— É só uma xícara.
— Nada de cafeína.
Karina bufou, fazendo um biquinho frustrado. Sirius jogou fora o café e guardou a xícara, então abraçando os ombros dela.
— Sacrifícios pelo bem do nosso bebezinho.
— Até no meu aniversário?
— Estou cuidando de vocês dois — disse ele e beijou a testa dela. — Moony sabe que estou fazendo certo, não estou?
— Está. Sem cafeína, Karrie — Remus concordou, e ela choramingou dramaticamente.
— Isso é maldade.
— Você queria que o Remus fizesse um de seus deliciosos bolos para o seu aniversário, então substitua o café por toda a massa e cobertura que quiser enquanto ele prepara.
— Eu não lembro de terem me pedido antes — Lupin comentou.
— E precisa? — Karina e Sirius questionaram juntos.
Remus revirou os olhos e já puxou sua varinha do bolso, convocando todos os ingredientes para a bancada. Sirius então deixou-os a sós para ir arrumar e limpar o restante da bagunça que estava a sala de estar e finalizar as demais arrumações.
Seguiu-se um pequeno período de silêncio em que os únicos sons na cozinha vinha de Lupin preparando a massa de um bolo. Karina ficou apenas observando sentada num banco alto por um tempo, até começar a convocar discretamente com a varinha sua querida xícara de volta junto do café.
Remus apenas ergueu os olhos e arqueou a sobrancelha. A gestante encarou-o de volta, bebendo o café despretensiosamente, como se não estivesse fazendo nada de errado.
— Karina Louise Radcliffe.
— Me ajuda com o estresse.
— Você está grávida!
— Uma xícara por dia apenas não fará mal. E tem um bruxinho Black e Radcliffe aqui dentro, ele consegue aguentar um cafezinho.
— Ou eles, se James estiver certo — Remus decidiu provocar e recebeu um dedo do meio erguido em resposta.
— Esse café será o nosso segredinho — disse e bebeu mais um gole do café. Lupin suspirou.
— Apenas essa xícara e nem uma gota a mais, entendeu?
— Entendi, Doutor Lupin — retrucou com um sorriso divertido.
Remus olhou desconfiado, mas logo voltou ao que fazia, ainda atento.
— Sirius está paranóico demais demais com os cuidados — a gestante comentou. Remus riu baixo com a forma como ela repetia a palavra "demais" para dar ênfase a sua fala. — Café é a menor das preocupações dele.
— Com razão. Nunca se sabe o que esperar de você.
— Remmy!
— Sabemos muito bem que a senhorita não faz muita questão de aderir ao repouso recomendado para gestantes — Lupin falou.
— Estou grávida, não doente. Ainda posso fazer muita coisa.
— E está bebendo uma xícara enorme de café nesse exato momento — continuou. — Ele está preocupado com a sua saúde e do bebê. Quer que tudo ocorra bem.
— Eu sei… — ela suspirou.
— Sirius está empolgado para ser pai… Ele não quer que algo aconteça. Está cuidando de você…
— Vocês dois têm feito muito isso desde que Killian foi embora.
Remus parou por alguns instantes, percebendo uma certa tristeza nos olhos de Karina. Sabia que ela tinha ficado muito mal depois de uma terrível briga com o irmão, na qual tanto ele quanto Sirius estavam presentes. Killian nunca mais foi visto.
A guerra estava o assustando demais, não sabiam se realmente fugiu para longe ou foi pego antes por algum Comensal. Karina estava magoada demais com as palavras ditas durante a briga para tentar algum contato e descobrir. Lupin a consolou junto de Sirius e Lily. Ela não possuía mais nenhum outro familiar vivo, já que a tia falecera no final do ano anterior.
— Porque nos importamos com você, Sirius principalmente.
— Eu sei que você me adora tanto quanto… Só que mais como irmão do que pai do meu filho — ela falou e sorriu fraco.
— Não seja tão convencida — Remus retrucou num tom brincalhão e sorriu gentilmente para ela. — Queremos o seu bem. E você também cuidou de mim quando precisei, estou retribuindo o favor.
— Você é um ótimo amigo, Remmy.
— Faço o meu melhor… E querendo ou não, precisa de pessoas ao seu lado cuidando de você.
— Deveria seguir mais os próprios conselhos.
— Não vamos falar de mim.
Karina levantou-se e foi até Remus, abraçando-o de surpresa e começando a falar em irlandês.
— Eu posso até aceitar que cuide de mim, mas você também pode deixar cuidarmos de você.
— Eu não preciso de cuidados — respondeu no mesmo idioma, largando o que fazia e deixando a colher mexendo sozinha na tigela.
— Seja menos orgulhoso.
— Você está me dizendo isso? — riu.
— Eu estou. Nós precisamos de você, e você precisa de nós.
— Karina…
— Não contrarie uma grávida que está fazendo aniversário.
Remus riu e suspirou, somente então retribuindo o abraço dela, com cuidado por conta do volume de sua barriga. Ouviu um grande barulho vindo da sala de estar, mas ignorou, pois era algo rotineiro.
— James e Sirius quebraram alguma coisa.
— Logo Lily vai chegar. Deixamos a bronca pra ela dessa vez.
— Eu ainda vou convencer que você será um padrinho muito melhor que ele.
— Você ficou chateada com o que falei, certo? — perguntou após respirar fundo e afastar-se para encará-la.
Karina pousou ambas as mãos na barriga, comprimindo os lábios e assentindo com a cabeça.
— Vou repetir: sou uma péssima escolha.
— É uma ótima escolha. Sirius também sabe muito bem disso.
— Eu com certeza não cuidaria tão bem desse bebê quanto James e Lily. Essa é a função de um padrinho. Eu… Só o colocaria em risco.
— Isso é mentira. Você é uma das melhores pessoas que conheço.
Remus respirou fundo mais uma vez.
— Eu sou um lobisomem.
— Jura? Céus! Como pude esquecer disso? — ela rebateu sarcasticamente. — Nem lembrava que descobri no primeiro ano!
— Estou falando sério.
— Também estou. Você ter licantropia não muda a pessoa incrível que é.
— Eu não sou bom para isso, Karrie. Seu bebê merece algo melhor.
— Eu sei que você cuidaria muito bem dele.
— Gostaria de ter todo esse seu otimismo.
— Você é incrível, Remmy. Confie quando dizemos isso e que te amamos do jeitinho que é — Karina disse num tom calmo e carinhoso, sorrindo docemente. — Você precisa de nós, e nós de você.
— É difícil discutir com você.
— Porque você sabe que estou certa.
Remus sorriu fraco. Geralmente, ela realmente estava, mas ele não entendia como ela conseguia vê-lo como uma boa opção para cuidar do filho que estava a caminho.
Karina pegou uma colher e começou a comer a massa de bolo quase pronta sobre a bancada, arrancando uma risada leve de Lupin.
