14. people come and some people go and some people ride 'til the end
"As pessoas vêm e algumas pessoas vão, algumas pessoas vão até o fim"
- The Chainsmokers (Family)
domingo, 19h25min
Yuna ultrapassou a porta da lavanderia e observou a tia agachada na frente da secadora de roupas vendo a peça girar lá dentro. Se abaixou ao lado dela, na tentativa de ver se alguma coisa interessante estava acontecendo ali, mas levantou logo depois de não ver nada demais. Ela olhou a cara de boba de Sohye mais uma vez e saiu do ambiente sem entender nada.
Adultos são bem esquisitos, eu hein.
A menininha seguiu até a cozinha cantarolando alguma musiquinha que tinha aprendido na escola e encontrou o pai ajeitando a mesa de jantar. Yuna subiu na cadeira com um pouquinho de dificuldade, mas assim que conseguiu, se sentou no assento de elevação com estampa de bichinhos.
— Pai, a tia Sohye está com algum problema? — Jin olhou a filha confuso, nem tinha visto a menina entrar no cômodo — Ela 'tá lá olhando a máquina secar aquela roupa tem um tempão, eu hein — comentou passando a mãozinha na frente do rosto, ajeitando o cabelo que insistia em cair na frente dos olhos. Jin sorriu para a menina enquanto colocava o prato a sua frente.
— Ela 'tá fazendo isso desde cedo, daqui a pouco não vai sobrar roupa de tanto que ela lava aquilo — Jin alegou — Acho que o problema da sua tia é aqui dentro — ele apontou para o próprio peito, na direção do coração, tentando causar um ar filosófico talvez poético, mas rapidamente foi lembrado que a filha era uma criança quando Yuna arregalou os olhos — Não, não isso Yuyu. — se apressou em dizer, tentando acalmar a menina que tinha levado sua resposta ao pé da letra — Acho que sua tia tá apaixonada — falou por fim, sem saber muito bem como explicar de forma melhor.
— Apaixonada? — Yuna fez cara de nojo só de imaginar Sohye com aquelas bobeirinhas de gente que namorava, igual nas novelas que tia Gaeul assistia no celular. — Por quem? Pelo menino da 1D dentro do guarda-roupas dela? — Jin gargalhou com a implicância dela com os posters colados dentro no móvel da irmã. A cada dia que passava Yuna se parecia ainda mais com a Sra. Go, e principalmente com ele mesmo.
— Não, Yuyu. Algo me diz que é pelo menino que foi lá na cafeteria esses dias. — Yuna fez carinha de quem não entendeu nada e Jin sorriu em resposta. Ele a pegou no colo, a levando até o banheiro para lavar as mãos. No caminho de volta eles encontraram com Sohye com o casaco xadrez no braço, quase o abraçando, indo em direção ao próprio quarto. — Esse troço ainda está inteiro? Você lavou isso o dia todo — Jin comentou exagerado e Sohye parou no meio do caminho encarando o irmão, pode-se dizer que o fuzilando com o olhar. Naquele momento ele descobriu exatamente onde e com quem Yuna tinha aprendido a fazer aquilo.
— Ei garota, calma — Jin sacudiu uma das mãos como quem dizia para ela terminar o trajeto e Sohye voltou a seguir o caminho até o outro cômodo. Yuna esperou ela sair e pediu ao pai para se aproximar. Jin se abaixou ficando da altura dela.
— Papai, aquele casaco é do Taehyung — sussurrou com a mãozinha ao lado da boca, como quem contava um segredo e observou o pai olhar na direção da escada. Jin arqueou a sobrancelha. Taequem? — Ele estava com aquela blusa ontem na aula de dança do tio Jimin e do tio Hobi, eu tenho certeza — ela continuou, se lembrando de quando abraçou o garoto, vulgo o derrubou no chão. Seokjin se levantou e guiou a menina pelos ombros até a cozinha novamente. Depois de a colocar na cadeira se sentou do outro lado a encarando.
— Será que são as mesmas pessoas? — Jin se perguntou em um tom baixinho sendo encarado de volta pelos olhinhos amendoados da filha — Esse Taeyeon aí é amigo dos seus professores de dança? — Yuna assentiu, depois de falar para o pai que era Taehyung e não Taeyeon. — Tá, esse Taealgumacoisa aí, você o conhece? — Yuna assentiu de novo — E como ele é? — Jin falou baixinho realmente curioso,mas com medo de que a irmã o ouvisse. Ele praticamente se debruçou por cima da mesa para fofocar com a filha. Yuna olhou para cima parecendo pensar.
— Ele é bem alto, anda de metrô todo dia e gosta de Ursos sem curso. — ela parou por um momento — Ah, ele toca violão e canta também, mas não é kpop, ele canta aquelas músicas tristes que o tio Kookie gosta — Yuna sorriu com as bochechinhas redondas emoldurando o rostinho fofo e finalizando aquela análise super bem feita. Jin piscou os olhos e encarou a filha sem saber o que responder. Quando perguntou foi por pura curiosidade e não sabia muito bem quais informações queria sobre o garoto, talvez algo relacionado a aparência para comparar e tirar a dúvida se era o menino da cafeteria, mas era meio óbvio que eram aquelas as informações que ele iria conseguir vindas de uma criança de 6 anos. — Ele é muito legal, papai. Eu vou deixar ele namorar a tia Sohye se ela quiser. — completou fazendo o pai sair de seus pensamentos e rir.
— Então você gosta dele? — ele perguntou e a criança concordou com a cabeça— Ah, então 'tá tudo bem! — ele falou sacudindo as mãos relaxado. Aquilo já era meio caminho andado para saber que o garoto era gente boa. Jin gostava de comparar Yuna a aqueles cachorrinhos que sabiam se alguém era bom ou não apenas pelo cheiro. Ele não sabia se a filha também diferenciava as pessoas pelo olfato, mas vai saber, né?
— Ah, que bonito! — Sohye entrou na cozinha assustando os dois — Meu Deus, vocês dois juntos com a vovó já podem apresentar um jornal sobre a minha vida, seus fofoqueiros — ela se sentou ao lado da menina que riu com a mãozinha na frente da boca, envergonhada.
— Ué, eu preciso me manter informado dos assuntos dessa casa — Jin esclareceu com a típica expressão que ele fazia quando estava indignado com alguma situação — Se você não me fala mais, eu tenho minha informante — Yuna riu porque adorava quando o pai era bobinho assim. Sohye meneou a cabeça enquanto se servia.
— Então quer dizer que para eu namorar eu preciso da sua autorização? — a garota perguntou a Yuna com um ar divertido.
