29. 'cause I care more about what other people say
"Porque eu me importo mais com o que as outras pessoas dizem."
- Demi Lovato feat. Sam Fischer (What other people say)
terça-feira, 5h38min
O despertador não havia tocado ainda, mas mesmo deitada e de olhos fechados, Sohye já estava acordada. O corpo encurvado, a mão pressionando o abdômen na altura do estômago e a careta de dor que ela fazia, ali, escondida no escuro do próprio quarto, indicava que algo não estava bem.
Não era a primeira vez que acontecia, mas daquela, parecia mais forte. Quando acordou naquela madrugada, com o gosto azedo na boca e a azia, só conseguia pensar na voz da avó, em sua sabedoria idosa, dizendo que mais cedo ou mais tarde a neta iria irritar o estômago e teria uma gastrite por tomar tanto café.
E Sohye nem poderia retrucar a Sra. Go, porque a garrafa que tomou praticamente sozinha no dia anterior, estava vazia na cozinha como prova do crime.
O problema era que, se aquilo já iria acontecer, não poderia ser em outro momento? Por que justo no dia da apresentação do seminário?
Sohye escondeu o rosto no travesseiro, se encolhendo mais.
A vida é uma piada, mesmo.
•
— A tia Soso está passando mal, papai — Yuna despejou, assim que Jin passou pela porta da cozinha dando bom dia para a filha e a irmã.
Sohye, com uma das bochechas encostada na superfície fria da mesa, olhou para a sobrinha do outro lado. Até pensou em chamar-lhe a atenção, porque minutos antes tinha a pedido para não falar nada ao pai, mas a queimação no estômago foi mais forte, e ela apenas apertou o local e fechou os olhos.
— O que você tem?
— É só azia — ela resmungou.
— Você comeu alguma coisa ontem antes de dormir? Sabe que se a vovó souber ela vai logo dizer que foi...
— ... que foi o café, eu sei. Mas não existe estudo nenhum que comprove que isso é verdade mesmo.
— Então boa sorte para convencer a vovó que ela está errada e que a ciência não está do lado dela.
Sohye fez careta de novo, e ainda de olhos fechados, não viu quando o irmão seguiu em direção ao próprio quarto e voltou com um pacote de antiácido nas mãos. Seokjin colocou o comprimido no copo com água, e ele ainda efervescia quando o deixou na frente da irmã. Ela não se mexeu, apenas apertou mais a barriga.
— Está tão ruim assim, Sohye? Você não acha melhor ficar em casa?
— Eu não posso, tenho apresentação de trabalho hoje. — ela resmungou, movimentando a cabeça e encostando a testa na mesa.
— Pede para o papai falar com a sua pofessora, tia Soso. Ele sempre fala com a minha pofessora quando eu tenho algum poblema e aí ela nem briga comigo. É verdade.
A Kim sorriu ao olhar a garotinha de cabelos longos e espalhados, e carinha ainda amassada de sono. Era muito bonitinho como Yuna sempre queria ajudar.
— Não é assim que funciona na faculdade, Yuyu. Mas fica tranquila que eu vou ficar bem, tá bom? — em resposta, ela assentiu, voltando a atenção à sua revistinha de colorir.
— Vai tentar comer alguma coisa? — Seokjin questionou à irmã, enquanto abria a geladeira e tirava de lá os potes para ajeitar o café da manhã.
Em resposta, Sohye levou o copo com o remédio até a boca e resmungou, negando. Relaxou as costas no encosto da cadeira e torceu para o remédio fazer efeito antes dela precisar ir para a aula. Ao pegar o celular sobre a mesa, viu a notificação vinda do namorado e abriu o chat para o responder, sem conseguir disfarçar o sorriso quando viu a mensagem dizendo que ele sonhou com ela.
— Para namorar não 'tá passando mal... — Jin resmungou próximo à bancada, colocando arroz nos potinhos redondos. Sohye olhou para o irmão e Yuna deu risadinhas, olhando da tia para o pai.
— O que uma coisa tem a ver com a outra, Seokjin?
— Ué, agora mesmo estava quase se desintegrando no meio da cozinha, agora ta aí rindo. Se está rindo, não está com dor, porque nem deu tempo do remédio fazer efeito. — falou rápido e exagerado, apontando do copo para a irmã.
— Ai Jin, pelo amor de Deus, deixa de ser chato.
— Chato? Eu te dou remédio com o maior carinho do mundo, e eu que sou o chato?
— Chato por me provocar a essa hora da manhã enquanto eu estou passando mal.
— E tem hora par...
— Vou contar para a bisa que vocês estão brigando de novo... — Yuna os interrompeu.
Os dois olharam para a menina que com o cotovelo na mesa, e o rostinho apoiado na bochecha, os fitava com uma expressão cansada. Jin apertou os lábios e voltou a montar o café da manhã, Sohye abaixou a cabeça em silêncio, e respondeu as outras mensagens de Taehyung.
Yuna sorriu travessa, voltando a pintar a coelhinha Judy, em seu papel.
"Parecem duas criancinhas de 4 anos", pensou.
•
8h35min
Sohye agradeceu a carona, se despediu do irmão e desceu em frente ao prédio de umas das gráficas da faculdade. Ela fez careta ao se deparar com a temperatura fria fora do carro, e ajeitou o casaco que era agora mais pesado que a parka que ela costumava usar no dia a dia.
Ela esperou o carro do irmão fazer o retorno e passar por ali novamente, e acenou para Jin que buzinou escandalosamente em resposta, atraindo olhares das poucas pessoas que estavam ali.
A Kim riu envergonhada e segurou a alça da bolsa mais próxima ao corpo. Se virou, subindo os poucos degraus e caminhou a passos largos pelo longo corredor até a porta de entrada da gráfica.
Ela ainda sentia certo enjoo, por conta do estômago irritado, mas pretendia pelo menos apresentar o seminário e se ainda não estivesse bem, se permitir ir embora mais cedo indo direto para escola das crianças.
Sohye não queria aceitar ter se estressado tanto por aquele trabalho a toa, ela precisava pelo menos, o apresentar.
Pronta para entrar no local, parou antes de empurrar a porta de vidro.
A mulher alta e de longos cabelos loiros próxima dali, andando preocupadamente de um lado para o outro, lhe chamou a atenção. Sohye semicerrou os olhos tentando ver o que estava acontecendo, e se surpreendeu a reconhecer de quem se tratava. Ela se aproximou, a tempo de vê-la afastar o telefone da orelha e parecer digitar alguma coisa nele.
— Hana? — chamou. A garota, vizinha de Taehyung, direcionou o olhar meio assustado para Sohye, que percebeu rapidamente haver algo errado. — Você está bem?
Perguntou apenas por força de hábito, porque estava mais que óbvio que ela não estava bem. Sohye quis perguntar o que a garota estava fazendo ali, porque nem sequer sabia que ela era da Yonsei também, mas no momento em questão e pelo estado da garota, aquela nem era considerada uma pergunta plausível a se fazer.