— Está bom? — perguntou, e ela concordou com a cabeça.
— Você é um grande cozinheiro, Remmy.
— Enquanto eu termino o seu bolo de aniversário, que tal abrir o meu presente?
Remus pegou o embrulho que trouxe junto das compras. Karina sorriu largo e pegou-o, enquanto Lupin voltava a preparar o bolo.
— Que lindo! — ela disse admirando o suéter azul. — Obrigada, Remmy!
— Imaginei que logo fosse precisar de algo mais confortável para vestir com a barriga crescendo.
— Imaginou certo. Obrigada!
Ela o abraçou e ficou na ponta dos pés para beijar seu rosto.
— Se você se preocupar e cuidar tão bem do meu bebê como está fazendo comigo agora, vai ver que não estou errada em te querer perto dele.
***
20 de julho de 1994
Sirius choramingou dramaticamente enquanto segurava um espelho e via várias mechas de seu cabelo caídas no chão.
— Não ficou tão curto, Pads — Remus disse, deslizando os dedos por entre os fios escuros agora mais curtos do Black.
Não havia se passado muito tempo desde que Lupin chegou do trabalho e encontrou Canis com uma bolsa de gelo na cabeça e deixou Sirius ir descansar enquanto cuidava dos garotos. Ele preparou o jantar e ajudou Therion e Harry a prepararem mais doses de poções para dor.
Quando chegou a hora do jantar e Black desceu, o chiclete embolado em seu cabelo havia aderido tanto aos fios enquanto deitava-se na cama que não restavam muitas alternativas. Os gêmeos e Harry riram e nenhum deles ousou dizer de quem era o tal chiclete.
Até Remus precisou conter a risada antes de pegar a tesoura e cortar os cabelos de Sirius logo após o jantar, enquanto os garotos se banhavam.
— Para minha sorte, você é bom nisso — Sirius falou.
— Muita prática cortando os cabelos dos meninos — disse e olhou na direção dos garotos. Harry e Therion estavam no sofá, e Canopus vinha descendo as escadas. — Querem que eu já corte o de vocês agora?
— Agora eu vou adorar deixar como está — Canopus disse com um sorriso satisfeito, passando as mãos nos cabelos molhados pelo banho recente.
— Vamos testar um novo visual esse ano — Therion completou o irmão, também passando as mãos pelos cabelos agora um pouco maiores que os de Sirius, e voltou sua atenção para o livro que estava lendo.
— E você, Harry?
— Eu… Quero deixar como está — Potter respondeu um pouco hesitante. Seu cabelo também estava mais comprido que o usual, pois fugiu antes do tio arrastá-lo até o barbeiro. Nunca deixavam seu cabelo crescer muito por ser sempre tão bagunçado e difícil de arrumar.
— Tudo bem, então — Remus concordou.
Harry rapidamente sorriu fraco para ele.
Remus guardou a tesoura e recolheu todo o cabelo do chão, levando embora junto da cadeira onde Sirius estava sentado antes para receber o novo corte.
— Ainda quero saber qual de vocês três fez isso — Sirius disse olhando desconfiado para os garotos.
— Vai continuar querendo — Canopus retrucou, jogando-se no espaço livre do sofá com um livro em mãos e colocando suas pernas sobre as do irmão e de Harry.
Sirius observou atento o garoto, percebendo que vestia um suéter azul grande. O livro em suas mãos era grande e possuía várias estrelas na capa escura, com um grande título prateado: O Céu Noturno e Suas Histórias.
— Onde encontrou esse livro, Canis? — perguntou, sentando-se na poltrona ao lado.
— Nas coisas da mamãe que estavam no seu quarto... Corrigindo, quarto do Harry. Eu falei que pegaria tudo dela, você querendo ou não — o garoto respondeu sem desviar os olhos do livro.
— Não estou reclamando. Só… Não lembrava onde tinha guardado — falou. — Ela leu várias vezes para tentar escolher seus nomes.
— E ainda deixou você me colocar o nome do seu tio com significado tão deprimente?
— Vai combinar com você no dia que ninguém mais te suportar e ficar solitário como a estrela do seu nome, Alphard — Therion caçoou.
— O seu foi perfeito para você, Regulus. Um leãozinho meio grifinório fajuto no meio da Sonserina — Canopus rebateu chutando fraco a barriga do irmão.
Therion revidou, esticando-se sobre Harry para alcançar o irmão e bater em sua cabeça com o livro.
— Au!
— Pelo menos não sou tão cabeça-dura.
Canis tentou revidar outra vez, mas ainda havia Harry entre ele e o gêmeo, e o garoto o segurou e empurrou de volta para seu lugar.
— Ei! Eu estou aqui no meio ainda. Podem parar?
Sirius riu baixo com a cena, mas no fundo, sentiu uma pequena pontada no peito ao ouvir Canopus chamando Therion pelo nome do meio. Lembrou-se imediatamente de seu irmão caçula, a verdadeira origem do nome do garoto. Sentia muita falta dele e da época em que ainda eram tão unidos quanto seus filhos.
Ele sabia que mesmo com aquelas pequenas provocações, Therion e Canopus ainda se amavam e eram muito unidos, porque era exatamente da mesma forma com o irmão quando eram mais novos.
— O que foi, Sirius? Ficou estranho do nada — Therion indagou franzindo o cenho, sentindo como o outro havia repentinamente ficado triste e angustiado.
— Nada, só… Pensando — respondeu. Ele encarou os garotos e tentou aproveitar o início do diálogo para continuar a falar com eles. — O que Canis estava querendo dizer com meio grifinório?
— Ah, ele nunca me deixa esquecer que empatei o chapéu durante a Seleção em Hogwarts.
— O chapéu demorou uns 15 minutos para mandar o Therry pra Sonserina — Harry falou rindo baixo. — Rony pensou que ele tinha quebrado.
— Um empata-chapéu? Merlin! — Sirius exclamou admirado e viu Remus retornando. — Por que não me contou que o Theo é um empata-chapéu?
— Nunca surgiu motivo para comentar — Remus disse dando de ombros.
— Foi assustador e humilhante — Therion resmungou voltando mais uma vez a atenção para o seu livro.
— A sua mãe também quase foi empata-chapéu — Sirius comentou. — Moony ficou quase o mesmo tempo, mas não chegaram a 5 minutos. Grifinória e Corvinal. Ela foi para a Corvinal.
— Para a sorte dela — Canis comentou. — Pena que papai foi para a Grifinória, poderia ter um destino melhor.
— Ei! — Sirius e Harry exclamaram juntos.
— Canis, você sabe muito bem que não é bom julgar as Casas — Remus repreendeu-o num tom calmo enquanto se aproximava.
— 80% dos alunos que me atacaram e encheram o saco esse ano eram da Grifinória, então vou julgar sim! O senhor é a única exceção boa daquela Casa… E o Harry, na maior parte do tempo.