— Uhum — a menina concordou, movimentando a cabeça para cima e para baixo — Já que eu vou precisar dividir você com ele, então eu acho que precisa ser alguém legal para você ficar feliz. — Sohye sorriu da convicção com que a menina falou aquilo. Era incrível para ela, como futura professora de educação infantil, e principalmente como tia de Yuna, observar como a cabecinha da sobrinha tinha todo um jeitinho especial de chegar às suas próprias conclusões. — E o Taehyung é legal — ela resmungou, crente que Sohye não tinha escutado.
— Obrigada por se preocupar comigo, ok? — Sohye agradeceu a menina que lhe deu um sorrisinho fofo em resposta. Jin pegou o pratinho de Yuna começando a colocar a comida para a filha.
— Sem arroz, sem ervilha e sem cenourinha, papai. Só quero o bócolis — avisou a Seokjin apontando com o dedinho para cada coisa. O pai a encarou surpreso se perguntando de onde vinha todo o atrevimento daquela criança.
— Só um pouquinho, ok? — ele apontou para o arroz e ela negou com o rosto — Yuyu, você não pode comer só brócolis. Escolhe pelo menos mais duas coisas — sugeriu, mas ela negou com a cabeça, novamente. Ele suspirou, Jin estava exausto daquela semana, a cada dia que passava a cafeteria parecia estar cada vez mais cheia. Pediu socorro a irmã, com o olhar cansado de quem tinha trabalhado praticamente o dia inteiro e que tudo o que queria era finalizar aquele domingo com a filha de banho tomado e barriguinha cheia.
— E se, a gente fizer algum desenho que você gosta muito? — foi Sohye que sugeriu algo a se fazer daquela vez e Yuna a olhou curiosa — O que você aprendeu na escola essa semana? — questionou. A garotinha pareceu pensar por um tempo, até dizer bem empolgada que tinha aprendido a escrever "leão". — Então o que acha de mostrar para o seu pai como você faria o leão com essa comida deliciosa que ele fez para a gente? — Sohye disse, com uma empolgação que Jin achou até engraçada. Era como se ela incorporasse a versão "tia Sohye" quando ia falar com quem tivesse menos de 10 anos. O irmão não entendeu de cara qual era a ideia de Sohye, mas já imaginava que ela iria apelar para o lado lúdico e simbólico para convencer a menina.
— Ok! — a criança falou depois de colocar o dedinho no queixo parecendo pensar — Eu acho que o rostinho dele pode ser de arroz — ela apontou para o prato e, depois de entender a ideia da irmã mais nova, Jin colocou um pouquinho no centro — e o olhinhos de ervilha — ela esperou o pai colocar os grãozinhos no canto do prato e transformando uma cenourinha ralada em uma boquinha, ela ajeitou tudo em cima do círculo de arroz, formando um rostinho feliz.
— E que tal se a juba do leão também for de cenoura? — Jin perguntou a filha, que concordou feliz porque achou uma ótima ideia. Para ela era somente porque a juba do leão lembrava aquela cor, para Jin era a chance de a fazer comer o legume que era sempre um sacrifício. Sra. Go provavelmente teria uma síncope se visse o neto e a bisneta brincando com comida daquela maneira, mas o que importava para Jin era que aquilo iria para o estômago de Yuna no final.
Depois que os dois já tinham montado praticamente todo o rostinho do leão, e Yuna fez questão de encher de brócolis ao redor apenas porque ela queria comer, Jin agradeceu a irmã com um olhar cúmplice de quem não sabia o que faria sem ela. Ele desejava que todo pai ou mãe cansados pudessem ter a sorte de ter uma tia Sohye para ajudar em momentos como aquele e ele lhe era muito grato por todo o auxílio que ela lhe dava em relação a Yuna, não somente ali naquele momento, mas desde o nascimento da menina. Seus ouvidos agradeciam imensamente o fato de que a filha não tinha começado a gritar fazendo pirraça por não querer comer.
— Papai, eu acho que eu sou uma artista — Yuna declarou, encarando o pratinho maravilhada com a obra que tinha feito. Jin riu porque fazer aquele leão levou bem menos de 10 minutos e evitou outros vários minutos de Yuna argumentando sob lágrimas que odiava comer cenouras e que aquilo era comida de coelho.
— Ficou realmente muito bonito, Yuyu — ele elogiou —, mas todo artista precisa comer o jantar todinho para ficar mais criativo ainda, sabia? — ela o olhou surpresa porque não sabia daquilo, e depois de concordar, pegou a colherzinha e levou do arroz a boca.
Jin expirou como se tivesse ganhado uma guerra! E apesar dele saber que não teria paciência para fazer aquilo todos os dias, pelo menos naquele, ele tinha consciência que tinha evitado muito chororô e desespero para que ela comesse só mais uma colherzinha da refeição.
Depois de terminarem o jantar e Sohye lavar a louça, ela deixou o irmão mais velho e a sobrinha na sala assistindo algum episódio de Pororo e foi até seu quarto. A menina se jogou na cama e pegou o celular abrindo o grupo que tinha criado para resolver as coisas do seminário da feira de profissões: das três pessoas, uma respondeu a pergunta de Sohye se alguém queria ser o líder para dividir as tarefas do que cada um deveria fazer.
A resposta não passou de "ah, você pode ser se quiser" e ela nem reclamou da falta de interesse da remetente da mensagem já que pelo menos a menina tinha respondido, diferente dos outros dois que apenas visualizaram.
E nem era drama ou preocupação excessiva de Sohye com aquele trabalho, Gaeul já tinha a convencido a relaxar um pouco mais em relação a ele, mas já fazia quase uma semana que ela tinha enviado as mensagens, o que ela considerava muito tempo para ninguém se manifestar sobre um trabalho da faculdade. Não era possível que só ela quisesse tirar uma nota boa naquilo. Sohye suspirou e foi até a escrivaninha se sentando na cadeira, pegou o notebook e iniciou a pesquisa sobre alfabetização e letramento na educação infantil.
Eram 22h30min quando ela terminou de digitar o último tópico no arquivo de texto. No dia seguinte ela iria mandar o que tinha dividido para cada um e esperava que os outros integrantes a poupassem de se acharem no direito de reclamar. Eles só teriam que pesquisar e enviar seus tópicos em um arquivo para que ela pudesse colocar nos slides de apresentação. Não era tão difícil assim.
O grupo deles tinha ficado com um tema que era de interesse de Sohye e depois da pesquisa que fez, ela até estava empolgada, porque era um dos assuntos mais questionados na feira já que muitas pessoas não sabiam que havia todo um estudo pedagógico em cima da diferença que existia entre uma criança reconhecer uma letra, saber escrever e ler e do que era saber interpretar e entender o que estava escrito.
