XLV. Counterpoints
Draco sempre ouviu de seu pai que um Malfoy nunca chora. Um Malfoy nunca demonstra fraqueza, em hipótese alguma. Chorar era uma forma de mostrar fraqueza.
Ele se perguntava como não chorar quando alguém tão importante da sua família ia embora. Como seu pai conseguia não chorar quando o próprio pai dele havia falecido? Já esperar que isso acontecesse mais cedo ou mais tarde não impede que a dor esteja lá.
Talvez a questão seja esconder tão bem que nem pareça que está sentindo algo... Ou realmente não se deixar sentir.
Seu avô disse que ele e seu pai choraram apenas uma única vez: quando Elmeera se foi. Logo em seguida, agarrou seu braço e disse firmemente para que Draco nunca demonstrasse essa fraqueza. Ninguém deve ver o quanto você se importava. Isso o tornaria fraco.
Draco tinha 8 anos quando ele disse isso.
Bem… Então ele era fraco, porque não conseguia se impedir de chorar.
Abraxas provavelmente já esperava partir muito em breve, pois passou os últimos meses e dias deixando bem claro o quanto era importante que Draco perpetuasse o legado Malfoy, que ele era o herdeiro de tudo e deveria se portar e ser reconhecido como tal.
Ganhou o medalhão na véspera de sua partida para a Copa Mundial. Um último presente.
— Eu não sei se ainda estarei aqui quando você voltar da Copa Mundial — Abaraxas falou, a voz fraca.
Ele estava deitado em sua cama, como tinha estado há vários meses, a pele esverdeada como consequência da Varíola de Dragão. Os cabelos loiros estavam muito ralos, as rugas marcadas, olheiras profundas, o corpo muito magro e repleto de bolhas, feridas e manchas. Abraxas estava longe de aparentar a imponência que tivera um dia e que o neto tanto admirava.
Draco não poderia ficar muito tempo, pois era uma doença bastante contagiosa. Os medibruxos deixavam-no ficar por alguns minutos, desde que não se aproximasse muito. Costumava ler e comentar sobre a escola para que o homem não se sentisse tão solitário com o isolamento por conta da enfermidade.
O garoto não respondeu ao avô. Permaneceu quieto, sentado em uma cadeira de encosto alto com um livro no colo. O livro fora um presente dele quando era criança, uma antologia de contos bruxos que dizia ser o favorito de sua avó.
— Mesmo que esteja, sei que não tenho muito tempo — continuou Abraxas. — Você sabe o que significará minha partida, Draco.
Draco apenas assentiu com a cabeça.
— Isso confirmará você como o único herdeiro Malfoy. Ao menos, será até que se case e perpetue nossa linhagem.
— Não acho que vá acontecer tão cedo, vovô — Draco falou baixo.
Ele queria, claro. Um dia se casaria e teria filhos. Porém, não via como um futuro tão próximo.
— Infelizmente, não poderei vê-lo se tornar o grande Malfoy que está destinado a ser, mas você está no caminho — lamentou. — Continue firme. Esse é o seu dever, Draco. Você é o futuro do legado dos Malfoy.
Draco abaixou a cabeça e apertou o livro em suas mãos, assentindo. Ele já havia ouvido aquela frase tantas vezes que quase conseguia sentí-la gravada em brasa em sua mente.
— Não abaixe a cabeça, Draco — Abraxas repreendeu-o num tom mais firme. — Um Malfoy nunca abaixa a cabeça.
— Desculpa — disse e ergueu a cabeça novamente, voltando os olhos para o avô.
— Mantenha sempre a cabeça erguida e siga o seu caminho, sem desvios.
— Sim, vovô.
— Chegue mais perto, Draco.
— Desculpa, vovô, mas não posso. Essa é a distância mínima indicada pelos medibruxos.
— Aproxime-se, Draco. É uma ordem de seu avô — ordenou sério.
Draco engoliu em seco e hesitou. Não queria enfrentar os riscos, mas também não queria contrariar o avô. Ele nunca o contrariava.
— Draco.
— E-está bem…
Relutante, ele ficou de pé e deixou o livro sobre a cadeira. Aproximou-se da grande cama onde Abraxas estava sob cobertas verdes, quase do mesmo tom de sua pele no momento. Caminhou até achar que estava perto o bastante para a satisfação dele, mas a uma distância ainda segura.
— Pegue a caixa que está na gaveta. Não se preocupe, já não a toco há muito tempo. Guardei-a justamente para você.
Draco obedeceu e pegou a caixa de veludo preta na gaveta da mesa de cabeceira repleta de frascos de poções. Olhou por alguns instantes para o avô e então a abriu, curioso.
Reconheceu imediatamente a jóia ali. Era o medalhão com o brasão de sua família, brilhando radiante na mais reluzente prata. Seu avô estava sempre o usando, desde que podia se lembrar, até que adoeceu e ficou de cama. Estava na família há muitas gerações.
Seus olhos encararam o objeto por um longo tempo, a frase gravada, lema de sua família, ecoando em sua mente.
— Sanctimonia Vincet Semper — recitou Abraxas.
— Pureza sempre conquistará — Draco murmurou de volta, erguendo os olhos para o avô.
— Este é o legado da família, Draco. Desde nosso primeiro ancestral a chegar à Grã-Bretanha vindo da França e sua conquista de nossas terras, nós estamos no centro da sociedade bruxa. Somos uma das famílias mais antigas de puro sangue mágico, um dos pilares do mundo bruxo britânico — Abraxas prosseguiu. — É seu dever manter nossa história viva.
— Eu sei…
— Seu pai é o único herdeiro que tive. Ele honra nossas tradições e sempre esteve no caminho certo, nunca me decepcionou. Nunca me deu motivos para me preocupar.
O olhar de Abraxas tornou-se frio por alguns instantes enquanto falava e não se direcionava ao neto. Seguiu-se alguns momentos de silêncio antes que ele olhasse novamente para Draco.
— Assim você também deve ser. Você é o único herdeiro de Lucius, assim como ele é o meu.
Draco não disse nada.
— Guarde bem esse medalhão, Draco. É meu último presente para você.
— Mesmo? — indagou surpreso.
— Ele é o símbolo de nossa família. Mantenha-o sempre perto como uma lembrança do seu dever, do seu legado — respondeu. — Agora é seu. Você levará nossa família adiante.
Draco tirou o medalhão da caixa e ficou em silêncio, admirando o objeto. Parecia leve e ao mesmo tempo incrivelmente pesado, carregando todo o peso do legado dos Malfoy. Esperava que ficasse para seu pai após a morte do avô, não para si.
As palavras de Abraxas ecoaram por sua cabeça. Ele era o único herdeiro, assim como Lucius era. O legado da família estava em suas mãos.
— Obrigado, vovô — disse baixo.
— Lembre-se: Sanctimonia vincet semper. Você é a minha esperança para o futuro dos Malfoy, Draco.
Draco respirou fundo, sentindo o peso daquela frase recair em seus ombros. Às vezes sentia que não conseguiria suportar tamanha responsabilidade. Ele poderia realmente ser como Lucius algum dia?
Tudo o que ele fazia nunca parecia ser o suficiente para o pai.
Ele tinha notas entre as maiores da turma, mas se não era nível perfeito acima de qualquer outro aluno, precisava se esforçar mais, pois ninguém poderia estar acima dele. Estava quase sempre perto de amigos de famílias importantes e filhos de velhos amigos de seu pai, como Crabbe e Goyle, mesmo não gostando tanto deles, ou Nott, por quem tinha um pouco mais de apreço pela convivência constante no dormitório. Agia, na maior parte do tempo, como Lucius esperava que ele agisse.
Seus pais o amavam, ele sabia. Raramente lhe negavam pedidos e sempre o regaram dos melhores presentes. E ele os amava mais que tudo. Porém, as vezes sentia que não fazia o suficiente por eles, porque sempre esperavam mais.
O mesmo com seu avô. Abraxas o mimou como um príncipe Malfoy, seu único neto, mas conseguia ser tão exigente quanto Lucius.
Quando seus feitos os agradavam, ele era agraciado e recebia elogios orgulhosos. Mas quando cometia algum erro era duramente julgado. Fazia o melhor para orgulhá-los.
Não era fácil.
Sempre seguir o caminho Malfoy. Sem desvios.
Sem desvios.
Sem desvios.
Draco se desviou muito do caminho no momento que decidiu alertar Canopus e o salvou naquele ataque. Seu pai brigou consigo em busca de explicações quando soube por seus amigos que foram atacados por ele.
— Eu não sabia quem eram — falou. Ele realmente não sabia exatamente quem eram, estava um caos. Porém, identidades fora a sua e de Canis não eram importantes naquela questão.
— Não importa, Draco! Você os atacou e defendeu um dos mestiços imundos do traidor de sangue Black! POR QUÊ? — Lucius questionou furioso num tom elevado, apoiado em sua bengala.
Draco engoliu em seco e permaneceu parado com as mãos nas costas. Ele não sabia.
Na verdade, sabia, sim. Ele não queria ver Canopus morto.
Mas essa não era uma resposta que agradaria seus pais ou ao seu avô, ainda vivo e acamado, porém a par de tudo por Lucius.
— Ele me salvou naquela maldita detenção no primeiro ano, apenas retribuí o favor. Os Malfoy sempre cumprem suas dívidas — respondeu o mais firme que conseguiu, mantendo uma expressão neutra no rosto, embora tremesse por dentro. — E… Isso o fez confiar em mim.
Canopus com certeza não confiava nele, mas Lucius não precisava saber disso. Ele e sua mãe o ensinaram a mentir muito bem.
— E o que a confiança dos filhos do traidor valem para nós, Draco?
— Informações? O senhor sempre me disse para estar informado sobre o que acontece em Hogwarts e fora dela, como faz com o Ministério. — Deu de ombros. — Ele é o melhor amigo do Potter. Algum dia isso pode ser útil. Harry Potter não confia em mim, mas confia cegamente nos Black. Uma conexão paralela as vezes pode ser tão eficaz quanto uma direta, não?
Ele precisou de muita conversa até acalmar o pai e fazer seu erro parecer vantajoso de algum ponto. Usou exatamente tudo que ele havia lhe ensinado, como convencer a acreditar no que ele queria.
Abraxas não poupou comentários quando Draco foi visitá-lo. Ele sabia tudo sobre a família Black e criticou-o por sua atitude.
— Aqueles não são mais legítimos Black — resmungou. — Malditos mestiços. Meus amigos Orion e Walburga se reviram no túmulo ao ver onde foi parar o legado de seu nome.
— Eles são o que restou dos Black, infelizmente.
— Sirius Black arruinou a família. Quem dera ele fosse mais como o irmão foi um dia, pois Regulus, sim, foi um legítimo Black até ser influenciado por suas ideias que o levaram a morte! — continuou. — E ainda possuem contato com lobisomens, parte da pior escória do mundo bruxo.
Oh, chegou nos lobisomens. Draco tentou permanecer calmo com as péssimas lembranças que ainda tinha.
— Lobisomens não são confiáveis, eles destroem vidas e famílias. São sujos e traiçoeiros. Nunca confie em um lobisomem, Draco, principalmente aqueles que se fazem de bruxos legítimos. Você quase foi morto por um! Um que o louco Dumbledore ousou colocar na escola. Ultrajante!
Draco ficou em silêncio. Seus pais e o avô nunca desconfiaram de sua empreitada junto de Therion, Harry, Merliah e Hermione para resgatar Sirius. Sequer queria imaginar o que teriam dito se soubessem. Na pior das hipóteses, certamente seria castigado.
Ele também ainda não sabia exatamente o que pensar sobre Lupin. Por um lado, ele era um lobisomem. Quase matou Canopus naquela lua cheia, poderia ter atacado a Draco e aos outros. Por outro…
Não entendia como era possível que os gêmeos Black amassem tanto uma criatura das trevas, por mais que tenham crescido ao seu lado. Assim como não entendia como um ser cruel poderia se mostrar sempre tão gentil e carinhoso com aqueles garotos pelos corredores.
Todos em Hogwarts poderiam ver. Canopus e Therion faziam questão que todos soubessem que Remus era seu pai. E durante todo aquele ano letivo, quando os garotos eram vistos juntos de Lupin, ele parecia apenas um pai amoroso com seus filhos, embora também nunca tivesse facilitado para eles ou privilegiado nas aulas por seu parentesco. Até mesmo Draco conseguia ver isso.
Ainda se lembrava do aniversário dos gêmeos e como Canopus ficou feliz com o presente que ganhou e pulou nos braços de Lupin, gritando em alto e bom som o quanto ele era o melhor pai do mundo. Remus ficou o tempo todo ao lado deles, vendo todos os presentes e conversando.
E então, meses depois, Lupin adentrou a enfermaria carregando o garoto sangrando por todos os terríveis arranhões que ele próprio havia feito.
Draco teve pesadelos com aquilo. Por um momento, realmente chegou a pensar que Canopus não resistiria.
— Para nossa sorte, você não foi infectado e nem se tornou uma dessas coisas — Abraxas ainda falava. — Mantenha-se sempre longe de lobisomens e atento, não confie em hipótese alguma.
— Sim, vovô — Draco concordou.
— Nossa família quase foi destruída por esses monstros. Deveríamos trancar todos em jaulas de prata — resmungou. — Seu medalhão também o protegerá deles. A prata é a melhor forma de lidar com um lobisomem, seja para matá-los ou mantê-los em seu devido lugar e lembrá-los do que realmente são. Ela queima e os enfraquece.