Lupin suspirou, balançando a cabeça negativamente. Ele sentou-se no braço do sofá e afastou os cabelos do rosto do filho delicadamente, analisando o machucado na testa. A região agora estava apenas um pouco avermelhada.
Canopus aproveitou-se do momento e deitou a cabeça sobre o colo do pai, aproximando mais o livro de seu rosto para continuar lendo. Remus entendeu o recado e continuou a acariciar seus cabelos.
— Na maior parte do tempo?! — Harry exclamou indignado, mas Canis o ignorou.
— Esse ano, você está sendo um cachorrinho muito bravo — Remus brincou com o filho, bagunçando os fios escuros.
— Não estou, não — ele respondeu. — E não sou um "cachorrinho", tenho mais de dois metros na forma animaga.
— Eu sou um lobo maior que você — gabou-se Therion. — E você é um cachorrinho bravo sim, igual um pincher.
— Pai, cadê minha varinha?
— Não vai azarar o seu irmão.
— Papai, ele está pedindo! — resmungou apontando de forma acusadora.
— Para de drama, cachorrinho pulguento.
— Está vendo?
Remus curvou-se para abraçar o garoto e beijar sua testa, afagando suas costas para segurá-lo enquanto ria. Canopus agarrou-o com um grande bico emburrado nos lábios, como quando fazia birra quando pequeno.
Sirius observou os dois e não conteve um sorriso pequeno, feliz e ao mesmo tempo triste. Aquela era uma cena que imaginava ver sempre quando vivia ali com Lupin e admirava-o enquanto cuidava dos gêmeos com tanto carinho quando eles ainda mal haviam dado os primeiros passos. Ver Remus como parte da sua pequena família… Um outro pai para os garotos.
Remus realmente realizou aquilo, mas em troca, Sirius perdeu a chance de ver aquilo crescendo de perto e criar a mesma relação com os garotos. Doía não poder estar assim com eles, só que não conseguia impedir-se de ficar feliz e sentir seu coração aquecer e encher-se de orgulho e alegria vê-los tendo Remus como um pai.
Karina lhe disse uma vez, pouco antes de morrer, que depositava toda sua confiança em Remus porque sabia que ele cuidaria muito bem dos garotos quando ela não estivesse por perto. Ela dizia saber o quanto a presença dele era importante e essencial, não só para os gêmeos, mas para Sirius também.
Ela estava certa, como sempre.
***
Na manhã do dia seguinte, Sirius acordou bastante pensativo. Como no dia anterior, ele e Remus dormiram juntos no quarto, e acordou antes dele.
E mais uma vez, ficou apenas admirando Lupin dormir tranquilamente.
Os fios loiro-escuros caíam sobre o rosto contra o travesseiro, enquanto ele ressonava baixo e inconscientemente abraçava a cintura de Sirius, como fez durante boa parte da noite. Respirava calmo e devagar, preso num sono profundo e sereno pelo segundo dia seguido graças ao Black. A presença do Black trazia uma calmaria e tranquilidade que seu corpo e sua mente precisavam para um bom e digno descanso.
Sirius também dormiu muito bem graças a ele. Conseguia ter uma noite longa de sono sem precisar assumir sua forma animaga, pois o abraço e o calor de Lupin traziam o conforto e sensação de segurança que necessitava. Sentia-se seguro com Remus como nunca esteve em todos os dias que dormiu sozinho.
Ele levou sua mão até a face marcada por cicatrizes, afastando os cabelos do rosto e acariciando-os devagar e com calma ao mesmo tempo que deslizava o polegar pela bochecha do outro. Foi um ato inteiramente instintivo, levado pelo carinho e admiração em seu peito.
Durante todos aqueles anos em Azkaban, sonhou com o dia que poderia admirar aquele rosto à sua frente mais uma vez, dormindo serenamente enquanto o abraçava pela manhã. Ele estava pronto para ter aquilo todos os dias, para pedir a Remus que sempre estivesse ao seu lado em todas as manhãs, que sempre o abraçasse forte e o olhasse com aqueles belos olhos esverdeados transbordando amor e carinho e dissesse um simples "Bom dia" com a voz rouca de sono que o desmontaria inteiro.
Mas isso também foi arrancado dele no momento em que Peter entregou seus amigos para Voldemort. Ele não só causou a morte de James e Lily e mandou-o para Azkaban… Ele roubou sua chance de ser feliz com uma família que o amava de verdade, construir uma vida ao lado de Remus junto com os filhos.
E depois de tantos anos presos, torturado pelas próprias lembranças, ele não sabia como recuperar o que havia perdido. Tinha medo de tudo acabar outra vez.
Essa dor e medo o impediram de tentar enfim entrar num assunto até então nunca tocado entre ele e Remus desde que se reuniram outra vez. Conversar sobre eles, o que eles tinham, o que estavam construindo antes de tudo desmoronar.
Queria tanto ter outra pessoa para desabafar e conversar. Não poderia falar com Remus agora sendo ele a maior questão no assunto.
As pessoas que mais o apoiavam nesses momentos não estavam mais ali. A única pessoa com quem poderia conversar e sabia que estaria ali para apoiá-lo e aconselhá-lo estava sob um túmulo no cemitério nos limites daquele vilarejo.
— Já acordado outra vez? — a voz rouca e sonolenta de Remus tirou Sirius de seus devaneios.
Sirius sorriu fraco, observando os olhos de Lupin se abrirem e o encararem.
— Tenho um sono leve.
— Sempre teve — retrucou Remus e riu baixo, ainda dominado pelo sono.
— Algumas coisas nunca mudam — disse. Não havia parado com o carinho nos cabelos do outro. — Bom dia, Moony.
— Bom dia, Padfoot.
Remus sorriu fraco e sonolento, admirando a visão que possuía do rosto de Sirius tão próximo pela manhã. O carinho em seus cabelos tornava muito mais difícil expulsar o sono de seu corpo, mas não reclamou, apenas recolheu o braço que abraçava o Black e fechou os olhos por alguns instantes.
O despertador tocou depois de um tempo, lembrando Lupin de que precisava levantar-se para ir trabalhar. Ele então levantou, mesmo que todas as células do seu corpo implorassem para continuar deitado junto de Sirius.
— Não precisa levantar agora. Os meninos só vão acordar mais tarde — disse quando viu Sirius sentar-se na cama. — Eu quem preciso ir trabalhar.
— E eu quero tomar café da manhã com você antes de ir — Sirius disse também se levantando.
Remus conteve um sorriso e desviou o olhar, sentindo o coração bater ainda mais rápido no peito, como frequentemente acontecia estando com Sirius.
Eles tomaram café da manhã juntos, exatamente como no dia anterior, conversando um ao lado do outro. Depois que Lupin saiu para trabalhar, Sirius foi até os quartos dos garotos verificar se estava tudo bem.