Sohye esperava que os tópicos que tinha separado agradassem a professora Song e ela estava disposta a dar o melhor dela para que aquilo acontecesse. Só esperava que os outros membros pensassem o mesmo.
segunda-feira, 7h48min
Aquela segunda poderia ter sido apenas mais uma típica e atrapalhada segunda-feira na vida da família Kim, mas não foi isso que aconteceu. Depois de tomar banho e vestir sua jardineira jeans de sempre e seu all star cúmplice de muitas caminhadas, Sohye foi até a cozinha e em frente a cafeteira encheu a caneca com café e o tomou daquele jeito mesmo, sem açúcar, sem leite, ou qualquer outra coisa que amenizasse a cafeína da bebida.
Mas naquele dia, Seokjin, sabe-se lá o porquê, comentou que ela deveria se sentar e tomar café direito com eles. Ela negou e o irmão mais velho fez piada de que a cada dia que passava o paladar dela estava mais parecido com o da mãe, o que gerou um certo desconforto entre os dois depois.
Sohye pediu para que ele não a comparasse a Haydée e Jin respondeu sorrindo e tentando deixar o ambiente mais leve do jeito dele, que aquele exagero a fazia parecer mais ainda com ela, já que até então ele só estava falando de excesso de café e não de personalidade.
Sohye apertou os lábios tentando se controlar para não falar nada muito grosseiro porque ela sabia que depois se arrependeria. Era o jeito do irmão de tentar ajeitar as coisas, mas infelizmente quando se tratava daquele assunto, ela não conseguir rir junto com ele. Sohye não sabia se ele tinha aceitado tão bem aquela "fuga" da mãe por ser bem mais maduro que ela e não se importar ou se ele simplesmente fingia muito bem que não ligava.
Jin disse que não era culpa dele ela entender errado e Sohye ficou chateada com aquela resposta. A verdade era: se quisesse tirar a paciência de Sohye e deixá-la atônita e sem saber o que responder, era só a comparar a mãe.
Quando ele percebeu o erro que cometeu e se levantou para ir atrás da irmã — essa que bateu a porta da frente da casa indo para a varanda principal —, Yuna se atrapalhou enquanto observava os dois sem entender muito bem o que estava acontecendo e derrubou o copinho de pinguim, cheio suco, no próprio uniforme. Aquilo fez o homem ter que dar atenção primeiro a filha agora com a roupa encharcada e com carinha de choro porque nunca tinha visto o pai e a tia brigarem daquela maneira.
Sohye, sentada na escada na frente da casa, até lutava contra o sentimento de querer colocar a culpa de toda a situação em que eles se encontravam na mãe, mas era quase inevitável. Era inevitável ela não pensar que eles poderiam estar vivendo quase que uma vida harmônica de família de comercial de margarina completamente diferente da que estavam agora.
Se Haydée não fosse embora, ela poderia continuar a viver com a mãe na casa que sempre foi deles e não "de favor" com o irmão mais velho e a sobrinha. Sra. Go poderia morar com elas, e não com a filha mais velha que não perdia a chance de jogar na cara que ela tinha sido a principal responsável para que Haydée entrasse na vida deles, colocando duas crianças mestiças na família e estragando com a felicidade antes nunca inabalada da perfeita família Kim.
Não era como se ela não amasse Jin e Yuna, mas era no mínimo desconfortável imaginar que ela estava interferindo na família que Jin agora construía.
E se Jin e Sunhee ainda estivessem juntos? Ela moraria com eles? Ou continuaria com a avó e com a tia? Jin tinha feito de tudo para que a avó morasse com eles também, mas a senhora não quis. E também não quis deixar Sohye ficar mais tempo com ela e Misuk com o discurso que não seria bom para a neta ficar perto da casa em que eles viveram com os pais por tanto tempo.
Mas e se não tivesse como escolher? Ela teria ficado com elas, não é?
A cabeça da Kim parecia que iria explodir a qualquer momento.
Ela era grata demais pelo irmão a ajudar com a mensalidade, gastos pessoais e com tantas outras coisas, mas tinha plena noção que aquilo estava longe de ser obrigação dele. Não era a primeira vez que Sohye pensava naquilo e até já tinha feitos os cálculos se dava para bancar, com o dinheiro do estágio, um lugar para dormir e a mensalidade da faculdade. Mas ela precisava ser realista: ainda tinha que levar em consideração o dinheiro das contas, alimentação e do transporte. Teria que desistir do intercâmbio, era óbvio, mas aquilo fez Jin ter um ataque quando ela comentou daquela ideia. Para o irmão, Sohye desistir de fazer aquela viagem estava fora de cogitação. Seria algo que o faria acreditar que tinha falhado com a promessa que fez a si mesmo de cuidar dela depois de todo o caos que a menina viveu. Ele sabia que aquele era um sonho muito grande e que ela se dedicou por muito tempo por ele para abrir mão assim.
Sohye não gostava nem de tocar no assunto, mas ela sabia que a mágoa que guardava da progenitora fazia mais mal a ela do que a qualquer outra pessoa. Ela até duvidava que alguém na família Kim pensasse naquela situação do jeito que ela pensava, já que todos pareciam fingir que nada tinha acontecido, mesmo que a vida de todo mundo estivesse de pernas para o ar até os dias de hoje.
Ela já tinha tentado de inúmeras maneiras entender os motivos da mãe ter abandonado a família e ter voltado para a França na fase de luto que eles viviam, mas sempre que tentava se colocar no lugar da mulher, Sohye sentia que nunca seria capaz de largar os filhos sozinhos em outro país, por mais que nenhum dos dois fossem mais crianças.
A partida do pai era o momento deles se unirem, não era? De um cuidar e dar força para o outro, não de partirem os laços e cada um seguir um caminho.
O que Haydée fez simplesmente não fazia sentido na cabeça de Sohye.
Yuna apareceu na porta da frente enquanto arrastava a mochilinha pelo chão, com uma calça escura e um suéter amarelo no que pareceu ser uma tentativa de Seokjin da roupa da filha não ficar tão diferente das cores do uniforme que agora já estava separado para ir para a máquina de lavar. Por cima a garotinha vestia a jaqueta puffer vermelha que parecia a fazer sumir dentro das próprias roupinhas.
Sohye que até então estava sentada na escada encarando algum ponto inalcançável, se virou para a sobrinha que a observava calada. Eram poucas, raras até, às vezes que Jin e Sohye discutiam e nunca havia sido na frente de Yuna. Agora a tia olhava para a menina e o olhar tristinho no rosto dela fez o coração doer de culpa. Culpa de fazer aquilo na frente dela, culpa de ter distorcido o comentário do irmão mesmo ela sabendo que ele não tinha o feito por mal.