— Não — ela até tentou sorrir, mas saiu apenas uma careta. — Eu perdi o meu pendrive, meu notebook ficou em casa e a minha namorada não atende o celular. Eu tenho apresentação agora de manhã e simplesmente não dá para eu voltar em casa agora. É a maior nota do semestre, eu não sei o que eu vou fazer, Sohye. Eu só... não sei.
— Calma, você não tem o arquivo na nuvem? Não dá para baixar?
— Tenho, mas os computadores da gráfica estão em manutenção e sem acesso à internet. Os funcionários só estão fazendo impressão. A biblioteca não abriu a essa hora, e a outra gráfica só atende com horário marcado. Ai, a Song vai me matar. — ela passou a mão no cabelo, o colocando atrás da orelha.
— A Song? Por quê? Você tem aula com ela também? Ah... você é da turma B?
Mesmo sem notar, Sohye a encheu de perguntas, mas Hana assentiu meio distraída, tentando encontrar uma solução para a própria situação.
A Kim tentou raciocinar: as turmas sozinhas já tinham por volta de 40 alunos e com a ideia da professora de as juntar, ficava mais impossível ainda dela notar a garota ali.
Como em um estalo, Sohye entendeu o motivo de Hana já parecer a conhecer, no dia no apartamento de Taehyung, e ela até se sentiu meio envergonhada por não ter a reconhecido de volta. Era comum que os cursos de licenciatura tivessem algumas aulas juntos, e pelas turmas serem sempre muito grandes, não dava mesmo para conhecer todo mundo.
— Eu não posso deixar de apresentar esse seminário, Sohye. Se não, não vou ter nota o suficiente para a prova no próximo mês e meu esforço de anos vai pelo ralo.
— Você vai tentar o programa de intercâmbio, também? — Sohye perguntou. Hana assentiu, um sorriso preocupado ocupava seu rosto.
— Você vai? — ela devolveu. Sohye não conseguiu disfarçar o sorriso desconfortável ao se lembrar daquela história, mas assentiu também.
Ela se sentiu mal porque, ao ver Hana daquela maneira, se recordou que dias antes estava cogitando jogar tudo para o alto e desistir daquela oportunidade, enquanto a mulher a sua frente estava evidenciando o quanto ela era importante.
Sem saber muito mais o que falar, a Kim encarou o jardim discreto que separava os corredores do local, e pensou que no fim, teria que refletir melhor sobre aquilo. Não era só desistir e fingir que não havia sangue e suor depositado para tentar aquela viagem, mas também, algo a dizia que ela tinha outras visões de mundo agora.
O foco do intercâmbio era a vivência na Inglaterra, nação dos Beatles, de Shakespeare, da One Direction e do McFly, e aquilo foi por muito tempo, um sonho, mas hoje, ela sentia que suas prioridades mudaram.
Sohye sacudiu a cabeça tentando esquecer, porque aquela decisão era algo para depois. A situação de Hana era a questão a ser resolvida no momento.
Depois de alguns segundos tentando pensar em algo, ela virou para Hana e seu coração apertou ao perceber sua expressão. Por detrás dos longos cílios, ela tinha os olhos avermelhados e as lágrimas já estavam descendo pelas bochechas.
Elas não eram tão próximas assim, mas era impossível não se sentir mal pela garota. Sohye descansou a mão nas costas dela, e a guiou com cuidado até um banco próximo dali. Se sentaram e a Kim a observou com cuidado, notando que desde o primeiro momento, Hana apertava a barra do casaco com força, o que a fazia tremer. A loira apertou os lábios e pareceu aumentar o ritmo da respiração. Sohye chamou, mas ela encarou as próprias mãos, não parecendo a ouvir.
— Hana? Hana olha para mim — chamou mais outra vez, percebendo do que se tratava. Sohye sabia ser péssimo sentir aquele desespero tomando conta de si, mas era tão ruim quanto, ver outra pessoa passar pelo mesmo. Ela segurou as mãos da outra — Olha nos meus olhos e toda vez que eu contar, você respira fundo, ok?
E ali, em um dos corredores da faculdade, Sohye se viu em outro ponto de vista da situação que ela sempre era a protagonista.
Ela não era a melhor especialista em como controlar crises de ansiedade, mas tentou usar o que costumava fazer, para ajudar Hana.
— Como você está? — perguntou, assim que chegaram ao 10 e o choro da garota diminuiu.
— Eu acho que 'to melhor, sim. — ela passou a mão na bochecha, secando as lágrimas que restaram. Sohye sorriu fraquinho.
— A nossa aula é às 9h. Vou mandar mensagem para um amigo meu que também estuda aqui e carrega o notebook dele para cima e para baixo. Você pode entrar no seu email e colocar sua apresentação no meu pendrive.
Hana abriu os olhos um pouquinho, surpresa. Ela não esperava aquela reação de alguém que acaba de descobrir um concorrente em situação de desvantagem.
Mas aquela era Sohye, e naquele momento entendeu que seu vizinho tagarela realmente tinha razão ao elogiar a namorada sempre que lhe fosse possível.
Ela observou a Kim digitar no celular e assim que terminou, a fitar.
— Pronto, ele deve levar alguns minutos já que está em outro andar. Vai ficar tudo bem. — Sohye lhe deu seu famoso sorriso de olhinhos quase fechados.
— Eu não sei como te agradecer, Sohye.
— Não precisa, de verdade. — ela apertou de leve o braço da menina — Você fez o trabalho, sozinha? Sem grupo?
— Eu precisei faltar no dia da aula que eles juntaram as turmas, e como fui transferida de outra faculdade tem alguns meses, não conheço muita gente aqui. Acabei tendo que pedir a Song e ao Jung para fazer sozinha. De primeira eles torceram o nariz, mas depois deixaram, porque não tinha muito o que fazer.
— Ah... — Sohye fingiu que não, mas, no fundo, sentiu um pouquinho de inveja. Fazer o trabalho, sozinha, seria muito mais cansativo, mas evitaria muita dor de cabeça. Ela decidiu mudar de assunto antes que começasse a se culpar por uma situação que não tinha mais o que se fazer. — Você se tornou voluntária no abrigo onde o Tae ajuda, não foi?
Hana assentiu.
— Ele quase não está indo devido ao trabalho — ela fez bico. — Você sabe quem é a Pati? Já conheceu ela?
— Impossível não saber quem é a Pati, Sohye — Hana riu, colocando o cabelo atrás da orelha, e Sohye a acompanhou.
— Ela ainda está lá, não é? Ela está bem? Tem tanto tempo que não tenho notícias...
— Ela está bem sim, tão elétrica quanto antes. Fica tranquila. — Sohye assentiu, sentindo saudades da cachorrinha, a famosa que de "inha", não tinha nada.