Nesse momento, Draco engoliu em seco. Ele havia levado o medalhão consigo, como prometera a Abraxas, mas havia deixado-o em seu terno. Terno esse que ele deu a Canopus para ajudar a mantê-lo estável até a ajuda chegar.
Disse ao avô que havia guardado em segurança em seu quarto. Não queria ver a expressão de desapontamento por ter perdido uma relíquia familiar daquela maneira. Faria o que fosse preciso para recuperar.
Retornou do Beco Diagonal extremamente frustrado pela insistência de Canopus em não devolver o terno, mas escondeu muito bem esse sentimento até estar sozinho. Estava com muita raiva, quase gritou em seu quarto, mas se conteve.
Naquele mesmo dia, ao anoitecer, ele resolveu visitar o avô.
Levava novamente um livro e leu para ele, que parecia ainda pior. Estava ainda mais fraco, mal conseguindo erguer a mão ou falar num tom alto o suficiente para ser ouvido. Como na véspera da Copa, Abraxas pediu ao neto para que se aproximasse, o que ele fez relutante.
— Você se lembra o que disse quando lhe dei o medalhão, Draco? — questionou. A voz estava muito fraca e baixa.
— Sim — Draco respondeu.
Abraxas sorriu fraco. Em seu estado acabado, não era bonito. Draco não gostava de ver o avô tão mal, mas o tratamento para varíola de dragão costuma ser muito mais complicado para bruxos mais velhos. Os medibruxos diziam estar surpresos que ele esteja resistindo tanto.
— Infelizmente, não viverei o bastante para ter o orgulho de vê-lo tornar-se o grande bruxo que está destinado a ser — lamentou novamente. — Meu único neto.
— Eu ainda orgulharei o senhor — Draco murmurou.
— Assim espero, Draco — disse. — Seu pai já esteve conversando com os Greengrass e os Parkinson sobre as possibilidades para seu futuro.
Draco engoliu em seco. Ele sabia ao que o avô se referia.
— Quanto mais cedo decidir, melhor será.
— Ainda acho cedo demais…
— Está no momento certo — Abraxas o interrompeu ríspido e tossiu. Draco deu um passo para trás, relutante. — Seus pais já namoravam quando sua mãe tinha sua idade. Casaram-se logo após saírem de Hogwarts. Até então, você não demonstrou interesse em possíveis futuras senhoras da Casa Malfoy quando seu pai vier comigo e com sua avó.
O garoto encolheu os ombros e desviou o olhar. Ele apertou o livro ainda em suas mãos com força, sentindo os nervos começarem a consumí-lo. Sabia que o avô tinha razão e que deveria se preocupar com isso, mas ele não conseguia. Por mais que tentasse.
— Um dia, você se casará com uma jovem bruxa de boa família e sangue puro e dará continuidade ao nosso nome, como seu pai — prosseguiu. — Você é o futuro dos Malfoy, Draco. É seu dever seguir nosso legado… Sem desvios.
Draco não disse nada. Não tinha o que pensar. É o que ele deveria fazer.
Mas por que parecia tão complicado? Já ouvira a história de sua família.
Seu avô conheceu sua avó antes mesmo de irem para Hogwarts, em uma reunião com nobres famílias puro-sangue na mansão Selwyn, onde ela cresceu. Estudaram juntos e começaram a namorar ao fim do quinto ano e se casaram após a formatura.
Seu pai conheceu sua mãe num jantar organizado pela família Black para os amigos puro-sangue mais íntimos, para o qual Abraxas foi convidado por seus velhos colegas de escola da família. Quando Lucius estava no quarto ano, eles começaram a namorar e também se casaram logo após a formatura de sua mãe.
Draco conheceu bruxas de família puro-sangue, mas nenhuma que lhe trouxesse um interesse de se casar. No máximo, ele era um bom amigo de Pansy Parkinson e Daphne Greengrass, mas nada além disso. Tinha ciência de que elas, principalmente Pansy, possuíam interesse. Ele não.
Nem um pouco. Nada.
Nem mesmo um simples revirar na boca do estômago como costumavam descrever alguns livros de romance que leu na biblioteca da Mansão Malfoy. Sem arrepios, coração acelerado, ansiedade para falar com a pessoa, sentir como se quase não pudesse respirar ou que o coração fosse sair pela boca. Nenhuma garota o fez se sentir assim.
Por mais bonitas que sejam, nenhuma garota no mundo bruxo despertou seu mínimo interesse, mesmo que quisesse.
Ele poderia ficar maluco só de tentar pensar o que estaria fazendo de errado.
E obviamente, ele nunca sequer cogitou mencionar um desastroso beijo acidental que teve com alguém. Ah, seria vergonhoso demais falar. Não só por como aconteceu, mas com quem.
Draco queria arrancar fora o coração de seu peito toda vez que se lembrava disso e pensava que talvez, pela primeira vez, sentiu alguma coisa. Não. Ele não podia.
Não podia pensar em garotos de maneira minimamente parecida ao que sua família esperava que ele pensasse em garotas. Ele com certeza seria deserdado por isso.
Nunca soube de algum Malfoy que tivesse sido deserdado por "tendências homossexuais", mas ele com certeza não seria o primeiro. Isso não era algo a se pensar.
Ele não era assim. Apenas… Não encontrou a garota que o fizesse se sentir como deveria. Talvez devesse se esforçar mais nisso naquele ano.
— Você me entendeu? — Abraxas perguntou firme.
— S-sim…
— Sem desvios — repetiu. Draco voltou os olhos novamente para o avô, que o encarava profundamente. — Você sabe o caminho que deve seguir. Não deixe o legado dos Malfoy se perder. Seja o Malfoy que deve ser.
— Eu serei, vovô — garantiu com a voz baixa. Ele tentaria ser.
— Poderei partir aliviado sabendo que nosso nome está em boas mãos, Draco. Preciso que me garanta isso.
— Irei orgulhá-lo, vovô… Ao senhor e ao meu pai. Eu… E-eu prometo.
— Não suportaria ver nosso nome cair em desgraça como por pouco já não ocorreu. Agora penso que posso partir com um pouco de paz.
— O senhor ainda pode talvez se recuperar. Não pense que irá tão cedo…
— Minha hora está chegando, Draco — disse ele com a voz ainda mais baixa. — Estou deixando nosso legado em suas mãos e confiando que não irá falhar.
Draco balançou a cabeça. Seus olhos ardiam, as lágrimas querendo surgir.
— Sempre que pensar que estará saindo do seu caminho, lembre-se do medalhão. Ele é o símbolo do nosso dever.
— E-eu farei o meu melhor.
— Que assim seja. — Abraxas concluiu e ofegou. — Lembre-se… Você é o futuro dos Malfoy.
Draco apenas assentiu, sentindo os olhos arderem ainda mais e um nós na garganta. Sentia-se sufocado, preso em uma cela minúscula sem janelas. Sem saída. Todo o peso do mundo em suas costas, o peso de sua família.
Será que ele conseguiria?
— Vovô… Mas e se eu…
Ele não terminou de falar. Abraxas havia fechado os olhos, mas não parecia dormir.
— Vovô?
Abraxas não respondeu.
— Vovô! Não vai agora! — exclamou e aproximou-se mais, respirando fundo e sem saber o que fazer. — Vovô!
Abraxas não respondeu a nenhum de seus chamados. Draco sentiu o coração se apertar. Ele não conseguia respirar.
— Eu não sei o que fazer! Não sou como papai! — choramingou. — Vovô, responda! Por favor, por favor… Eu vou fazer o melhor, mas… Mas eu… Como?! Não pode ir agora e me deixar aqui!
Draco respirava ofegante e dava passos para trás enquanto caía a ficha. Seu avô havia falecido bem a sua frente, deixando apenas uma missão para ele: ser o futuro dos Malfoy.
Ele correu para fora do quarto. Os medibruxos se aproximaram apressados ao ver seu estado. Logo seu pai chegou com sua mãe.
Draco não conseguia dizer nada. Sequer parecia ouvir algo. Apenas sentiu os braços de Narcisa ao redor de seus ombros.
E então os medibruxos confirmaram. Abraxas estava morto.
Todas as coisas que Abraxas disse ecoaram em sua cabeça, como se estivesse ouvindo tudo novamente. Draco não falou nada para sua mãe enquanto ela o abraçava. Olhou para o pai, que permanecia com a mesma expressão neutra de sempre, a mesma postura imponente. Ele encontrou o olhar de Lucius e engoliu em seco, tentando não ser fraco.
Lucius começou a ditar o que devia ser feito, mas Draco não ficou para ouvir. Ele afastou os braços de Narcisa e correu pelos corredores da enorme mansão, sem dar ouvidos quando ela chamou seu nome.
Entrou em seu quarto e trancou a porta. Tentou conter as lágrimas, mas foi em vão. Elas começaram a cair sem seu controle. Levou as mãos ao pescoço e então abriu os primeiros botões da blusa de seu pijama, respirando rápido e com dificuldade.
Seguiu para o banheiro do cômodo e lavou o rosto, então encarando seu reflexo. Estava se desmanchando em lágrimas e não parava de ofegar para tentar capturar o ar para seus pulmões.
Ele não podia ser fraco. Ele não podia ser fraco.
As palavras de Abraxas ainda ecoavam, todas elas.
Ele não conseguia ser forte, então foi fraco sozinho em seu quarto. Chorou em seu travesseiro a noite inteira até ser derrotado pelo cansaço e dormir, o que o fez acordar com uma grande dor de cabeça.
O sol mal havia nascido e Draco já estava acordado novamente. Ainda muito abalado pela morte do avô, mas um pouco mais calmo. Pensava muito em tudo o que ouviu e no que deveria fazer. Sabia qual era o primeiro passo.
Em sua escrivaninha, Draco escreveu uma carta para Canopus anunciando que iria buscar seu terno com o medalhão. Não havia dúvidas de que ele já tinha descoberto o que guardou ali. Enviou sua coruja rapidamente antes de seguir para um longo banho.
Ele não desceu para o café da manhã. Pediu ao elfo doméstico que trouxesse a comida para seu quarto, onde fez a refeição em sua cama. Sua mãe bateu na porta, e ele destrancou com um aceno de varinha e deixou-a entrar.
— Por que não desceu para o café da manhã, Draco? — perguntou.
— Acordei com dor de cabeça — murmurou em resposta e deu de ombros. Não estava mentindo.
Narcisa sentou-se ao seu lado e acariciou seus cabelos com calma.
— Como você está? — ela perguntou.
— Estou bem — respondeu sem encará-la e deu uma grande mordida em uma maçã.
— Sei que você gostava muito do seu avô, meu bem — ela falou. — É difícil, mas nós conseguimos continuar. Seu pai já está preparando o velório para hoje a tarde.
— Como ele está?
— Você conhece seu pai. Já estávamos esperando por isso.
Draco trincou a mandíbula e voltou os olhos para a mãe. Possuía a mesma expressão calma, mas com uma pontada de carinho que sempre direcionava a si. Não parecia abalada. Estava exatamente como vira seu pai antes de correr para o quarto.
Queria poder parecer tão bem. Às vezes, ele conseguia, mas não era fácil. Desde cedo foi ensinado a ser forte e que nunca deveria expor suas emoções facilmente, a sempre esconder o que pensa e o que sente. Falhava muitas vezes e se odiava em todas elas.
Como seu pai conseguia fazer parecer tão fácil?
A cada dia se esforçava para esconder tudo ao mesmo passo que fazer isso o deixava com a sensação de que iria explodir, mas não poderia fraquejar.
Um Malfoy não é fraco.
— Já esperar não torna menos doloroso.
— Mas ainda torna mais fácil, e seu pai já não é como antes. Ele está preparado para tudo, assim como um dia você também estará — Narcisa disse firme, pousando a mão em seu rosto. — Acredite, ele está melhor assim do que quando perdeu sua avó. Não foi algo bom de se ver, você não gostaria.
— Bom, seria normal ele sentir a morte da mãe, não é? Eu sofreria se te perdesse — Draco disse.
Narcisa sorriu fraco.
— Também sofreria se te perdesse, meu bem — murmurou baixo e beijou sua testa, então logo afastando-se para encará-lo. — Mas você não gostaria de ver como ele ficou, e nem eu gostaria que você ficasse assim.
— Foi tão ruim?
— Ele poderia ter destruído metade da mansão se eu não estivesse aqui para acalmá-lo. Seu avô chegou perto de ficar dessa maneira, mas ele já havia aprendido a se conter há muito mais tempo — confessou. — Lucius sempre foi muito apegado à mãe dele. A dor de perdê-la tão de repente foi enorme e ele sentiu com todo o vigor… E você sabe o que significa.
Draco engoliu em seco.
— E é por isso que nunca pegamos leve para que você aprenda a se conter também. Um Malfoy emotivo é como uma bomba. Você não quer ser uma.
— Então foi assim que o sótão ficou daquele jeito?
A expressão de Narcisa mudou drasticamente. A feição calma e carinhosa tornou-se fria e distante.
— Não… Não exatamente. Tem relação com a morte da sua avó, mas não dessa forma — disse. — Você não tem ido lá, tem?
— Não — Draco mentiu.
Seu pai detestava que alguém entrasse no sótão, principalmente ele. Esse era um de seus maiores atos de rebeldia em casa, pois sempre adorou se esconder lá tanto quando ficar na biblioteca. O local estava em pedaços, um pouco macabro, mas ainda era reconfortante, longe de tudo. Era bom para ficar em paz.