Os gêmeos estavam dormindo profundamente em suas camas. Therion estava encolhido sob o cobertor, com o rosto enterrado no travesseiro. Na cama de cima, Canopus abraçava o travesseiro e tinha o livro que estava lendo jogado ao seu lado.
Sirius pegou o livro com cuidado, antes que caísse da cama e deixou sobre a mesa de cabeceira. Observou ao redor do quarto, que além de mais livros do que ele podia contar, também haviam muitas coisas referentes a sua Casa de Hogwarts.
Lembrava-o de seu próprio quarto na Casa Black. Em seu terceiro ano, Sirius lotou o cômodo de tudo que pudesse remeter a Grifinória como forma de provocar os pais que tanto julgavam a Casa para a qual foi selecionado.
Que seus filhos fossem da Sonserina foi uma verdadeira surpresa, mas diferente de seus pais, ele não os julgaria por isso. Não queria ser como eles.
Ele olhou uma última vez para os dois garotos antes de virar-se para a porta. Franziu o cenho confuso ao ver três frascos de poção vazios na escrivaninha de Canis, pois lembrava-se de Remus já ter dado uma para ele antes que fosse dormir e guardado o resto.
Ouviu um murmúrio baixo que o fez olhar de volta para o beliche. Therion havia enterrado ainda mais o rosto contra o travesseiro e se encolhido na cama, levando a mão a cabeça.
— … Theo? — chamou baixinho.
O garoto não respondeu, continuou dormindo. Sirius olhou-o preocupado.
Depois de mais instantes sem mais sinais, resolveu sair, ainda hesitante. Seguiu para o quarto de Harry, que também estava dormindo.
Ele aguardou pacientemente na sala de estar até os garotos acordarem, bastante pensativo. Havia algo que queria fazer, além da preocupação que surgiu sobre o bem estar dos filhos. Preocupava-se demais com eles, mas não sabia como se aproximar, então lhe restava cuidar distante, observando.
Harry foi o primeiro a acordar, sendo seguido por um Therion bastante sonolento. Sirius preparou o café da manhã para eles, que ficaram sentados na sala de jantar à sua espera. Potter acordara com muito mais energia, e puxava assunto com o amigo e com o padrinho na cozinha.
Ambos os Black ficavam felizes em ver Harry tão bem, embora o mais novo estivesse com sono demais para responder com tanta animação quanto queria e apenas sorrisse para ele.
— Dormiu bem, Theo? — Sirius perguntou com um tom levemente preocupado enquanto levava uma xícara de chocolate para o filho.
— Mais ou menos.
— O que houve? — Harry perguntou, imediatamente ficando preocupado. — Pesadelos de novo?
— Dependendo do ponto de vista… — murmurou, dando de ombros e bocejando. — Quando penso que enfim estou tendo boas noites de sono, as lembranças dos dementadores voltam e minha cabeça parece que vai explodir.
— Eu também fui muito afetado pelos dementadores, mas você e Canis… Já fazem meses!
— Dementadores trazem à tona nossas piores lembranças, Harry. Mesmo quando eles vão embora… Às vezes não esquecemos e somos assombrados até mesmo em nossos sonhos — Sirius explicou. — Mentes abertas demais a esse tipo de estímulo são bem mais afetadas.
— Você também tem pesadelos por causa deles?
Sirius apenas assentiu, abaixando a cabeça e não estendendo o assunto enquanto sentava-se junto a eles. Anos afetado por dementadores destruiu sua mente. As duas últimas noites foram as primeiras em que ele dormiu bem em mais de uma década.
Ele viu as olheiras sob os olhos de Therion indicando a noite ruim. Se perguntava o que tanto o atormentava em seus sonhos.
— Que lembranças você tem? — perguntou receoso.
— Coisas demais e alguma muito confusas que me dão dor de cabeça — respondeu vagamente. — Vozes amontoadas, flashes sem sentido, uma senhora estranha gritando um monte de coisa, a voz da minha mãe…
Sirius comprimiu os lábios e não disse mais nada. Sabia muito bem a dor de ser atormentado em pesadelos por lembranças dolorosas.
— Enfim… O que vamos fazer hoje? — o garoto perguntou.
— Mais tarde eu quero terminar o desenho na minha parede.
— Tem um lugar que eu queria ir com vocês, mas… Quando Canis vai descer? — Sirius indagou.
— Ele ainda está dormindo.
Canopus somente acordou duas horas depois, quando o próprio irmão já estava mais desperto, sentado na sala de estar jogando cartas com Harry. Ele desceu as escadas cambaleando sonolento, ainda vestido nas roupas com as quais havia dormido: uma calça de pano cinza e um grande suéter azul que encontrou junto aos pertences da mãe. Os cabelos estavam uma completa bagunça, embolados e apontando para todos os lados.
Ele tropeçou nos próprios pés e apoiou-se no sofá, bocejando e xingando baixo. Estava exausto.
— Bom dia — murmurou baixo e rouco.
— Acho que já podemos te desejar boa noite, Canis — Harry brincou.
— Ele dormiu quando estava amanhecendo e bebeu mais três frascos de poção. Me admira já estar de pé — Therion comentou baixo para Potter, num tom que Sirius não ouvisse. — Bom dia, Canis.
— Acho que hoje eu vou precisar de um café bem forte.
— Eu vou preparar para você — Sirius se ofereceu rapidamente. Canopus não respondeu, apenas jogou-se no sofá.
— Vou querer também — Therion falou.
Sirius concordou e preparou o café, levando até eles.
— Parece que não teve uma noite de sono boa, assim como seu irmão — comentou enquanto o garoto bebia um grande gole da xícara.
— O caso dele é bem mais simples. Ficou acordado até tarde lendo o livro da mamãe sobre estrelas que encontramos — Therion falou, mas não mencionou as poções que tinham o sono como pequeno efeito colateral.
— Bem melhor do que tentar dormir e não conseguir… — Canopus murmurou.
Para ele, ler a noite inteira para evitar pesadelos parecia muito mais fácil.
— Bom, vocês herdaram todo o hábito de leitura dela — Sirius comentou e riu baixo. — Ela leu aquele livro muitas noites durante a gravidez.
— Pelo tamanho desse suéter, devia usar ele nessa época também. Cabe eu e Therion aqui dentro.
— Está certo. Era o favorito dela. Dizia que era bem mais confortável.
Canopus ajeitou o suéter sobre o corpo, apertando as mangas longas demais entre as mãos. Era mesmo bastante confortável, e ultimamente, tudo o que estava precisando era um pouco de conforto que o trouxesse nem que fosse um pouco da sensação de ter a mãe por perto.
Após arrumarem o quarto de Harry, antes de dormir, os gêmeos passaram boa parte da noite vasculhando o que encontraram que pertencia à mãe. Não tiveram muito dela ao longo da vida além de fotos e algumas histórias que Remus contava sobre ela.