Antes mesmo que pudesse se sentir mal pela situação da bolinha de pelos amarela, ela avistou Jungkook chegar esbaforido, após cruzar o corredor com o notebook debaixo do braço.
— Eu vim o mais rápido que pude. Falta pouco para as 9h, é melhor vocês se apressarem — ele entregou o equipamento à Sohye, respirando atrapalhadamente.
— Obrigada, Kookie. Você é o melhor soulmate que eu poderia ter.
•
8h53min
Ainda faltavam alguns minutos para a aula começar, quando Sohye passou pela porta da grande sala, com Hana ao seu lado. O falatório no lugar era alto, típico de dia de apresentação de seminário, mas a situação ali parecia mais caótica ainda por outros fatores também. Seria ali onde os professores escolheriam os alunos que ocupariam os estandes na semana da profissão da Yonsei, representando o curso, e era também um trabalho avaliado pela famosa professora Song.
Ao avistar a amiga, Sohye acenou para Gaeul, enquanto subia os degraus seguindo até seu grupo de apresentação. A Park lhe deu um sorriso amigável e um tchauzinho em retorno, mas visivelmente estava tão desconfortável quanto todo mundo ali.
Hana se sentou próxima à Sohye, já que usariam o mesmo pendrive, e mesmo preocupada de ter que enfrentar uma apresentação daquelas sozinha, pegou o caderno, dando mais uma olhada em suas anotações.
Ao se aproximar, Sohye tirou da pasta que carregava as lâminas de apresentação que seriam entregues aos professores e as esticou a Myung, junto as folhas que eles usariam para se orientarem na apresentação. A mulher ao receber as anotações, dividiu as pastas de papel para os outros dois rapazes.
— Sohye... — um deles a chamou, e ela se virou para trás para o olhar. — Será que vocês poderiam repetir aquela explicação que você fez no sábado? É que eu não me lembro muito bem e o Suk também não estava.
Sohye arqueou uma sobrancelha, sem acreditar. Ele estava falando aquilo mesmo?
— Vocês não estudaram a apresentação?
— A Sohye mandou as lâminas em pdf no grupo, assim que terminou de organizar. Vocês nem abriram o arquivo? — Myung perguntou, irritada.
— Não, não é assim também. Eu abri, é só que como ficou muito grande, não daria para ler quase 200 páginas em três dias, e como vocês resumiram muito bem no sábado, eu achei que ficaria mais fácil de aprender se vocês resumissem mais uma vez, antes da apresentação.
Sohye encarou os homens, incrédula.
Era óbvio que o trabalho tinha mais de 200 páginas. Era porque ela e a outra garota se esforçaram o suficiente para ele ficar completo e bem estruturado, mesmo sem eles mexerem um dedo para ajudar!
Eles deviam achar ela muito com cara de idiota, mesmo. A Kim riu, um, porque era a única coisa que ela poderia fazer naquele momento, e dois, porque nisso ela teria que concordar com eles: ela realmente deveria ter cara de idiota, após ter feito a parte deles, no trabalho, carregando os dois nas costas.
— Ai, eu não sou obrigada, isso é demais até para mim — Sohye deu as costas para aquela cena, pegando a garrafa d'água e a bebericando.
— A gente pode ler, os professores sabem que tem muita informação e não dá para gravar tudo. Relaxa...
— É, relaxa — o tal do Suk, que Sohye nem lembrava se já ouviu a voz antes, se pronunciou pela primeira vez.
— Meu Deus, calem a boca — Myung retrucou, também olhando para a frente.
•
Da frente da sala, no local comumente ocupado pelos professores, Sohye que já tinha falado por boa parte da apresentação, ouvia Myung falar. A garota apresentava os dados coletados nas pesquisas que elas fizeram sobre alfabetização e letramento nas escolas infantis que tinham convenio com a Yonsei, enquanto apontava para um gráfico colorido na tela de projeção.
Sohye sentiu o estômago revirar pela terceira vez desde que pisou ali, e entendeu que não foi uma boa ideia ter bebido tanta água com o ele tão sensível. Ela fechou os olhos e engoliu em seco, em uma tentativa falha de tentar controlar o gosto azedo na boca. Ao abrir os olhos, se deparou com Gaeul, em seu local de costume, a fitar preocupada e logo movimentar a boca em uma clara pergunta se ela estava bem. Sohye assentiu discretamente, e voltou a atenção a Myung, mas antes mesmo que pudesse entender em que ponto a colega de grupo estava, ouviu a voz forte da professora Song, a pedir para parar.
Sohye olhou da garota segurando o microfone, atordoada pela interrupção repentina, para a mesa onde estavam os dois professores, e sentiu o corpo gelar.
Song era uma mulher que deveria estar entre os 40 e 50 anos. Tinha os longos cabelos lisos e escuros sempre amarrados em um rabo de cavalo na parte de trás da cabeça e aparentemente não conhecia outros tons de roupas, além dos pretos, cinzas e brancos. Naquele dia ela vestia um dos milhares terninhos cinza, e a única coisa colorida nela era a armação vermelha dos óculos de grau.
Ela semicerrou os olhos por detrás das lentes, e encarou uma das lâminas em sua mão, entregue pelo grupo antes de se posicionarem na frente da turma.
— Você é Kim Sohye ou Lee Myung?
— Lee Myung, professora...
— Ok, Lee Myung, eu acho que entendemos que você e sua colega de grupo pesquisaram sobre o assunto, mas gostaria de ouvir seus outros colegas, agora.
Sohye sentiu que poderia vomitar ali mesmo, na frente da sala toda.
— Eu não term...
— Acredito que seus colegas não irão se importar em continuar a apresentação. — ela sorriu, quase irônica.
E aquele foi o primeiro sinal para Sohye entender o porque Gaeul odiava tanto aquela mulher.
Mesmo o professor Jung, sentado ao lado dela, pareceu não saber o que falar. Sohye encarou Myung, que lhe fez uma careta nervosa e ela repetiu uma expressão parecida, no automático.
Instintivamente, ao ouvir os rapazes resmungarem e um cutucar o outro para ver quem iria falar primeiro, Sohye fechou os olhos e a primeira coisa que lhe veio a mente foi uma das clássicas frases do namorado de quando ele dizia sentir tanta vergonha que se pudesse cavaria um buraco no chão e se esconderia nele até esquecerem que ele existia.
Ela não soube como eles decidiram quem falaria, mas não faria diferença, já que nenhum dos dois saberia o que dizer. Pela voz que soou no microfone, ela ouviu Suk — logo ele, que nem sabia o que estava fazendo ali —, começar ler o papel em sua mão, como se fosse a voz do Google Tradutor falando em uma fonética diferente da do idioma escrito.
Ela já poderia ajoelhar e começar a cavar, não é?
— Ok, ok. Chega. Quem é o líder do grupo de vocês? Acredito que uma de vocês duas — Sohye encarou Song, sem saber o que falar. Myung arregalou os olhos. — Senhorita Lee?