Também despertava sua curiosidade. Perguntava-se o que ocorrera para acabar daquele jeito e ninguém nunca entrar lá. Nem seu pai nem seu avô quiseram responder.
— Muito bem — Narcisa disse. — Irei deixá-lo continuar aqui. Os Greengrass virão almoçar conosco hoje para prestar seus pêsames. Os Parkinson e outros amigos chegarão depois para o velório.
Draco apenas assentiu com a cabeça e fez o melhor para esconder o descontentamento com a notícia, embora tenha suspirado audivelmente e murchado os ombros. Não queria conversar com ninguém, nem ficar discutindo planos e política. Queria apenas ficar em seu quarto com as memórias de seu avô em paz.
— Postura — Narcisa repreendeu.
— Desculpa. — Rapidamente endireitou os ombros e a coluna, mal tendo percebido quando relaxou.
Narcisa deixou um último selar no rosto do filho e saiu do quarto em seguida. Draco imediatamente a trancou outra vez e colocou um encantamento para inibir ruídos externos para não ser incomodado tão cedo.
***
Draco precisava ser rápido.
Ele tinha que ir até Rowen's Valley, recuperar seu medalhão e retornar para casa antes que os Greengrass chegassem e o almoço fosse servido. Precisava pegar o objeto o quanto antes. Pretendia usá-lo no velório. Além, é claro, de que sabia muito bem que Canopus dificilmente devolveria de boa vontade tão rápido.
Já havia chorado ainda mais de frustração e tristeza naquela manhã trancado em seu quarto tanto pela perda quanto por não estar com o último presente do avô, o que lhe rendeu materiais de Hogwarts espalhados no chão, uma cama bagunçada e travesseiros destruídos — logo reparados com magia. Era sempre assim quando não conseguia conter suas emoções mais fortes.
Malfoys emotivos são como uma bomba.
E ali estava ele na casa dos Black. Analisou o que estava a sua vista rapidamente após passar pela entrada. A primeira coisa que chamou sua atenção foi o piano de cauda preto lustrado. Depois pôde perceber o quanto a sala de estar era espaçosa até a sala de jantar.
Não se comparava a Mansão Malfoy, mas esperava algo bem menor.l considerando a fachada. Conseguiu avistar Sirius numa poltrona, o olhar seguindo para ele, e Therion e Harry juntos no sofá, também virando os rostos para encará-lo.
Draco respirou fundo e voltou-se para Canopus.
— Meu medalhão.
— Bom dia, Malfoy — Harry disse num tom ríspido.
— Você realmente veio. Estou surpreso — Therion falou.
— Oi — disse frio. — Meu medalhão, Canopus.
— Meus pêsames pelo seu avô — Canis falou.
Draco comprimiu os lábios após momentaneamente demonstrar sua surpresa e então paralisou. As lágrimas queriam voltar aos seus olhos, mas ele não deixou. Ele não seria tolo de chorar de na frente deles, com certeza não.
Um Malfoy não chora. Um Malfoy não chora.
— Não esperaria tanta modéstia vindo de você — murmurou. Canopus revirou os olhos.
— Você pode ser extremamente insuportável, mas eu não sou insensível ao ponto de ignorar seu luto — retrucou Canis.
Malfoy analisou-o intrigado e desconfiado. Então, ele observou melhor os curativos e machucados em seu rosto. O pequeno corte no lábio, um curativo na bochecha e a maçã do lado direto do rosto arroxeada, além de alguns arranhões. Desceu o olhar por ele, então percebendo os punhos também feridos.
Voltou a encarar o rosto do Black, perguntando-se o porquê de ainda não ter se curado. A maioria daqueles machucados eram simples de curar com algum feitiço ou poção.
— O que aconteceu? Parece que foi atropelado por cinco artilheiros num jogo de quadribol.
— Uma briga com trouxas, mas isso não importa, eles saíram pior. Já recebi a convocação para uma audiência. — Deu de ombros. — Aliás, seu aviso estava certo. De novo.
— De nada — retrucou. — Você atacou trouxas? Ficou maluco?!
— Eles provocaram.
— O que se passa nessa sua maldita cabeça?!
— Que eu precisava defender meu namorado de um bando de imbecis.
Canopus cruzou os braços. Draco suspirou, lembrando da menção anterior do garoto sobre o tal namorado trouxa.
— Seu namorado pode ser trouxa, mas você ainda é um bruxo. Pode usar magia para se curar.
— E eu teria que explicar para ele como eu magicamente me curei e estou novo em folha, enquanto ele ainda tem um olho roxo e alguns curativos.
— E isso te fez ser convocado para uma audiência disciplinar! — Draco continuou. — Parabéns, você se superou, Canopus.
— Obrigado.
Draco bufou e cruzou os braços.
— Vocês não estão em Azkaban, então imagino que deu tudo certo na batida. — Mudou de assunto.
— Sim, graças ao seu aviso — Sirius falou da poltrona. — Obrigado, seja lá o porquê você ajudou.
Draco não disse nada.
— Olha, seu avô era terrível, mas meus pêsames.
— Meu avô não era terrível.
— Para você, talvez parecesse boa pessoa. Minhas lembranças dele em jantares que minha família o convidava não são das melhores. — Sirius fez uma careta.
— Ele pensava exatamente o mesmo sobre você.
— Imagino. Ele sempre achou Regulus mais apropriado.
— Sirius, você pode não gostar do Abraxas, mas Draco acabou de perder o avô. Tenha um pouco mais de sensibilidade. — Ouviu-se a voz de Remus, que agora vinha da cozinha para a sala. — Meus sentimentos por sua perda, Draco.
Draco olhou na direção de Lupin e rapidamente afastou-se com passos para trás. Apertou o tecido de sua capa entre as mãos e lembrou-se de tudo que seu avô disse, a memória daquele dia na Casa dos Gritos retornando. Na Copa estava distraído demais para pensar nisso quando ele chegou, agora não.
Encarou-o com receio, e Remus percebeu, ficando parado distante dele e de Canopus. Sabia reconhecer quando alguém tinha medo dele.
— Estou sendo sincero. Não vou perguntar se está bem, porque você com certeza não está num momento como esse — falou calmo.
— Eu estou bem. — Remus não acreditou, obviamente.
— Pode se sentar. A viagem deve ter sido cansativa.
— Eu só quero pegar o que é meu de volta.
— Aceite a hospitalidade do meu pai, não é sempre que você merece. — Canopus agarrou os ombros de Draco e o guiou até o sofá. — Você com certeza vai querer poder se vangloriar de estar certo sobre seu aviso.
— Por que eu mentiria?
— Não te chamaria de fonte confiável.
Draco revirou os olhos e cruzou os braços. Ele só queria ir embora o mais rápido possível, porém também estava curioso sobre como escaparam da batida e a tal audiência de Canopus.
— Eu te livrei de um interrogatório por esconder um fugitivo, mas obviamente você adora encrenca e tratou de arranjar a própria audiência no Ministério — resmungou. — Você é realmente muito estúpido, Black.
— NÓS conseguimos, na verdade — Therion falou. — Eu também fui intimado. A audiência será dia 30 de setembro e os aurores irão nos buscar em Hogwarts.
— Eu aviso que o Ministério estava de olho em vocês planejando fazer uma batida e vocês resolvem atacar trouxas na véspera. Não sei como ainda me surpreendo com vocês.
— Canis estava se defendendo e protegendo o namorado dele! — Harry exclamou. — Não que você se importe com alguém o bastante para entender o que é isso.
— Cale a boca, Potter.
— Nós ainda agradecemos pelo seu aviso, ele nos salvou — Remus disse e sentou-se no braço da poltrona onde Sirius estava. — Estamos bem. Você com certeza se arriscou muito fazendo isso, então… Obrigado.
Draco encarou Lupin intrigado. Ele o olhava com calma e certa preocupação, o único que levantou o ponto dos riscos do que fez e não apenas questionou o porquê fez. Por que ele se importaria consigo?
Ainda se lembrava muito bem de Remus na forma lupina. Como aquele lobisomem era esse homem tão… Calmo? Os gêmeos, Harry e provavelmente Sirius estavam longe de ser pessoas tão calmas quanto ele, até mesmo naquele momento.
— De nada — disse baixo. — Espero que arranjem um advogado. Vocês com certeza vão precisar de um com tantas infrações.
— Sua tia provavelmente está cuidando disso — Sirius falou.
— Minha tia está em Azkaban.
— Não essa, sua outra tia. Andrômeda.
— Você fala com ela?
— Na verdade, não, mas pretendo, e a filha dela também ajudou na batida e disse que vão nos ajudar.
Narcisa raramente mencionou sua irmã Andrômeda para Draco. Tudo o que sabia é que ela era uma traidora de sangue que se casou com um nascido-trouxa e foi deserdada alguns anos antes de Sirius.
Draco sempre foi curioso sobre a família, mas sabia o quanto a mãe detestava falar sobre a irmã ou qualquer um dos parentes deserdados, inclusive um de seus tios favoritos.
— A sua prima é tia dele? — Harry perguntou confuso para Sirius.
— É muito mais fácil listar quais bruxos puro sangue não têm ligação com os Black que os que têm. Provavelmente temos parentescos distantes com toda Hogwarts. — Sirius deu de ombros.
— Então a mãe dele também é sua prima?
— Supostamente, sim. Arthur Weasley é meu parente em quarto grau, acho, e outra prima distante se casou com o tio de James. Mas nós desconsideramos qualquer coisa acima de segundo grau, muito distante para realmente ser um parentesco relevante. Nem consideraria Canis, Theo e Draco como alguma coisa de tão distantes.
— Supostamente? Minha mãe é uma Black — Draco retrucou.
— Os Black nunca foram o maior exemplo de fidelidade conjugal. Eu duvidaria até de que Orion Black seja meu pai, porque meus pais foram casados por quase 10 anos até eu nascer e a família é realmente muito obcecada com produzir herdeiros o mais rápido possível — Sirius falou. — E a genética de aparência dos Black é quase tão forte quanto os genes platinados dos Malfoy, como pode ver. Eu confundia Andromeda e Bellatrix quando era criança e elas nem são gêmeas.
— Isso é besteira!
— Não estou afirmando nada, são apenas… Pequenas discussões da família. Também podem haver exceções na genética mágica e Tio Cygnus era apenas um amargurado porque além de talvez ter puxado mais aos Rosier em vez dos Black, o parto da Narcisa foi tão complicado que Druella nunca mais teria a chance de lhe dar um herdeiro homem como queria. Isso é a cara dele!
— Acredite na segunda opção — Draco resmungou. Detestava admitir, mas ele sabia que era verdade que seu avô Cygnus de certa forma culpava sua mãe por não poder ter tido mais filhos. O primeiro orgulho dele foi certamente ela ser a primeira a lhe dar um neto legítimo.
Draco amava seus avós, eles sempre o mimaram, de ambos os lados da família, mas nunca gostou de como o avô agia com sua mãe.
— Enfim… Estamos tendo ajuda — disse Sirius.
— Se forem condenados, podem ser expulsos de Hogwarts, na melhor das hipóteses.
— Nós conhecemos as leis bruxas — Therion resmungou. — Vamos dar um jeito de sermos inocentados.
— Hogwarts não se verá sem nós tão cedo — Canopus garantiu.
Assim Draco esperava, no fundo.
— Vocês sempre têm um plano maluco em mente, não é? — retrucou.
— Exatamente. Ainda tem muitas coisas que quero fazer antes de sair de Hogwarts.
— Que tal me devolver meu medalhão ser uma dessas coisas?
Canopus revirou os olhos.
— Está bem. Venha! — chamou.
— Para onde?
— Meu quarto.
— Mas está…
— Venha logo, Dragãozinho!
Canis agarrou o pulso de Malfoy e puxou em direção as escadas. Draco arregalou os olhos, o rosto rapidamente ganhando uma coloração rubra. Soltou-se do aperto no corredor e seguiu o Black até o quarto.
Cruzou os braços assim que passou pela porta, analisando o cômodo. Assim como seu quarto na Mansão Malfoy, grande parte da decoração eram em tons de verde, incluindo algumas paredes. Logo notou as prateleiras lotadas de livros, algo que já esperava encontrar.
— Por Salazar! — exclamou Draco quando de repente ele viu algo branco e peludo surgir sobre a escrivaninha de Canopus e pulou de susto. — O que diabos…?
— É a minha doninha — Canopus respondeu abrindo seu malão. — O nome dele é Antares.
— Mais uma estrela como aquelas mariposas? — Draco observou receoso a doninha apoiar-se nas patas traseiras, farejando o ar em sua direção bastante desconfiada.
— Estrela alfa de Scorpius. Eu gosto da constelação. — Deu de ombros. — Cuidado, ele morde.
— Você sabe que o hipogrifo na sua garagem se alimenta de doninhas, não sabe?
— Eu nunca deixo ele ir lá. Está bem trancada. — Pegou o diário e o terno no malão. — Como sabe que Bicuço está na garagem?
— Você me disse enquanto delirava de febre na Copa.
— Eu não estava delirando.
— Com certeza estava.
— Você me disse que eu parecia uma veela!
Canopus ficou de pé e franziu o cenho, encarando Malfoy.
— Não disse não.
— Disse sim.
— Eu tenho certeza absoluta que me lembraria se tivesse dito isso.