— Não sei se vocês sabem, mas hoje se passou exatamente um mês do aniversário da mãe de vocês — Sirius comentou.
— Eu… Não pensei nisso — Therion admitiu, então percebendo que Sirius estava certo.
— Eu e Remus fomos com vocês quando eram pequenos visitar o túmulo no aniversário dela nos dois anos após a morte antes de… Antes de eu ir para Azkaban… Teríamos ido todos os anos se isso não tivesse acontecido.
— O túmulo dela está aqui? — os gêmeos perguntaram juntos.
Sirius assentiu.
— Eu estava pensando em visitar… Hoje… — admitiu com certo receio na voz. Ele sentia que precisava ir, mas ainda tinha um pouco de medo de ir lá após tanto tempo.
— Eu quero ir também — Therion e Canopus falaram juntos mais uma vez.
Eles certamente não se lembravam das vezes que visitaram o túmulo da mãe quando pequenos e nunca mais o fizeram desde então. Nunca pediram a Remus também, embora já tivessem pensado na possibilidade algumas poucas vezes.
— Talvez seja melhor esperar Remus para ir conosco… Mas também quero levar vocês lá.
— Vão se importar se eu também for? — Harry perguntou.
— Claro que não — os três responderam juntos.
Os gêmeos franziram o cenho por alguns instantes. Estavam acostumados a falar ao mesmo tempo, era uma coisa de gêmeo, mas ouvir Sirius também foi estranho.
— Ela seria sua madrinha, então certamente não é incômodo — Sirius completou para Harry.
— Quero comprar flores para levar — Therion disse. — De… De quais ela gostava?
— Violetas! Tulipas amarelas também… mas com certeza violetas eram as favoritas.
— Eu também gosto de violetas — comentou o garoto, sorrindo fraco. — Significam lealdade e modéstia.
— Bem… Lealdade com certeza era um dos pontos fortes dela… Às vezes, eu pensava que até demais.
Karina era certamente bastante leal tanto aos amigos quanto ao que acreditava. Quando tinham sua confiança, ela não abandonava, não importa o que aconteça.
Isso era tanto uma qualidade quanto um fardo doloroso, pois nem sempre essa lealdade era recíproca. Sirius detestava quando ela continuava a confiar em alguém que não parecia merecer.
Por muito tempo, pensou que essa fora uma das razões para sua morte. Talvez realmente tenha sido.
***
— Você tem certeza? — Remus perguntou, encarando Sirius.
Black assentiu com a cabeça, certo daquilo.
Quando Lupin chegou em casa, seus filhos já estavam quase implorando para que também fosse até o cemitério visitar o túmulo de Karina. Foi um pedido bastante inesperado, embora não julgasse que tenha vindo. Estavam de volta a onde viveram com ela em suas últimas semanas de vida, tendo a chance de conectar-se às lembranças dela.
Não sabia se ele próprio estava pronto para ir, mas fazia de tudo pelos filhos… E por Sirius.
Sirius também parecia certo de ir, e ele não questionou. Deveria haver suas razões, mas não insistiria que as dissesse. Era um assunto delicado.
Os gêmeos e Harry já estavam prontos para ir, com violetas em suas mãos. Agora, Therion quem estava vestindo o suéter azul que antes Canis usava, o mesmo que Remus deu a ela de presente em seu último aniversário e que usou durante toda a gravidez. Ver os filhos o usando deixou tanto Lupin quanto Sirius nostálgicos.
Remus respirou fundo antes de pegar outro ramo de flores que havia sobre a mesa de centro na sala. Sirius transformou-se em cachorro e assim todos eles saíram de casa.
Seguiram até o cemitério do vilarejo. Durante todo o percurso, os gêmeos sentiam-se nervosos e ansiosos. Não sabiam exatamente como reagir ou se sentir quando chegassem.
Descobriram muitas coisas sobre a mãe nos últimos dias. Sirius contou-lhes sobre o último aniversário dela, que Therion perguntou como havia sido. Contou sobre a bagunça que ele e James fizeram pintando o escritório e os quartos — com exceção do quarto deles, que ficaria sob responsabilidade de Karina e Remus — e como precisou cortar o cabelo por causa do resultado de suas brincadeiras com o amigo. Harry animou-se por ouvir sobre o pai naquela história. Também mencionou o quanto Karina tentou burlar as recomendações médicas e beber café o dia inteiro; como ela e Remus acabaram completamente sujos de farinha enquanto preparavam o bolo; sobre como ela chorou emocionada quando Lily deu de presente os primeiros sapatinhos dos bebês, e também que na época não sabiam ainda que eram gêmeos. Mostrou uma fotografia trouxa retirada no dia que continuou guardada consigo, uma em que estavam ela, ele e Remus.
Canopus detestava admitir, mas gostava quando Sirius falava de sua mãe, mesmo que não mostrasse tanta empolgação quanto o irmão. Therion ouvia sempre muito atento e fazendo mais perguntas.
Visitar o túmulo agora, seria uma constatação ainda maior de que ela não estava ali. Eles não tiveram a chance de conhecê-la de alguma maneira além de histórias contadas e fotos.
Eles chegaram ao cemitério. Era um campo muito vasto e diferentes trilhas com arbustos e flores levavam até os túmulos. Haviam algumas árvores pelo local, parecendo tão sem vida quanto o ambiente. Uma aura de tristeza dominava o ambiente, era quase impossível não sentir uma grande angústia enquanto caminhavam por ali.
Estava praticamente vazio. Eles avistaram apenas uma pessoa ali, um homem em um grande sobretudo preto que já se afastava para longe apressadamente quando chegaram.
Sirius sentou-se ainda na forma de cão em frente a um túmulo, e os gêmeos engoliram em seco antes de se aproximar. Após alguns instantes, estando apenas eles ali, ele voltou a sua forma humana e permaneceu ali ajoelhado no chão.
Therion e Canopus sentiram uma grande dor no peito ao observar o túmulo, onde estava depositado um ramo de violetas brancas. Era uma sensação difícil de descrever, muitas emoções juntas envolvidas.
Remus entregou a Sirius as flores que segurava, também sentindo um aperto angustiante no peito. Faziam muitos anos que não visitava o local e estar ali de novo trazia muitas lembranças dolorosas. A última vez que visitou o túmulo foi no dia que deixou Rowen's Valley com os filhos, numa despedida triste com um grande sentimento de culpa.
Sirius observou a lápide a sua frente, deixando as flores arroxeadas sobre o túmulo. As lágrimas surgiram em seus olhos e começaram a cair como uma cachoeira enquanto lia as marcas na pedra cinzenta.
KARINA L. RADCLIFFE
21.06.1960 – 17.02.1980
Os gêmeos encararam o nome da mãe na lápide e foi impossível que as lágrimas também não deixassem seus olhos. Eles nunca mais haviam visitado aquele túmulo desde que Remus os levou embora de Rowen's Valley anos atrás. Nem mesmo se lembravam da última vez em que estiveram ali.