E no momento que a garota balançou o rosto para os lados, Song encarou Sohye.
— Kim Sohye, não é?
— Sim professora, Song. — ela disse, sem microfone mesmo.
E ao responder, ela se arrependeu porque, estava confirmando o nome, e não que era ela a líder do grupo. Eles nem decidiram nada daquilo. Ela nem sabia ter que escolher um líder.
Aquilo era uma apresentação de seminário, não um grupo de kpop, droga!
— Só resta você, e eu prefiro acreditar que seja você a líder do grupo, do que vocês não tenham decidido alguém para comandar o trabalho. Você prefere explicar para mim, o professor Jung e os seus colegas de turma sobre o que aconteceu, ou prefere ficar em silêncio e confirmar que nós só perdemos nosso tempo aqui? E eu espero que você tenha uma explicação convincente sobre essa situação.
Sohye engoliu a saliva, sentindo o refluxo chegar na garganta. Se abrisse a boca, passaria mal ali mesmo.
— Com licença, professora Song. Mas eu gostaria de terminar de ver a apresentação deles. O trabalho está muito bem elaborado e estou curioso para saber em qual resultados eles chegaram com a pesquisa — o professor Jung se pronunciou.
Diferente da professora que dava medo só de olhar, ele era muito mais o tipo de cara que se encaixava no esteriótipo de tio legal. Os cabelos lisos estavam sempre cortados de forma descontraída, algumas rugas leves faziam presença em seu rosto, assim como o sorriso que nunca saia dali. Usava calças jeans, e blazer azul-marinho, com uma camisa de botões por baixo. O senhor Jung era o tipo de professor que, se o estudante se esforçasse, ele fazia de tudo para o ajudar na disciplina. Não era a toa que todo mundo lutava para ficar na turma dele, e não na da Song.
— Ok, professor Jung, mas eu gostaria de ouvir a resposta da Sohye, antes — ela sorriu o mesmo sorriso de antes, encarando a Kim. — Até porque, não adianta muito eles terem elaborado uma ótima apresentação, se não sabem trabalhar em equipe. Isso é o básico na nossa profissão e eu não quero que nosso curso seja representado na feira de profissões na frente de toda a faculdade e de empresas externas, por alunos que não têm nenhum profissionalismo.
Ela parou analisando alguns papéis na mesa e levantando um deles: — E pelo o que eu estou vendo aqui, seu boletim é impecável, Sohye. Parabéns. Mas só notas boas não faz de você uma profissional competente para o mercado de trabalho.
Sohye se manteve em silêncio.
Depois sentiu a respiração falhar, o coração martelar e o nariz arder. As mãos começaram a tremer, e no automático, cravou as unhas nas palmas já suadas. Ela sentiu a sensação esquisita que tomava conta dela, sempre que estava prestes a ter uma crise de ansiedade.
E ter uma crise de ansiedade na frente de todas aquelas pessoas, seria a cereja no topo do bolo daquela situação que já estava extremamente vergonhosa.
Viu a professora Song, arquear uma das sobrancelhas, com um sorrisinho, esperando por uma resposta.
Por que ela era assim? Tinha alguma explicação?
Além do olhar quase maldoso da professora, sentia que todo mundo naquela sala esperava uma resposta dela.
Agora ela teria que responder pelo grupo todo, sozinha? Ninguém ia se pronunciar? Legal.
Sohye sentiu alguma coisa crescer em seu peito, mas não soube a nomear. Era indignação, raiva, cansaço, tudo misturado, e se perguntou se tudo o que fez, valia mesmo a pena. Se teria mesmo todo o seu esforço na graduação e na vida, resumido a uma apresentação de 30 minutos onde duas pessoas que ela nunca viu antes daquele trabalho, trataram tudo como brincadeira.
Ela seria resumida a uma profissional incompetente, porque não aceitou ser babá de dois homens adultos que não levavam a profissão a sério?
Encarando a professora, sentiu os olhos começarem a marejar, e se sentiu uma completa idiota por aquilo estar acontecendo. Não era como se ela não tivesse tentado contornar e resolver a situação. Ela não foi a única responsável pelo que estava acontecendo. Chorar na frente de todo mundo após ouvir aquelas palavras, só iria fazer a Song sair como superior, mais uma vez na história daquela Universidade, mas nem era aquilo que estava a incomodando.
Sohye não estava se sentindo inferior pelo que a mulher estava falando, ela estava irritada e queria gritar aos quatro ventos que não eram vários diplomas e um currículo de 5 páginas que a dava o direito de falar daquele jeito com alguém. Ela poderia ter feito milhares de cursos, ter rodado o mundo inteiro fazendo pesquisas, falar sabe-se lá quantos idiomas, mas isso não lhe dava o direito de humilhar outra pessoa assim na frente de várias outras.
As lágrimas eram de raiva pelo mundo ser injusto daquela maneira.
A Kim pensou nos vários momentos perdidos com os amigos e a família, nas várias horas de sono que abriu mão... Tudo isso para ser humilhada na frente de mais de 80 pessoas que até aquele dia, nem sequer sabia o seu nome, quem dirá quem ela era.
Então o som do cronômetro sobre a mesa, invadiu a sala e também os pensamentos da Kim, a fazendo sair do transe que estava.
— O próximo grupo pode se posicionar para apresentar — a Song disse, seca e indiferente, como se nada tivesse acontecido.
Mas muita coisa aconteceu ali.
•
Após sair da sala apressada, não se dando ao trabalho de pegar a própria bolsa ou qualquer coisa esquecida lá, Sohye cruzou um dos corredores do prédio de Educação a passos largos, no que por pouco não se tornou uma corrida.
Com uma mão na frente da boca, usou a livre para empurrar a porta do banheiro e logo depois a de uma das cabines sanitárias dele, quando não dando tempo dela levantar a tampa da privada e se ajoelhar a frente dela para colocar o pouco que tinha no estômago, para fora.
A ação não durou mais do que 1 minuto, e quando garantiu que a terminou, fechou a bacia sanitária, deu descarga e se sentou na tampa, tentando se recuperar. Apoiada na pedra fria que dividia sua cabine da outra, ela apertava a barriga curvando o corpo para frente. Sohye suava frio, sentia a cabeça rodar e ouvia o coração bater acelerado no ouvido. Ela quis chorar, mas nem isso ela conseguia de tão confusa estava.
Ela sabia ser o estômago, mas toda a situação na sala, parecia só ter agravado mais ainda a irritação e o enjoo.
A Kim ainda respirava com dificuldade quando ouviu a porta do banheiro ser aberta e alguém entrar. Se Jin estivesse ali, a diria estar sendo idiota de agradecer por ninguém ter presenciado o que aconteceu minutos antes, quando, na verdade, precisava de ajuda por estar passando mal.
— Sohye? — ouviu alguém a chamar do lado de fora. — Sohye, você está aí?