— Você disse. O fato de não lembrar mostra que estava realmente delirando — pontuou Draco.
— Tenho quase certeza de que você quem estava delirando, mas não é mentira. Você realmente parece.
Draco suspirou derrotado.
— Ainda está delirando.
— Acho que você estava quando guardou uma provável relíquia de família dentro de um terno num jogo de quadribol — rebateu indicando a peça pendurada em seu braço.
— Foi um presente do meu avô antes de irmos. Ele estava se despedindo quase no leito de morte, eu não jogaria isso num baú do meu quarto por uma semana sabendo que ele poderia não estar lá quando eu voltasse. É um símbolo da família.
Canopus pegou o medalhão no bolso de sua calça e viu os olhos de Malfoy brilharem exatamente como na entrada ao vê-lo. Draco comprimiu os lábios, encarando o objeto fixamente.
— Todos os Malfoy ganham um desses?
— Só existe um medalhão. Foi forjado nos próprios terrenos da família quando se mudaram para a Inglaterra — explicou. — É uma relíquia e símbolo Malfoy, só um pode abrir.
— Oh, isso é interessante. — Canis sorriu de canto.
— Você vai me devolver.
— Fala como se essa não fosse minha intenção.
— Porque você sempre inspira muita confiança, não é? — Draco retrucou. — Confiança é uma via de mão dupla, Canopus.
— Você também não gosta de inspirar muita confiança, hm?
— Eu me arrisquei para salvar a sua pele duas vezes, seu idiota! — exclamou. — E perdi o último presente que meu avô confiou a mim fazendo isso. Quero ele de volta, agora!
Draco avançou na direção do Black e tentou pegar o medalhão de sua mão, mas ele logo ergueu-a para o alto. Bufou frustrado, enquanto via Canopus jogar o terno de volta no malão e esconder o medalhão atrás de si, e tentou mais uma vez.
Canis afastou-se, fugindo dele. Irritado e exausto daquilo, Malfoy sacou sua varinha e pressionou a ponta contra o pescoço do Black, agarrando-o pela gola da camisa.
— Eu não estava brincando quando falei que te amaldiçoaria se fosse preciso — disse entredentes num tom firme, os olhos faiscando. — Me… Devolve!
Canopus apertou o medalhão com força em sua mão, mas não devolveu. Ele encarou Draco de volta e se manteve firme onde estava.
— Acredite ou não, eu entendo o quanto é importante.
— Não entende! Se entendesse, não estaria fazendo isso! — Draco rebateu rapidamente. — Não existe a menor possibilidade de você me entender. Você não enxerga nada além de você mesmo!
Draco apertou a varinha com mais força, encarando firme os olhos de Canopus, como na livraria no dia anterior.
— Você é um maldito hipócrita, arrogante e idiota que não entende porra nenhuma! Você age como se soubesse de tudo, mas não sabe nem metade! — exaltou-se.
Ele sentiu um nó em sua garganta e lutou contra a ardência em seus olhos. Estava tão exausto depois de tudo. Queria apenas voltar para casa com seu medalhão e poder ficar em seu quarto, longe de tudo. A Copa, os últimos momentos com o avô, a morte de Abraxas, todos os planos que seu pai andava fazendo… Era demais para ele em tão pouco tempo.
Não chore, não exploda. Não chore, não exploda… Draco repetiu em sua mente. Ele respirou fundo e vestiu aquela máscara que aprendeu por anos a colocar, inflando o peito e colocando uma expressão firme e intransigente.
— Me devolva o medalhão, Canopus.
— Eu realmente não me importo com o que pensa de mim — Canopus respondeu. — Tampouco me importo com você.
Não chore, não exploda, não sinta nada…
— Mas eu entendo isso.
— Não, com certeza não.
— Eu entendo o que é querer uma lembrança de alguém que se foi e era importante para você — insistiu. — Esse medalhão é uma lembrança do seu avô.
— Se entende, por que não devolve?
— Eu vou devolver, mas não enquanto você me ameaça com a varinha na minha garganta.
— Confiança, lembra? Isso é algo que não tenho com você — Malfoy falou firme.
— Confie dessa vez, Draco — Canis murmurou baixo.
Draco odiava ser tão fraco.
Encarando aqueles malditos olhos, ele abaixou a varinha e deu um passo para trás. Desviou o olhar e suspirou, mordendo o lábio inferior com força.
— E então?
— Eu sei que isso aqui é importante porque seu avô quem te deu, e ele acabou de morrer — Canis falou. Ele ergueu o diário que ainda segurava. — Isso? Isso é uma das únicas coisas que eu tenho da minha mãe além de fotos, histórias e algumas coisas que ainda restaram na casa. Tudo o que Harry tem dos pais dele é uma caixa cheia de coisas que ganhou de Sirius. Então não diga que não entendo o porquê você quer tanto esse medalhão de volta.
— Ótimo. Me devolva ele agora.
— Eu vou, mas apenas estou curioso com uma coisa, e acho que você pode ajudar a matar minha curiosidade.
Draco respirou fundo.
— Fale.
— Só um Malfoy poderia ter esse medalhão, não é?
— Sim — confirmou.
— E não existe nenhum outro.
— Não.
— Você realmente ganhou isso do seu avô?
— Essa não foi a razão para tudo isso? Foi a última coisa que ele me deu.
Canopus sorriu fraco e estendeu o medalhão para Malfoy. Draco olhou-o desconfiado, sem realmente acreditar.
— Pode pegar. Eu não vou fazer nada.
Malfoy ainda hesitou e voltou a encarar os olhos de Canopus. Então, rapidamente, ele pegou o medalhão e suspirou aliviado. Apertou-o em sua mão contra o peito, sentindo o próprio coração acelerado.
Canis observou atento, parado no mesmo lugar. Nunca vira Draco parecendo tão aliviado. Na verdade, nunca o vira com os olhos tão doloridos como naquele dia, impaciente. Quando o ameaçou, não foi como no dia que brigaram na Comunal quando Malfoy falou mal sobre lobisomens, ele parecia muito mais vulnerável e desesperado, pronto para fazer qualquer coisa.
Prestes a explodir.
Canis conhecia bem a sensação.
— Obrigado — Draco agradeceu, erguendo os olhos para ele.
— Não tem de quê. — Canis sorriu pequeno.
Draco comprimiu os lábios, apertando o medalhão com mais força. Então, ele exibiu um pequeno sorriso de volta.
— Esse aqui é o diário da minha mãe — Canopus falou enquanto abria o caderno e folheava as páginas até parar na foto que observara mais cedo. — Ela escreveu várias coisas sobre a sua vida em Hogwarts.
— Eu também tenho um — Draco admitiu, e Canopus arqueou a sobrancelha. — Ajuda quando tenho muitas coisas na cabeça. Você agora sabe o que se passava na cabeça dela.
— Tem algo aqui que me deixou bastante curioso. O seu medalhão foi um presente e é uma relíquia dos Malfoy, certo?
— Sim, foi o que eu disse e a razão para tudo isso aqui.
— De quem era antes do seu avô te presentear?
— Era dele.
— Para quem ele já deu antes de entregar a você, então?
— A ninguém. É o medalhão que ele sempre usava, ele ganhou do meu bisavô. — Draco franziu o cenho confuso, sem entender onde Canopus queria chegar com aquelas perguntas.
— Então seu avô mentiu pra você. Acho que uma das melhores amigas da minha mãe era sua parente e antiga dona desse medalhão. — Canis mostrou a fotografia.
Draco piscou, desconcertado. Ele se aproximou para analisar a fotografia e seus olhos focaram na garota com o seu medalhão. Não havia dúvidas, era o seu medalhão.
Aquilo era impossível.
— O nome dela é Hadria, acho. Sua prima?
— Eu não tenho nenhuma parente chamada Hadria. Os tios do meu pai morreram jovens e sem filhos, não tem como ser minha prima.
— Seu pai nunca teve uma irmã?
— Se você sabia da morte do meu avô, deve ter visto a parte do artigo que diz que eu e meu pai somos os únicos herdeiros.
— Então por que ela está com o medalhão e se parece tanto com você? — Canopus perguntou.
Draco não fazia a menor ideia.
— Isso não é alguma brincadeira sua, é?
— Óbvio que não. Essa aqui é a minha mãe. — Apontou para Karina na foto. — Fiquei bastante surpreso de aparentemente ela ter sido amiga de alguém da sua família. E eu gosto de saber sobre ela, não brincaria com isso.
— Esse aqui parece o Lupin. Pergunte a ele.
— Era meu plano depois de pesquisar direto da fonte, você, no caso. Não encontrei outras menções a ela que me dissesse mais sobre a família dela fora que tinha muitos problemas e minha mãe sempre tentava animá-la, e quando vi o medalhão…
— Não é possível…
Draco analisou a fotografia, sua mente indo a mil. Ele já havia estudado a história de sua família de ponta a ponta, visto todos os álbuns de fotografias, observado a extensa árvore genealógica na sala onde haviam os quadros de alguns de seus antepassados. Nunca havia visto aquela garota em lugar algum, nem seu nome.
Franziu o cenho enquanto olhava para o medalhão na foto e o que estava em sua mão.
— De quando é essa foto?
— Março de 1976. Quinto ano dos meus pais.
— Meus pais já tinham se casado dois anos antes. Ela deveria estar nas fotos do casamento e em outros registros se fosse realmente da família.
— Acho que sua família tem muitas histórias escondidas debaixo do tapete — Canis riu. — Quem diria?
Draco sentiu um aperto no peito e sua mente começou a trabalhar em muitas possibilidades que pudessem explicar aquilo.
— Eu posso levar essa foto?
— Não. Minha mãe está nela.
— Faça uma cópia então.
Canopus agitou a varinha e tocou na fotografia, criando uma duplicata. Draco rapidamente a pegou, voltando a analisar atento e curioso.
— Quem é esse outro?
— É o meu tio, irmão da minha mãe. Ele desapareceu durante a guerra.
Ele tinha certeza que viu um homem muito parecido no Ministério no dia anterior, mas decidiu não falar nada. Sua cabeça já estava lotada com coisas demais.
— Vou investigar isso em casa.
— Verei com meu pai também. Nunca imaginei que um dia pensaria em sua família como um assunto curioso e interessante — Canis falou. — Se essa garota era sua parente, a maçã caiu bem longe da árvore dessa vez.
Draco bufou.
— A sua família é formada por um pai foragido acusado de assassinato e um pai lobisomem. Certamente, bem mais divertida e interessante, não é? — retrucou ríspido.
— Por que você sempre precisa destacar que meu pai é um lobisomem?
— Porque ele é. Lobisomens não são confiáveis.
— Meu pai é pessoa mais confiável que você poderia conhecer na sua vida.
— Ele é um lobisomem. Minha família tem motivos o bastante para não confiar neles.
— Tipo uma ideologia supremacista de merda?
— Tipo um lobisomem supostamente confiável ter matado a minha avó nas férias de Páscoa do último ano do meu pai — Draco ralhou impaciente, mas logo calou-se.
Canopus abriu a boca para falar, mas não conseguiu dizer nada.
Merda, Draco pensou.
Ele comprimiu os lábios e desviou o olhar, apertando o medalhão com mais força. Ele não deveria ter revelado aquilo. Sua família nunca quis que a informação vazasse para a imprensa, apagaram muitas memórias para isso. O próprio Lorde das Trevas talvez fosse um dos únicos que soubesse.
— Draco…
— Esqueça.
— Sinto muito pela sua avó também, okay? — Canis disse baixo, sincero.
— Cale a boca.
— Mas Draco…
— S-só cale a boca... — Draco elevou a voz, a qual falhou levemente. — Por favor... Fique calado pelo menos uma vez!
Canopus calou-se.
Draco respirou fundo. Os olhos estavam ardendo mais uma vez. Droga!
— Hey, Canis! — ouviram Therion chamar.
Malfoy rapidamente se afastou mais de Canopus. Therion surgiu na entrada com Harry, e outro garoto que ele nunca tinha visto estava junto deles e escorou-se no batente da porta.
Assim como Canis, o garoto estava com curativos e machucados, mas parecia pior. Os olhos estavam vermelhos como os de Draco, como se também tivesse chorado muito recentemente, o rosto ainda molhado.
— Oi — ele disse com fraco aceno.
— Elliot! — Canopus exclamou.
Draco observou ele correr até o garoto com um sorriso e segurar seu rosto, juntando seus lábios rapidamente.
Obviamente, aquele era o namorado trouxa, logo Malfoy percebeu.
O sorriso de Canis rapidamente morreu ao afastar-se um pouco, mudando para uma expressão preocupada.
— O que houve? Pensei que só voltaria depois.
— Meu pai chegou em casa antes... — Elliot forçou um sorriso fraco e dolorido. — Posso dormir aqui de novo? Por favor... Não quero voltar.
— Claro! A semana toda se quiser. — Canopus sorriu carinhoso e beijou o canto da boca do namorado, que abraçou sua cintura.
— Cheguei em uma hora ruim? — Elliot perguntou receoso, olhando para Draco.
— Não, está tudo bem — Canis falou e passou um braço sobre os ombros dele, afastando os cabelos do rosto com outra mão. — Esse é o Draco, um garoto da minha escola. Só veio buscar uma coisa.
— Já estou de saída — Draco falou secamente.
— Draco...
— Até setembro, Black.
Draco saiu do cômodo empurrando Potter.