Lupin sentia-se um pouco mal por nunca tê-los levado lá novamente nos últimos anos, porém a dor de visitar aquele lugar com todas as lembranças era demais para ele suportar. Tentou fazer o melhor mantendo a lembrança dela viva nos garotos, para compensar. Nunca escondeu a grande mulher que ela foi e todos os sacrifícios que fez para dá-los um futuro melhor longe da Guerra.
E eles reconheciam isso. Estar ali apenas os faziam pensar em tudo que já ouviram sobre ela, como era forte e determinada, inteligente, sempre pronta para entender as pessoas e suas histórias e ajudar os amigos.
Foi uma grande dor para eles olhar para aquelas datas e então cair a ficha de que não chegaram a passar nem dois meses completos ao lado dela, e que Karina tinha apenas 19 anos quando se foi.
Dezenove. Apenas dezenove.
Tão jovem e fez de tudo para lutar numa guerra por sua família. Ela se sacrificou pensando no bem deles.
Canopus ficou de joelhos no chão, ao lado de Sirius, enquanto Therion buscava os braços de Lupin e abraçava-o forte, chorando em seu peito.
Harry decidiu ficar ao lado do padrinho, tentando consolá-lo e transmitir um pouco de conforto. Ele também olhou para o túmulo e para os amigos, entendendo um pouco de sua dor. Também sentia muita falta dos pais, mesmo que também não se lembrasse deles.
Percebeu, então, que nunca havia visitado o túmulo deles. Parecia egoísta pensar que talvez quisesse também visitá-los enquanto os amigos sofriam naquele momento, por isso guardou esse pensamento para si até outra ocasião.
— É estranho vir aqui depois de tanto tempo — Sirius murmurou.
— Eu sei… — Remus murmurou logo em seguida, com os olhos marejados.
— Pensar na morte dela era uma das piores torturas que os dementadores causavam quando eu estava em Azkaban.
Lupin conseguia imaginar o quão difícil era. Ele viu de perto e sofreu junto de Sirius a dor da perda, viu o quanto aquilo o destruiu.
Pensava o que poderia ter acontecido se ele tivesse conseguido salvá-la. Talvez ela teria descoberto que Peter era um Comensal antes de tudo ou ajudasse a derrotá-lo quando foi enfrentá-lo. Ou então, mesmo que ele acabasse tendo o mesmo fim em Azkaban, ela pudesse ser o apoio que Remus precisou durante todos aqueles anos sozinho com os garotos.
O que ela diria vendo o pequeno caos em sua mente e os conflitos internos que tinha atualmente. Ela com certeza o aconselharia, como sempre fez desde que se aproximaram no sétimo ano.
— Eu queria não ter chegado tão tarde… — lamentou Sirius.
— Não foi sua culpa…
— Eu sei, mas… Se eu tivesse insistido mais para ela continuar em casa, para não ir atrás… Ou se eu tivesse sido mais rápido...
— Como ela morreu? — Canopus perguntou de repente.
— Canis… — Lupin começou a falar, mas foi interrompido.
— Você nos disse que os seguidores de Voldemort foram os responsáveis, mas nunca como aconteceu exatamente… — insistiu.
— Queremos saber — Therion completou a fala do irmão, com a voz falha.
Remus mordeu o lábio inferior com força, não conseguindo mais conter suas lágrimas. Ele tentou poupá-los de todos os detalhes daquela história. Saber que ela morreu lutando pelo bem deles parecia ser o bastante. Não queria que sofressem pensando em tudo que aconteceu.
Sirius olhou em sua direção. Eles trocaram um longo olhar dolorido, carregado de tristeza. Continuaram em silêncio por demorados instantes que pareceram horas para os garotos, uma conversa que não precisava de palavras para ser compreendida.
— Foi tão ruim que vocês não querem nem falar? — Canopus questionou, sem desviar o olhar do túmulo. — Aguentamos a verdade.
Remus e Sirius continuaram em silêncio.
O Black possuía um enorme nó em sua garganta. Pensar naquele dia era extremamente difícil. Um de seus maiores pesadelos. Não conseguia sequer colocar em palavras.
— Um Comensal da Morte matou ela, não foi? — Therion perguntou, mesmo que já soubesse a resposta. Ele olhou no fundo dos olhos de Sirius e soube que a resposta era afirmativa.
— S-sim…
— Por que ela era nascida-trouxa?
— Porque ela sabia demais… — Remus respondeu.
Sirius olhou de volta para a lápide, respirando fundo. Concordavam que eles mereciam saber a verdade e precisavam contar.
— Durante a Guerra, existia uma organização chamada Ordem da Fênix, criada por Dumbledore para lutar contra Voldemort a parte do Ministério. Haviam comensais infiltrados, e ele sabia que estavam mais interessados em parecer que faziam algo do que realmente agir contra Voldemort, porque todos temiam ele — Sirius começou a contar, com a voz embargada e o rosto ainda sendo banhado pelas lágrimas. — Nós fazíamos parte dela, James, Peter e Lily também. Karina era uma aliada e espiã de dentro do Ministério. Ela entrou para o Departamento de Execução das Leis da Magia e conseguiu o cargo de assistente do chefe do departamento, então… Ela conseguia ter informações sobre quase tudo.
— Inclusive de quem eram os Comensais infiltrados — Remus completou.
— Voldemort tentou recrutá-la… A mim, James e Lily também. Até mesmo ele reconhecia o quanto elas eram bruxas geniais. Mas todos nós recusamos.
Tanto os gêmeos quanto Harry encararam Sirius surpresos. Era inacreditável que Voldemort realmente tivesse tentado levá-los para o seu lado.
— O senhor também? — Therion perguntou a Remus.
— Não exatamente. Muitos lobisomens se aliaram a ele… Eu retirava informações do lado deles… E já tentaram me recrutar para o exército do… Do... — Remus parou a frase no meio do caminho, o nome preso em sua garganta.
Ele sequer conseguia pronunciar o nome daquele lobo asqueroso.
Fechou os olhos com força, espantando seus pensamentos sobre aquilo. Não era o momento para se atormentar com aquilo.
— Nenhum de nós aceitou — Sirius reafirmou e presseguiu, percebendo o estado de Remus. — Karina continuou no Ministério como espiã da Ordem. Ela já estava dando um certo trabalho para o Voldemort, interceptando muitos de seus planos e lutando contra muitos comensais… Então ela se tornou um grande alvo.
Sirius olhou para Harry, um tanto receoso.
— Ela sabia tudo o que Voldemort queria para matar você, o que poderia derrotá-lo.
Harry engoliu em seco.
— M-mas… Ela morreu antes que eu nascesse.
— Voldemort já estava atrás de você e seus pais desde que sua mãe ainda estava grávida. Karina tinha informações e conhecimentos que outros membros da Ordem não tinham.