Por pouquíssimos segundos, ela achou que era Gaeul, mas logo percebeu que a voz era diferente. Sohye puxou o ar mais algumas vezes, contando até 5, e antes de se levantar e dar descarga mais uma vez, tentou disfarçar a expressão ao sair para a área comum do ambiente. Ela deu de cara com Hana a encarando com os olhos arregalados.
— Você 'tá legal? — Sohye assentiu, e sorriu forçado sem conseguir olhar nos olhos da menina, indo até à bancada para lavar as mãos.
— O que a Song falou...
— 'Tá tudo bem, Hana. Sério. Tanto faz o que Song falou.
— Você não é nada daquilo que ela disse. Ela faz isso com todo mundo, Sohye. É ridículo e cruel. — a loira falou meio atrapalhada, sem saber muito bem o que dizer. Sohye sentiu o nariz arder mais uma vez, mas fungou e engoliu o choro, antes mesmo que ele pudesse iniciar.
Ela terminou de secar as mãos com as toalhas de papel, as jogou na lixeira e direcionou um sorriso singelo para a garota, sem saber o que responder enquanto ela ainda a encarava. Depois, deu graças a Deus quando Gaeul entrou no banheiro, diga-se de passagem, quase quebrou a porta quando a abriu, e correu até elas duas.
— Soso, você 'tá bem? Aqui, eu trouxe a sua bolsa. Meu Deus, aquela mulher é uma cobra. Ela tem que morder aquela língua gigante dela que não cabe na boca para se engasgar com o próprio veneno. Que ódio! Eu só não fui lá embaixo e fiz ela engolir aqueles papéis...
— Ga, ta tudo bem. Relaxa. — Sohye forçou um sorriso para a melhor amiga, a interrompendo — Hana, essa é a Gaeul, minha amiga. Ga, essa é a Hana, ela é vizinha do Tae e eu acabei de descobrir que ela também faz faculdade aqui.
— Melhor amiga. Park Gaeul, prazer — Gaeul sorriu artificialmente para a loira, que assentiu achando graça ao ver Sohye fechar a cara para ela.
— Sohye, você está legal mesmo, não é? — Hana perguntou mais uma vez e ela assentiu novamente — Tudo bem se eu voltar para a sala? Acho que vocês querem ficar sozinhas, não é? Eu vou lá, mas qualquer coisa você pode me mandar mensagem. E lembra do que eu te disse, tá?
— Pode deixar. Obrigada, Hana. Boa sorte na apresentação! — ela acenou para a menina que saiu do ambiente logo depois.
— Se ela fosse sua amiga mesmo, saberia que você não está nada bem e está mentindo na cara dura.
— Para Ga... — Sohye resmungou sem se dar ao trabalho de justificar alguma coisa. Ela revirou a bolsa em busca da necessaire com a escova e a pasta de dentes.
— Mas eu a desculpo, ela está chegando no rolê agora, não tem obrigação de saber disso. Mas eu tenho, e Sohye, é sério, você está verde. — ela encostou de lado na pia, encarando a amiga — Não foi só pelo que a Song falou, não é? Desde que você chegou que eu percebi que tem alguma coisa errada. O Jungkook me mandou mensagem e disse que você estava esquisita também.
— Não tem nada de errado, não viaja — Sohye respondeu, antes de enfiar a escova na boca. Gaeul riu pelo nariz.
— Agora eu tenho mais certeza ainda que tem alguma coisa acontecendo. — Gaeul reclamou, esperando a Kim terminar.
— Meu estômago não está muito bom hoje — Sohye disse, por fim, sem conseguir prolongar por mais tempo a mentira. Mais cedo ou mais tarde Gaeul descobriria mesmo. Era só ela encontrar com Yuna na escola mais tarde. — Eu bebi duas garrafinhas de água antes de apresentar e acho que não foi uma boa ideia, porque fiquei pior.
— Foi só isso mesmo? — Gaeul questionou, mas Sohye apenas assentiu. Terminou de guardar a escova na bolsinha, e depois a colocou dentro da mochila azul. Com a falta de uma resposta melhor, Gaeul expirou. — Ok, não vou te encher mais. E nem vou perguntar se você vai para casa ou para o trabalho porque já sei a resposta. Apesar de não concordar em nada com ela.
19h28min
Sentada em um banquinho em uma calçada próxima à casa do namorado, Sohye tinha os fones nos ouvidos e o olhar vago pairava nos carros que passavam em direções opostas, fazendo com que riscos de luzes azuis e laranjas parecessem correr pelo ar.
Ao seu redor, os céus escureciam e gradualmente a iluminação natural era trocada pela artificial da noite de Incheon. A temperatura também caía com a mudança de posição do sol no céu.
Louis Tomlinson dizendo "I've got scars, even though they can't always be seen" em seu ouvido em uma de suas músicas favoritas, a fez fungar ao se lembrar do que aconteceu naquela manhã.
Por mais que tivesse se esforçado para se distrair com as crianças e esquecer toda aquela cena em que foi obrigada a passar, no fundo, Sohye sabia que ela não levou aquilo tão bem quanto estava tentando demonstrar para os amigos. Amigos, no plural, porque a história chegou em Jungkook, e depois de Gaeul negar muito não ter sido ela a ter contado, Sohye percebeu que não bastava o vexame em sala de aula, mas que agora todo o prédio já comentava sobre nova vítima da professora Song.
O incômodo de escutar em alto e em bom som de que não tinha habilidades para se tornar uma profissional competente, faltando pouco para pegar seu diploma de graduação, vencia qualquer desconforto de saber que por pelo menos mais 2 semanas, ela seria o novo assunto dos corredores da Yonsei.
Mas logo eles esqueceriam. Era só acontecer algum outro evento mais interessante do que um professor humilhando um aluno na frente da classe. Era horrível afirmar uma coisa daquelas, mas aquelas situações faziam parte da rotina deles já. Só mudavam os personagens.
Sohye fungou mais uma vez, e daquela, sentiu as lágrimas começarem a rolar por suas bochechas.
Era para aquilo então, que ela tinha se esforçado tanto?
Se sentia muito idiota por não conseguir encontrar uma solução para o fato de que um comentário negativo, parecesse ter poder para anular todos os outros elogios que recebeu durante sua trajetória ali. Sobre o amor que ela sentia pela profissão e pelo magistério, sobre tudo o que ela viveu e aprendeu em sala de aula, parecerem não ser o suficiente.
O celular vibrou em seu bolso, e ao tira-lo de lá, viu a mensagem de Taehyung avisando que chegaria alguns minutos mais tarde porque tinha se atrasado no trabalho, mas que já estava entrando no metrô. Ela secou os olhos e o rosto com as mangas do casaco, antes de avisar-lhe que não tinha problema.