Ao chegar no andar inferior, encontrou Sirius na forma animaga e Lupin segurando uma maleta de curativos.
— Draco, está tudo bem? — Remus perguntou.
Draco não respondeu. Apenas seguiu em direção a lareira e pegou Pó de Flu.
— Mansão Malfoy.
As chamas verdes o engoliram. Ele logo apareceu na lareira da sala de recepção, que sabia que estaria vazia agora, e seguiu caminhando, passando pela sala onde estavam os quadros da família.
Ele parou no centro da salão grande e espaçosa e suspirou, jogando a cabeça para trás e grunhindo ao levar as mãos ao rosto.
Não sinta nada, não sinta nada.
Draco suspirou e olhou para o grande quadro de sua avó que Abraxas colocou em destaque numa parede. Bela e graciosa com os cabelos dourados caindo em cascata por seus ombros sob um diadema de esmeraldas trajando um lindo vestido branco e dourado.
Ela sorriu doce para ele.
— Oi, vovó — disse.
— Olá, Draco — disse ela. — Por que parece tão ansioso, querido?
— Acho que porque vovô está junto da senhora agora.
— Isso aconteceria em algum momento.
Draco respirou fundo e pegou o medalhão junto da fotografia, admirando-o em sua mão. Havia recuperado o legado da família, nisso que deveria ficar agora.
Ele ainda sentia o nó em sua garganta e a ardência nos olhos. Rapidamente secou qualquer lágrima que ousou escorrer por seu rosto e tentou regular a respiração para manter-se calmo.
Então olhou para a foto. O medalhão no pescoço da garota que era abraçada pela mãe dos gêmeos Black.
— Vovó...
— Sim, Draco?
— Quem é Hadria?
Ergueu os olhos para o quadro. A feição doce de Elmeera endureceu, tornando-se séria e impassiva. Draco nunca havia visto ela daquela maneira.
— Um erro — respondeu antes de desaparecer dentro do quadro.
— Vovó, espera!
— O que faz aqui, Draco?
Draco pulou de susto e escondeu a fotografia, encarando o pai. Engoliu em seco e tentou parecer calmo.
— Estava falando com a vovó.
Lucius aproximou-se do filho, parando ao seu lado. Franziu o cenho ao não ver a mãe em seu quadro.
— Sua mãe já iria chamá-lo em breve. Os Greengrass chegaram.
— Já estou indo — disse.
— Terei que sair para resolver os últimos detalhes do velório. Retornarei em breve para o almoço. Cumprimente devidamente nossos visitantes.
— Sim, senhor.
Lucius virou-se para ir embora.
— Pai — chamou. —, quem é Hadria? — repetiu a pergunta que fez ao quadro.
Lucius paralisou no caminho e voltou-se lentamente para o filho. Draco viu o rosto do pai sério e frio como nunca antes, os olhos sem foco.
— Onde ouviu esse nome?
— O quadro da vovó — mentiu.
Draco viu o pai apertar a bengala com mais força enquanto um longo minuto de silêncio se seguia. A expressão em seu rosto era indecifrável enquanto o encarava.
— Nunca mais repita esse nome.
— Mas quem é?
— Nunca mais pergunte ou ouse citar esse nome, Draco — ordenou friamente. — Vá cumprimentar os visitantes.
Draco encarou o pai, confuso, ainda parado no mesmo lugar, enquanto ele partia. Vários questionamentos começaram a surgir em sua mente.
Mas uma coisa já era clara a resposta.
Ele encarou o quadro vazio da avó mais uma vez e suspirou, saindo do cômodo. Enquanto saía, ele deu cara com a garota baixa de cabelos escuros trajando um vestido perto.
— Oh, Draco! Sua mãe disse que estava indo chamá-lo no quarto.
— Oi, Astoria — Draco forçou um sorriso simpático. — Estava conversando com o quadro da minha avó na verdade. Fugindo dos seus tios e da sua irmã?
Ela sorriu fraco e deu de ombros despreocupadamente. Então uniu as mãos atrás das costas com uma expressão suave.
— Meus pêsames por seu avô — disse. — Como você está?
— Bem.
— Você não parece que está bem.
— Imagino que não — falou ele. — Esse não é o vestido do enterro dos seus pais?
— Achei mais apropriado para a ocasião que um amarelo.
Draco riu baixo. A primeira risada sincera daquele dia.
— É verdade que você estava com ele quando morreu?
— Sim. — Draco assentiu.
Astoria o abraçou, e ele ficou paralisado por alguns segundos, surpreso demais com a atitude.
— Sinto muito por isso...
— Obrigado.
Draco suspirou e retribuiu o abraço. Ele estava mesmo precisando de um.
***
Therion enfim entendeu o que o irmão parecia sentir ao implicar sobre ele e Harry depois de passar um dia inteiro vendo-o agarrado ao namorado no sofá.
Canis não se afastou de Elliot por todo o dia depois que Remus trocou seus curativos e fez novos para os novos machucados. Fez o possível para animá-lo e conseguiu arrancar alguns sorrisos bobos dele, pois ele estava bastante mal pela terrível briga que teve com os pais em casa, que não tinham demorado a descobrir sobre a briga e a razão dela.
Therion e Harry ajudaram, claro, principalmente Potter, mas Canopus fez a maior parte do trabalho. O gêmeo mais velho nem ousou intrometer-se quando passaram um tempo a sós depois que Elliot acordou de um cochilo depois do almoço.
Sirius passou o dia na forma de cachorro. Haviam dito a Elliot que Anthony havia viajado para Londres por alguns dias, assumindo a forma humana apenas para comer quando o garoto estava dormindo e logo retornando.
Quando anoiteceu, Canopus emprestou roupas suas ao namorado, que foi dormir cedo, e ficou com ele no quarto. Therion já havia aceitado de antemão que dormiria com Harry até o cunhado resolver seus problemas familiares.
Óbvio que ele não estava nem um pouco chateado com isso e aceitava de muito muito grado.
Harry andava tendo pesadelos por quase a semana inteira, então ficava satisfeito em poder estar lá com ele para acolhê-lo quando precisasse. E Potter fazia o mesmo por si quando era sua vez de ser atormentado pelos pesadelos.
Sirius retornou a forma humana depois que Elliot e Canis já estavam no quarto para o treinamento diário de legilimencia, feito no quarto de Potter daquela vez por segurança.
— Respire fundo, com calma — Sirius ditou, assim ele o fez. — Está indo bem. Conseguiu parar.
— Você estava pensando muito no papai hoje.
— Culpe seu irmão. Tive muitos déjà vus hoje.
Therion riu.
— E você parece bastante nervoso. Estava pensando em muita coisa também e isso te fez perder um pouco o controle de recepção.
— Canis e Elliot também.
— Vamos acabar por hoje. Vou preparar seu chá. — Sirius sorriu fraco e fez um leve carinho em seus cabelos antes de se afastar e sair na forma de cachorro.
Harry estava sentado na escrivaninha desenhando, já vestido em seu pijama, e deixou seu caderno de desenhos de lado quando o padrinho saiu, sentando-se ao lado do Black na cama.
— Como está a cabeça?
— Com muitos pensamentos — respondeu sincero. — E você está vestindo minha blusa de novo.
— É confortável para dormir. — Harry corou.
Therion sorriu. Gostava de ver como seus suéteres já grandes para ele ficavam ainda maiores no corpo de Potter. Parecia ficar ainda mais bonito nele do que em si mesmo.
— Se incomoda de eu ficar com ele em Hogwarts?
— Nem um pouco. — Abraçou os ombros de Harry, aproximando seus rostos.
Potter sorriu bobo.
Therion derreteu-se no mesmo instante. Ele amava ver Harry sorrir daquele jeito, feliz e despreocupado.
Ele adorava cada mínimo detalhe de Harry, na verdade. Os olhos, o sorriso, as sardas no rosto, o cabelo rebelde...
— Vou sentir falta de passar o dia inteiro com você — confessou baixo.
— Eu também.
— Eu me matriculei em Adivinhação um ano atrasado só por você, Hazz. É melhor valer a pena.
— Não vou poder garantir nada sobre a aula em si, mas vamos poder sentar juntos.
— Acho que já vale a pena por isso. — Sorriu.
Harry suspirou com os olhos brilhando.
Encarando os olhos verdes, Therion percebeu o quanto ele estava ferrado. Ah, ele estava realmente muito ferrado.
Ele desceu para pegar seu chá o mais rápido possível. Sirius deixou para si em cima da bancada e subiu com o seu próprio de volta para o quarto de Harry, deixando-o sozinho com Lupin na cozinha, que preparara um chocolate quente para si próprio.
— Como estão as dores de cabeça? — Remus perguntou, sentando-se ao lado de Therion na bancada e acariciando seus cabelos.
— Diminuindo. Elas aparecem mais durante as sessões ou… Quando estou muito estressado ou nervoso — respondeu e bebeu um gole de chá.
— Perder sua cama pelo resto da semana deve ser estressante.
— Está tudo bem. Elliot está precisando mais — falou. — Canis cuida bem dele. Não me importo de ceder espaço temporário ao meu cunhado.
— Gentil da sua parte.
— E quero dar espaço ao Canis também. Fico feliz em ver ele bem com Elliot — disse e encolheu os ombros, desviando o olhar.
Remus analisou o filho.
— Tem alguma coisa aí.
— É só… Ver Canis e Elliot hoje o dia inteiro me deixou um pouco pensativo.
— Sobre…?
Therion respirou fundo após beber mais um pouco de chá. Ele comprimiu os lábios e bagunçou ainda mais os cabelos, pensando em Harry. Voltou os olhos de soslaio para o pai.
Lá estava Remus, pronto para ouvi-lo como sempre e ter certeza de que tudo estava bem. Fora a conversa pelo ocorrido no porão, não se lembrava da última vez que conversou com o pai de uma forma tão profunda, na verdade. Sentia que estava precisando desabafar um pouco com ele.
E sabia que Remus sempre estava lá.
— Tem uma coisa… Algo um pouco complicado que estou passando.
— Diga. — Remus bebeu calmamente seu chocolate quente.
— Eu meio que também estou gostando de alguém — confessou. — E não sei se lido com isso tão bem quanto o Canis…
— Harry.
Therion paralisou e encarou Lupin, que permanecia calmo.
— Como o senhor sabe?
— Eu sou bastante observador. — Remus sorriu de lado. — E vocês não são tão discretos. Eu percebi como vocês têm estado diferentes, muito mais próximos. E os seus olhos também não enganam. O jeito que olha pra ele…
O garoto corou, desviando o olhar outra vez.
— Você gosta do Harry.
— Gosto.
— E vocês estão namorando?
— Não exatamente… — disse e deu de ombros. — Estamos indo devagar, mas, papai… — Ele suspirou. — Ah, papai...
Remus riu.
— Você gosta MUITO dele.
— Muito.
— Ah, Merlin...
— Já nos beijamos algumas vezes… O senhor não tem ideia! Acho que me sinto nas nuvens todas as vezes — começou a desabafar de uma vez. Estava precisando disso.
— Suspeitei, mas ainda não acreditava que realmente chegaram a isso — Remus disse com certeza surpresa. — Eu posso imaginar que muitos deles aconteceram quando escaparam pela lareira ontem, suponho.
— Sim. — Therion sorriu fraco e envergonhado, com o rosto vermelho. — Mas o primeiro foi no aniversário dele.
— Oh... Isso explica porque tudo pareceu estranho naquela semana.
Remus estava um pouco exausto e avoado naquela semana por conta da aproximação da lua cheia. Os traços lupinos sempre se ressaltaram nesse período e tentar manter-se calmo e lidar com os sintomas era tão cansativo quanto a própria transformação.
Mas ele ainda notou que o ar da casa estava estranho, principalmente entre Therion e Harry. Os dois não ficavam mais perto um do outro com tanta frequência, podia ouvir os corações do filho batendo tão rápido de nervosismo perto do amigo que temia que pudesse infartar, e Harry não era tão diferente, com a adição de que pôde ouvir toda vez que ela estralava os dedos distraidamente ou roía as unhas para evitar olhar o outro.
A audição sensível da lua cheia às vezes era assustadora.
— Ficamos apavorados, mas conversamos e nos resolvemos depois… E nos beijamos de novo.
— Estão indo muito bem pelo visto.
— Papai! — choramingou envergonhado.
— Tem mais algum "mas" nessa história, não tem? — Remus indagou.
Ah, Remus o conhecia tão bem…
Therion assentiu com a cabeça.
— Por que se apaixonar pelo seu melhor amigo as vezes parece tão complicado?
— Porque não é fácil se apaixonar por alguém que você sempre chamou de amigo. O medo de estragar tudo não permite que seja tão fácil… Eu sei como é.
Remus exibiu um sorriso fraco e baixou o olhar para sua xícara. Ele compreendia a sensação em todos os sentidos possíveis, muito mais do que os filhos poderiam imaginar. E sabia exatamente o quão doloroso poderia ser para todos os envolvidos na história.
Ele sempre teve medo de que seus sentimentos destruíssem a coisa mais importante da sua vida. Não queria perder os primeiros amigos que teve e o aceitaram como realmente era.
— O senhor já se apaixonou por alguém próximo?
— Já… Por isso entendo muito bem o que pode estar passando nesses seus dois coraçõezinhos agora. — Remus cutucou o peito do garoto com o indicador com um sorriso acolhedor e divertido, arrancando uma risada baixa dele. Therion encolheu-se e afastou sua mão, com aquele sorriso adorável. — E não tente entrar na minha cabeça para descobrir mais sobre isso.