Antes que conseguisse formular qualquer frase para se desculpar, ouvi-se a buzina da van escolar na frente da casa e Yuna caminhou até o portão, acompanhada do pai que ultrapassou a porta no mesmo instante. A garota sentiu os olhos arderem, mas nenhuma lágrima saiu deles. Às vezes ela pensava se já não tinha esgotado sua cota de choro para aquela vida, já que a Sohye criança que era famosa por chorar a todo momento. Há tempos que o chorar de Sohye não passava de olhos marejados e talvez poucas lágrimas que escapavam por seus olhos raramente.
Assim que Jin voltou para o quintal deles e entrou no próprio carro, Sohye voltou em casa pegando as bolsas no hall, depois foi até o veículo e se sentou em silêncio no banco de passageiro. Ela colocou os fones e se encolheu no banco, a cabeça encostada na janela.
Brigar com Jin era a pior coisa que poderia acontecer naquela manhã.
14h
Sentada em dos banquinhos do parquinho observando as crianças correrem de um lado para o outro entre os escorregadores e balanços, Sohye pensou se não deveria se levantar e tentar se distrair com elas. A cena da "briga" com o irmão não saía de sua cabeça e a manhã na cafeteria não tinha sido das mais calmas já que como o movimento foi grande, além dela estar exausta, Jin quase não saiu da cozinha, diminuindo suas chances de ao menos tentar se desculpar. O dia não tinha sido de todo ruim porque ao menos os integrantes do grupo do trabalho agradeceram por ela ter separados os tópicos de pesquisa e de quebra ainda conseguiu marcar uma reunião com eles na próxima semana.
Gaeul surgiu em sua frente e lhe esticou metade de uma tangerina, sentando-se ao seu lado de novo.
— Só pegou uma? — Sohye perguntou a amiga, colocando um gomo de tangerina na boca e mastigando.
— Oi, querida amiga! Como tem passado? Também estava com saudades, espero que seu final de semana tenha sido ótimo! — a menina falou fazendo drama — E sim, só tem uma. Já foi difícil conseguir essa com uma das cozinheiras, você ainda queria duas? — Sohye sorriu meio triste para ela, que arqueou a sobrancelha em resposta — Está tudo bem? Desde que chegou você está com essa carinha — Gaeul questionou. Sohye meneou o cabeça como quem dizia para a amiga deixar para lá. Ela até pensou em insistir, mas resolveu deixar de lado por enquanto. — Posso perguntar sobre sábado? Jungkook disse que você e Taehyung saíram depois da aula das crianças — ela jogou no ar o gomo de tangerina e tentou pegar com a boca, mas bateu em seu rosto e caiu no chão. Sohye riu das bobeiras de Gaeul e agradeceu por a ter como amiga, pelo menos havia sido a única naquele dia que tinha a feito sorrir. Ela esperou a menina pegar a parte da fruta no chão, jogar na lixeira e voltar a se sentar em seu lado. Gaeul a encarou esperando que ela falasse alguma coisa.
Ainda era novo para Sohye que pensar em Taehyung a fazia ter um sentimento bom dentro do peito, até se esquecendo um pouquinho das coisas que estavam a incomodando durante todo aquele dia. Ela sorriu se lembrando do que tinha sido o dia de sábado, desde o começo até o final, e como o menino Kim tinha se preocupado com ela em todos os momentos. Aquelas memórias vieram até Sohye como um edredom quentinho em uma noite fria e resultou em um suspiro bobo e pode-se dizer apaixonado, no final. Ela se sentiu a mocinha apaixonada pensando em seu par romântico naqueles filmes antigos que avó gostava tanto de assistir. Gaeul levou as mãos a frente da boca bloqueando um possível grito.
— Vocês se... — Sohye concordou e Gaeul ficou em polvorosa, batendo palminhas e tudo! A menina riu do exagero da amiga, Taehyung não tinha sido o primeiro cara que ela tinha se envolvido depois que elas se tornaram amigas, mas nenhum deles tinha causado aquela reação na menina. Gaeul sendo a personificação de hipérbole, sem que Sohye esperasse, pulou na outra a abraçando.
— Gaeul a gente só se beijou — Sohye falou em uma falha tentativa de atenuar, meio como se ela mesma não estivesse querendo agir igual a amiga.
— Que eu já achei que levou séculos para acontecer — retrucou, se soltando do abraço e a olhando —, e vamos combinar que oportunidades não faltaram, 'né? — insinuou, arqueando as sobrancelhas. — Vocês dois são bem lerdos — Sohye riu e teve que concordar: aquele beijo tinha levado mesmo um tempo considerável para acontecer.
Ela resumiu a tarde no abrigo, a chuva e a cena nos corredores da estação para a amiga se apressando nas palavras, porque logo teria que levar as suas crianças para a sala e Gaeul teria que voltar a sala dela para buscar os menores para o outro intervalo.
— Nós nos falamos domingo, mas ele estava ocupado e eu também estava arrumando umas coisas em casa, então não conversamos mais. — Gaeul assentiu e pela carinha dela dava para saber que ela esperava uma continuação do capítulo da história — Foi isso, Gaeul — Sohye explicou e a amiga fez careta sem acreditar.
— Só? — Gaeul questionou e Sohye concordou com a cabeça.
— Tenho que lembrar de entregar o casaco dele hoje no metrô. — acrescentou. Gaeul arqueou as sobrancelhas de forma extremamente maliciosa.
— Hm, então você ficou com a roupa dele — a menina comentou e Sohye quis, pela primeira vez no dia, gargalhar. Gaeul era impossível.
— Não Park, não leva para esse lado. Ele me emprestou o casaco porque o meu estava muito molhado e pegamos chuva. — Sohye explicou, mas o sorriso no rosto da amiga não se desfez. Ela até ficou curiosa para saber o que Gaeul estava imaginando que eles poderiam ter feito em uma estação de metro.
'Tá, talvez fosse melhor ficar sem saber o que se passava na cabeça dela.
— Ok, Ok, mas onde eu acho um desses? — Gaeul a questionou e fez bico depois. Sohye riu sozinha da mania da amiga de levar tudo para o lado fantasioso e sonhador. Talvez o temporal não tivesse sido nada romântico; nem eles na escada da estação de metrô torcendo a própria roupa encharcada; nem Taehyung quase chorando por causa da máquina fotográfica e nem ela preocupada com o celular e o fato de não ter dinheiro sobrando para comprar outro. Sohye até ficou em dúvida se elegia o beijo deles com ela respirando completamente errado ou as lambidas que Taehyung ganhou de Pati, como a parte mais romântica de sábado. Mas só de estar com Taehyung, tudo aquilo tinha valido a pena.