Entre guardar o celular novamente no bolso, se levantar do banco de madeira e tocar o interfone no prédio de Taehyung, foram por volta de 20 minutos. Ela, que esperava sempre o namorado chegar, conversando no hall de entrada com o zelador amigável, daquela vez apenas sorriu educada para o senhorzinho e se direcionou até o elevador.
Quando a cabine de metal parou e abriu as portas, ela saiu, caminhando até a porta do apartamento de Taehyung e Jimin, mas desistiu de entrar, a mão parada no ar, antes mesmo que pudesse digitar a senha na fechadura digital.
Sohye se sentiu mal por, tentando fugir das várias perguntas que o irmão faria sobre ela ter melhorado ou não, e começar o discurso de no mínimo 1 hora que ela deveria fazer uma consulta médica para garantir estar realmente bem, decidir aparecer na casa do namorado de surpresa, em plena terça-feira, em um momento em que ele estava tão atarefado com o trabalho.
Ela se sentiu muito egoísta e mesquinha.
Então paralisou, ali, ao lado da porta, encarando agora o celular em sua mão, pensando que fazer o caminho de volta para casa, só iria deixar a coisa pior ainda. Encostou as costas na parede e escorregou até se sentar no piso de madeira do local.
Após ficar algum tempo encarando a parede contrária, resolveu tirar um livro da mochila e o abrir na página separada pelo marca páginas. Levou menos de 5 minutos lendo, porque quando ouviu a porta do elevador ser aberta, levantou o olhar na direção esperando para ver ser Taehyung ou Jimin.
Mesmo de longe ela reconheceu os longos cabelos loiros de Hana, e esta sorriu ao ver a Kim. Ela se aproximou parando a frente dela.
— Não tem ninguém em casa? Você não está com frio aqui fora?
— Ah não, tudo bem, o Tae já está chegando. — Sohye sorriu, fazendo menção de se levantar, mas parou ao ver que a mulher já estava se sentando do lado dela.
— Posso te fazer companhia então? — perguntou. — Ah! Eu iria te entregar depois na faculdade, mas vou aproveitar que já te encontrei — ela tirou da mochila um estojo, e de dentro dele o pen drive em formato de livro. Sohye arqueou as sobrancelhas, surpresa. Tinha se esquecido completamente.
— Você conseguiu apresentar seu trabalho? — Sohye aceitou o objeto da garota e colocou no bolso da mochila. Ela assentiu.
— Graças a você e ao seu amigo. — Hana lhe deu um sorriso fraquinho. — Eu não sei como te agradecer o que você fez, Sohye.
— E não precisa — ela sorriu de volta. — É o mínimo que qualquer pessoa poderia fazer nessa situação.
— Não é, Sohye. Nem todo mundo faria isso sabendo que estaria diminuindo as chances de um concorrente. E é tão injusto você não ter conseguido apresentar o seu. — ela passou as mãos no rosto, irritada. — Quando o Taehyung não guardou elogios sobre você, eu achei até que era exagero, mas agora eu vejo que ele tem razão. Acho que nunca vou conseguir te agradecer o suficiente pelo que você fez por mim hoje.
Sohye sentiu o coração quentinho de ouvir aquilo.
Vai ver nem todas as pessoas do mundo eram tão ruins assim, não é?
— Hm... Você pode me prometer que vai cuidar da Pati quando o Tae não estiver no abrigo, que tal? — ela brincou, fazendo Hana sorrir.
— Ok. Combinado, então. — ela esticou a mão para a Kim, que a segurou, em um cumprimento. — Você e o Taehyung são duas pessoas incríveis, não é a toa que estão juntos.
— E o que ele aprontou dessa vez? — Sohye fez piada, fazendo a outra garota rir.
— O lance do abrigo. A Naomie, a minha namorada, não é daqui. Ela veio fazer doutorado e como não tem tempo para sair e fazer outras coisas, se sente mega deslocada e começou a ficar meio para baixo. Então o Jimin comentou sobre o abrigo de animais, e o Taehyung se mostrou muito solícito para nos levar lá e apresentar para o pessoal. Ela está bem melhor agora, e até entrou para um grupo de apoio para estrangeiros, que uma das meninas do abrigo comentou sobre.
— Grupo de apoio? — Sohye perguntou, confusa.
— Isso. É tipo, um grupo onde algumas pessoas se reúnem para conversar sobre alguns assuntos, mas o principal deles é sobre como encontrar meios de não se sentir um peixe fora d'água em um lugar que não os aceita 100%. Nesse grupo tem pessoas de vários países e tem também pessoas com dupla nacionalidade, que vivem aqui na Coreia.
— Dupla nacionalidade...?
— Isso, filhos de pais estrangeiros e coreanos.
Sohye quase abriu a boca para exclamar surpresa, mas o barulho do elevador chegando no andar foi mais alto. Ela olhou na direção, a tempo de ver Taehyung aparecer ali, rindo de alguma coisa que a garota negra e de cabelos cacheados, ao seu lado, disse. Os dois pararam ao ver as outras duas sentadas no chão, e fizeram expressões confusas, sem entender, elas riram e se levantaram.
— Esqueceu a chave de casa de novo, Hana? — a garota de blusa felpuda e calças de alfaiataria laranja, perguntou. Sohye e Taehyung riram ao ver a loira rolar os olhos. — Ela esquece tudo em casa, não sei como não esquece a cabeça.
— Não, dessa vez, eu não esqueci as chaves. Eu cheguei e encontrei a Sohye e parei para conversar.
A garota de cabelos cacheados arqueou as sobrancelhas e abriu a boca surpresa.
— Ah, então você é a famosa, Sohye? Eu não sabia que iria te encontrar hoje. Eu nem tenho roupa para esse evento!
— Famosa? — Sohye arqueou uma das sobrancelhas. Naomi sorriu e assentiu.
— Todo mundo que eu conheço fala de você, mas sem dúvidas, esse cara aqui, vence de todas elas. — ela apontou para Taehyung, e ele empurrou os óculos para perto dos olhos, sem jeito, ao ser pego de surpresa.
— Eu te falei... — Hana sussurrou para Sohye que riu, encarando o namorado. Ele levantou os ombros, e sorriu sem graça. — Vamos, Nomi, antes que o Taehyung nos odeie e nos proíba de visitar o abrigo, porque nós falamos demais.
A outra assentiu e as duas riram, enquanto Hana puxava a namorada na direção da porta da casa delas. Os dois sorriram também e acenaram de volta, antes delas entrarem.
— Oi, Kim... — Sohye se virou para o namorado, abraçando o livro que segurava.
— Oi, Soso — ele sorriu, as bochechas cheinhas e ainda meio coradas. — Por que não entrou? Não está com frio aqui fora?
— Na verdade, eu estou morrendo de frio — ela resmungou, se aproximando e se encolhendo ao encostar o rosto no peito dele. Taehyung sorriu, a contornando com um dos braços e beijando-lhe o topo da cabeça.