— Eu não estava tentando.
— Já está avisado. Seu tio já me fez passar por situações muito constrangedoras com a legilimência.
— Não vi absolutamente nada — Therion garantiu.
— Bom, eu não sou legilimente, então me diga o que está passando na sua cabeça e seu coração agora.
— Nós só estamos… Indo, sabe? Lua por lua e tudo mais — ele suspirou. —, respeitando o tempo dele porque ele ainda está se entendendo sobre isso, e eu também estou uma verdadeira confusão de sentimentos agora e sinto que posso explodir perto dele.
Remus apoiou os braços na bancada, sem dizer nada, apenas ouvindo.
— Mas ele ainda é meu melhor amigo. E se eu acabar decepcionado ele, e ele nunca mais quiser falar comigo? — perguntou. — Quando nos beijamos e ele foi embora, eu fiquei apavorado que tivesse espantado ele para sempre. Estamos indo bem, só que…
— A linha entre a amizade e os seus sentimentos é mais tênue do parece — Remus completou ao ver que ele não conseguia concluir o que pensava. — Ainda está com medo.
— No começo eu pensei que pudesse estar confundindo… Mas eu realmente gosto dele… Isso é o que torna mais complicado e tornou tão difícil admitir o que sentia — Therion concordou. — Harry nem conseguia entender bem que gostava de garotos graças aos tios filhos da puta dele. Eu… Eu não quero que a dimensão do que sinto atrapalhe. Não quero perder a amizade dele, mas também… Não sei se quero ser apenas um amigo.
— É uma sensação angustiante, não é?
— É…
— Você já deu um passo muito importante.
— Qual?
— Você conversa com ele sobre o que sentem — Remus frisou, encarando os olhos do filho comprimindo os lábios com certo pesar. — Esse foi o meu erro. Não falar e deixar o medo ditar a situação… Esse é o pior erro que você pode cometer.
Therion franziu o cenho por alguns instantes e então suspirou, pensativo, refletindo aquelas palavras, enquanto Remus imergia em lembranças dolorosas da sua adolescência.
O medo de Lupin não feria só a ele. Os efeitos colaterais às vezes podem ser ainda mais difíceis de lidar.
— É muito bom que você dê a Harry o tempo que ele precisa para se entender, pode ser muito complicado para algumas pessoas. — Remus sorriu e afastou a franja do rosto de Therion. — Eu estou orgulhoso de você por isso.
Therion retribuiu o sorriso, com o coração aquecido no peito.
— Mas vocês conversarem pode ser a chave para tudo. Eu sei que é assustador pensar que a qualquer passo em falso os seus sentimentos podem destruir uma amizade valiosa demais para você que não quer perder… Porém, não deixe o medo te impedir de tentar.
— Eu estou tentando…
— Então, não desista. Vocês podem encontrar o caminho para seguir em frente e ao mesmo tempo respeitar as próprias limitações. E principalmente, não guarde tudo apenas para você.
— Eu gosto tanto dele que parece impossível não sentir medo. Estou tão ferrado...
— Eu sei…
Remus respirou fundo e tornou a beber seu chocolate quente. Ele encarou Therion, podendo enxergar-se na aflição e receio do garoto.
Gostaria de poder acabar ele mesmo com tudo o que aflige ele, mas sabia que deveria deixar suas estrelas brilharem por conta própria e apenas mostrar o caminho e estar ali quando precisassem. Therion estava precisando agora, e Remus estava lá.
— Eu tinha quase a sua idade quando enfim percebi que estava apaixonado por alguém muito próximo a mim e também fiquei com medo. Nunca tive amigos antes de Hogwarts, não queria perder um dos que eu mais gostava por causa do meu bobo coração que resolveu sentir algo além por ele.
— Nossos corações gostam de brincar conosco.
— Verdade — Remus riu. — Digamos que ele também passou por algo semelhante a Harry e Elliot em questão de autodescoberta, mas eu não fui seu gatilho para enfim entender e se aceitar como um garoto que também gosta de garotos. Na verdade, eu nunca pensei que algum dia ele olharia para mim como alguém além de um amigo.
— Bom… Eu também pensei que Harry não gostaria de mim assim…
— É assim que a vida gosta de tornar tudo mais complicado.
Therion riu baixo.
— Eu passei muito anos apaixonado por alguém que estava interessado em outra pessoa, pensando que ele nunca olharia para mim — Remus confessou. — Deixei passar todas as oportunidades de algum dia admitir isso. Eu tinha medo de estragar tudo se ele soubesse.
— E então?
— Preferi guardar o que eu sentia apenas para mim. — Deu de ombros e abaixou o olhar. — Eu tentei ignorar meus sentimentos por ele, mas isso apenas tornou mais doloroso para mim… E machuquei outra pessoa por isso.
Therion viu o pai encarar a própria xícara, sem mais olhar para ele. Aquele assunto deixava Remus angustiado. Ele sentiu o quanto isso deixava Lupin ansioso, o lembrava de arrependimentos.
— Deixar o medo dominar as vezes nos faz perder o rumo do que estamos fazendo — Remus disse. — Gostaria de poder mudar algumas coisas que fiz por isso.
— O senhor nunca falou com ele?
— Já era muito tarde quando enfim paramos para conversar…
— Como assim?
— A parte de se apavorar depois de beijar seu melhor amigo e temer que ele se afaste… Ele não se afastou, mas também não era igual antes e não falamos disso — explicou. — E não fizemos isso apenas uma vez. Não conversamos na primeira vez… Nem na segunda… Ou terceira… Na quarta…
— Foi aí que conversaram? Me diz que foi!
— Se é que podemos chamar de conversa... Na verdade, nós não focamos muito na parte de conversar quando achamos melhor tentar. — Remus bebeu um longo gole de sua xícara, sem ousar olhar para o filho.
Mas Therion viu o rosto vermelho do pai.
— Tenho medo de perguntar o que isso quer dizer exatamente.
— Não pergunte. — Remus riu. — De qualquer forma, já era tarde. Deixamos para conversar depois e esse depois nunca chegou. Logo tudo deu errado e minha única prioridade era cuidar de você e do seu irmão. Por isso… Não tenha medo de tentar enquanto ainda pode e continuar a conversar com Harry sobre isso. Acho que sem uma guerra fica um pouco mais fácil.
Therion arrastou o banco para mais próximo do pai, que olhou-o timidamente e sorriu pequeno tentando transmitir conforto e confiança. Ele comprimiu os lábios e pensou em Harry, em toda a explosão de emoções que ele lhe causava.
E pensou no pai. Inconsciente, como sempre, ele absorvia a angústia de Remus sobre o que falava. Lupin não queria que ele sofresse da mesma maneira por alguém. Ainda carregava o mesmo medo… O mesmo sentimento.
Therion não queria ter medo. Não queria perder tempo. Queria realmente tentar, da sua melhor forma.
— Eu vou… Conversar com ele — disse. — E continuar tentando.
— Estarei aqui se precisar falar sobre.
— Obrigado, papai.
Therion abraçou Remus, que não demorou a apertá-lo entre os braços. Beijou o rosto de Lupin e apertou-o com bastante força, ouvindo-o resmungar para ter cuidado com suas costelas, o que o fez rir.
— Te amo — falou.
— Também amo você, Therry.
“Logo tudo deu errado e minha única prioridade era cuidar de você e do seu irmão". Isso foi o que Remus disse. Sempre colocando-nos acima de si próprio, dos próprios sentimentos e medos. Therion não achava ser o único que deveria continuar tentando.
Ele continuou abraçando Remus e ergueu o rosto.
— Você ainda gosta dele.
— Quem?
— De quem você estava falando. Essa pessoa por quem se apaixonou.
Remus hesitou.
— Sim, ainda gosto.
— Sabe, o senhor poderia seguir o próprio conselho. Ir atrás e tentar.
— Isso é um pouco mais complicado do que parece — Remus disse. — Mas eu estou tentando a minha maneira.
Therion franziu o cenho, confuso. Remus estava pensativo, a mente bagunçada pela confusão de sentimentos sobre aquele assunto.
Sentimentos por uma pessoa.
— Acho que devia pedir ao Sirius para te ensinar oclumência — ele murmurou.
— Porra... — Lupin xingou e fechou os olhos, amaldiçoando todas as gerações da família Black e seu maldito dom de ler mentes.
— Puta merda, pai!
— Calado, Regulus.
— Eu não acredito! O Sirius?! — Therion arregalou os olhos. — O senhor está apaixonado pelo Sirius?!
— Fale mais alto e seu irmão vai aparecer em dois segundos.
Therion levou ambas as mãos a boca, desacreditado.
— Desculpa...
— No dia que tiver um filho, por favor, que ele não seja legilimente e não ouse chamá-lo de Regulus.
Ele começou a rir.
— Estamos fodidos, papai!
— Precisamos seriamente conversar sobre esse linguajar.
— Meu pai está apaixonado pelo meu outro pai! — Therion gargalhou. — E eu estou apaixonado pelo meu melhor amigo que cresceu numa família merda exatamente como o senhor. Isso é irônico pra caralho, papai!
Remus não conseguiu conter uma risada. Era realmente irônico.
— Sirius escolheu bem meu nome.
— Acho que vou me afogar na banheira — Lupin choramingou enterrando o rosto em suas mãos.
— Não, não! Eu tive meu desabafo, agora é a sua vez!
— Que Merlin me ajude...
— Posso pegar um dos vinhos da adega? Essa conversa merece.
— Sem álcool pra você.
— O senhor sabe que não vai poder controlar isso em Hogwarts, não sabe?
— Em casa eu posso.
Remus convocou garrafas de cerveja amanteigada. Therion bufou.
— Tudo bem, então.
Ele deu de ombros e brindou com o pai, ambos bebendo um gole juntos.
***
— Você tem o talento do seu pai para isso — Sirius falou.
Ele estava observando alguns desenhos que Harry selecionou cuidadosamente e permitiu que visse, a xícara de chá vazia na mesa de cabeceira.
— Eu gosto dos desenhos que ele fez — Harry disse, com o caderno de desenho do pai em mãos. — Desenhar me ajuda a relaxar as vezes.
— São realmente muito bons. Como vai aquele quadro?
— Está indo... — Potter corou.
— Vou poder ver quando estiver pronto?
Harry assentiu, um pouco incerto.
— Therion deve estar conversando com Remus. Quer ir ver como eles estão?
— Na verdade... — Harry disse. — Posso conversar com você?
— Já estamos fazendo isso — Sirius riu.
— Eu sei! — Potter também riu. — Mas... Sobre uma coisa específica.
— Oh, claro, Harry! — Sirius sorriu. — Sobre o quê?
O rosto de Harry ficou vermelho, e ele encolheu os ombros, envergonhado.
— Bem… É algo que sinto que preciso muito conversar com alguém e… Gostaria de falar com você — disse. — E-eu… Eu já falei com Canis, mas agora ele está com Elliot, e está fora de cogitação falar com Therion e… Eu só…
— Está tudo bem, Harry. Você sempre pode conversar comigo quando quiser sobre o que precisar. — Sirius bagunçou os cabelos dele. — Então… É só me dizer.
Harry respirou fundo e mordeu o lábio inferior nervosamente enquanto apertava por entre os dedos as mangas compridas demais da blusa de Therion que vestia. Aquela em questão era de sua primeira semana ali nunca foi sequer devolvida ao guarda-roupa do verdadeiro dono.
Estava nervoso, não só pelo que queria falar, mas por falar disso com Sirius. Ele era o seu padrinho, estava ao seu lado e sempre fora carinhoso e cuidadoso desde o primeiro dia, sabia que nunca o julgaria. Porém, ele também estava intimamente ligado ao assunto, já que era o pai de quem o deixava tão confuso há tanto tempo.
Mas ainda assim, Sirius parecia o melhor refúgio. Ele era sua última família e confiava inteiramente nele.
Harry precisava de conselhos. Não poderia haver alguém melhor que seu padrinho.
— É meio que um conselho que preciso, talvez… — falou.
— Meus ouvidos estão atentos.
— Você já gostou muito de alguém, mas por muito tempo sentiu que não devia?
— Com certeza — respondeu sem pestanejar. Era muito simples pensar em quando esteve nessa situação.
— Porque você não queria estragar o que tem com essa pessoa, além de ao mesmo tempo ter ouvido a vida inteira que não era certo?
— Sim…
— E isso foi apenas um pontapé para algo que te deixa confuso e se perguntando o que você é?
— Muitas vezes… — Sirius riu baixo e voltou os olhos para Harry.
Ali estava ele, tão parecido com James, mas também diferente em certo ponto. Sirius teve uma sensação de dejà vu, mas nesse caso, ele era o afilhado. A lembrança que teve fora uma das mais importantes de sua vida.
Quando James foi o primeiro a lhe mostrar total apoio e dizer que ele não era estranho, muito menos errado por ser como era. Um dos momentos mais desesperadores de sua vida que foi iluminado por seu melhor amigo no terceiro ano.
— Você está apaixonado, não está, Harry?
— Talvez… Não sei se apaixonado seria a palavra, mas gosto muito de alguém — Harry respondeu com as bochechas coradas. — E perceber que gosto dele deixou minha mente uma verdadeira confusão.
— Dele, hm? — Arqueou a sobrancelha. — Quem é ele?
— Um… Amigo.