Sirius omitiu uma parte muito importante naquela informação, pois não sabia se deveria comentar agora. A parte sobre as profecias.
Com certeza não estava em condições de explicar aquilo.
— Eu pedi que ela continuasse em casa quando estava terminando o tempo de resguardo, mas... Ela era incrivelmente teimosa e orgulhosa — continuou, rindo baixo com a lembrança desse pequeno aspecto dela. — Queria trabalhar a qualquer custo e já havia começado algumas tarefas menos de um mês depois que deu a luz.
— Então, um dia ela saiu de casa para uma missão que não quis dizer o que era ou para onde iria. Se despediu de vocês e os deixou dormindo... Me pediu para cuidar de vocês até ela voltar, mas... — Remus dizia.
— Não voltou — os gêmeos concluíram.
— Quando a encontrei, já era tarde demais. Ela foi capturada... Torturada... E depois Voldemort deu a ordem a um Comensal para matá-la.
Sirius fechou os olhos e respirou fundo, enquanto as lágrimas continuavam a escorrer. Lembrou-se da grande dor que sentiu e o desespero que sentiu ao ver Karina já morta e estirada no chão, coisa que se repetiu no ano seguinte quando vou James morto ao pé da escada.
Duas vezes Sirius chegou tarde demais para salvar uma pessoa que amava e encontrou apenas um corpo sem vida. Ele falhou em salvá-los.
— As vezes acho que ela sabia — Remus murmurou baixo. — Sabia que não sobreviveria a guerra.
— Eu odiava quando ela dava a entender isso... Por que ela sempre tinha que estar certa?
Therion enfim afastou-se de Remus, sentando-se em frente ao túmulo ao lado do irmão. Ele abraçou o gêmeo e chorou junto dele.
Ao fechar os olhos, ele pôde ouvir outra vez a voz da mãe se despedindo, da mesma forma que vem ouvindo em seus sonhos. Era doloroso demais pensar que ela sabia que não voltaria.
Um longo silêncio se estendeu. Remus ajoelhou-se atrás dos filhos, aconchegando-os em seus braços.
Um miado chamou a atenção de Canopus. Ele ergueu a cabeça e viu sobre o topo da lápide um gato preto de grandes olhos azuis de um tom mais acinzentado. Para alguns, seria um mau presságio, para ele, um pouco de consolo.
Chamou a atenção do animal, e quando ele chegou ao chão logo o trouxe para seus braços. Acariciou os pelos do felino e voltou a encarar o túmulo, tendo um certo alívio em seu coração ao sentir o calor do gato. Estar com animais sempre foi muito calmante para o garoto.
Remus sorriu fraco, secando as próprias lágrimas e beijando a lateral da cabeça dos dois garotos.
— Demorou para começarmos a realmente conversar e nos dar bem, mas... Ela me ajudou muito mais do que eu pensava precisar — Sirius disse.
— Ela sempre sabia exatamente como ajudar quem precisava.
— Vocês não tiveram a chance de conhecê-la, mas saibam que a sua mãe era uma garota incrível e genial... E também há muito dela em vocês.
Sirius encarou os garotos, tentando falhamente secar suas lágrimas.
— Vocês têm o sorriso dela...
— E a força e genialidade que a tornou uma bruxa tão poderosa — Lupin completou, abraçando-os forte.
— Gostaria de ter conhecido ela também — Harry disse. Os olhos dele também estavam marejados e uma pequena lágrima escorreu por seu rosto.
— E ela também adoraria ter te conhecido, Harry — Sirius falou. — Ela apoiou muito Lily durante a gravidez enquanto estava viva... Perdê-la também foi muito difícil para sua mãe... Por isso nunca nem cogitou pensar em uma madrinha para você.
Harry abraçou o padrinho, que retribuiu quase imediatamente. Os gêmeos continuaram nos braços de Remus, Therion deitando a cabeça em seu peito enquanto chorava, e Canopus encolhido, agarrado ao gatinho que encontrou ali.
Os cinco permaneceram ali, em silêncio, todos juntos, como uma família reunidas lamentando a perda de um ente querido.
Isso é o que eles realmente eram agora. A cada dia com pequenos momentos desde tristes como aquele aos mais alegres se mostravam assim.
***
Sirius observou sentado no tapete com as costas contra o sofá Remus se aproximar e sentar-se ao seu lado. Toda a casa estava completamente escura, com exceção da pequena luz que vinha de um abajur no aparador ao lado do móvel.
Ele abraçava as próprias pernas, parado em frente a lareira apagada. Quando Lupin parou ao seu lado, encarou-o e percebeu que ele estava bastante pensativo, embora não compartilhasse seus pensamentos. Ele próprio também estava, embora também muito mais leve e aliviado comparado àquela manhã.
— Não está chateado que os meninos queiram ficar comigo essa noite e tenha que dormir aqui, não é? — perguntou.
— Não, entendo eles. Já dormiram?
— Como bebezinhos. Harry também já pegou no sono.
Remus havia acabado de deixar os filhos em sua cama, os dois dormindo calmamente depois que ficou ali com eles aguardando que adormecessem. A visita ao túmulo da mãe deixou-os abalados. Não conseguiu negar quando pediram para dormirem consigo aquela noite.
Percebeu como a visita também teve muito efeito em Sirius. Black ficou mais tempo por lá, sozinho no cemitério, mesmo que ele temesse que fosse perigoso. Esperou bastante ansioso até ouvir os uivos e latidos pedindo para abrir a porta.
— Como se sente agora? — Lupin perguntou.
— Muito bem, eu acho. Eu precisava fazer isso.
Remus comprimiu os lábios, encarando-o atento.
— Sente muita falta dela?
— Sim, muita — respondeu Sirius. — Principalmente de poder conversar com ela. Me ajudava muito a me sentir menos perdido quando entramos para a Ordem. Queria poder falar com ela sobre tudo que estou sentindo agora.
Lupin não disse nada, apenas permaneceu ao lado do Sirius, que olhou-o nos olhos e segurou sua mão. Tentou disfarçar ao máximo o quanto aquilo o afetava.
— Eu precisava fazer isso para pensar. Talvez refletir o que ela diria pra mim, o que eu deveria fazer — falou. — Depois que ela morreu, você quem mais esteve ao meu lado e dos meninos.
— Vocês precisavam...
— Você nunca nos deixou... Éramos uma família...
Sirius apertou a mão de Remus, que desviou o olhar ao pensar naquela época. Lupin também estava sentindo que estavam construindo uma família, uma vida só deles.
Em sua última missão antes do fim de tudo, ele só conseguia pensar em voltar para casar e abraçar Sirius com todas as suas forças, se dar uma chance de ter aquela família, um futuro.
— Mas você já era importante pra mim desde antes de ela ir, e ela me ajudou a ver isso — Sirius confessou. — Tudo que aconteceu depois que você veio morar comigo e os meninos, Moony...