Ele digitou a senha e após o som da porta sendo destrancada, entraram no interior da casa ainda abraçados, e atrapalhados riram quando Taehyung pisou em um sapato largado no hall e por pouco não caíram os dois no chão.
Sohye ainda ria, quando ele tirou a bolsa do ombro a largando encostada na parede.
— Você está melhor? — perguntou, tirando o cachecol xadrez do próprio pescoço e colocando em Sohye.
Ela paralisou, o encarando.
A história já tinha chegado nele?
— Como assim?
— Você não disse estar ruim do estômago hoje cedo, Soso?
— Ah. Sim. To melhor, sim. — ela respondeu, abrindo um pouquinho os olhos.
Taehyung manteve o olhar no dela por alguns segundos, e Sohye ficou apreensiva dele perceber alguma coisa. Não era que ela não quisesse contar o que aconteceu, ela só não estava no clima de ter que parar para pensar naquilo de novo.
Ele sorriu de canto e se aproximou, encostando os lábios devagar nos dela. Ao se afastarem, Sohye lhe devolveu o sorriso, sentindo um alívio momentâneo no peito.
Não faria sentido ela ir para casa do namorado para não ter que lidar com as perguntas das pessoas, e chegar ali e começar a despejar tudo em cima dele.
— O Jimin não está em casa? — perguntou.
— Ele não está muito legal. Quando isso acontece ele fica até tarde no estúdio, treinando. — respondeu, tirando a boina da cabeça e colocando em Sohye. Ela resmungou dele a confundir com o cabide, e ele riu.
— Com "isso", você diz o que aconteceu entre ele e o Kookie?
Taehyung apertou os lábios e assentiu.
— Falta de comunicação, não é? Porque não tem outro nome.
— Não tem mesmo — ela suspirou. — Eu prometi para o Kookie que não iria me meter, mas arg!
— O Jimin pede para eu me meter na história, todo dia, eu que digo que não. — ele riu, fazendo a Kim o acompanhar — Eles são nossos melhores amigos, mas nós não podemos tomar decisões por eles. Eles dois que precisam conversar... Olha o que eu trouxe!
Ele se abaixou do nada, e levantou a sacola de papel largada ao lado da bolsa carteiro no chão. Sohye arqueou uma sobrancelha, sem entender.
— Melão — ele sorriu. — Minha mãe falou que o chá da semente é bom para o estômago, então vou fazer para você — ele seguiu para a cozinha, e ela foi atrás, se sentando depois em uma das banquetas.
— Você falou para sua mãe que eu estava ruim do estômago? — perguntou. Mas, na verdade, o que queria perguntar mesmo era "Você falou de mim para ela?", mas deixou para lá.
— Eu sempre peço socorro a minha mãe quando fico mal — ele falou rindo, colocando a fruta na pia. — Ah... Falando na minha mãe...
— Hm? — Sohye perguntou meio risonha, já sabendo o que viria logo depois.
— Ela perguntou se algum dia você vai lá comigo...
— Ela perguntou mesmo, ou você que está usando o nome dela para tentar me convencer a ir?
— O que? Não, Sohye! Ela perguntou mesmo. — ele a olhou, o olhar indignado. Sohye riu.
— Você quer mesmo que eu vá? — Sohye apoiou o cotovelo na pedra da bancada, e apoiou o rosto na mão. Ele assentiu a fitando.
— Mas eu vou entender se você precisar resolver alguma coisa da faculdade nesse feriado. Eu pretendo tomar vergonha na cara e voltar lá outras vezes, então vamos ter outras oportunidades de ir.
Ao ouvi-lo citar a faculdade, Sohye mordeu o interior das bochechas, ao se lembrar do evento daquela manhã. Ela já sabia que teria que estudar o dobro para as provas, depois do fracasso que foi aquela apresentação, então talvez os amigos tivessem realmente razão ao insistirem para ela visitar a família de Taehyung com ele, naqueles dias.
— Não vai ser estranho eu ir com você? Tem tanto tempo que você não vê seus pais. — Taehyung balançou a cabeça de um lado para o outro, enquanto tinha as mãos debaixo d'água. — Ok, então.
— Ok? "Ok", o quê? — ele se virou novamente para ela.
— "Ok", de "Ok, eu vou com você."
— É sério?! — ele arregalou os olhos, as mãos com as luvas amarelas, de látex, paradas em frente ao corpo.
— É sério — Sohye sorriu, o achando fofo.
— Hm. Er. — ele piscou os olhos, encarando o piso da cozinha — Calma. Você vai mesmo? Não é pegadinha, não é?
— Não, Tae. Mas eu vou acabar desistindo se você continuar surtando. — ela riu mais uma vez, ao vê-lo negar rapidamente com a cabeça.
— Não, não. Mas é que eu já tinha me conformado que você não iria.
— Você não quer que eu vá, então?
— Ai, você está me confundindo, Kim Sohye — ele reclamou, voltando a atenção ao melão dentro da pia. Ela riu.
Sohye se levantou e se aproximou do namorado, contornando os braços em volta de sua cintura. Enquanto ele cortava a fruta ao meio e tirava as sementes, com a bochecha encostada no suéter fofinho dele, Sohye viu a sua mente viajar para longe. Primeiro vieram os comentários ruins da professora Song, depois o fato de que por ter se saído mal naquele seminário, teria que estudar mais para a tal prova de intercâmbio.
A mesma que ela ainda não havia informado Taehyung.
Sohye se sentiu culpada. Ele estava ali, se preocupando com ela, e ela estava escondendo aquela informação que poderia ser o divisor de águas para o relacionamento deles.
Era tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, que ela se sentia completamente perdida e sem saber o que fazer.
Ao sentir os olhos começarem a marejar, os fechou e encostou o nariz nas costas do namorado, aspirando o perfume do amaciante em sua roupa.
Ela estava se sentindo tão esquisita naquele dia.
— 'Tá tudo bem? — ouviu Taehyung perguntar por cima do ombro, e só então ela percebeu estar o apertando e afrouxou os braços ao redor dele.
— Uhum. Eu vou tomar banho, tá? — se afastou, mudando de assunto.
— Tudo bem. Você não trouxe roupas, não é? Pode pegar alguma das minhas lá no guarda-roupas.
— Você não vai pegar para mim?
— Mas você sabe onde fica, Soso.
— Meu Deus, você não era assim quando nós começamos a namorar. — Ela deu as costas para o namorado, seguindo até o quarto dele. — Parece que estamos casados há 20 anos, credo. — resmungou fazendo bico, e arrancando algumas risadas de Taehyung.
•
Sohye encarou seu reflexo no espelho e mesmo a situação não sendo das melhores, se lembrou de Gaeul falando que ela estava verde e teve que concordar, porque todo o mal-estar daquele dia realmente parecia a estar fazendo mudar de cor.