Sirius sabia quem era, mas decidiu apenas deixar Harry confortável para seguir falando. Percebeu que seu afilhado precisava dele agora, assim como ele próprio precisou de James um dia.
— Então… O que está acontecendo?
— Esse é o problema. Eu não sei — Harry choramingou e abraçou as próprias pernas. — Nem com ele, nem… Comigo.
— Nem sempre é fácil entendermos nossos próprios sentimentos.
— Eu sei que gosto dele, mas… Bom, não foi o primeiro por quem senti algo, mas é a primeira vez que eu me permito sentir de verdade. Tio Valter e Tia Petúnia diziam que eu não deveria…
— Aqueles filhos da puta… — Sirius xingou baixo. — Não há nada de errado em gostar de outro garoto, Harry. Você nunca esteve errado por isso. Eles que estão por se meterem na sua vida e te impedirem de ser quem é.
— Eu sei… Mas ele me deixa confuso.
— Por quê?
— Eu já gostei de garotas. Não poderia me atrair pelos dois, poderia? — Harry questionou. — Não sinto que seja gay como Therry e Canis, mas… Eu gosto muito desse garoto.
— Ah, Harry… Eu sei exatamente como você se sente.
— Sabe?
Sirius assentiu com a cabeça e sorriu fraco.
— Você pode gostar de tudo. É tão normal quanto gostar só de um ou outro.
— Canis disse isso.
— Vou te contar uma coisa: — Sirius abaixou o tom de voz para o afilhado. — Eu sou exatamente como você.
Os olhos de Harry se arregalaram e brilharam surpresos. Ele encarou o padrinho, sem acreditar na revelação. Enquanto absorvia aquilo, seu coração se aquecia e um pequeno sorriso surgiu em seu rosto.
— V-verdade?
— Sim, e quando eu descobri foi…
— Aterrorizante?
— Exatamente. Foi aterrorizante.
Harry sentiu-se melhor por saber que não era o único a se sentir daquela forma. Ele não estava sozinho nisso.
— Minha família sempre foi muito tradicional. Os Black possuem um padrão e estrutura de vida e comportamento do qual eles não abrem mão, assim como a maioria das famílias supremacistas, e isso inclui seu modelo familiar — Sirius explicou. — Fui ensinado desde cedo que deveria me casar com uma mulher e ter filhos para continuar a linhagem Black, esse era o meu dever. Eu poderia gostar de homens, mas nunca permitiriam que eu me casasse com um, porque essa não é a estrutura que tanto seguem. Não gostavam de algo diferente, de mudanças.
— Mas você realmente se casou com uma mulher. — Harry franziu o cenho.
— Na verdade, eu nunca me casei com Karina. Ela recusou todas as vezes que a pedi em casamento — revelou. — Sim, eu estive num relacionamento por um bom tempo com uma mulher e tive filhos com ela, mas isso não apaga o fato de eu me interessar e já ter estado com outros homens.
— Já esteve?
— Digamos que eu já me relacionei com muitas pessoas de todos os gêneros em Hogwarts.
— Isso nunca te deixou confuso?
— No começo, eu surtei.
Sirius suspirou, jogando a cabeça para trás na cabeceira da cama.
— Quando eu estava no terceiro ano, comecei a perceber que talvez estivesse interessado em um garoto. Isso me assustou, porque minha família obviamente reprovava e também porque… Eu já me interessava pela Karina na época — falou. — Ainda não estava realmente apaixonado por ela, mas ela era intrigante. E então um certo garoto começou a chamar muito a minha intenção e me fazer questionar o que diabos eu era.
— E descobriu?
— Seu pai me ajudou a ver que estava tudo bem e não havia nada de errado comigo, não só por gostar de garotos, mas também por gostar de garotos e garotas.
— Meu pai?
— Sabe… James e Lily também não se importavam tanto com o gênero para se sentirem atraídos por alguém.
Harry piscou desconcertado.
— Meus pais… Eram como eu?
— James não só era como teve um namorado antes de sua mãe.
— Meu pai namorou um garoto?!
— Meu irmão.
Harry ofegou surpreso. Não sabia o que dizer ou como se expressar diante daquela informação. Ele sentia um misto de surpresa, alegrias e conforto. Um novo mundo estava aberto diante de seus olhos.
Não conseguia imaginar seu pai com o irmão de Sirius, mas saber sobre eles trazia um certo conforto. Seu pai devia entender como ele estava se sentindo naquele momento, saber exatamente como era e o que deveria fazer.
Harry queria muito poder conversar com o pai.
— Como assim seu irmão? Regulus? O Comensal?
— Isso foi antes de Regulus se unir aos Comensais — Sirius explicou. — James e eu estávamos no quinto ano e Regulus estava no quarto quando eles começaram a namorar.
— Como?
— Eu realmente não sei como surgiu o sentimento entre eles, apenas sei que seu pai se apaixonou pelo meu irmão, e Regulus se apaixonou perdidamente por ele. Eles namoraram por quase dois anos.
— Dois anos?!
Potter mais uma vez parou para refletir. Isso significava que o irmão de Sirius tinha a sua idade quando eles começaram a namorar, o que apenas mexeu mais consigo. Seu pai se apaixonou por Regulus Black e manteve um relacionamento por um bom tempo.
Dois anos de namoro pareciam bastante tempo para Harry. Em dois anos ele já passou por tantas coisas que mal conseguia listar. Foi acusado de abrir a Câmara Secreta, invadiu a Comunal da Sonserina disfarçado com Polissuco, derrotou um basilisco, foi atacado por demonstradores, supostamente perseguido por um assassino para depois descobrir que na verdade ele era seu padrinho e tentava protegê-lo, fugiu da casa dos tios, beijou seu melhor amigo… Muitas coisas podiam acontecer em dois anos.
Havia se passado menos de um mês desde que beijou Therion e já parecia uma eternidade, e eles sequer estavam namorando. Só nesse tempo, eles se beijaram muitas vezes — para Harry pelo menos parece foram muitas —, foram atacados por comensais na Copa Mundial e tiveram um encontro perfeito no cinema. E já haviam conversado tanto sobre o que acontecia…
A vida de Harry era realmente caótica. Justificável que sempre estivesse tão agitado e confuso. Suas emoções eram tão caóticas quanto.
Será que seu pai se sentia do mesmo jeito?
— Eu só descobri dois meses depois. Eles preferiram manter em segredo por um tempo.
— E como foi?
— Ah, eu quis matar James — falou.
Harry engoliu em seco. Se Sirius ficara com raiva do pai por namorar seu irmão, o que pensaria dele se namorasse seu filho?
— Você… Ficou com muita raiva dele?
— Sim — admitiu. — Mas não por namorar meu irmão. Eu fiquei furioso que ele estava namorando o meu irmão e nenhum dos dois confiou em mim para contar. Seu pai e eu éramos muito próximos, saber que ele escondeu algo assim… Era inacreditável.
— Vocês brigaram?
— No momento, sim. Depois tudo se resolveu quando me acalmei. Remus ajudou — riu baixo. — Eu fiquei feliz por eles, de verdade. Só fiquei chateado por terem escondido, mas entendi que Regulus estava com medo.
— Por causa da sua família…
— Sim. Só os amigos mais próximos e confiáveis sabiam do relacionamento deles. Seria muito arriscado se fosse algo público. Logo nossos pais iriam descobrir e Regulus tinha muito medo de ir contra eles. Nem sei se algum dia descobriram antes do término.
— Então… Por que namoraram se seus pais não aceitariam?
— Nós fazemos loucuras quando estamos apaixonados, Harry. — Sirius sorriu fraco para ele.
Harry pensou em si mesmo e nos últimos acontecimentos. Como Therion não hesitou em avançar contra o trouxa quando ele o ameaçou. Logo soube que faria o mesmo se fosse o contrário. Na Copa, sua maior preocupação era encontrar Therion e ter certeza de que ele estava bem. Se algum Comensal o atacasse na sua frente, não tinha dúvidas que atacaria de volta por ele.
Ele arriscaria sua vida por ele sem pensar duas vezes.
— Acho que o amor de Regulus por seu pai foi maior que o medo… Foi até ele se unir aos comensais quando estava no sexto ano.
— Foi por isso que ele e meu pai terminaram?
— Sim. — Sirius suspirou. — Também me afastei dele na época.
Harry abriu o caderno de desenhos do pai e folheou até o desenho que viu e mostrou a Therry em seu aniversário. O desenho do garoto admirando as estrelas que tanto o lembrou daquele que dominava seus sonhos e pensamentos.
Mostrou o desenho para Sirius.
— Esse é o Regulus, não é?
Sirius observou o desenho e sorriu. Assentiu com a cabeça.
— Sim, é ele. Acho que Regulus tinha 14 anos quando James fez esse desenho.
— Eu vi muitos que parecem ser ele.
— Seu pai amava desenhar Regulus. Quase fiquei com ciúmes porque ele desenhava os amigos com bem menos frequência.
Harry riu.
— Quando não estavam perto de outras pessoas que não sabiam, eles eram irritantemente carinhosos e melosos. James não perdia uma oportunidade de estar abraçado com Regulus ou de beijar ele.
— Isso… É ruim? — Harry perguntou receoso. Oh, ele se parecia muito mais com o pai do que imaginava.
— Na verdade, não. Eu implicava sempre com eles, mas era bom vê-los felizes. Não tem nada de errado de querer ser sempre carinhoso e mimar seu namorado — falou. — E Regulus adorava ser mimado. Eu via como ele se sentia muito mais livre e alegre quando estava com James.
— E meu pai?
— Ah, James com certeza estava radiante. Ele amava Regulus.
Harry sorriu, tentando imaginar o pai daquela maneira. Feliz e radiante com um namorado que ele gostava, juntos e alegres. Mas isso também o trouxe mais um questionamento.
— Mas e a minha mãe?
— Nessa época ela teve seus próprios rolos. Ela namorou uma garota da Grifinória na época.
— E como eles acabaram juntos? Se meu pai amava tanto Regulus, como… Bem, como eu cheguei aqui?
— James e Regulus terminaram quando meu irmão se tornou Comensal da Morte — Sirius explicou. — Isso o abalou muito, de verdade. Mas tem uma coisa que eu mesmo aprendi, Harry… Nós sempre podemos estar abertos para viver o amor. Ele nem sempre está destinado a ocorrer apenas uma vez.
Sirius respirou fundo. Ele entendia o melhor amigo melhor que qualquer um.
— Seu pai amou Regulus, de verdade, mas isso não significa que ele não podia amar sua mãe — disse. — Eles não deram certo, James sabia que nunca poderia se Regulus seguisse aquele destino. Ele e Lily começaram a se aproximar no último ano e depois da formatura. Ela foi sua segunda chance de viver o amor, e ele a amou muito com todo seu coração.
— Eles eram felizes juntos?
— Sem dúvida. James seguia tão radiante quanto na época que namorou Regulus, e ainda mais quando se casaram e você chegou. Algumas pessoas estão destinadas a apenas passarem por nosso coração, mas não para ficar.
Harry comprimiu os lábios, pensando nesse assunto. Os poucos livros de contos de fada que já pegou na biblioteca da escola trouxa não concordavam muito com esse ponto.
— Sabia que você faz aniversário no mesmo dia que o Regulus? — Sirius comentou.
— Sério?
— Sim. Regulus estaria completando 19 anos no dia que você nasceu se já não tivesse… Se Voldemort já não tivesse o matado.
— Meu pai ficou muito triste quando ele morreu?
— Óbvio que ficou! Por mais chateados que estivéssemos, Regulus foi importante para nós dois — Sirius falou com pesar. — E ele se sentia um pouco culpado. Regulus nos pediu ajuda, mas nós dois recusamos…
— Porque ele era um Comensal.
— A mágoa nos cegou para ver que Regulus estava arrependido de se unir a eles, mas já era tarde demais. Quando você nasceu no aniversário dele… Isso sim foi uma grande brincadeira do destino. Nem acreditamos.
— Imagino.
— Mas nós seguimos em frente. Infelizmente, tudo o que podemos fazer é lamentar por não ter conseguido salvá-lo… — Sirius suspirou. — Mas acredite, Harry, até o último segundo, James nunca deixou de amar Lily. Ela trouxe luz para sua vida quando ele mais precisou.
Harry sorriu fraco e assentiu com a cabeça. Ele observou o desenho de Regulus, no qual poderia ver perfeitamente Therion ali também.
— Essa pessoa que eu gosto… E se não durar também como meu pai e Regulus?
— Nunca saberá se não arriscar — Sirius disse. — Pode ser igual, verdade. Mas também pode ser um amor para o resto da vida. Isso varia de pessoa para pessoa.
— Eu tenho medo de estragar tudo — Harry confessou. — Ele é meu melhor amigo. Eu gosto muito dele, mas não quero que isso acabe com nossa amizade.
Sirius suspirou e riu baixo, levando uma mão aos cabelos de Harry e fazendo um carinho leve.
— Eu também já senti esse medo.
— Já?
Ele assentiu e respirou fundo.
— Eu já me encontrei no mesmo dilema. Estava me apaixonando por um amigo, mas tinha medo de estragar tudo entre nós e perdê-lo se eu desse uma chance.
— Antes ou depois da minha madrinha?
— Bom… Isso depende muito do momento que formos analisar. Ele esteve por perto o tempo inteiro.
Harry franziu o cenho confuso.
— Esse amigo não era meu pai, era?
— Merlin, não! — Sirius gargalhou e fez uma careta. — Eu nunca senti algo assim por James. Seria o mesmo que sentir algo pelo Regulus.