E depois ela dizia que Gaeul que era a exagerada.
O som de passarinhos, que era o sinal do intervalo, tocou e não demorou muito para que as crianças, com a ajuda das professoras, formassem cada turma a sua fila para voltar para a sala. O coração de Sohye voltou a pesar quando a turminha de Yuna passou por ela. Daeho lhe deu um tchauzinho meio murcho, sem graça, e a sobrinha apenas a encarou por alguns segundos antes de olhar para frente e seguir os amiguinhos cantando a musiquinha que sua professora tinha começado.
Sem beijinhos e sem abraços na tia Sohye, como acontecia todo final de intervalo.
— O que acabou de acontecer aqui? — Gaeul questionou surpresa e um tanto quanto confusa com a cena. Sohye respondeu um "depois te explico", se levantou e depositou no rosto o melhor sorriso que conseguiu ao se aproximar de suas crianças para as alinhar em uma fileira, uma atrás do outra.
16h30min
Quando naquela manhã Sohye achou que nada poderia ser pior do que começar o dia brigando com o irmão, ela sequer imaginava que Yuna iria preferir segurar na mão de Gaeul ao invés da dela. Se arrependimento pintasse de vermelho, Sohye estaria do mesmo tom da capa da chapeuzinho.
A culpa de ter sido grossa com Seokjin já estava a consumindo e ainda ter que lidar com a sobrinha se afastando toda vez que ela tentava puxar algum assunto, estava doendo ainda mais. Yuna devia estar no mínimo assustada com o que tinha acontecido naquela manhã e ela não sabia nem como se aproximar da menina para conversar, porque sabia que se fizesse isso teria que mexer em feridas que envolviam um passado que Sohye não queria reviver.
Ela não queria falar sobre a mãe com a pequena Yuyu. Sohye não queria falar sobre aquele assunto com mais ninguém, na verdade. Cada vez que reviviam o nome de Haydée naquela família, parecia que tudo virava de cabeça para baixo mais uma vez. Por ela, Yuna nunca nem saberia o nome da avó, mas como a criação dela dizia respeito a Seokjin e a Sunhee, e não a Sohye, de vez em quando a ouvia deixar escapar que tinha conversado com Haydée por vídeo chamada. Sohye apenas fingia costume e não comentava nada.
Elas entraram no vagão e Yuna como de costume se sentou ao lado de Taehyung, mas arrastando Gaeul para sentar do outro lado impedindo Sohye de se aproximar. Taehyung estranhou, mas não falou nada. Sohye sentou no primeiro banco dos quatro, do outro lado do menino e deixou um suspiro cansado escapar.
Ela sentiu o menino segurar uma de suas mãos. As mãos de Taehyung sempre eram quentinhas, mas ali pareciam quentes até demais. Ela o olhou com mais cuidado e notou que estava um pouco encolhido dentro da jaqueta puffer verde militar e atrás da máscara de tecido preta. O rosto de Taehyung sempre tão iluminado e alegre, parecia pálido e ele tinha os olhos cansados. Apesar disso, não deixou de a olhar e, mesmo por baixo da máscara, sorrir quando percebeu estar sendo observado por ela.
O garoto teve um sobressalto quando Sohye soltou a mão da dele e a levou até seu pescoço de forma inesperada. De primeiro achou que ela abaixaria sua máscara e o beijaria ali mesmo, na frente de Yuna e de Gaeul e de todas aquelas pessoas no vagão, mas a expressão da menina pareceu mudar para perplexidade.
— Você está se sentindo bem? — ela perguntou, sussurrando para que só ele ouvisse. Taehyung assentiu — Tae, você está ardendo em febre — argumentou, realmente preocupada, enquanto passava a mão do pescoço para testa. Sohye reparou que os fios de cabelos por cima de sua mão até estavam meio suados.
— Tae? Onde fica o Kim e o hyung? — ele tentou fazer piada, mas a voz estava mais rouca que o normal e Sohye notou ele engolir a saliva com certa dificuldade.
— Taehyung, é sério. Tenho quase certeza que você ficou gripado. — ele negou com a cabeça, como quem dizia que não era nada demais — Foi do temporal de sábado, não foi? — ela o questionou — Nós devíamos ter esperado passar. Que ideia idiota a minha achar que dava tempo de chegar na estação — ela sorriu agoniada se sentindo realmente idiota.
— Ei, não foi culpa sua. Eu fui porque eu quis e não tinha como adivinhar que íamos pegar aquela chuva toda — ele falou baixinho — Não foi sua culpa, okay? — o garoto falou novamente, enfatizando as palavras. Mas talvez não adiantasse muito ele repetir aquilo outras trezentas vezes, porque Sohye já tinha aceitado que a culpa dele estar doente era dela e nada a faria acreditar em algo diferente daquilo. — Chegando em casa eu tomo um chá e fico melhor, talvez tenha sido só da mudança do tempo. — ele tentou justificar, meio atrapalhado com a frase que ouvia a mãe dizer sempre quando ele era criança.
— Sério? — ele concordou. Ela suspirou e fez carinho no cabelo dele, colocando parte para trás da orelha. Sohye só conseguia pensar em como aquele dia tinha sido uma bela de uma grande porcaria e ela estava cansada dele. Encostou a cabeça no ombro de Taehyung e fechou os olhos inspirando o cheiro de canela em seu casaco. Sentiu ele a abraçar com um dos braços, discretamente pela cintura e ela desejou que não estivessem em um vagão de trem tão cheio, porque queria se aconchegar mais ainda nele para ver se aquela sensação ruim passaria, como tinha acontecido no sábado. O momento dos dois não durou mais do que 20 segundos já que a vozinha chata indicou que a próxima estação era a que ela e outras duas teriam que descer. Sohye se afastou e o fitou com um olhar que apesar de triste, havia carinho — Me avisa quando chegar? E promete que vai se cuidar? — ela sussurrou e ele assentiu, lhe dando, por debaixo da máscara, um sorriso singelo.
Kim Taehyung é bonito até doente, a menina pensou, depositando um carinho rápido na nuca dele.
Kim Sohye é linda até com cara de cansada, Taehyung pensou aceitando o carinho no cabelo.
19h30min
Sohye só lembrou do casaco de Taehyung quando passou pela porta de casa. Ok que ela esperava ter outra oportunidade de o entregar, mas a vergonha de parecer que ela não tinha o devolvido de propósito a pegou desprevenida. Ok também que ela tinha levado um tempinho o olhando e mais outro tentando encontrar algum indício do perfume do Kim entre o do amaciante, mas ela iria devolver o casaco sim.