Ela ajeitou a franja sobre os olhos, amarrou parte do cabelo em um coque bagunçado. Juntou suas roupas usadas e puxou para baixo a barra da camiseta que vestia e parava na altura da coxa. Antes de sair do banheiro, deu uma olhada rápida para ver se tinha além dela e Taehyung em casa.
— Qualquer dia desses o Jimin me pega andando de blusa sua e calcinha pelo apartamento de vocês e me proíbe de entrar aqui — Sohye entrou no quarto, reclamando.
Taehyung, vestindo pijamas de flanela, deitado na cama, e com o olhar preso em um livro, riu ao ouvir a namorada falar.
— Não tenho culpa se a menor das minhas calças fica caindo em você. Já te disse para deixar algumas roupas aqui — ele se ajeitou, a observando enfiar as roupas na mochila no canto do quarto. Sohye foi até a escrivaninha e deixou o celular carregando em uma das tomadas. — Não que eu esteja reclamando de você usar minhas roupas, essa camisa dos Beatles combina muito mais com você do que comigo.
Ela riu, rolando os olhos. Depois os arregalou ao ver o livro na mão dele.
— Meu Deus, você não tirou o marcador da página que eu estava lendo, não é? — ela cruzou o pequeno quarto em segundos, se enfiando embaixo do edredom, ao lado do namorado. Ele balançou a cabeça para os lados, negando.
Sohye se aconchegou ao lado dele, o envolvendo também pelas pernas.
— "Estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiura e sua beleza e me pergunto como uma coisa pode ser as duas.". Profundo. A famosa dualidade humana. — ele arqueou as sobrancelhas e assentiu de forma lenta e engraçada, fazendo Sohye sorrir. Ela passou algumas folhas do livro e apontou para outro trecho.
— "As pessoas só observam as cores do dia no começo e no fim, mas, para mim, está muito claro que o dia se funde através de uma multidão de matizes e entonações, a cada momento que passa." Essa é uma das minhas favoritas.
— A jornada é mais importante do que o começo e o fim? — Sohye assentiu, no rosto um sorriso meio desanimado. — Me empresta quando terminar? — ele perguntou e ela concordou, lhe dando um beijinho na bochecha.
Então eles ficaram em silêncio por algum tempo. Ela encarando a parede contrária à direção que estava recostada e Taehyung com o olhar vago à sua frente.
Sohye não falou, mas ele sentia ter alguma coisa acontecendo. E ela, por outro lado, também sabia que ele havia percebido. Era interessante pensar que eles já se entendiam sem precisar pronunciar uma palavra sobre.
— Como está no trabalho? — ela perguntou, o tirando do transe.
— 'Tá indo. Ainda não apresentamos as propostas, mas está todo mundo se dedicando muito. Só se fala disso pelos corredores, e às vezes eu fico meio "blé", mas agora não tem como voltar. O Nam tá bem empolgado com o que eu pensei. — ele fez careta e eles riram.
— Você vai se sair bem. — Sohye lhe deu um beijinho no ombro e fez carinho em seu braço.
— Eu espero que sim... — ele parou o olhar no canto do quarto por alguns segundos e se mexeu do nada, assustando Sohye. — Eu quero te mostrar uma coisa. Não tem nada a ver com o trabalho, mas eu já estava esquecendo de novo!
Pulou da cama, correndo até onde estava o case do violão. Após retirar o instrumento da capa, voltou para a cama, se sentando na ponta dela.
— Você vai fazer uma serenata para mim?
— Não quebra o clima, Kim. — ele reclamou, a fazendo rir pela milésima vez naquela noite. — Eu estou praticando isso há um tempão. Vê se você reconhece pelo som.
Ele se ajeitou de pernas cruzadas, e posicionou o violão em uma delas. Sorriu para a namorada e encarou as cordas do instrumento. Bastou tocar três notas para Sohye levar a mão a frente da boca, surpresa.
— Ah não. Eu não to acreditando! Aaaaaa — ela se sacudiu, igual Yuna quando ficava feliz demais. Taehyung gargalhou com a cena. — Eu amo essa música!
— Você diz isso de todas as músicas da One Direction, Sohye.
— Não, mas What makes you beautiful é um hino, Tae! É tipo, o hino do fandom! Meu Deus!
— Hino do quê? — ele fez careta sem entender nada. — Vocês têm um hino? Tipo hino nacional?
Sohye riu e disse para ele deixar para lá.
— Você aprendeu a tocar por minha causa? Você vai cantar para mim, não vai? Eu não aceito que você tenha me iludido com as primeiras notas só, Kim.
— Eu não aprendi tudo ainda... — ele começou, mas ela interrompeu.
— Você não tem noção como eu sonho com esse momento, Taehyung. Desde a minha adolescência que eu imagino alguém tocando essa música para mim. É o meu sonho!
— Você imaginava o famoso lá do sabonete que o Jin hyung sempre diz? Ele tocava violão também?
— Kim... — ela fechou a expressão e ele riu.
Sohye apertou as mãos nas próprias bochechas quando ele voltou a dedilhar novamente o violão.
— Baby, you light up my world like nobody else. The way that you flip your hair gets me overwhelmed.
— Não, Tae — ela fez bico após o interromper. — Do começo.
— Meu Deus, Sohye. — Taehyung rolou os olhos, voltando para o começo da música.
Ela sorriu, enquanto observava. E ouvindo o Kim tocar, entendeu que talvez não importasse o que as pessoas de fora diziam achar dela. Era ela, Sohye, quem deveria decidir o que achava ter de especial.
E no momento, a Kim só queria acreditar na letra da música que ela tanto gostava, agora sendo cantada por Kim Taehyung, apenas para ela.
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Meus amores aaaa, tudo bem?
Ai que saudades eu estava disso aqui ♥ Minha última semana foi barra, estou bem cansada, fisicamente e mentalmente, mas ler os comentários de vocês me deu um up para continuar, haha. Obrigada pelo carinho de sempre, me sinto sempre tão acolhida aqui na Learning, vocês são especiais demais ♥
Eu fiquei chocada ao ver a quantidade de directioners presentes nesta história, vou marcar um rolê com a Soso e o Jimin, tudo bem? E aí todo mundo pode pedir para o Taehyung tocar umas músicas, pode ser? (Gente, acho que a mais iludida com a Learning, sou eu. Socorro kkkk)
Sintam-se a vontade para contar o que acharam do capítulo, eu sinto que ele tem um arzinho diferente dos outros. Será que é impressão minha?
Vi nos comentários o que vocês acham que vai rolar a partir de agora, mas não vou nem falar muito sobre, porque eu me empolgo e vou soltar spoiler antes da hora kkkk
Tenho entrega de projeto na faculdade, sem ser nesta semana, a outra, e estou só o surto. Não vejo a hora das minhas férias chegarem (pode entrar, 12 de junho!), porque pretendo encher isso aqui de novidades ♥.
Nos vemos logo, viu?
Fiquem bem, e se cuidem.
Abraços, Polly ♥
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