— Sirius, você quer mesmo falar sobre isso? — Remus o interrompeu, soltando a mão do outro e virando o rosto. Sua voz transbordava hesitação.
— Você não pensa nisso?
Ah, Remus pensava. Pensava demais. Muito mais do que deveria, e isso foi exatamente o que o corroeu por dentro durante 12 anos inteiros.
— Você não tem a menor ideia, Sirius... É exatamente por isso que eu me senti tão horrível quando foi preso.
— Foi muito difícil te perder naquele dia...
— E foi muito pior pensar que você só estava brincando comigo e me enganando o tempo inteiro — Lupin retrucou sem encarar Sirius.
Black não conseguia imaginar o que Remus teria sentido, mas doía saber que ele chegou a pensar isso. Que nada do que aconteceu foi real, apenas um plano seu para se divertir e distrai-lo enquanto trabalhava para o lado inimigo.
— Eu nunca faria isso com você, Remus.
— Mas também não sei exatamente o que pensava sobre tudo.
— Eu não me arrependo de nenhuma das vezes que te beijei.
Remus paralisou, comprimindo os lábios e enfim voltando a focar seus olhos nas orbes acinzentadas de Sirius. Um longo silêncio instaurou no cômodo enquanto eles se entreolhavam.
Os olhos de Black possuíam um brilho apaixonado e saudosista ao olhar para Lupin. Um sentimento que foi apenas crescendo durante todo o tempo convivendo juntos e que não foi destruído pelos anos preso.
Nem mesmo naquela época eles conversaram profundamente sobre aquilo. Sobre quando se beijaram no aniversário de 21 anos de Remus, ou quando mais uma vez ocorreu dois meses depois enquanto Sirius cuidava de Lupin após a lua cheia, nem sobre o que houve antes de Remus sair em uma última missão antes do fim daquela guerra.
Ambos ficavam apavorados com a possibilidade disso arruinar tudo, ao mesmo tempo que não conseguiam resistir.
Agora, após tantos anos, tanto sofrimento, nem sabiam exatamente como conversar sobre.
— Eu realmente queria que tentássemos de verdade quando você voltasse daquela missão — Sirius falou.
— Isso era tudo que eu conseguia pensar antes de voltar... Mas então aconteceu o que aconteceu e eu só consegui pensar no quanto eu tinha sido tolo ou que só fui usado como um substituto temporário para ela.
— Você nunca substituiu ninguém para mim, Remus.
Os olhos de Lupin ficaram marejados. Aquela sempre foi uma de suas maiores inseguranças em relação ao que sentia sobre Sirius.
— Você sempre teve um espaço no meu coração e o que estávamos construindo... Era um novo recomeço. Karina sempre vai ser uma parte importante da minha vida, mas... Ela não é tudo. O que tivemos não me impede de seguir em frente — Sirius continuou. — Agora, o meu maior problema é que não sei como recuperar o que vivemos. Eu quero o que tínhamos de volta, mas... Mas depois de tudo...
— Nunca vai ser igual...
— É... Mas eu preciso de você — disse com uma lágrima escorrendo por seu rosto.
—
E eu de você...
Sirius segurou o rosto de Remus delicadamente entre suas mãos e secou as lágrimas que escorreram por sua pele, enquanto o outro fazia exatamente o mesmo consigo. Os olhos fixos um no outro, sentindo os corações baterem forte no peito.
— Você é tudo pra mim, Moony... E eu não quero te perder também, porque você sempre foi importante na minha vida... Sempre.
— Eu não sei o que fazer, tenho tanto medo...
— Eu também...
Eles juntaram suas testas uma a outra e assim permaneceram, expondo inúmeros sentimentos guardados por muito tempo. Dores instaladas que enfim eram libertas através de suas lágrimas.
Os dois tinham medo de perder um ao outro mais uma vez, mas também de tentar algo com todas aquelas emoções dentro deles. Estavam quebrados demais.
Quando seus olhos se encontraram mais uma vez, eles mantiveram os rostos muito mais próximos, os narizes se tocando enquanto podiam sentir o perfume um do outro. Eram tantos sentimentos acumulados e guardados dentro deles que era quase impossível suportar.
Eles deram as mãos, entrelaçando seus dedos, e Sirius prosseguiu acariciando o rosto de Remus, como fazia de manhã enquanto o admirava.
— Podemos ir... Aos poucos?
— Isso não é fácil, Sirius.
— Eu sei... Eu sei que não é...
Remus mordeu o lábio com força, não desviando os olhos dos de Sirius nem por um único instante.
— Reconstruir nossa família um dia de cada vez... — murmurou.
— Lua por Lua, hm? — Sirius disse.
Ali Lupin desabou e abraçou o outro com força. Black retribuiu imediatamente, apertando os braços ao redor de Remus, e beijando seu rosto com carinho.
É, eles estavam quebrados, o que construíram havia ruído, mas eles reconstruiriam de novo. Um passo de cada vez, sem pressa. Eles aproveitariam o tempo que tinham.
Karina havia sido importante e tido seu papel na vida dos dois. Sirius certamente nunca a esqueceria, mas sabia que ela sempre esperou o melhor para os dois, e ela sabia que o melhor para ele era ter Remus por perto.
Ela sempre sabia, ela sempre estava certa.
E onde quer que ela esteja naquele momento, ela está sorrindo para Remus e Sirius e torcendo por eles, pois nunca foi uma pedra no caminho para a relação dos dois, apenas uma importante passagem em suas vidas, para sua família.
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Olá, meus amores!
Tudo bem?
Enfim retorno com um capítulo um pouquinho triste, mas bastante especial.
Eu quis dedicar esse capítulo para mostrar como era a mãe dos gêmeos e sua relação com o Sirius e com o Remus e apresentar mais detalhes sobre ela, além de ela ser a chave para essa conversa final que significa um grande passo para Wolfstar. Tentei explicar um pouco como o Sirius se sente com relação a ela e ao Remus também.
Karina está muito feliz em ver eles juntos, onde quer que esteja.
Ela sempre vai ser importante, mas não é um impedimento para que nosso Wolfstar seja feliz com sua família que ela ajudou a criar 🥺🥺
E calma, sei que vocês estão implorando por um beijinho deles, mas garanto que ele logo, logo virá!
Sobre os flashbacks: Eu tentei como pude representar o sotaque da Karina e do irmão na construção de algumas falas (porque pode ser um pouco diferente entre inglês britânico e inglês irlandês). Pesquisei MUITO sobre o sotaque irlandês e tentar traduzir da melhor forma possível, então se houve estranheza nas falas dela ou do irmão, é proposital.
Logo, logo ainda teremos mais att para aquecer o coraçãozinho de vocês 🥺🥺
Espero que tenham gostado do capítulo! Não esqueçam de comentar bastante, okay?
Até a próxima!
Beijinhos, bye bye 👋😘
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