Claro que ia!
Por mais que o dia tivesse sido um bastante bagunçado, a rotina depois da escola não mudou muito. Sohye deu banho em Yuna, que mesmo que não estivesse com vontade de conversar, respondeu às perguntas da tia educadamente com alguns "uhum" e "aham" e juntou alguns brinquedos do quarto da menina os colocando no baú. Tomou o seu logo depois, mas nem demorou muito tempo ali, já que sabia que se ficasse muito tempo sem fazer algo, iria começar a se torturar com pensamentos. Enquanto a menina ficou em seu quarto brincando com as pecinhas de lego, Sohye foi até seu, se deitando em sua cama.
Ela estava se sentindo mal pela situação com Yuna e com o irmão e agora ainda estava preocupada com Taehyung. E até tinha chegado uma mensagem dele avisando que já estava em casa, mas quando ela perguntou como ele estava se sentindo, o garoto não respondeu. Sohye decidiu que não iria insistir em uma conversa e que talvez ele estivesse ocupado no momento e fosse a responder depois. Ela suspirou cansada e virou-se na cama, encarando o céu que começava a escurecer, pelo vidro da janela.
Sohye acordou algum tempo depois, com batidas discretas na porta. Ela até achou que tinha ouvido errado, mas então Seokjin perguntou baixinho se podia entrar. E não era muito a cara dele falar baixinho, então Sohye entendeu que era sério e com toda certeza sobre a discussão deles dois. Ela se levantou da cama ainda meio sonolenta e assim que abriu a porta, viu o irmão com uma expressão meio tristinha assim como a que Yuna estava o dia todo, o que lhe doeu mais uma vez a lembrança do que aconteceu.
— Eu não queria te acordar — Jin falou meio sem graça, ajeitando a franja. Sohye negou com o rosto, sorrindo mais sem graça ainda. Abriu espaço para que o irmão entrasse no quarto, não se preocupando com a bagunça na escrivaninha ou com as bolsas jogadas no chão. Jin a conhecia bem o suficiente para saber que sua organização era muito mais presente nas planilhas do que no próprio quarto.
— Eu queria mesmo falar com você — pontuou.
Eles se sentaram na cama e ficaram por algum tempo em silêncio, nenhum dos dois sabendo como começar aquela conversa. Sohye não querendo tocar no nome de Haydée novamente, Jin inquieto sabendo que se falasse o nome da mãe a deixaria mais tensa do que já estava.
— Desculpa — Sohye foi quem falou primeiro. O mais velho a olhou em silêncio. Era bem desconfortável para ele olhar para a irmã mais nova sabendo que ela tinha tanta dificuldade com assuntos envolvendo a mãe e mesmo assim, a achar tão parecida com ela. Sohye podia não em nada na aparência, se não contasse pela cor dos outros ou dos cabelos, mas em personalidade, ela e Haydée tinham a mesma dificuldade de expressar as coisas que sentiam.
— Eu não devia ter falado aquilo, Soso — Jin comentou sem jeito enquanto coçava a nuca.
— É não devia mesmo — Sohye resmungou o que fez uma feição engraçada passar pelo rosto do homem —, mas eu distorci um pouco as coisas, e eu sei que não falou por mal — o rapaz assentiu, porque realmente não tinha sido a intenção.
— Eu tenho certeza de que não foi fácil para você, ela ter ido dessa forma. Não foi para mim também, mas eu sei que não tem nem comparação uma coisa com a outra — ele sorriu desanimado, encarando as próprias mãos. Sohye e Seokjin nunca tinham sentado para falar sobre aquilo, e por mais que ela tivesse tanta curiosidade para saber o que ele achava sobre, agora vendo o irmão tão vulnerável daquela forma, não sabia se queria continuar com o assunto. Jin era tipo o seu super herói, seu Anpanman. Aquele que lutava contra as forças do mal e que apesar de não ter muitas coisas a oferecer, sempre dava o seu jeito para ajudar quem precisava. O ver tão afetado daquela forma a deixava meio sem chão.
— Eu não consigo entender, Jin — falou baixinho, a voz vacilando —, quem faria isso com os próprios filhos? — perguntou, meio magoada, e aquilo fez Jin reparar que a irmãzinha mais nova ainda precisava dele para desabafar quando as coisas ficavam complexas demais.
Se para Sohye era difícil ver Jin daquela forma, para Jin não estava longe de ser diferente. Sohye tinha sempre aquela máscara de que nada a atingia, que era sempre muito forte e que mesmo fazendo milhares de coisas ao mesmo tempo, estava sempre feliz. Para Sohye nunca havia tempo ruim se envolvesse se doar a outras pessoas e ele vivia se cobrando para não dar mais responsabilidades para a irmã, porque sabia que ela não negaria e só acumularia mais coisas para resolver.
— Eu também, por muito tempo não entendi, mas depois de tudo o que eu passei com a Yuna e a Sunhee eu consigo entender um pouco o lado dela. — ele parou expirando pesadamente, controlando o choro que sabia que estava a caminho — Ela teve medo.
— Medo do que, Jin? Ela simplesmente acordou uma semana depois do nosso pai... — ela se interrompeu e sentiu a garganta apertar — ... ela pegou aquela maldita mala vermelha e foi embora. — Sohye falou e as palavras pareciam rasgar-lhe a garganta de tão afiadas que saíram.
— Eu também não consigo esquecer daquela mala — Jin sorriu triste, os olhos marejados. — Eu não quero defender ela, Sohye. Sério. Só acho que ela teve medo de não dar conta. De não ser o suficiente depois de tudo o que aconteceu. — o garoto tentou manter um pensamento linear, mas era isso o que Jin era: apenas um garoto. Por fora ele até poderia tentar manter aquela banca de adulto responsável — com algumas doses de adolescente bobão, é claro —, mas por dentro ele sentia a falta da mãe tanto quanto Sohye. A vida tinha o feito crescer rápido demais e ali a menina reparou que também não era fácil para ele.
— E a melhor solução que ela teve foi se mandar para o outro lado do mundo? Largar a gente para trás? — Sohye mais afirmou do que perguntou.
E então, Jin suspirou e disse: — A França é a casa dela.