— Quem era então? — Harry perguntou rindo.
— Isso não importa agora. — Fugiu do assunto. — Foi esse amigo que me fez questionar se eu na verdade me interessava por garotos, mas neguei isso o máximo que pude — confessou. — Mesmo quando comecei a me entender e aceitar que gostava de garotos e garotas, eu me negava a pensar que sentia algo por ele. Mas ele… Ele é perfeito demais.
Sirius sorriu bobo, a imagem de Remus na adolescência logo surgindo em sua mente. Ele sempre fora lindo e perfeito, com todas as suas cicatrizes.
— No início talvez fosse apenas uma atração, sabe? Não realmente paixão ou amor, mas ainda assim, para mim parecia impensável sentir qualquer coisa por ele — falou. — Então chegou uma festa na Comunal da Grifinória. Não havia um motivo especial, queríamos apenas nos divertir. Os NOMs estavam se aproximando e nós tínhamos sido desclassificados da Final de Quadribol, precisávamos relaxar e acabar com o estresse.
— O que aconteceu na festa?
— Eu beijei ele.
Harry encarou o padrinho atento à história, curioso.
— Beijou ele?
— Sim, e Harry… Ao mesmo tempo que foi um dos melhores beijos da minha vida, eu fiquei apavorado — Sirius disse. — Eu tinha acabado de beijar um dos meus melhores amigos e gostado mais do que deveria.
— E o que você fez?
— Eu segui como se nada tivesse acontecido. No dia seguinte, fingi que esqueci tudo o que aconteceu na festa e culpei a bebida.
— Por Merlin… — Harry ficou boquiaberto. — Sirius…
— Nenhum de nós estava bêbado ao ponto de não saber o que estava fazendo, muito menos de esquecer, mas foi a saída que encontramos para não lidar com isso. Mas ele lembrava, e acho que eu sabia muito bem disso, só tentei acreditar que não. Nós dois ficamos com medo. Nada seguiu como antes entre nós dois depois disso e foi uma tortura.
— Sei bem como é…
— E um tempo depois, eu fiz uma coisa que o magoou muito. Ele não quis mais nem ficar perto de mim.
— Isso não me ajuda com meu problema.
— Espere, tem mais — Sirius falou. — Bom, tudo seguiu estranho e demorou bastante até voltarmos a ser amigos próximos, mesmo que não fosse como antes. Então, eu comecei a sair com a Karina, nos formamos e ela engravidou meses depois…
— Vocês eram bem jovens.
— Jovens irresponsáveis, sim. Amo os meninos, mas reconheço que eu e ela fomos imprudentes. Mas nós assumimos a responsabilidade, e Theo e Canis nasceram. E então Karina…
Sirius não concluiu. Harry sabia ao que ele se referia, então apenas deixou o padrinho continuar.
— Bom, aquele amigo foi um grande apoio para mim. Ele me ajudou muito a seguir em frente, e no fim eu… Estava apaixonado.
— E então?
— Eu continuei com medo. Ele era meu amigo, estava me ajudando, era meu maior apoio… Meu maior medo era estragar tudo se admitisse que estava apaixonado — falou. — Mas um dia percebi que deveria ao menos tentar. Poderia dar errado, mas… Eu não podia deixar o medo me impedir de ser feliz. Eu via James com Lily, como eles eram felizes com você… Também queria aquilo. De certa forma, eu já tinha, apenas não queria admitir.
Harry abaixou a cabeça, pensativo. Eles estavam tentando, mas ainda assim… Ah, era terrível o medo de estragar tudo e a sensação de não se entender.
— Eu sei que se apaixonar por seu amigo é assustador, mas às vezes temos que nos dar a chance de tentar, e também não há nada de errado nisso — Sirius falou. — Seja seu amigo um garoto ou garota, você pode tentar. Ninguém pode te impedir de ser feliz.
— Eu beijei ele também…
— O quê?! — Sirius arregalou os olhos.
— Esse amigo… Eu já beijei ele — Harry admitiu com o rosto corado, sem conseguir encarar o padrinho. — Muito.
— Muito? — Sirius arqueou as sobrancelhas.
— É… — Harry assentiu.
— E como se sente sobre isso?
— Eu gosto. Gosto dele, gosto de beijar ele…
— E então?
— Acho que quero estar com ele, só estou… Com medo. Não queria magoar ele por sequer entender a mim mesmo.
Sirius respirou fundo. Ele arrastou-se na cama até estar de frente para o afilhado e segurou suas mãos calmamente, fazendo-o encará-lo.
— Vamos ver… Você gosta de garotos, certo? Muito de um específico, aliás. — Harry assentiu. — Mas está confuso por já ter gostado de garotas também.
— Sim… — disse. — Eu sei que gosto muito dele. Enfim admitir que gosto de um garoto é…
— Assustador.
— Sim, mas… Eu também queria entender a mim mesmo.
— Como eu já disse, está tudo bem gostar de tudo. Eu sou assim, seu pai era, sua mãe, até Karina e outros de nossos amigos — Sirius falou. — E tem uma coisa muito importante.
— O quê?
— Cada um leva o seu próprio tempo para se reconhecer, mas você deve estar aberto a aceitar as possibilidades. E acima de tudo… Você não precisa namorar uma garota para saber que se atrai por elas, mesmo gostando de um garoto.
Harry piscou e abaixou o olhar, reflexivo.
— Eu me apaixonei por um homem, mas não sou gay — Sirius falou. — Na verdade, eu me entendo mais como… Bissexual seria o termo.
— Bissexual? — Harry encarou-o e franziu o cenho.
— É. E minha sexualidade não vai mudar por estar interessado em alguém de um gênero específico — explicou. — Cada um tem sua experiência. Já estive com homens e mulheres. Ter tido filhos com uma mulher não me tornava necessariamente hétero, assim como estar perdidamente apaixonado por um homem hoje não significa que sou gay. E você estar gostando de um garoto agora, não apagaria que algum dia já se interessou por uma garota.
Harry ficou em silêncio, apenas ouvindo.
— Eu me atraio por todos os gêneros. Você também pode. E não precisa focar tanto em saber agora como se entende. Vá no seu tempo, mas não deixe isso te impedir de ter sua própria experiência e de ser feliz — continuou. — Já me relacionei com muitos, mas amei apenas duas pessoas na minha vida, que por um acaso foram um homem e uma mulher, assim como James. Se você um dia perceber que ama de verdade esse garoto e não quiser estar com mais ninguém e realmente nunca estar… Isso não vai mudar quem você é. O amor e quem nós somos não está submetido a regras claras. Apenas ame como quiser e quem quiser.
— Therion e Canis falam sobre eles com tanta facilidade… Eles sabem exatamente como são e o que querem.
— Porque eles tiveram o apoio e se reconheceram há mais tempo. Remus nunca os privou de entender quem são, muito menos sobre quem eles podem amar. Eles tiveram o tempo deles. Ser menor e mais simples que o seu não invalida seus sentimentos e sua experiência.
— Não?
— Não. — Sirius sorriu e segurou o rosto de Harry. — E eu estou aqui por você, está bem? Sempre estarei aqui para te apoiar no que for preciso, e você pode confiar em mim e conversar comigo como agora quando precisar.
Harry sorriu e então pulou nos braços de Sirius, abraçando-o com força. Sirius abraçou-o de volta, mantendo uma mão sobre os cabelos dele, acariciando-os calmamente.
Potter sentia que precisava pensar um pouco sobre tudo, mas conversar com Sirius o ajudou de verdade muito mais do que esperava. Saber que tinha alguém ali por ele além de seus amigos, alguém que entendia seus sentimentos, o que ele passava.
Sirius ouviu um soluço e apertou o afilhado com mais força em seus braços ao perceber que ele havia começado a chorar.
— Eu estou aqui com você, Harry — sussurrou e deixou um selar na têmpora do garoto.
— Obrigado… — Harry sussurrou de volta. — Obrigado por estar aqui, Sirius.
— Sei que passou por muita coisa com seus tios, e eles te fizeram pensar que era um erro… Mas você é perfeito exatamente como você é, okay? — Sirius falou. — Estou aqui agora.
Ele deixou Harry chorar em seu ombro, acalentando o garoto em seus braços. Quando Potter se afastou, logo secou as lágrimas em seu rosto e ajeitou os óculos.
— Se algum dia também quiser conversar sobre os últimos anos, seus tios... Eu vou ouvir, está bem? Pode desabafar comigo. Eu sei como é crescer em um lugar onde não se sente bem-vindo e tentam reprimir quem você é.
Harry assentiu com a cabeça e fungou, mas não disse nada.
— Se sente um pouco melhor sobre o tal garoto agora? — Sirius perguntou.
— Sim… — Potter concordou.
— É o Therion, não é?
Harry abaixou a cabeça e escondeu o rosto vermelho entre as mãos, envergonhado, enquanto assentia. Sirius sorriu e o abraçou mais uma vez rapidamente, beijando o topo de sua cabeça.
— Você sabia o tempo todo.
— Sim, sabia — Sirius confirmou. — Agora, aquela história de vocês se beijarem muito…
— Sirius! E-eu…
Harry grunhiu e puxou as pernas para esconder ainda mais o rosto entre os joelhos. Sirius riu.
— Não precisa ficar envergonhado. Está tudo bem!
— Não está bravo comigo, não é? — Potter ergueu levemente o rosto, desconfiado.
— Por que estaria?
— Therion é seu filho e nós não contamos pra ninguém além do Canis.
— Vocês são jovens cheios de hormônios descobrindo sentimentos. Está tudo bem se beijarem e não precisa sempre nos contar tudo. E sei que não estão namorando, Remus já saberia pelo Therion — Sirius disse. — Mas eu ficaria muito feliz de tê-lo como genro.
Harry não sabia se ficava feliz ou ainda mais envergonhado.
— Therion e eu concordamos em irmos com calma quanto a isso de namorar oficialmente.
— Bom, você pode me falar o quanto quiser sobre como se sente nisso.
— Mesmo que eu esteja falando do seu filho?
— Seu pai era meu melhor amigo e namorava meu irmão, e eu ouvi muito sobre o relacionamento deles por ambos os lados. A história não está muito diferente — Sirius riu. — Estou pronto para continuar ouvindo como foi difícil resistir ao charme dos Black.
Harry riu, ainda bastante corado, mas sentindo-se muito mais tranquilo e confortável com Sirius. E ele começou a contar tudo, desde os encontros na Torre de Astronomia até o dia do seu aniversário e depois disso.
Sirius usou a varinha de Potter para convocar chocolates e cerveja amanteigada da cozinha, e assim eles seguiram até tarde da noite. Mesmo ainda acanhado de início, logo Harry soltou-se e desabafou tudo que sentia como estava fazendo antes, mas dessa vez citando o nome de Therion claramente. Em nenhum momento Black o interrompeu ou pareceu querer julgá-lo, apenas riram juntos e ele fez comentários pertinentes seguido de conselhos.
Ele acabou comentando mais sobre James e Regulus, e também um pouco mais sobre Lily, e Harry ouviu tudo atentamente.
Quando Therion e Remus enfim subiram e passaram pelo quarto de Harry, rapidamente um sorriso bobo surgiu no rosto de Remus enquanto o filho ria baixo. Em meio as garrafas de cerveja amanteigada e embalagens de chocolate, Potter dormia calmamente sob os cobertores ao lado de um enorme cão de pelos negros.
Naquela noite, Lupin ficou feliz em dormir apenas com o filho caçula, sabendo que Padfoot estava muito bem, cuidando de Harry como um dia prometera a Prongs.
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Olá, meus amores!
Tudo bem?
Um capítulo gigante e cheio de emoções para vocês! Gostaram?
Primeiramente, gostaria de dizer que os planos eram terminar esse capítulo já em King's Cross com o retorno a Hogwarts, mas estava ficando GIGANTE e ainda tem muita coisa, então isso vai ficar para o próximo (Que sairá ainda essa semana. Hoje não dá porque ainda faltam detalhes).
Segundo, eu sofri com todo esse ponto de vista do Draco, mas espero que tenham gostado!
Nesse capítulo, além de mostrar mais do lado do Draco e como ele se sente, também quis fazer um paralelo sobre a família reclusa e caótica dele em comparação com os Wolfstar com Deerwolf, com esse momento de cumplicidade e confiança entre eles para falarem dos seus sentimentos, coisa que se não perceberam, não é algo muito comum com os Malfoy.
E também deixei um mistério sobre a família pra vocês rsrsrs
Podem começar as teorias!
E eu simplesmente estou morrendo de amores com esse momentinho do Remus com o Therion. Achei essencial para mostrar como o Moony tem essa relação de confiança com os gêmeos e está sempre ouvindo eles sobre tudo.
Wolfstar contando cada um seu lado da história de como se apaixonaram 🥺🥰
Um dia teremos as fanfics da Marauders Era detalhando tudo melhor :)
E também tivemos a montanha russa Stardragon... É, eles são muito complicados. Slowburn mais longo que o deles, só de Wolfstar mesmo que tá durando 20 anos kkkkkkk
Os refrescos virão para ambos. Esse ano será uma loucura rsrsrs
Aliás: Se eu ver alguém falando mal da Astoria, vou bloquear sem dó.
Espero que tenham gostado do capítulo! Não esqueçam de comentar bastante, okay?
Até a próxima!
Beijinhos,
Bye bye 😘👋
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