— A casa dela deveria ser onde eu e você estamos, Jin. Nós somos a família dela. Não aquelas pessoas que não apoiaram o relacionamento dela com o papai e a deixaram ir embora sem se importar se ela viveria em um país completamente diferente do que ela viveu a vida inteira. — Sohye cuspiu aquelas palavras com mais raiva do que dor. Porque doía sim pensar que a mãe preferiu voltar a ficar com eles dois, mas a raiva era maior por ela ter escolhido os Beaune aos Kim. Jin ficou em silêncio porque não soube mais o que dizer para tentar a acalmar. Ele entendia Sohye, e em grande parte concordava com ela. — Não quero mais falar sobre isso, mas também não quero que ela destrua mais alguma coisa na minha vida. Eu não quero te perder, Jin. — Sohye falou baixinho. Apesar dos olhos estarem vermelhos, nenhuma lágrima desceu. Talvez já tivesse gasto todas as lágrimas que Haydée merecesse que ela deixasse cair por ela.
— Se depender de mim, ela não vai tirar mais nada de você, ok? — ele puxou a irmã mais nova para um abraço e a aconchegou ali. — Eu sinto muito por tudo o que aconteceu, por hoje de manhã, por 7 anos atrás. — Jin acariciou o cabelo da menina, os olhos já não sendo capazes de segurar as lágrimas.
— Você não teve culpa por nenhuma dessas coisas ter acontecido — Sohye sussurrou, o rosto abafado na camiseta do irmão.
— Eu sei, mas eu sinto muito assim mesmo — ele apertou mais os braços envolta dela e eles ficaram ali por mais um tempo. Sohye tentando assimilar que o irmão também tinha sentido o impacto do abandono tanto quanto ela e Jin tentando colocar as ideias no lugar, depois de ter conseguido colocar aquilo tudo para fora depois de tanto tempo.
Era impressionante pensar que a ação de uma única pessoa tinha desencadeado tanto.
— A Yuna está chateada comigo — Sohye resmungou ainda abraçada ao irmão.
— Ah — Jin exclamou —, ela acha que você está brava com ela — finalizou. Sohye se afastou e o encarou, sem entender — Foi ideia dela te chamar para sentar e tomar café com a gente. — Sohye abriu a boca, surpresa, mas entendendo o que tinha acontecido. Ela se sentiu boba. Não era porque ela estava sempre quietinha na mesa que ela não estava prestando atenção ao o que acontecia. Os olhinhos amendoados de Yuna estavam sempre atentos a tudo o que acontecia à sua volta — Posso trazer ela aqui? — ela ouviu o irmão perguntar e concordou o vendo sair pela porta logo depois, provavelmente seguindo para o quarto da filha.
Ela pegou o celular, em busca de alguma resposta de Taehyung, mas ao não ver nenhuma notificação do rapaz se sentiu inquieta. Ela não queria parecer desesperada o rondando, mas era aceitável ela ficar preocupada depois de ver o estado que ele estava no metrô, certo?
Antes que ela se arrependesse pensando demais sobre, enviou uma mensagem para Jimin, perguntando se sabia como ele estava. Como o menino era o do tipo que tinha o celular com um membro do corpo, não demorou muito para a responder, dizendo que o amigo estava deitado desde que chegou e que agora estava saindo da farmácia com comprimidos de gripe para Taehyung. Ela suspirou se sentindo culpada novamente. Se tivesse negado o pedido de Taehyung e tivesse ficado em casa estudando o garoto não estaria naquela situação. O dia tinha sido ótimo para ela, mas para o Kim tinha resultado em uma gripe horrível. Parabéns, Sohye.
Ela o agradeceu e deixou o celular de lado quando ouviu a porta ser aberta devagarinho, e Yuna olhar pela brecha dela, com vergonha de entrar. Seokjin estava atrás da menina e tinha as mãos nos ombros da filha, como quem a incentivava a falar com a tia. Sohye a chamou com uma das mãos e a menina entrou no cômodo, parando um pouquinho longe a cama ainda.
— Oi, tia Sohye — ela falou, ainda sem jeito —, o papai disse que você não está brava comigo, é verdade? — Sohye concordou e sorriu para ela— Então você não vai embora da nossa casa? — a menininha perguntou a tia, que arqueou uma sobrancelha confusa.
— Como assim ir embora da nossa casa, Yuyu? — Jin perguntou a filha, antes que a irmã falasse alguma coisa.
— É que as pessoas saem de casa quando brigam, não é? Foi assim com a mãe e o pai do Dae. O pai dele mora em outra casa agora. — Jin fitou a filha sem saber o que falar e Sohye também ficou surpresa com aquela lógica da menina.
— Senta aqui, Yuyu — Sohye deu tapinhas no espaço a sua frente na cama. Yuna foi até lá e depois de certo esforço, conseguiu subir e se sentar de frente pra tia. Jin se sentou ao lado dela e mexeu no cabelo da menina — São situações diferentes, Yuyu. As pessoas depois que casam às vezes deixam de gostar uma das outras como namorados e preferem ser só amigos, foi o caso da tia Yuri e do tio Jiho — Yuna assentiu, demostrando que entendia.
— Igual o papai e a mamãe, não é? — ela questionou e Sohye assentiu.
— Eu e a tia Sohye somos irmãos, e não tem como a gente deixar de ser irmão... eu acho — Jin falou fazendo uma careta confusa depois, o que fez Sohye querer rir. — E se ela quiser ir embora, a gente tranca ela dentro do banheiro. — falou no ouvido da filha, como quem sussurrava, mas mantendo o tom de voz normal, dando para Sohye ouvir. A menina abriu a boca fingindo espanto o que arrancou gargalhadas de Yuna.
— Então nem a tia Sohye, nem o papai vão sair de casa? — Yuna perguntou e eles negaram com o rosto — Ufa.
— Só tem uma pessoa aqui que não falou se vai continuar morando nessa casa, Soso — Jin falou para irmã e ela assentiu. Os dois encararam Yuna depois e ela olhou de um para o outro e arregalou os olhinhos entendendo o que eles queriam dizer.
— Eu também não vou sair da nossa casa — falou, negando com o rostinho de forma rápida.
— Ufa — Seokjin e Sohye falaram juntos, imitando a reação da menina.
— Se eu for embora, o que vocês vão fazer da vida de vocês? — ela perguntou. Aquilo soaria bem mais convencido, se não fosse dito por uma criaturinha de 6 anos com olhinhos brilhantes e bochechas rosadas. Sohye e Jin riram.
— Meu Deus, você é muito filha do Jin mesmo — a tia comentou, encarando a garotinha.
— Porque eu sou bonita igual ele? — ela apontou para o pai, que assentiu com um sorriso bobo no rosto pensando que tinha criado a filha direitinho. Óh céus.
— Socorro, como eu vou aguentar mais tempo com esses dois convencidos? — Sohye perguntou exagerada e se jogou para trás na cama, como quem desmaiava.
— Escadinha de urso? — Jin perguntou, e antes que a irmã pudesse pensar em fugir ele e Yuna já tinha se jogado sobre ela.
— Vocês são muito pesados, eu vou ligar para a vovó para contar que fizeram isso de novo. — falou com dificuldade, soterrada pelo irmão e pela sobrinha.
— Liga então, eu vou contar que vocês brigaram e ela vai dar uma bronca em vocês dois. — Yuna disse gargalhando e tentando se segurar no pai para não cair do topo da pirâmide que eles fizeram.
— Ei, mas eu saio perdendo dos dois jeitos. — Jin reclamou, ainda jogado em cima da irmã. Sohye deu tapinhas nele tentando o empurrar, mas sem sucesso. Jin fez careta. — Você é muito chata, eu hein. Bem que eu pedi um cachorrinho, mas acharam que era melhor uma irmãzinha. — fez drama.
— Papai... — Yuna o chamou — ... falando em ter irmãzinha...
— Pipoca? Eu ouvi pipoca? Quem quer pipoca? Porque eu quero pipoca — ele se mexeu fazendo Yuna cair no colchão e se levantou indo em direção a porta depois.
— Ninguém falou de pipoca, ele ta ficando surdo, tia Sohye? — a menina se sentou atrapalhada fazendo a tia rir — Eu falei irmãããzinhaaaa, não pipocaaaaa. Irmãzinhaaaaaa — a menina desceu da cama em um pulo, correndo atrás do pai depois. Sohye se ajeitou rindo e tentando respirar direito novamente.
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21h14min
Com as mãos ocupadas por uma cartela de antigripal e um copo d'água, Jimin empurrou a porta do quarto de Taehyung com o quadril e foi até a cama do amigo. O garoto, meio pálido e com olheiras, com um moletom bege grande demais e o cabelo quase todo para cima como se tivesse levado um choque, estava praticamente soterrado no meio dos edredons. Com muito custo o Park conseguiu o convencer a se sentar e tomar o remédio e ele fez careta ao sentir o comprimido descer pela garganta.
— Sohye mandou mensagem — Jimin falou sentando na ponta da cama, observando Taehyung, com cara de sono, colocar o copo na mesa de cabeceira. Ele arregalou os olhos se virando para encarar o amigo.
— O que você falou? — Taehyung questionou de volta, com certa dificuldade para falar.
— Que você estava jogado na cama e com febre, ué — o Park disse como se fosse óbvio e Taehyung revirou os olhos —, era para falar o que? — Jimin rebateu — A menina 'tava morrendo de preocupação porque você só falou que tinha chegado em casa e depois sumiu e não falou mais nada.
— Não queria a deixar mais preocupada — resmungou fazendo bico, igualzinho a Sohye.
— Foi exatamente o que você fez, TaeTae — Jimin sorriu para o amigo — Quis fazer a versão sul coreana de Dançando na chuva, é?
— É Cantando na chuva, Jiminie — Taehyung disse rindo dele.
— Não importa, é tudo na chuva — o loiro falou meio sem paciência. — Tentou ser romântico agora 'tá aí cheio de catarro escorrendo pelo nariz — comentou rindo e Taehyung jogou o travesseiro no amigo. Jimin ia pegar Michelangelo para jogar nele de volta, mas o garoto foi mais rápido e o pegou o abraçando.
— Você devia saber, futuro licenciado em dança contemporânea — Taehyung o provocou apoiando o queixo na pelúcia e ele revirou os olhos dizendo que ele não precisava ser um dicionário ambulante para dar aulas —, e foi um acidente, não ficamos na chuva de propósito — se justificou, se virando para o lado e espirrando logo depois. Jimin fez cara de nojo enquanto o outro usava o lenço de papel.
— Namjoon hyung disse que não precisa ir amanhã nem depois, ele falou com o chefe de vocês — Jimin o avisou e ele fez bico reclamando — Deixa de ser besta Taehyung, queria eu ganhar dois dias de folga. Minha chefe é capaz de me fazer dar aula com 39' de febre, aquela doida. Não vejo a hora de abrir meu estúdio com o Hobi hyung — o menino sonhou alto fazendo o amigo rir.
— É que a exposição que está lá é tão legal — Taehyung fez bico novamente e Jimin riu porque até ele já tinha notado que ele estava agindo como Sohye.
— É melhor você ficar em casa, TaeTae — o menino desistiu e assentiu. — Você precisa de mais alguma coisa? Eu estou exausto, preciso me deitar — o moreno negou com o rosto — Ok, qualquer coisa me grita... — ele parou por um segundo pensando na situação do Kim —, tá, não tem como você gritar. Me liga então — Taehyung riu com o jeito do amigo.
— Obrigada, Jiminie — ele agradeceu ao loiro enquanto ele se levantava e seguia até a porta — Boa noite.
— Boa noite, TaeTae — ele saiu encostando a porta do quarto, mas a abriu novamente e colocou o rosto no espaço depois — Manda mensagem para a Sohye, bobão.
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Oi ♥
Esse capítulo teve bastante da relação da Sohye com o Jin e a Yuna, um pouquinho da amizade da Gaeul e da Sohye (que ainda vai ter mais espacinho dedicado a ela então se preparem!) e um pouquinho dos soulmates da nação, Vmin.
A história da Sohye em relação a mãe dela é um pouco complexa e isso vai ser contado aos pouquinhos aqui na Learning. Há várias questões ainda, mas elas vão acontecer com calma, principalmente porque a relação delas duas tem grande influência na personalidade da Soso e vocês vão percebendo isso naturalmente.
Eu quero muito que vocês se sintam inseridos na história. Não quero que fique algo meio "de fora", por isso que várias partes dela acontecem não só entre a Soso e o Tae, mas dos dois com o restante dos personagens também. Quero que vocês vivam e sintam a Learning, sabe?
Espero que tenham gostado, esse capítulo é um dos que considero muito especial ♥
Ontem foi meu aniversário e eu sei que já agradeci na atualização de sépia, mas vim aqui também porque eu não sei como agradecer o tanto de amor que tenho recebido aqui e isso fez o meu dia ser mais ainda especial. Vocês não fazem ideia do quanto eu amo ler os comentários de vocês e conhecer um pouquinho como vocês enxergam as minhas histórias. É muito bom saber que minhas palavras chegam de uma forma tão bonita em vocês. Leio cada uma das palavrinhas que deixam aqui e sério, obrigada!
No próximo capítulo vai ter muito da Soso e o Tae juntos, então já preparem os coraçõezinhos para sofrer de amores por esses dois.
Se cuidem e fiquem quietinhas em casa, por favor!!!
Beijos, Polly ♥
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